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SESSÃ0 DE 22 DE ABRL DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de representações, requerimentos e projectos de lei. — Ordem do dia: 1.º parte, continuação da discussão do projecto de lei n.º 6, e sua approvação na generalidade — 2.ª parte, continuação, na especialidade, do projecto de lei n.º 9.

Chamada — 42 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Villaça, Sá Nogueira, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Sousa de Menezes, Telles de Vasconcellos, Barão do Rio Zezere, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Pereira do Lago, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Santos e Silva, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Almeida Queiroz, Mexia Salema, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Marques Pires, D. Miguel Coutinho.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Pequito, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Eça e Costa, Barão do Salgueiro, Conde de Villa Real, Pereira Brandão, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Caldas Aulete,

Van-Zeller, Silveira da Mota, Freitas e Oliveira, Jayme Moniz, Alves Matheus, Gusmão, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, Latino Coelho, Moraes Rego, Nogueira, Lopo de Mello, Lisboa, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Arrobas, Pedroso dos Santos, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Bernardino Pinheiro, Eduardo Tavares, Bicudo Correia, Palma, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Lobo d'Avila, José Luciano, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Mendes Leal, Toixeira de Queiroz, Camara Leme, Affonseca, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

Ácerca das propostas tributarias do governo, e especialmente a da contribuição industrial

1.ª Da associação industrial portuense.

2.ª Dos industriaes dos artefactos de seda, algodão, linho e lã, da cidade do Porto.

Ácerca de outros assumptos

Da camara municipal de Beja, pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenharia districtal.

Foram remettidas ás respectivas commissões.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 37-A, que por mim foi apresentado á camara na sua sessão legislativa de 1866, em 12 de abril, e que se acha publicado no Diario do governo n.º 87 do mesmo anno. = José Tiberio de Roboredo.

Requerimentos

1.° Requeiro que seja mandado á illustre commissão de guerra, para sobre elle dar o seu parecer, o requerimento dirigido a esta camara por Antonio José Ferreira da Gama, tenente do regimento de infanteria n.º 18. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado por Valença.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja com urgencia remettida a esta camara copia do processo de syndicancia feita ao administrador do concelho de Macedo de Cavalleiros, José Felizardo Rodrigues de Sousa. = O deputado por Macedo de Cavalleiros, Pereira Lago.

3.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettido com urgencia a esta camara:

I. Copia da syndicancia feita na administração do concelho de Belem, pelo administrador do mesmo concelho, durante as noites de 10, 11 e 12 do corrente mez, com respeito aos suppostos partos de Maria do Rosario.

II. Certidão do escrivão da administração do mesmo concelho, com respeito ás horas da noite em que foram inqueridas estas testemunhas. = O deputado por Belem, Pedro Augusto Franco.

Nota do interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro dos negocios estrangeiros ácerca do conflicto que parece existir entre a corte de Berlim e a nossa, sobre o negocio do navio allemão Ferdinandi Niess. = J. G. de Barros e Cunha.

SEGUNDAS LEITURAS

Proposta

Proponho que a commissão de fazenda, quando discutir o orçamento do ministerio da guerra, tendo em consideração melhorar a situação precaria em que, pela exiguidade dos seus vencimentos, se acham os tenentes coroneis e majores sem commando, os capitães e subalternos de cavallaria e infanteria, e as praças de pret de todo o exercito, trate de estudar os meios de, sem prejuizo do thesouro e conforme os principios de justiça, elevar os vencimentos d'aquelles militares. = João Candido de Moraes.

Projecto de lei

Senhores. — A nova reforma judiciaria no artigo 412.° determina que os inventarios orphanologicos processados perante os juizes ordinarios, e depois de processados com as respostas dos interessados, se as ha, e com a do curador dos orphãos, subam á cabeça da comarca para ahi pelo respectivo juiz de direito ser dada e ordenada a fórma á partilha, baixando depois os processos aos julgados d'onde subiram para se seguirem os ulteriores termos do processo.

Esta rasão, que tinha rasão de ser quando os juizes ordinarios eram electivos, e que quasi sempre eram leigos e ignorantes do direito, deixou de a ter agora, que os juizes ordinarios são bachareis formados em direito, e que são providos por concurso, nos termos do decreto com força de lei de 28 de dezembro de 1869.

Ora, se pela legislação vigente o sub delegado do procurador regio, sendo bacharel formado em direito, exerce as funcções de curador dos orphãos, e como tal responde e indica a fórma á partilha, e claro que por identidade de rasão tambem ao juiz ordinario se deve conceder jurisdicção para a ordenar, visto que, quando não seja mais competente, que o sub delegado, tambem se não deve suppor menos.

Alem de outras rasões de conveniencia que torna superfluo adduzir, milita ainda em favor de uma tal disposição a da commodidade e economia das partes, que se livram

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de fazer continuadas, trabalhosas e dispendiosas jornadas á cabeça da comarca.

A tabella dos emolumentos e salarios judiciaes de 30 de junho de 1864, approvada pela carta de lei da mesma data, marca, e estabelece no titulo 4.°, capitulo 1.°, artigos 50.°, 51.° e 52.° e seus n.ºs e §§, os emolumentos que os juizes ordinarios devem levar pelos actos de sua jurisdição.

Estes emolumentos, senhores, são muito inferiores aos que marca para os juizes de direito, e na maxima parte são taxados em metade.

O legislador, tendo em vista que os juizes ordinarios electivos podendo ser leigos, elles o eram na maxima parte, e que eram proprietarios residentes no julgado, e não poucos até na capital do julgado, e tendo ainda em attenção outras considerações que não escapam á vossa superior illustração, marcou por isso a estes juizes um emolumento mais diminuto do que o que marcou aos juizes de direito, porque estes alem de serem bachareis formados e de terem, quando chegam áquella magistratura, longos annos de importante e aturado serviço, são de mais a mais de fóra da comarca, e por conseguinte tem muito maiores necessidades, cuja satisfação elles só podem procurar nos proventos de seu laborioso e elevado cargo.

Senhores, se porém as rasões expostas eram ellas fundamento solido para estabelecer uma importante differença nos emolumentos de uns e outros juizes, é certo porém que hoje deixaram de o ser uma vez que se poz em execução o citado decreto de 28 de dezembro de 1869, em virtude do qual os juizes ordinarios são bachareis formados em direito, são de nomeação regia, e podem ser de fóra da comarca.

Considerando pois que os actuaes juizes ordinarios estão em circumstancias differentes das dos antigos;

Considerando que as suas circumstancias são incomparavelmente menos favoraveis do que as dos juizes de direito, não só porque estes tem maior ordenado, mas ainda porque os seus emolumentos são muito maiores, tendo como têem jurisdicção em toda a comarca, e com mais largas attribuições, sendo os d'aquelles limitadissimos;

Considerando que não póde exigir-se bom serviço, muito zêlo e dedicação da parte do empregado, por mais zeloso, activo, dedicado e probo que elle seja, sem ser devidamente retribuido, e sem que pelo menos do seu emprego aufira os meios necessarios para a sua decente sustentação;

Considerando finalmente que os actuaes juizes ordinarios, tendo limitados ordenados e limitadissimos emolumentos, difficilmente hão de poder prover á satisfação das primeiras necessidades da vida; por todos estes fundamentos tenho a honra de submetter á vossa esclarecida e illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Os juizes ordinarios, e seus substitutos, quando forem bachareis formados em direito, são os competentes para ordenarem a fórma da partilha nos inventarios orphanologicos, que se processarem nos seus respectivos julgados; ficando por esta fórma e só n'este caso alterada a disposição do artigo 412.° da novissima reforma judicial.

Art. 2.° Os juizes ordinarios, e seus substitutos, quando forem bachareis formados em direito levarão de emolumentos em todos os actos de sua jurisdicção, em processo civil, crime, orphanologico, e nas appellações em processos de coimas, os mesmos que para iguaes actos se acham taxados para os juizes de direito no titulo 3.°, capitulo 1.°, artigo 22.° e seguintes da tabella dos emolumentos, e salarios judiciaes de 30 de junho de 1864, e approvada por carta de lei da mesma data, ficando assim e por esta fórma alterado o titulo 4.°, capitulo 1.°, artigos 50.°, 51.°, 52.º e seus §§ da mesma tabella.

Ari. 3.° As disposições d'esta lei só são applicaveis e exequiveis em relação aos juizes ordinarios e seus substitutos, que tiverem sido nomeados em virtude do decreto com força de lei de 28 de dezembro de 1869.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, sala das sessões, 21 de abril de 1871. = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado pelo circulo de Penafiel.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Ha uma representação dos proprietarios das fabricas de distiliação de melaço, estabelecidas na ilha de S. Miguel, mas tem a direcção = Senhor = e termina dizendo = Pede a Vossa Magestade =, por consequencia não pertence a esta camara, e vae ser remettida ao governo.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa uma representação da associação industrial portuense, contra a proposta da contribuição industrial.

É acompanhada de uma tabella que compara a actual com a que vem na proposta do sr. ministro da fazenda, por onde se vê que a classe dos operarios é augmentada na proporção de 452 por cento, ao mesmo tempo que a classe dos capitalistas e banqueiros é augmentada na rasão de 47 por cento. Ha portanto uma grande desproporção.

Peço a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente, mandando-a publicar no Diario do governo.

O sr. Mello e Faro: — Mando para a mesa um projecto de lei, que vae assignado por mim e pelos srs. Luiz de Campos, deputado por Vizeu, e Mariano de Carvalho, deputado pela Chamusca.

O projecto é o seguinte (leu).

O sr. Pinheiro Borges: — Como tem sido presentes á mesa requerimentos de officiaes que pedem para ser indemnisados das preterições que soffreram em virtude de acontecimentos politicos, mando tambem para a mesa requerimentos de officiaes que contestam aquelles requerimentos, parecendo-me que devem ser tratados na occasião em que a commissão se occupar dos primeiros.

Espero que a commissão os attenderá como for de justiça.

O sr. Dias Ferreira: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da respeitavel classe dos industriaes de artefactos de seda, algodão, linho e lã, da cidade do Porto, reclamando contra a proposta do governo, relativa á contribuição industrial.

A sorte d'esta classe de industriaes está de tal modo ligada com o desenvolvimento da fortuna do paiz, que deve merecer a maior attenção dos poderes publicos. Espero que a illustre commissão de fazenda, a quem vae ser enviado este importante documento, o tome em toda a consideração.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de concelho de Beja, em que, pelos fundamentos que apresenta, pede que se acabe com os engenheiros districtaes creados pelo decreto de 30 de outubro de 1868.

A este respeito já tenho apresentado muitas vezes a minha opinião, e faço-o mais uma vez succinamente declarando a v. ex.ª que, áparte muito pequenas divergencias, me conformo com o fundamento principal d'esta representação; porque me parece que, embora esta lei tivesse rasão de ser quando fosse publicada, porque era o complemento de disposições anteriores sobre este assumpto, eu, que me não conformava com essas disposições anteriores, não posso conformar-me com a disposição d'esta lei.

Parece-me que é conveniente aproveitar este ensejo para se fazer uma reforma radical sobre a legislação que regula a viação municipal e districtal, e como complemento a esta a que se refere a representação.

Apresenta a camara municipal muitas rasões, como a de ter uma despeza muito superior á que tinha, se não existissem os engenheiros districtaes, que para muito pouco servem nas circumstancias em que está, porque são pouquissimos os fundos de que as camaras podem dispor para applicar á viação districtal.

Ha muitos concelhos que têem pago para a viação districtal avultadas quantias.

Diz-me aqui o sr. José Tiberio, que o concelho a que s. ex.ª pertence ainda não tem uma unica estrada estudada. Eu acho que é um pouco injusto que todos os concelhos

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estejam a pagar, embora na devida proporção, sem d'ahi tirarem resultado (apoiados).

Mando pois para a mesa a representação, e peço a v. ex.ª que lhe dê o devido destino.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 6

O sr. Presidente: — Passa-se á primeira parte da ordem do dia. Continua a discussão do projecto n.º 6; e tem a palavra o sr. Quintino de Macedo.

O sr. Quintino de Macedo: — Sinto que me faltem todos os dotes para tornar amena e agradavel uma discussão, qualquer que seja o assumpto de que se trate. Esta falta torna-se agora tanto mais sensivel, tendo de me occupar de uma questão por sua natureza arida, que affectando os interesses de diversas classes, cada uma d'ellas julga a rasão da sua parte, e em que o espirito influenciado por muito diversas circumstancias, muitas vezes sáe do campo dos principios para o das personalidades.

É realmente custoso para mim entrar n'esta discussão; e a não ser o rigoroso dever que me impõe a qualidade de relator da commissão de guerra n'este projecto, eu certamente não tomaria parte activa na discussão d'elle, limitando-me talvez a dar silenciosamente o meu voto conforme a consciencia me indicasse.

Todavia, como o negocio me foi distribuido, e como se levantou opposição ao parecer emittido no projecto pela maioria da commissão e pelo governo, eu entendo que é minha obrigação apresentar todas as rasões oppostas áquellas com que se pretende defender a opinião contraria, a fim de que se conheça que a commissão estudou profundamente este negocio, e que não o resolveu senão depois de attender a todas as circumstancias que podiam influir rasoavelmente na sua deliberação.

Tratando de responder á argumentação produzida pelo illustre deputado e meu amigo o sr. José Elias Garcia, quando atacou a opinião da commissão, eu tenho precisão de, primeiro que tudo, tratar de duas proposições que s. ex.ª avançou, porque se ellas não fossem erroneas parava completamente a discussão, ou, por outra, não teria ella rasão de ser, era desnecessaria por inutil.

Uma d'estas proposições é a seguinte:

Disse s. ex.ª: «O decreto de 1868, que reorganisou o arsenal do exercito, foi depois alterado e modificado pelo decreto de 11 ou 13 de dezembro de 1869, que reorganisou a arma de artilheria e com ella o arsenal do exercito; logo o decreto de 1868 não está já em vigor, e como não está em vigor escusado é interpreta-lo».

Diz mais: «A 2.ª direcção da secretaria d'estado dos negocios da guerra, comprehendendo empregados civis com graduações militares, empregados em differentes serviços de administração e contabilidade militar, e os empregados das repartições extinctas do arsenal do exercito, que entraram no quadro da mesma direcção em virtude do decreto de 1868, já não existe, porque tendo sido modificada a organisação da secretaria da guerra em 1869, em virtude d'esta organisação os empregados da referida 2.ª direcção passaram a constituir o quadro da direcção da administração militar. Logo, como não existe a 2.ª direcção, para o quadro da qual passaram os empregados do arsenal, nem o decreto de 1868 que reorganisou o arsenal do exercito está em vigor, pois que foi modificado pelo decreto de dezembro de 1869 que reorganisou a arma de artilheria, é desnecessario tratar do mencionado decreto de 1868 sobre que recáe a interpretação, porque já não vigora, é lei caduca.

Não é assim com referencia á questão que nos occupa, porque o dito decreto de 1868, no artigo 1.° dos transitorios, tendo estabelecido um novo systema de administração no arsenal do exercito, de que logo tratarei, estabeleceu que os empregados que pertenciam a certo numero de repartições entrassem no quadro da 2.ª direcção da secretaria da guerra. D'este artigo é que partiu o direito para estes individuos entrarem n'aquelle quadro.

O decreto de 1869 que reorganisou a arma de artilheria, é verdade que modificou as circumstancias do arsenal do exercito, e revogou não só o decreto de 1868, mas toda a legislação anterior, na parte que se oppozesse á execução do mesmo decreto de 1869.

O artigo 1.° dos transitorios do decreto de 1868, que mandou passar os empregados do arsenal em questão para a secretaria da guerra, não sómente se não oppõe em cousa alguma á execução do outro decreto de dezembro de 1869, pelo que não foi por elle revogado, mas tambem produziu muito naturalmente todos os seus effeitos antes da publicação d'este ultimo, e produzi-los ía do mesmo modo depois d'esta publicação; logo, se ha duvidas sobre a interpretação que deve dar-se á doutrina d'este artigo, é claro que ha precisão de a esclarecer, para que fiquem claramente definidos os direitos que resultam para estes empregados da nova ordem de cousas estabelecida antes do dito decreto de 1869, e que este não alterou em cousa alguma n'esta parte.

Outro decreto de 1869, que modificou a organisação da secretaria da guerra, e em virtude do qual os empregados do quadro da 2.ª direcção passaram a formar o da direcção da administração militar, não modificou em cousa alguma os direitos d'estes empregados, deixando por conseguinte em vigor a legislação anterior, por que elles eram e são regulados: ora como na data da publicação d'este decreto já os empregados do arsenal do exercito estavam encorporados na referida 2.ª direcção, em virtude da doutrina do artigo 1.º dos transitorios do decreto de 1868, que reorganisou o arsenal, o qual artigo vigora para produzir todos os seus effeitos, e como é a doutrina d'este artigo que, mandando-os entrar no quadro da 2.ª direcção da secretaria da guerra, lhes dá collocação na respectiva escala de accesso, claro é que, se ella offerece duvidas, ha precisão de a esclarecer.

A outra proposição que o illustre deputado avançou, a qual sendo procedente tambem tornaria inutil a discussão a este respeito, é que o artigo 1.° dos transitorios do decreto de 1868 em questão, sobre o qual recáe a interpretação expressada no parecer da commissão, não carece de interpretação authentica. Vejamos.

O referido artigo manda que os empregados das extinctas repartições do arsenal do exercito entrem no quadro respectivo da secretaria da guerra segundo as suas graduações, ou fiquem supranumerarios emquanto não se derem vacaturas, e no § manda que as vacaturas que se derem no quadro da 2.ª direcção do ministerio da guerra não sejam preenchidas por individuos estranhos emquanto houver empregados supranumerarios.

Ao illustre deputado e meu amigo bastou-lhe a leitura d'este artigo e seu §, para concluir que os empregados do arsenal deviam ficar collocados na escala de antiguidades á esquerda dos da secretaria da guerra, e d'esta conclusão deduziu como consequencia necessaria a desnecessidade da interpretação authentica. Não é assim.

O artigo 1.° dos transitorios ordenou que os empregados das extinctas repartições do arsenal do exercito entrassem no quadro respectivo da secretaria da guerra, segundo as suas graduações, ou ficassem supranumerarios emquanto não houvesse vacaturas.

Garantindo a lei a estes empregados a entrada no novo quadro, segundo as suas graduações, garante-lhes como era natural e justo estas graduações, e com ellas a categoria correspondente do emprego; e garantindo-lhes o emprego, não lhes garantiu sómente o direito de se chamarem aspirantes com graduações de alferes ou tenentes, ou primeiros officiaes com as graduações de major ou de tenente coronel, etc.

Com este garantia do emprego, na categoria a que haviam

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sido elevados, continuou a exigir-lhes o cumprimento de todos os deveres e a sujeição a todas as obrigações inherentes ao mesmo emprego, assim como lhes garantiu todos os direitos correspondentes.

Parece-me que a respeito d'esta doutrina não se offereceu duvida nem contestação alguma. Entre os direitos que estes empregados tinham, ha o direito á promoção. Direito este que igualmente pertencia e pertence aos empregados que eram da 2.ª direcção da secretaria da guerra.

Este direito, tanto para uns como para outros dos empregados em questão, tem, segundo a lei, como principio regulador, a antiguidade relativa no respectivo quadro, suppondo-se as outras circumstancias identicas.

Como ambos se juntaram no mesmo quadro subsistindo o direito de serem promovidos, restava saber como é que n'este novo quadro a antiguidade de uns e outros devia ser considerada.

As palavras do decreto não declaram explicitamente o modo por que deve ser contada esta antiguidade relativa, e d'aqui nascem todas as duvidas e contestações que se têam offerecido; a legislação anterior não previu nem regula de uma maneira positiva a hypothese; o poder executivo não podia, pois, resolver legalmente as duvidas suscitadas, e d'aqui nasce a necessidade da interpretação authentica ou legislativa.

Parece-me que fica claramente demonstrado que a interpretação authentica do artigo do decreto com força da lei, em questão, é necessaria para que se possa regular n'esta parte, d'uma maneira segura e justa, os direitos relativos de uns e outros empregados.

Sendo necessaria a interpretação authentica, como acabo de demonstrar, resta saber quaes são as fontes d'onde devemos derivar esta interpretação. Essas fontes não podem ser senão a apreciação da expressão da lei e do seu fim especial, deduzida da comparação e da analyse da mesma lei, em todas as suas diversas disposições; do estudo circumspecto e claro das condições especiaes de uns e outros empregados em questão; da legislação correlativa e dos factos analogos que se tenham dado. É o que vou fazer, para demonstrar que de todas estas diversas fontes e origens resulta, como consequencia natural e justa, que a interpretação dada pela commissão e pelo governo, tal como é manifestada no parecer que se discute, é exactamente a que é conforme com o fim especial da lei, com a rasão e com a justiça.

O decreto de 1868 que reorganisou o arsenal do exercito teve os seguintes fins.

O arsenal do exercito antes d'esta epocha era dirigido pelo inspector geral. Esta entidade, o inspector geral, tinha em resumo as seguintes attribuições, que exercia por intermedio da respectiva secretaria e mais officiaes e empregados seus subordinados. Recebia e arrecadava os fundos destinados para o arsenal do exercito, ordenava a sua distribuição e emprego nos diversos estabelecimentos; ordenava a escripturação e contabilidade em harmonia com as leis geralmente estabelecidas; e ordenava ou exercia tambem, por intermedio dos mesmos agentes seus subordinados, a fiscalisação d'estes mesmos fundos, de que elle ordenava o emprego e a distribuição, e da respectiva escripturação.

Comprehendeu-se que era erroneo e contraproducente que, não obstante a probidade, a honra e a dignidade que se suppõe sempre em funccionarios d'esta natureza, o individuo que dirigia e admministrava, fosse o mesmo que fiscalisasse, isto é, que se fiscalisasse a si mesmo, e julgou-se conveniente separar e confiar a entidades differentes a direcção technica do estabelecimento, a execução dos serviços technicos, a escripturação e contabilidade, e a fiscalisação administrativa; e assim a lei encarregou a inspecção technica do estabelecimento a uma entidade chamada tambem inspector geral; encarregou a arrecadação, distribuição e emprego dos fundos a conselhos administrativos nos diversos estabelecimentos fabris; e encarregou a parte administrativa, isto é, a concentração de todas as contas e sua fiscalisação, á 2.ª direcção do ministerio da guerra, que era a repartição encarregada da execução da maior parte dos outros serviços de administração militar.

A mesma lei que fazia esta concentração de serviços na secretaria da guerra, entendeu tambem que devia concentrar ahi o pessoal especialmente encarregado de os executar.

Eis pois o pensamento da lei, do qual se deprehende, pelo que respeita á questão que nos occupa, que a collocação dos empregados do arsenal no quadro da 2.ª direcção da secretaria da guerra não foi um favor feito a estes empregados, nem um castigo, mas sim o resultado da conveniencia publica que, aconselhando a concentração dos serviços que elles eram destinados a desempenhar em uma outra repartição do estado, á qual estavam confiados muitos outros serviços identicos, aconselhava igualmente a encorporação dos ditos empregados no quadro da mesma repartição.

E alem de se deprehender do pensamento da lei, como acabo de dizer, que os empregados do arsenal foram collocados no quadro da 2.ª direcção da secretaria da guerra por conveniencia do serviço; deprehende-se mais que esta collocação foi o resultado da identidade de circumstancias que se dava entre os mesmos empregados e os do quadro, no qual foram encorporados; para demonstrar o que, quando houvesse duvidas, bastaria referirmo-nos á expressão da lei, quando diz: «entrarão no respectivo quadro da secretaria da guerra», e não no quadro da 2.ª direcção.

Para se comprehender bem o valor da expressão citada é necessario notar o seguinte. Na secretaria da guerra, na occasião em que se realisou a passagem, havia tres differentes quadros de empregados. Havia os empregados da repartição central, composta de amanuenses, officiaes de 2.ª classe, officiaes de 1.ª classe, official maior, etc. propriamente empregados de secretaria d'estado. Tenho receio que me escape alguma palavra que não seja a propria para designar as differentes graduações, ou classes de empregos, porque tremo de que se tire d'ahi argumento no sentido de que pretendo illudir a camara. (Vozes: — Não, não.) Eu creio bem que o meu collega e amigo que hontem fallou, quando notou a circumstancia de eu ter classificado como primeiro official o logar de contador geral, a que correspondia a graduação de tenente coronel, não teve a idéa de querer indicar que eu tinha a intenção de occultar factos que podiam de alguma maneira influir para a justa apreciação da questão. Faço lhe essa justiça (apoiados). Todavia como s. ex.ª notou aquella circumstancia, e não obstante eu acreditar que elle era incapaz de me fazer qualquer injustiça (apoiados), fiz sempre esta advertencia.

Como ía dizendo. Havia um quadro na repartição central, que era composto como acabo de citar. Havia outro quadro, o da 1.ª direcção, que era composto em geral de officiaes militares; e havia um terceiro quadro, o da 2.ª direcção, o qual era formado por empregados civis com graduações militares, destinados para a execução dos serviços de administração militar. Cada um d'estes quadros estava em circumstancias inteiramente differentes a respeito dos outros pelo que respeita ás habilitações, destino, direitos e deveres dos empregados correspondentes.

Porque é pois, sr. presidente, que, dizendo a lei que os empregados das extinctas repartições do arsenal do exercito entrariam no quadro respectivo da secretaria da guerra, e havendo ali tres diversas classes de empregados, se entendeu logo, sem duvida alguma, que aquelles empregados deviam entrar no quadro da 2.ª direcção, e não no quadro dos officiaes de secretaria da repartição central, ou no outro quadro? Parece-me que é claro, que só da perfeita identidade que havia entre os empregados do arsenal do exercito e os da mesma 2.ª direcção, pelo que respeita á natureza dos serviços a que uns e outros eram destinados, aos deveres, obrigações, direitos e graduações que tambem

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competiam a uns e outros, e que nasceu este accordo completo, e sem hesitação, que fez com que, sem que a lei expressamente o indicasse senão pela palavra respectivo, os ditos empregados fossem logo collocados no quadro da 2.ª direcção e não em outro qualquer.

Pelo que acabo de dizer se reconhece, creio que bem claramente, que os empregados do arsenal do exercito foram collocados ou encorporados no quadro da 2.ª direcção da secretaria da guerra, por conveniencia do serviço, e porque havia identidade de circumstancias entre elles e os empregados do quadro em que foram collocados ou encorporados.

E, agora me occorre, permitta-se me fazer ainda uma observação que deriva a sua rasão de ser de algumas palavras que pronunciou o meu illustre collega, notando com certa admiração que eu, quando n'uma das ultimas sessões offereci algumas reflexões a respeito d'este mesmo objecto, tinha usado para exprimir o facto ordenado pela lei de unir no mesmo quadro uns e outros empregados, umas vezes da palavra passagem, outras da palavra encorporação, e outras da palavra juncção.

A este respeito direi que é muitas vezes possivel no correr da discussão empregar-se ou por inadvertencia, ou mesmo por ignorancia, uma ou outra palavra em accepção menos apropriada, mas não me parece que para o fundo da questão valha a pena fazer-se menção de tal circumstancia, a não ser em casos muito excepcionaes, porque finalmente sempre é questão de palavra. Isto quando haja effectivamente o emprego não apropriado da palavra, mas no caso sujeito nem mesmo isso aconteceu, porque houve de facto passagem de um quadro para outro, houve encorporação e houve juncção dos empregados no mesmo quadro.

Eu peço desculpa de fazer estes reparos, que são realmente pequenos para a camara, mas fui a isso forçado pelas observações do meu illustre collega, que não sei se d'ahi mesmo queria deduzir argumento para provar a não procedencia das rasões que offereci.

Progredindo na discussão, continuarei dizendo que, não obstante conhecer-se já pelo pensamento que presidiu á lei e pelas expressões empregadas na sua redacção que ha identidade de circumstancias entre os empregados dos dois quadros, convem examinar mais detidamente e á luz da legislação se effectivamente esta identidade é tal qual se afigura.

Começarei pelas condições de admissão e recorrerei primeiro ao regulamento de 1853, que comprehende a organisação do arsenal do exercito antes de 1868. Diz o cap. 9.º d'este regulamento — da admissão dos aspirantese outros em pregados do quadro (leu).

Exigiam-se ao individuo que quizesse concorrer ao preenchimento de uma vacatura de aspirante no quadro dos empregados das extinctas repartições do arsenal do exercito estas habilitações, alem de todos os outros documentos relativos a costumes, moralidade, etc. o curso da aula do commercio ou o primeiro e segundo annos da escola polytechnica na qualidade de alumno ordinario, como indicação de que tinha todos os preparatorios. E depois d'isso ainda era sujeito a um exame para se reconhecer qual d'elles se apresentava com melhores condições. Aos empregados da 2.ª direcção do ministerio da guerra, para a sua admissão

exigiam-se exactamente as mesmas habilitações, o curso da aula do commercio ou o primeiro anno da escola polytechnica, que exactamente correspondia ao segundo anno n'aquella epocha.

Tenho aqui a lei que regulou isto, que será bom ter para que não possa haver duvida a este respeito (apoiados) (leu). Estão por conseguinte, pelo que respeita a habilitações, em perfeita identidade de circumstancias. Vejamos agora, pelo que respeita ao serviço. Como já disse o serviço d'estes empregados era destinado na organisação das repartições do arsenal do exercito á escripturação, contabilidade e fiscalisação administrativa. É exactamente o mesmo serviço que foram realisar no ministerio da guerra, e agora na direcção de administração militar todos elles estão empregados n'esse mesmo serviço.

Vejamos agora o que acontece com respeito a outra ordem de deveres ou obrigações, e aos direitos de uns e outros.

Para este fim recorrerei á legislação, e note-se que me referirei somente á que está em vigor, e não irei buscar argumentos á legislação de 1824, ou de qualquer outra epocha, já caduca, e que por conseguinte não póde ser applicada á questão.

Antes porém de fazer esta comparação entre os deveres e direitos de uns e outros empregados, permitta-se me fazer algumas reflexões ácerca das graduações militares d'estes empregados, a respeito das quaes o meu illustre collega fez observações, de que se deprehende, pelo modo por que as fez, que eu desconheço a origem e o fim d'ellas.

As observações que vou fazer a respeito das graduações militares d'estes empregados, e a analyse dos seus deveres e direitos segundo a legislação vigente, dissiparão todo o receio que se pretendeu crear de que, adoptado que fosse o parecer da commissão, occorreriam pretensões analogas de empregados de outras repartições e em geral das repartições extinctas; pois que se ficará conhecendo que as circumstancias dos empregados da administração militar, comprehendendo já se vê os do arsenal, estão em circumstancias muito especiaes e completamente differentes das dos demais empregados civis.

Como sabemos, estes empregados de administração militar são destinados para a execução dos differentes serviços que têem por objecto a alimentação, o vestuario, etc. do soldado em todas as situações, a alimentação das cavalgaduras pertencentes ao exercito, os transportes de viveres, forragens, etc.

As operações de um exercito qualquer, por mais bem dirigidas e combinadas que sejam, se não fossem acompanhadas pela execução rapida, prompta e opportuna de todos os serviços de administração, seriam completamente perdidas.

Para que isto não aconteça, é necessario que os empregados da administração militar cumpram os seus deveres, sujeitos á obediencia passiva, com promptidão, energia e acerto, e sem a minima hesitação, como é exigido aos individuos militares, e ainda mesmo quando d'ahi lhes resulte perigo ou contrariedade de qualquer natureza.

Para que isto se possa conseguir, estabelece a lei que estes empregados estejam sujeitos ao mesmo rigor de penalidades, tanto na acção disciplinar ou correccional, como na acção judicial, a que estão sujeitos todos os individuos da ordem militar; os quaes, como é sabido, não estão sujeitos a penalidades reguladas em harmonia com as leis communs, mas sim a outras muito mais severas, até por actos que perante a lei commum seriam considerados virtuosos. Este rigor porém é necessario para garantir a fiel execução dos deveres militares, e por isso os empregados da administração são sujeitos a elle. Como compensação conferem-se-lhes graduações militares, e com ellas garantias, isenções e privilegios como aos officiaes combatentes, e estas graduações e os direitos honorificos correlativos ao passo que são, como disse, uma compensação da sujeição a que ficam expostos estes empregados, é tambem mais um meio de facilitar o serviço dos mesmos empregados, dando-lhes a precisa representação para que sempre sejam respeitados em todas as relações que necessariamente têem de entreter com as differentes entidades militares nas occasiões em que, para execução dos mesmos serviços, têem de estar em contacto com ellas.

Vê-se pois que as graduações militares não são, por assim dizer, um mimo que se faz aos empregados civis da administração militar, sem um fim reconhecidamente util; essas graduações têem um fim essencial, uma rasão de ser que se prende intimamente com as necessidades do serviço,

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e que se torna quasi que uma qualidade essencial aos empregados d'esta natureza.

Não trato agora da questão do uniforme nem da questão de uma banda, mas da consideração relativa a estes empregados pela natureza essencial das obrigações que têem a desempenhar e da sujeição a que devem estar expostos pela natureza especial d'esse mesmo serviço. Esta obrigação não ha necessidade de a impor aos outros empregados da ordem civil, que estão em condições a este respeito inteiramente diversas. As graduações militares, pois, é certo que são honorificas no sentido que não dão direito a exercer qualquer acção de commando sobre as praças de pret ou officiaes combatentes, mas nem por isso é menos certo que ellas imprimem o caracter militar e ligam o empregado á legislação militar.

Mas tudo que acabo de dizer é apenas a rasão philosophica que preside á concessão das graduações militares aos empregados da administração militar, vejamos porém se a legislação positiva indica ou não a mesma cousa.

Diz o artigo 18.º do decreto de 22 de setembro de 1859, que foi o que reorganisou a secretaria da guerra e constituiu a 2.ª direcção (leu).

Vê-se, pois, que as considerações que acabei de fazer com relação ao fim para que se dão as graduações militares, e ás consequencias d'estas, estão perfeitamente de accordo com a legislação positiva; e á mesma legislação a que estão sujeitos os empregados da 2.ª direcção do ministerio da guerra estão tambem os empregados do arsenal do exercito, que já tinham estas graduações desde 1834.

Diz o decreto de 1 de julho de 1834, que approvou o regulamento do arsenal do exercito, no artigo 55.° § 3.° (leu).

Diz tambem o decreto, com força de lei, de 10 de dezembro de 1851 (leu).

Note-se que o decreto de 1844 marcava os direitos, deveres e obrigações dos empregados civis com graduações militares da administração militar.

Todas as disposições d'estes artigos são applicadas do mesmo modo a todos os empregados do arsenal do exercito.

Vê-se, pois, que o que a legislação dispõe com relação a estes empregados civis, está n'este ponto perfeitamente de accordo com o fim especial que se pretendeu conseguir com a concessão das graduações militares a esses empregados, a que ainda agora me referi.

Feitas estas considerações, notarei que quando mesmo se deduzissem argumentos da legislação militar que se refere aos officiaes combatentes, para d'ahi inferir ou tirar argumentos tendentes a indicar o modo de regular certa ordem de direitos dos empregados civis com graduação militar, eu entendo que não se commettia erro, porque a lei estabelece que lhes sejam applicados.

Mas ainda assim, não obstante haver fundamento para poder fazer a applicação da lei dos militares propriamente ditos aos empregados civis com graduações militares, não a faço, e deduzo os argumentos, para justificar a opinião que sustento, sómente da legislação que se refere especialmente a esta classe de empregados tanto do arsenal como da 2.ª direcção.

Feitas estas observações, tratemos de demonstrar que effectivamente estes empregados, alem de estarem em circumstancias identicas pelo que respeita ás habilitações e mais condições de admissão ao emprego, estão tambem pelo que diz respeito aos serviços, direitos, deveres e graduações militares.

Os empregados do arsenal do exercito desde 1834 tinham graduações militares, e os empregados da extincta contadoria e repartição de liquidação, que eram as mesmas repartições a que estava commettido o serviço da administração militar antes de formada a 2.ª direcção da secretaria da guerra, não tinham graduações militares; porém, comprehendendo-se que era necessario que as tivessem,

Deram-lh'as exactamente com as mesmas condições com que tinham sido concedidas em 1834 aos empregados do arsenal do exercito.

Aqui está a legislação. A lei de 18 de setembro de 1844, no artigo 217.°, diz o seguinte (leu).

Vê se pois que esta correspondencia de categorias que existe entre os empregados da 2.ª direcção e os do arsenal do exercito deriva do proprio facto d'estes empregados terem obtido n'aquella epocha as suas graduações, as quaes lhes foram concedidas exactamente nas mesmas condições como a propria expressão da lei o indica. Como, em differentes artigos do mesmo decreto de 18 de setembro de 1844, foram ampliados e creados novos direitos e deveres a estes empregados, foram mais tarde, em 1851, as disposições d'estes artigos applicadas aos empregados do arsenal do exercito, como se verá da leitura que vou fazer (leu).

É claro, pois, que tanto as obrigações e direitos d'estes empregados são identicos, que os de uns foram regulados pelos dos outros, e reciprocamente. Devendo eu repetir que não tenho citado, para justificar os meus argumentos, senão a legislação vigente, e que se refere aos empregados de que tratâmos.

Parece-me, pois, ter demonstrado: 1.°, que os empregados do arsenal do exercito foram passados para o quadro da 2.ª direcção da secretaria da guerra por conveniencia do serviço; 2.°, que as circumstancias de uns e outros d'estes empregados, tanto pelo que respeita ás condições de admissão, como pelo que respeita a deveres e direitos, são perfeitamente identicas.

Sendo assim, como effectivamente é, que mais rasão ha para descontar aos empregados do arsenal qualquer tempo da sua antiguidade, a fim de favorecer os da secretaria da guerra, ou descontar a antiguidade a estes para favorecer aquelles; o mais accommodado á rasão e mais justo é, sem contestação, respeitar a antiguidade relativa de todos no novo quadro.

Assim, não havendo legislação anterior que contrariasse esta interpretação, antes, pelo contrario, sendo toda a que ha em vigor perfeitamente accorde, e sendo do mesmo modo que se resolveu, em casos identicos, tanto na organisação da 2.ª direcção da secretaria da guerra, quando foram reunidas as duas repartições de contabilidade e liquidação, como no arsenal, quando se extinguiram os trens do Porto e de Elvas, a commissão e o governo adoptou-a com a consciencia de que assim opinava perfeitamente accorde com o pensamento da lei de 1868, e com todos os principios de justiça, não prejudicando nem favorecendo uns empregados á custa dos outros.

Parece-me, pois, que está demonstrado que a opinião da commissão é inteiramente baseada nos principios da justiça, e deduzida das verdadeiras origens d'onde deve partir a interpretação authentica de qualquer lei.

Não obstante produzirei ainda mais alguns argumentos, para fazer sentir ainda mais claramente que a referida opinião está em harmonia, tanto com a pouca legislação que a este respeito se refere, especialmente aos empregados civis com graduações militares, como com a que se refere aos officiaes combatentes; e que tambem é accorde com a resolução adoptada em casos identicos.

Emquanto á legislação em vigor, a respeito de empregados civis, existe apenas a regia resolução de uma consulta do supremo tribunal de justiça militar, como já tive occasião de dizer á camara, consulta na qual aquelle tribunal emittiu a opinião de que a todos os empregados que, por conveniencia do serviço, fossem transferidos de uma para outra repartição do ministerio da guerra ou da marinha, se devia contar a sua antiguidade.

Parece que, havendo esta consulta, que depois da approvação regia tem a força de decreto, se poderia basear n'ella o direito; todavia, não obstante haver esta regia resolução para regular a hypothese, ainda assim a commis-

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são não se decidiu só por ella, foi procurar rasões ainda mais solidas para firmar a sua opinião, a fim de ter a certeza de não commetter uma injustiça. E mesmo de outra vez em que aqui me referi a esta consulta foi para responder ao illustre deputado, o sr. Barros Gomes, que me perguntou se tinha sido ou não consultado o supremo conselho de justiça militar a respeito d'esta questão; eu disse então que não tinha sido consultado, e que, quando o fosse, poderia desde logo dizer qual seria a sua opinião, porque estava expressa n'aquella consulta.

Quanto á legislação que se refere propriamente aos officiaes combatentes, supposto que não haja disposição geral a este respeito, todos os factos e leis especiaes que têem sido feitas dão em resultado o principio de que, quando a passagem para quadro differente é a consequencia de conveniencia do serviço, e não de acto proprio, garante se no novo quadro a antiguidade.

Quanto aos factos analogos vou referir alguns, pedindo para notar desde já que não citarei senão aquelles que tenham uma relação directa e immediata com a questão de que se está tratando.

Em 1859, quando se organisou a 2.ª direcção da secretaria da guerra, as repartições de contabilidade e de liquidação em que se tratavam os negocios relativos á administração militar, foram juntas, como se fez em 1868, a respeito do arsenal do exercito, apesar d'aquellas repartições serem distinctas, formarem quadros tambem distinctos e terem os seus respectivos empregados os seus direitos definidos, cada qual em relação ao seu respectivo quadro, procedeu-se da seguinte maneira (leu).

Eis um facto perfeitamente analogo. Os empregados da 2.ª direcção que antes de 1859 constituiam duas repartições distinctas e separadas, com promoções tambem distinctas, mas em que se dava identidade de serviços e deveres, foram juntos era um só quadro; e como a questão era simplesmente de modificação no methodo de serviço, havia rasão para respeitar tanto os serviços de uns como os dos outros (apoiados); e por conseguinte a nova organisação mandou fundir n'uma só escala o accesso da nova repartição. Eis aqui igualmente o modo por que procedeu a commissão com relação ao projecto que se discute.

Podia citar ainda outros factos para fundamentar o parecer da commissão e do governo, porém para não alongar a discussão, e para não cansar a attenção da camara, citarei apenas outro facto a respeito do arsenal do exercito.

No arsenal do exercito, como se prova com a legislação e outros documentos officiaes que tenho presentes, havia não só as repartições do almoxarifado, thesouraria e contadoria, etc. mas tambem as repartições para o serviço da administração dos trens de Elvas, Porto e Faro, com o seu pessoal especial; e não obstante os serviços a que eram destinados serem identicos, as promoções do pessoal d'estas differentes repartições realisavam-se separadamente em cada uma d'ellas e independentemente do pessoal das outras; quer dizer, que nenhum dos empregados de administração dos trens era promovido no quadro das repartições da thesouraria, contadoria e almoxarifado.

Modificou-se o methodo de serviço, foram extinctos os trens, passou todo o serviço para as repartições do arsenal, o pessoal respectivo passou com elle para o quadro de empregados das mesmas repartições, sem que este quadro fosse augmentado em numero, e ahi entraram na escala de accesso sem prejuizo das suas antiguidades: foi até, se a memoria me não falha, a proposito das duvidas que a este respeito se suscitaram, que o supremo conselho de justiça militar deu a consulta a que me referi.

Aqui tem a camara como foram resolvidos casos perfeitamente identicos, sempre conforme o principio estabelecido no parecer da commissão, que é, sem duvida, essencialmente justo.

Não apresentarei mais exemplos para justificar a opinião da commissão, creio ser desnecessario.

Farei agora breve referencia ao processo que, quasi exclusivamente, serviu de base á argumentação do meu amigo e collega, o sr. Elias Garcia.

Esse processo, não sei se completo, se não, está aqui. Parece-me que não é pequeno, e que empregando a palavra volumoso não posso ser classificado de hyperbolico.

Realisou-se a entrada dos empregados do arsenal do exercito para a 2.ª direcção do ministerio da guerra. Estes empregados, conscios de que a rasão e a justiça aconselhavam que lhes fossem garantidas as suas antiguidades relativas, viram depois, quando se fizeram as classificações, que effectivamente estas antiguidades relativas lhes não eram garantidas, e que elles eram collocados todos á esquerda dos que estavam na 2.ª direcção, dando-se o facto de ficarem empregados com trinta e mais annos de serviço á esquer da de outros com tres e quatro annos de serviço.

Os empregados que assim eram realmente prejudicados reclamaram; e o que fizeram na 2.ª direcção do ministerio da guerra, que era naturalmente tambem interessada na questão? Fizeram o que a camara vae ouvir.

No commando em chefe do exercito havia uns empregados denominados assistentes civis, que não pertenciam a um quadro que tivesse differentes categorias e graduações, mas formavam uma classe de empregados, a cada um dos quaes se deu a graduação de tenente por concorrerem com todos os outros empregados militares que havia n'aquella repartição; estes empregados não tinham direito a accesso. Estes empregados, quando se extinguiu o commando em chefe, passaram a addidos para o ministerio da guerra; e diz a lei o seguinte (leu).

Estes empregados não tinham, como disse, direito a accesso, porque não pertenciam a quadro algum.

Foram para a secretaria da guerra na mesma occasião em que se fez a fusão das duas repartições de contabilidade e de liquidação a que ha pouco me referi, mas não entraram n'esta fusão, ficando addidos á secretaria da guerra, só com o direito de serem preferidos para preenchimento das vacaturas de aspirantes da 2.ª direcção ou de amanuenses da repartição central. Como não tinham direito a accesso, este direito só lhes podia provir da sua admissão em alguma das vacaturas de aspirantes ou de amanuenses, e como só desde a data da admissão na vacatura que occorresse é que começavam a contar o direito a accesso que era essencialmente derivado d'este facto e só d'elle, não se lhes podia contar para a promoção o tempo anterior de serviço.

Estes empregados requereram, logo que foram admittidos na classe de aspirantes, a sua antiguidade relativa, ou, por outra, a contagem do tempo de serviço anterior, para effeito de promoção.

Sobre estas pretensões foi consultado o distincto jurisconsulto adjunto ao ministerio da guerra, que era então o sr. Barros e Sá. Este magistrado disse na sua consulta, em resumo, que, até certo ponto, estes empregados tinham rasão, mas que não havia disposição de lei positiva que regulasse esta materia, e que por isso lhe parecia que a questão não podia ser resolvida senão pela interpretação authentica do artigo da lei de 1859, que se referia a estes empregados.

Como esta consulta não resolvesse definitivamente o negocio, e mais tarde este distincto jurisconsulto passasse para o supremo conselho de justiça militar, sendo substituido no ministerio da guerra pelo sr. Sequeira Pinto; suscitando-se novamente a questão, foi este jurisconsulto consultado, e disse que os empregados tinham direito, fundando-se na regia resolução dada á consulta de 1840, a que já me referi.

A repartição, que era a 2.ª direcção, não obstante esta consulta fez um novo relatorio, que submetteu a despacho.

O sr. ministro da guerra de então mandou que fosse consultado o procurador geral da corôa, que era, se bem me lembro, o sr. Almeida e Brito, e este consultou pouco mais ou menos n'este sentido:

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«Conformo-me com o parecer da commissão, em todos os seus considerandos, como se eu mesmo o tivesse escripto.»

Em vista d'isto foi indeferida a petição.

Houve mais pedidos da mesma natureza e mais trabalhos, mas as cousas permaneceram no mesmo pé, e os processos ficaram nos archivos da secretaria.

Como se comprehende desde logo, as circumstancias dos empregados do arsenal do exercito são inteiramente differentes das dos referidos assistentes civis do commando em chefe do exercito, pois que ao passo que para estes o direito a accesso nascia da sua admissão no logar de aspirante, e só d'este facto, para os empregados do arsenal era este direito muito anterior á sua entrada no quadro da 2.ª direcção, e fundado em factos e leis muito anteriores a esta entrada e independente d'ella.

Quando os empregados do arsenal do exercito reclamaram perante o poder executivo as suas antiguidades, na 2.ª direcção da secretaria, em logar de aconselharem que a respeito d'esta nova especie fossem ouvidos os jurisconsultos e os corpos consultivos, classificaram por sua conta estas pretensões de iguaes ás dos assistentes civis do commando em chefe do exercito, tomaram como sendo dados a respeito d'aquellas pretensões os pareceres que tinham sido dados a respeito d'estes, e partindo d'esta base, manifestamente erronea, juntaram-lhe considerandos como aquelles que a camara já ouviu, que na sua sabedoria apreciará devidamente, e a que não careço de fazer commentarios, e assim foi posta a questão por modo que não era facil chegar a uma resolução justa e legal.

Eis a natureza do processo e dos documentos que em geral, e quasi exclusivamente, serviram de base á argumentação com que se pretendeu combater o parecer da commissão. A camara julgará e decidirá.

Tencionava agora adduzir muitas outras rasões, que não são essenciaes para esta discussão, e que derivam da analyse das rasões allegadas em sentido contrario á opinião da maioria da commissão e do governo, pelos empregados que eram da 2.ª direcção, para que a camara reconhecesse evidentemente que a commissão as considerou e pesou todas, e que se não as mencionou no relatorio do parecer, foi por que lhes não encontrou fundamento algum; mas para não fatigar mais a camara, e porque se não apresentaram objecções n'esse sentido, termino por agora aqui as minhas considerações.

Tomarei depois novamente a palavra, se necessario for.

Peço desculpa á camara de a ter fatigado tanto, e confesso-me profundamente grato á benevolencia com que me escutou.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado por grande numero dos seus collegas).

O sr. D. Miguel Coutinho (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª, sr. presidente, que consulte a camara sobre se julga ou não a materia sufficientemente discutida.

O sr. Presidente: — Consulto a camara.

Julgou-se a materia discutida.

O sr. Bandeira Coelho (sobre o modo de propor): — Visto que a camara julgou a materia sufficientemente discutida, declaro que não me acho habilitado para votar sobre este projecto.

Prestei toda a attenção, tanto na commissão de guerra, como na camara, ás rasões apresentadas pelo illustre relator da commissão, e declaro francamente que não sei qual a resolução que devemos tomar sobre esta questão, que julgo melindrosissima...

O sr. Presidente: — Mas qual é o seu requerimento?

O sr. Bandeira Coelho: — Eu fazia tenção de, depois de tomar a palavra o sr. Elias Garcia, mandar para a mesa uma moção, que me parece que conciliava as duas opiniões; mas, uma vez que se julgou a materia discutida, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente ou não que eu mande para a mesa essa moção.

O sr. Presidente: — Não posso consultar a camara. Mas, approvado que seja o projecto na generalidade, o sr. deputado póde apresentar a sua moção quando se discutir na especialidade.

O sr. Bandeira Coelho: — Como ha discussão na especialidade, apresentarei depois a moção.

Posto a votos o projecto na generalidade, foi approvado.

O sr. Mello e Faro: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta de lei do governo n.º 11-D.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na especialidade do projecto de lei n.º 9 sobre a contribuição pessoal

O sr. Mendonça Cortez: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de entrar n'este logar.)

O sr. Pinheiro Borges: — Não tencionava occupar a attenção da camara, fallando ácerca do projecto da contribuição pessoal; limitar-me-ía a votar o parecer da illustre commissão de fazenda, se um dos oradores que me precedeu não me chamasse á discussão, declarando que não votava imposto algum emquanto não se fizessem grandes economias no ministerio da guerra.

Do exclusivismo da declaração e da energia com que o illustre deputado a que me refiro condemnou a despeza feita com o exercito, conclui que, na opinião de s. ex.ª, no exercito existe a causa dos nossos desarranjos financeiros, e que a elle se deve a origem do enorme deficit que tanto afflige o paiz, e ainda que resiste aos sacrificios que a economia lhe possa exigir para minorar os males resultantes das circumstancias precarias do nosso thesouro.

O silencio da parte dos militares que têem um logar n'esta camara, poderia fazer suppor aquella doutrina incontestavel e dar força a uma opinião, que muito respeito, mas que não partilho, não só porque a julgo muito distante da verdade dos factos, como porque a julgo contraria aos principios que regulam a constituição e a manutenção das sociedades, principalmente considerando o estado actual da civilisação deduzido dos acontecimentos que se estão passando na Europa.

O illustre deputado que por este modo me chamou á discussão, tratou este assumpto por incidente: eu seguirei o seu exemplo para me cingir ás prescripções do regimento; e como está em discussão o artigo 1.° do projecto que já foi votado na generalidade, direi a minha opinião ácerca da materia que se discute, e por incidente tambem discorrerei sobre o ponto controverso, quando tratar das relações que entre os dois assumptos existem.

Em má occasião me coube a palavra; em primeiro logar, porque restam apenas cinco minutos para que sôe a hora de terminar a sessão, e em tão curto espaço não poderei fazer todas as reflexões que o assumpto comporta; em segundo logar, porque depois do brilhante e substancioso discurso que acabou de pronunciar o meu collega e amigo o sr. dr. Mendonça Cortez, julgo-me em muito má posição, tanto mais que não partilho a sua opinião.

O artigo 1.° do projecto n.º 9 abrange o systema da cobrança, ponto sobre que versou principalmente a discussão da generalidade, e que na opinião do sr. ministro da fazenda é o mais importante do assumpto.

Depois do discurso feito pelo illustrado relator da commissão, do que foi proferido pelo meu collega e amigo o sr. Barros Cunha, e do modo por que o sr. Alves Matheus defendeu o systema da cobrança por meio de quotas, a materia póde julgar-se esgotada, e na falta de novos argumentos, apenas farei algumas reflexões para justificar o meu voto, e algumas considerações sobre os argumentos apresentados em favor do systema de repartição.

Votei o parecer da commissão, e voto o artigo 1.° do projecto, porque me parece que o systema de quota se approxima mais da exactidão, conhecendo de antemão o contr-

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buinte a parte que lhe compete, e o governo a contribuição que póde exigir (apoiados).

No meu entender o systema chamado de quota e o systema de repartição assentam no mesmo principio. Um e outro são de repartição, a differença consiste que no systema de quota a distribuição do imposto é feita individualmente, e no systema de repartição a distribuição do imposto é feita em globo. Quando todos cumpram com o seu dever, e quando as operações do lançamento sejam feitas conscienciosamente pelo systema de quota, póde chegar-se á exactidão mathematica, emquanto que pelo systema de repartição esta exactidão só por acaso se póde manifestar, ainda que a todas as operações do lançamento presida a melhor boa fé. Quando a má fé acompanhar o processo do lançamento, um e outro methodo são igualmente viciosos, e o thesouro ha de necessariamente ficar prejudicado se as leis e os regulamentos ácerca do imposto não forem cercados das defezas precisas para que a fraude seja descoberta.

O meu collega, amigo e correligionario politico, o sr. Francisco de Albuquerque, a quem conheço ha pouco tempo, mas com quem muito sympathiso, ainda que nas discussões em que temos tomado parte n'esta camara estejamos algumas vezes em desaccordo, notou que as rasões adduzidas em 1860 para passar do systema de quota para o de repartição fossem de novo apresentadas para justificar a passagem do systema de repartição para o de quota.

Vozes. — Deu a hora. — Falle, falle.

O sr. Presidente: — O sr. deputado póde continuar o seu discurso, porque é das praxes da casa não se fechar a sessão emquanto quem tem a palavra deseja continuar. Agora, se o sr. deputado quer que lhe reserve a palavra para outra sessão.

O Orador: — Receio abusar da benevolencia da camara.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Dizia que a estranheza notada pelo sr. Francisco de Albuquerque era muito bem cabida, mas que tinha facil explicação.

No facto notado por s. ex.ª não ha nem contradicção nem incoherencia; é elle a consequencia necessaria da negligencia que os governos não têem querido, ou não têem podido combater, e que se intenta agora reprimir; e portanto não se trata agora de comparar se uns pagam pouco emquanto outros pagara muito, mas de reunir os elementos precisos para que todos paguem em harmonia com as suas posses.

Em 1860 o governo propoz a decima de repartição para augmentar o imposto, sem rectificar as matrizes ou as bases que lhe serviam para o lançamento da contribuição; agora reconhecendo as desigualdades da repartição, vê pelo systema de quota a possibilidade de augmentar a receita do estado, não pela elevação da taxa, porque pouco differe da anterior, mas porque espera que entrem na relação dos contribuintes muitos remissos e refractarios.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Vejo que alguns srs. deputados desejam retirar-se, peço, portanto, a v. ex.ª que me reserve a palavra para continuar na sessão seguinte (apoiados).

(O orador foi comprimentado.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a mesma que vinha para hoje: na primeira parte o projecto n.º 6 na especialidade, e na segunda a continuação do projecto n.º 9.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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