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Discurso que devia lêr-se a pag. 120, col. 1.ª, lin. 56, da sessão n.° 7 d’este vol.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. presidente, se o assumpto de que eu tratava na sessão de hontem não fosse de tanta gravidade, de certo que não teria a ousadia de incommodar ainda hoje a camara, occupando-lhe uma parte da sessão, que será o menos que me for possivel, porque não desejo tomar inutilmente o seu tempo; mas o negocio a que me referi da concessão do credito movel em Portugal a uma sociedade julgo-o de tanta importancia para os interêsses publicos, de tanto momento e de tão grande responsabilidade para o governo, que seria faltar aos deveres que me impõe o meu mandato e á minha consciencia, se deixasse de apresentar á camara, não as objecções, porque não tenho a pretenção de as fazer, mas as duvidas que occorrem ao meu espirito, sobre o direito pue assistia ao governo de fazer a dita concessão, sem dependencia da approvação das côrtes, e sobretudo pela falta de garantia que os estatutos auctorisados pelo nobre ministro das obras publicas dão aos accionistas e ao publico em gera] pela boa gerencia dos fundos confiados áquelle estabelecimento.

Sr. presidente, o codigo commercial nas suas disposições relativas estabelece o direito com que se pódem constituir as sociedades anonymas, e com que o governo póde auctorisar a existencia d'essas mesmas sociedades; mas posteriormente á promulgação do codigo commercial e á disposição do artigo 546.° do mesmo codigo, pelo qual o governo é auctorisado a permittir a existencia legal de similhantes associações, se promulgou a lei de 16 de abril de ISSO que estabelece regras e preceitos que regulam a auctorisação das sociedades que fazem operações de banco.

Se eu podér provar á camara que a sociedade de credito movel de que se trata é um banco, creio que lerei demonstrado que a legislação que deve ser applicada a este caso é a lei de 16 de abril de 1850, e não o codigo commercial portuguez, que não rege na questão sujeita.

Sr. presidente, que a sociedade de credito movel é um banco demonstra-se pelos principios da sciencia economica e pelas disposições dos proprios estatutos. Todos sabem que os bancos são instituições que exercem funcções determinadas. As operações caracteristicas dos bancos são principalmente as de depositos de especies metallicas ou de valores, as de descontos de letras ao commercio e á industria, e as de circulação por meio da emissão de bilhetes. Estas tres funcções podem ser ou deixar de ser exercidas conjuntamente no mesmo estabelecimento, como antigamente acontecia; e creio que seria imprudencia da minha parte e desattenção para com a illustração da camara que eu quizesse fazer, ainda que resumidamente fosse, a historia dos bancos mais notaveis da Europa e da America; a camara sabe perfeitamente que essas instituições têem funccionado por diversa maneira em differentes paizes e em differentes epochas: na historia economica moderna os bancos mais aperfeiçoados effectuam simultaneamente as tres operações indicadas. Se o estabelecimento de que nos occupâmos exercer as funcções de deposito de valores, as de descontos feitos ao commercio e as de circulação por meio de obrigações ou de bilhetes, elle é em toda a sua extensão um banco pròpriamente dito, e a lei dos bancos deve ser-lhe exactamente applicada. (O sr. Nogueira Soares:— Apoiado.) Eu estimo muito que uma pessoa tão competente como o sr. Nogueira Soares approve estas considerações que acabo de fazer acamara, e que aliás são de simples intuição.

Mas será este estabelecimento um banco de deposito? Sem duvida que o é. O governo remettendo á camara os estatutos que approvou por decreto de 6 de dezembro de 1856 habilitou-me a poder examinar as suas disposições, e ver até que ponto a auctorisação concedida pelo poder executivo estava dentro dos limites das suas attribuições. É claro que não tendo nós podido examinar o documento, que era a verdadeira carta organica reguladora das funcções d'esta sociedade, mal podiamos dizer se o governo tinha ou não ultrapassado esses limites: este exame era indispensavel e o ministerio na minha opinião commetteu uma falla em não ter mandado publicar aquelle documento no Diario do Governo. V. ex.ª e a camara sabem que, nos outros paizes aonde se tem feito concessões d'esta natureza, o publico não fica na ignorancia das condições geraes de taes associações; e as leis que regulam esse objecto lêem tanto em conta a dita publicação que a determinam expressamente. A lei de 28 de janeiro de 1856 que auctorisa o estabelecimento das sociedades analogas em Hespanha, ordenou logo a publicação dos estatutos d'essas sociedades, porque se reputa sempre indispensavel acautelar as fortunas particulares dos inconvenientes que podem resultar de similhantes associações, e dos perigos em que podem incorrer os incautos que vão ali depositar os seus capitaes, a fim de não ficarem sujeitos ás eventualidades da fraude ou da má gerencia.

Permitta a camara, que no exame que estou fazendo eu me regule pelos estatutos impressos que aqui tenho, porque le-los assim é mais facil do que em manuscripto, e como as differenças são muito pequenas, seguirei os que tenho presentes, já que desgraçadamente foi preciso que um jornal estrangeiro publicasse os estatutos da nossa sociedade de credito movel portuguez, para os vermos impressos.

O artigo 4.º dos estatutos auctorisados pelo decreto de 6 de dezembro de 1856 define as funcções d'este estabelecimento de credito movel, e no § 8.º diz assim fallando do que póde fazer o dito estabelecimento: «Receber em deposito toda a casta de valores em papel ou em numerario, mediante um premio convencionado, e a sua restituirão em epochas previamente fixadas. »

O que quer isto dizer? Quer dizer que este estabelecimento exerce em toda a sua plenitude as funcções de banco de deposito, um dos principaes caracteristicos dos estabelecimentos d'esta natureza. Ora se eu entendo bem as expressões que se contém n'este §, este banco nas suas funcções de banco de deposito assimilha-se mais aos bancos escocezes do que aos outros bancos conhecidos e mais usados na Europa e America, porque no mencionado § se diz: «Mediante um premio convencionado.»

É precisamente este o caracteristico principal que distingue os bancos escocezes dos outros bancos. Mas será isto uma disposição indifferente para o caso de que se trata? Eu digo que não, e esta disposição ainda me faz ser mais severo a respeito do governo, do que seria se tal idéa ali não fosse consignada.

Todos sabem que o fim dos bancos escocezes é adquirir os capitaes mediante um pequeno premio, para facilitar o deposito; mas essas funcções que exercem os bancos organisados por esta fórma são até certo ponto as funcções das caixas economicas; d'esta sorte são estes os estabelecimentos aonde as economias do operario, do artista e do jornaleiro vão encontrar uma tal ou qual remuneração e segurança, e é claro que exercendo este estabelecimento as funcções de banco de deposito n'esta grande extensão, é necessario que o governo seja mais severo e rigoroso do que seria se a instituição, fosse outra. Digo pois, que o governo auctorisou a creação de um estabelecimento que é um banco de deposito na sua maior extensão.

Examinemos agora, sr. presidente, se este estabelecimento é tambem um banco de desconto.

O § 6.° do artigo 4.º dos estatutos demonstra que a sociedade de credito movel funcciona como banco de desconto na mais ampla e generica accepção, porque diz assim: «Descontar, cobrar e negociar todas as leiras de cambio e outros papeis usados no commercio.» Esle estabelecimento, portanto exerce em toda a sua plenitude as funcções de um

Vol. II — Fevereiro —1857

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