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SESSÃO DE 25 DE ABRIL DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretários — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de representações, projectos de lei e requerimentos. — Ordem do dia: 1.ª parte, continuação da discussão do projecto de lei n.º 6 — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de de lei n.º 9.

Chamada — 44 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Alberto Carlos, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Antonio de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Pereira do Lago, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Santos e Silva, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Almeida Queiroz, Mexia Salema, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Lopo de Mello, Luiz Pimentel, Marques Pires, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Villaça, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Eça e Costa, Augusto de Faria, Bernardino Pinheiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Van-Zeller, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Zuzarte, Mendonça Cortez, Pinto de Magalhães, Gusmão, Rodrigues de Freitas, Latino Coelho, Moraes Rego, Mello Gouveia, Luiz de Campos, Paes Villas Boas, Lisboa, Pedro Roberto, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Agostinho de Ornellas, Soares de Moraes, Arrobas, Pedroso dos Santos, Saraiva de Carvalho, Conde de Villa Real, Palma, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Dias Ferreira, José Luciano, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Nogueira, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Julio Rainha, Camara Leme, Affonseca, Sebastião Calheiros.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da guerra, com as informações pedidas ácerca dos requerimentos dos capitães de cavallaria Augusto Pinto de Moraes Sarmento e Diogo Roberto Higgs e do capitão de infanteria Gregorio de Magalhães Collaço.

2.° Do ministerio da guerra, remettendo o relatorio da direcção geral ácerca da pretensão do conde Lucote.

3.º Da camara dos dignos pares, participando a approvação de algumas proposições já approvadas pela camara dos senhores deputados.

4.° Do governador civil de Villa Real, remettendo uma representação de alguns habitantes d'aquelle concelho contra a proposta feita pelo sr. deputado por Chaves, para ser mudado o local em que se costuma fazer a feira annual de gado para a remonta dos corpos de cavallaria do exercito, que se verifica no dia 11 de junho de cada anno.

Declaração

O sr. deputado José Luciano de Castro por motivo justificado não tem podido comparecer ás ultimas sessões da camara, e talvez tenha de faltar a mais algumas.

Sala das sessões, 24 de abril de 1871. = Anselmo José Braamcamp.

SÉGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — A carta de lei de 7 de julho de 1862 sujeitou os productos exportados e as mercadorias importadas pela barra da Villa Nova de Portimão a um imposto especial, applicado ao melhoramento da mesma barra e porto e á construcção de uma ponte sobre o rio Portimão.

De todos os impostos especiaes d'esta natureza tem sido este o que mais tem produzido, por quanto figura nas contas do thesouro desde o seu estabelecimento até 1869-1870 pela somma de 74:798$960 réis, a saber:

1862 a 1863................... 9:751$000

1863 a 1864................... 7:999$241

1864 a 1865................... 8:963$397

1865 a 1866................... 8:946$752

1866 a 1867................... 9:297$010

1867 a 1868................... 9:456$634

1868 a 1869................... 11:219$851

1869 a 1870................... 9:155$288

Apesar das disposições do § 2.º do artigo 2.° da mesma carta de lei tem o producto d'estes impostos sido empregado na construcção de um caes, tanque de lavagem, casa fiscal em Villa Nova de Portimão, na importancia de réis 69:479$478, até 30 de novembro do anno passado, segundo a nota junta a este projecto, que me foi dada por ordem d'esta camara.

As obras da barra e do porto a que o imposto deve applicar-se importam em 1.070:000$000 réis, incluindo n'essas a ponte que está orçada em perto de 200:000$000 réis.

Sendo porém a ponte entre a Mexelhoeira Pequena e Villa Nova de Portimão o complemento da estrada real de 1.ª classe, não seria justo consignar durante o largo periodo de 25 annos este imposto especial a uma obra que deve saír do imposto de viação, porque aquella estrada é a communicação de Lagos a Villa Real de Santo Antonio, corre todo o litoral do Algarve, interessa a todas as povoações d'aquella provincia e do reino.

Libertar, pois, o imposto especial d'aquelle encargo seria um acto de tal justiça que aos representantes da nação bastaria lançar a vista sobre a carta do reino para reconhecerem que só por equivoco se poderia incluir como encargo d'um imposto especial uma obra que por lei se achava já incluida no plano geral dos encargos geraes.

Tenho, porém, mais do que estes argumentos, tenho para me fortificar um precedente discutido, passado com voto do corpo legislativo, promulgado e já em execução.

Em 21 de julho de 1852 se creou tambem um imposto especial na exportação e importação pela barra de Vianna do Castello.

Este imposto era destinado ao melhoramento do porto e barra, e á construcção de uma ponte sobre o rio Lima.

Póde dizer-se que o artigo da lei de 7 de julho de 1862 tinha sido copiado textualmente da lei de 21 de julho de 1852, com a differença unica de que se escreveu Villa Nova onde se lia Vianna e Portimão em logar de Lima.

Estudadas, porém, as obras pela commissão nomeada para proceder aos estudos, conheceu-se que o imposto especial

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era insuficiente para os melhoramentos da barra, e que seria injusto consigna-lo á ponte.

Revogou-se portanto pela carta de lei de 2 de setembro de 1869 aquella disposição do artigo 1.º da carta de lei de 21 de julho de 1852; e todo o imposto especial da barra de Vianna do Castello, e mais o subsidio de 0:000$000 réis annuaes, foram dados em garantia para se levantar o capital necessario ás obras da barra, ficando a ponte a cargo do estado pelo artigo 6.º da referida carta de lei.

Venho propor-vos, senhores, para os contribuintes do Algarve e em especial para os do circulo de Silves, que represento, a reparação que se deu aos habitantes de vianna do Castello.

Se a lei que estabeleceu o imposto especial de Villa Nova de Portimão não era mais do que copia da que tinha estabelecido dez annos antes o imposto especial de Vianna do Castello, não é mais do que copia do acto legal que a revogou o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É o governo auctorisado a continuar a cobrar na alfandega de Villa Nova de Portimão os impostos designados na tabella junta, que faz parte d'esta lei.

Art. 2.° Estes impostos serão escripturados em separado e applicados unica e exclusivamente ás obras da canalisação do rio de Silves, e ao melhoramento do porto e barra de Villa Nova de Portimão.

Art. 3.º O governo consignará para a realisação das mencionadas obras e melhoramentos um subsidio de réis 6:000$000 annuaes.

Art. 4.° Para facilitar o mais prompto acabamento das obras a que se refere esta lei, fica o governo auctorisado a contrahir os emprestimos necessarios, por serie de titulos especiaes de divida, na proporção das sommas que forem sendo precisas, não podendo o juro dos ditos emprestimos exceder a 6 por cento.

Art. 5.° Os impostos a que se refere o artigo 1.°, o subsidio marcado no artigo 3.º, serão hypotheca especial ao pagamento do capital e juros dos emprestimos que se contrahirem, na conformidade do artigo antecedente, e só vigorarão durante o tempo necessario para amortisação dos mesmos emprestimos.

Art. 6.° A nova ponte sobre o rio Portimão, que deve ligar a estrada de Villa Real de Santo Antonio a Lagos, será construida por conta do estado.

Art. 7.° Ninguem poderá ser obrigado a pagar os direitos que são estabelecidos por esta lei na tabella junta, se a sua importancia não for applicada nas obras para que são exclusivamente destinados.

Art. 8.º O governo fará os necessarios regulamentos para a execução d'esta lei.

Art. 9.° Fica revogada toda a legislação em contrario e em especial o artigo 1.º da carta de lei de 12 de junho de 1862.

Camara dos senhores deputados, em 24 de abril de 1871. = O deputado por Silves, João Gualberto de Barros e Cunha.

Projecto de lei

Senhores. — Ha leis que, por muito gravosas, é por sua difficil execução, prejudicam o pensamento e o fim que ás dictou.

N'este caso está o decreto com força de lei de 25 de outubro de 1836, sobre licenças para porte e uso de armas de fogo, que encarregando a concessão d'aquellas licenças aos administradores geraes, ora governadores civis dos districtos, marcou tão pesados emolumentos, e creou taes difficuldades a quem não mora na capital do districto, mas a leguas de distancia d'ella, que o resultado foi, e não podia deixar de ser, o ir-se pouco a pouco abusando das disposições d'aquelle decreto, crescer a difficuldade para reprimir taes abusos, pela frequencia e multiplicidade d'elles, e afrouxar, em presença das difficuldades, a acçao das auctoridades subalternas, a quem competia velar pela execução d'aquelle decreto; e d'ahi vem a sem ceremonia e audacia com que usam hoje armas de fogo pessoas infestas á segurança publica, a quem nunca se deveram consentir; e como consequencia, os numerosos ferimentos, assassinatos e roubos á mão armada, que todos os dias noticia a imprensa, e o paiz lamenta envergonhado e sentido.

Senhores, eu honro-me de me contar entre os mais dedicados amigos e mais sinceros admiradores do illustrado ministro, que referendou o decreto de 25 de outubro de 1836; eram, em tudo, nobres, grandes e patrioticos os intuitos d'aquelle distincto estadista; mas nem sempre o seu privilegiado talento e altas vistas foram acompanhados pelo conhecimento pratico das cousas e da vida real dos povos; por isso não viu que o emolumento de 1$600 réis, por licença annual, junto ás difficuldades, que se impunham a quem vivia a grandes distancias da cabeça do districto, aonde tinha de ir ou estabelecer procurador, e de apresentar duas testemunhas abonatorias, para se lhe conceder um alvará de licença, faziam uma tão avultada verba de despezas que haviam por força prejudicar a execução do seu louvavel desejo de desarmar os malfeitores, permittindo o uso de armas sómente a quem provasse a sua capacidade para se lhe conceder a precisa licença.

D'ahi veiu o quasi completo desuso de requerer os determinados alvarás, e cada qual começar a usar de armas de fogo sem lhe preceder a mais pequena formalidade sobre a conveniencia e precisão de tal uso.

Em vista d'este incontestavel estado de cousas, e considerando que as auctoridades administrativas do concelho e da parochia são as mais competentes para conhecer da prudencia, bons intuitos e viver pacifico dos habitantes do concelho e da parochia;

Considerando que da facilidade de solicitar alvará de licença, e do menor despendio para o haver, resultará maior procura d'ellas, e mais rasão de ser para a prohibição de porte e uso de armas de fogo a quem se não tiver habilitado para esse fim;

Considerando em vista d'estas rasões que, entre os serviços que convem descentralisar, é este um dos que têem mais rasão para o ser;

Eu tenho a honra de submetter á vossa illustrada consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os alvarás de licença para porte e uso de armas de fogo que até agora eram passados nos governos civis serão passados, desde a publicação d'esta lei em diante, nas administrações dos concelhos mediante a informação do regedor de parochia sobre a capacidade do individuo que a requerer.

§ uníco. D'esta concessão ficam excluidas as armas cujo uso é prohibido pelas leis penaes.

Art. 2.° Se o impetrante do alvará de licença entender que lhe foi feita injustiça na informação do regedor de parochia, poderá supprir esta informação com uma justificação de duas pessoas idoneas, que, perante o administrador, abonem o seu bom viver.

Art. 3.° O emolumento de 1$600 réis por alvará de licença annual para o porte e uso de armas de fogo é substituido por um imposto de 500 réis, do qual pertencerão 200 réis ao escrivão da administração que passar o alvará e 300 réis ao cofre da camara municipal para as suas despezas regulares.

Art. 4.° Todo o individuo que tres mezes depois da publicação da presente lei for encontrado com arma de fogo sem o competente alvará de licença, alem das comminações do codigo penal, fica sujeito ao pagamento da multa de 500 réis pela primeira vez e o dobro nas reincidencias.

Art. 5.° O governo fará os regulamentos precisos para a execução da presente lei.

Art. 6.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 24 de abril de 1871. = Júlio do Carvalhal de Sousa Telles, deputado por Valle Passos.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do projecto n.º 6.

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O sr. Pedro Franco: — Eu tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Eu declarei hontem que, logo que se acabasse de ler o expediente, se passaria á discussão do projecto n.º 6.

Se esta discussão acabar antes da hora marcada para se passar á segunda parte da ordem do dia, eu darei a palavra aos senhores que a tinham pedido para antes da ordem do dia.

Os senhores, que tiverem requerimentos ou representações a mandarem para a mesa, podem faze-lo.

O sr. Pedro Franco: — Peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino.

O sr. Alcantara: — Mando para a mesa dois requerimentos de dois officiaes de artilheria n.º 1, que peticionam a esta camara no mesmo sentido em que já o fizeram alguns dos seus camaradas.

O sr. Elias Garcia: — Mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito por Angola, Thomás Frederico Pereira Bastos.

Peço a V. ex.ª que tenha a bondade de o mandar remetter á commissão de verificação de poderes.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa trinta e um requerimentos de militares, que requerem no mesmo sentido dos signatarios dos requerimentos que eu apresentei hontem.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na especialidade do projecto de lei n.º 6

O sr Elias Garcia: — Tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia, e V. ex.ª passou já á primeira parte; portanto, peço a V. ex.ª que tenha a bondade de me reservar a palavra para quando estiver presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque desejo dirigir-lhe uma pergunta.

Agora tratarei do assumpto.

V. ex.ª sabe, e sabe esta camara, que em uma das ultimas sessões impugnei o parecer que se discute, e o illustre relator da commissão, no ultimo dia, tratou de responder ás observações que eu tinha feito.

N'essas observações procurei mostrar que os fundamentos d'este projecto não podiam encontrar se na legislação vigente, embora se dissesse o contrario no parecer da commissão; por isso que n'esse parecer se allegava, que da legislação actualmente existente se podia inferir o principio estabelecido no projecto da commissão.

Ora eu citei á camara a legislação existente no paiz, da qual se não póde inferir esta allegação; e por isso esperava que o illustre relator da commissão me dissesse qual era a legislação vigente a que podia recorrer n'este caso.

Houve uma reforma em certos serviços do ministerio da guerra; uma das repartições foi conservada, outras extinctas; qual é a legislação a que devemos recorrer? Á legislação que em casos analogos de extincção de repartições tem sido seguida até 1868. Esta legislação, favoravel ao parecer da commissão, é que eu não vi que fosse apresentada pelo meu illustre collega.

Eu citei o que se tinha praticado, não em todos os serviços publicos, mas particularmente no ministerio da guerra, sempre que na 2.ª direcção ou na administração de fazenda militar tinha havido alguma reforma analoga.

Quando em 1837, em 1844, em 1849, e finalmente em 1868 e em 1869 se reformou aquelle serviço, em todas as leis pelas quaes se regulou a transformação do serviço se estabeleceu o principio que foi adoptado em 1868, e ratificado em 1869.

Ao illustre relator da commissão o que cumpria, para desfazer a allegação que eu tinha feito, era mostrar a esta camara qual era a legislação existente que contrariava o que eu tinha asseverado.

Eu não me levantei para combater este parecer senão porque o artigo 1.° apresenta uma doutrina inteiramente nova na nossa legislação, doutrina que, quanto a mim, vae lançar, como já disse em uma das ultimas sessões, a semente da desordem e perturbação no serviço publico.

Eu não venho defender nem o que se fez em 1837, nem o que se fez em 1844, nem o que se fez em outras occasiões. O que eu combato, o que eu condemno, é este principio novo; e se elle fosse esteril pouco me importava, mas é eminentemente desorganisador, e por isso o condemno.

Não quero que ninguem possa inferir das minhas palavras que eu, por qualquer modo, desejo ferir os interesses dos empregados das repartições extinctas. Eu disse, e accentuei a minha opinião muito claramente, o que entendia que todos os governos deviam fazer quando procediam a reformas, e era — acautelar quanto possivel os interesses legitimos dos funccionarios. Quando os governos fazem isto procedem bem, procedem com prudencia, com criterio e com bom senso, porque não levantam interesses que se não devem excitar, nem accendem paixões que é conveniente conservar amortecidas.

O que eu desejava é que o illustre relator da commissão, tendo apresentado esta camara um relatorio, no qual se diz que da legislação existente se infere este principio novo, me apresentasse qual era essa legislação. Eu apontei toda a legislação que o contraría, e S. ex.ª não pôde apresentar a que o favorece, porque é impossivel faze-lo, porque não existe.

O que, s. ex.ª fez unica e simplesmente foi querer dar ás cousas um nome diverso do que ellas tem; foi insistir em dizer que tinha havido passagem d'aquelles funccionarios, que tinha havido juncção ou encorporação dos quadros.

Não houve, repito, e hei de repeti-lo constantemente, não houve passagem, não houve encorporação, nem houve juncção. Não houve encorporação, porque era impossivel have-la.

Eu, desde que aprendi arithmetica, fiquei sabendo que, para sommar duas quantidades, a quantidade somma será maior do que qualquer das outras duas. Só ha um caso, que a propria arithmetica explica, em que, por se juntarem duas parcellas a somma é igual a uma d'essas parcellas, e é quando a outra parcella é nulla. É exactamente o caso que aqui se dá. Quando eu junto 3 mais 4 fica 7, não fica 4; só póde ficar 4 se em vez de lhe juntar 3, juntar zero.

O quadro da 2.ª direcção do ministerio da guerra ficou exactamente como estava; o outro extinguiu-se. Não se juntam dois quadros, ficando a somma dos dois igual a um d'elles.

Esta é a rasão por que não houve encorporação nem juncção.

A explicação que s. ex.ª apresentou como eminentemente philosophica, qual foi? Eu a vou dizer, e servirá tambem para condemnar a doutrina do parecer da commissão a mesma lei que s. ex.ª citou em favor d'elle.

Disse s. ex.ª: «Houve uma transformação no serviço do arsenal, houve uma transformação tambem no ministerio da guerra, e o que se quiz foi que estes serviços, até então desempenhados de um certo modo, fossem d'ali em diante desempenhados de outro modo; e, portanto, os empregados que estavam dispersos em todas estas repartições vieram a congregar se».

Ora, s. ex.ª apresentou exactamente esta allegação, citando o que se realisou em 1859 quando teve logar a abolição do commando em chefe. E que resultou da abolição do commando em chefe? A reunião na secretaria da guerra de funcções de serviço que estavam até então commettidos ao commando em chefe e á secretaria.

N'essa occasião a camara votou a extincção do commando em chefe, e auctorisou o governo a reorganisar a secretaria da guerra. Teve logar então o que acontece, não

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quando uma repartição se extingue, mas o que acontece quando uma repartição se junta com outra.

Felizmente para responder aos que citam as leis ha as proprias leis.

Havia no commando em chefe individuos com graduações militares, os assistentes civis, e aqui está o que diz o decreto de 22 de setembro de 1859, a respeito d'esses individuos:

«Art. 24.° Os assistentes civis, que serviam na secretaria do extincto commando em chefe do exercito, ficarão addidos á secretaria da guerra, conservando as suas graduações e actuaes vencimentos. Terão preferencia para serem admittidos aos logares que vagarem de aspirantes da 2.ª direcção, ou de amanuenses.»

Nem se permittiu que entrassem como amanuenses, eram apenas preferidos para o preenchimento das vacaturas de aspirantes ou de amanuenses, e os amanuenses não tinham accesso, porque a lei de 1859 claramente o diz.

A legislação em geral no nosso paiz estabelece que haja nas secretarias d'estado primeiros e segundos officiaes com accesso e certas habilitações, e amanuenses com habilitações inferiores, mas sem accesso, e em compensação estabelece-lhes uma remuneração no fim de dez e de vinte annos.

Aqui está o que se fez em 1859 quando se fundiu, segundo a doutrina do meu collega, o commando em chefe com a secretaria da guerra.

Este decreto de 1859 a que me estou referindo, na parte que respeita ao serviço de administração de fazenda militar, confundiu effectivamente os empregados, não extinguiu umas repartições e conservou outras, juntou os empregados das repartições de liquidação e de contabilidade; e o artigo do decreto que trata d'este objecto, citou-o o meu collega, é verdade, mas faltou-lhe acrescentar alguma cousa.

É preciso citar a lei de modo que todos percebam o pensamento do legislador.

O artigo 33.° diz assim:

«Os actuaes empregados das repartições de liquidação e contabilidade confundem-se em uma só escala para o accesso, segundo a nova organisação.»

Aqui está o principio; era novo, porque até então não se tinha praticado assim. Tinham-se organisado umas repartições e extinguido outras, e n'esta occasião confundiam-se, isto trazia difficuldades, e como saíram d'ellas? Saíram d'este modo, como se vê no relatorio que precede o decreto, e que explica o pensamento da nova organisação.

«Estabelece se o principio dos concursos, como meio de estimular o merecimento, e de apurar as condições que se devem dar nos empregados publicos, para melhor desempenho do serviço. Seguido este systema, não offerece inconveniente algum a fusão em uma escala, para o accesso dos empregados das actuaes repartições de contabilidade e liquidação.»

Aqui está o que diz a legislação quando se confundem as repartições, porque nos casos em que se conservavam umas e se extinguiam outras, procedeu-se como já disse. Percorrendo a legislação nota-se como ella se foi modificando.

Em 1837, quando as paixões politicas estavam mais irritadas, não bastava só attender ao merito e aptidão dos individuos, requeria se adhesão ás instituições; havia talvez n'isto um signal de intolerancia nas leis, e nós, homens liberaes, podemos lastimar e deplorar que fosse necessario, para firmar as conquistas da liberdade, introduzir nas leis esta indicação. Mais tarde foi banida.

Em 1844 attendeu-se, não á graduação, mas ao merecimento simplesmente.

Em 1849 attendeu-se á categoria, como depois em 1868, e só pela publicação da lei d'esta ultima data surgiram as reclamações que deram origem a este projecto.

Ora, o meu collega não me comprehendeu, ou eu não me fiz perceber, em relação ás duvidas que oppuz, por não ser a lei de 1868, mas a de 1869 que devia ser reformada.

Eu disse o seguinte:

Em 1868 fez se esta lei; appareceram reclamações, e o meu collega diz, que a lei é obscura, o que eu contesto, porque é clarissima; mas concedo que a lei seja obscura. Ella está firmada pelos srs. marquez de Sá, bispo de Vizeu, Latino Coelho, Pequito e Calheiros. Estavamos em tempos que a politica andava mais revolta, e poderia não saír tão limpida, como fôra para desejar, a idéa dos legisladores.

Mas levantando-se reclamações, por ser obscura a lei, quando o legislador voltou de novo as suas attenções para este assumpto em 1869, deixaria ficar as mesmas obscuridades? É impossivel.

Quem eram então os cavalheiros que estavam á frente do governo; quem firmou o decreto de 1869? Não sei.

Sei que esse decreto foi submettido ao conselho de ministros, de que faziam parte os srs. duque de Loulé, José Luciano, Braamcamp, Mendes Leal, Rebello da Silva e Lobo d'Avila, depois ministro da guerra, que sinto não ver presente, porque de certo a sua voz se uniria á minha.

Pois estes cavalheiros haviam de deixar as leis obscuras? Haviam de consentir que continuassem as injustiças flagrantes? Era absolutamente impossivel.

A lei de 1869 está mais bem redigida do que a de 1868, e n'ella vem ratificada a mesma disposição; e, por ser a de 1869 a que está em vigor, disse que não havia motivo para alterar a lei de 1868, mas a de 1869 que era posterior.

Não posso acompanhar passo a passo a argumentação do meu collega, porque não quero cansar a attenção da camara, que tenho visto mais de uma vez visivelmente fatigada quando se trata d'este assumpto; mas desejava que a camara não se deixasse levar pelo desejo verdadeiramente louvavel de se occupar das questões de alta importancia que chamam a sua attenção, parecendo-lhe ser esta de facilima resolução; é facil, por certo; é comtudo d'aquellas em que o espirito, ás vezes distrahido, resolve incorrendo em erros.

Todos se lembram do caso em que um homem perguntando a outro qual era mais pesado, se um kilogramma de ferro, se um kilogramma de chumbo, respondeu logo o outro que o kilogramma de chumbo era mais pesado.

Ora isto só se responde quando o espirito está distrahido; e de resolver no meio d'estas distracções em que ás vezes o espirito se encontra, podem resultar muitos erros e injustiças, como n'este caso.

Já disse que não posso seguir completamente a argumentação do meu collega, mas tocarei, principalmente, n'aquelles pontos que me parecem essenciaes.

Quiz se aqui provar que os empregados do arsenal do exercito tinham, ao entrar para o serviço, exactamente as mesmas habilitações que têem os empregados da 2.ª direcção do ministerio da guerra. Quer v. ex.ª saber se assim é? Quer v. ex.ª ver o que fez a commissão a respeito d'elles?

Os que entram para o arsenal do exercito, pelo facto da entrada, são aspirantes sem graduação militar, e os que entram para a 2.ª direcção do ministerio da guerra são aspirantes com a graduação de alferes. A commissão não attende aos aspirantes sem graduação, porque esses eram nomeados por alvará do antigo inspector, ou se-lo-íam pelo director geral de agora, se continuasse a mesma organisação, emquanto que os outros são nomeados por decreto; e o artigo do projecto está redigido referindo-se ás datas dos decretos.

O illustre relator da commissão acha que todos têem as mesmas habilitações, e depois esquece-se logo d'estes na occasião em que entram para o serviço. E como se legisla a respeito d'estes individuos? Estes são desamparados; estes não têem quem os guarde nem proteja, não ha lei para elles.

Se as habilitações fossem as mesmas, deveria proceder-se do mesmo modo; não o são, e a prova está na situação em que se encontram ao entrar no serviço.

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Parece isto uma cousa pequena, não é. É preciso olhar para as cousas como ellas são.

Ha um ponto para o qual o meu illustre collega chamou a attenção da camara, e eu desejo que a camara reconheça bem qual o valor que elle effectivamente tem.

Diz-se no parecer — não só a legislação, mas os factos.

Ora a que fim vem a citação dos factos? Estes factos, se são fundados em lei, o direito os protege; se não são, e provém do puro arbitrio, e exclusiva vontade dos ministros, n'esse caso não constituem lei nem direito, pelo qual nos possamos regular.

Citou-se aqui o que aconteceu pela extincção dos trens, creio que o de Valença e o de Peniche.

Pois quem lê as portarias que os aboliram, vê em uma d'ellas a assignatura de Agostinho José Freire, nome que todos respeitâmos, e cuja perda todo o partido liberal lamenta, mas vê igualmente que em ambas nada se disse a respeito dos funccionarios. Mais tarde foi extincto o arsenal, denominado das obras militares e inspecção dos quarteis; foi annexada a fabrica da polvora ao arsenal do exercito por decreto de 20 de dezembro de 1849, e querem v. ex.ª e a camara saber o que se diz a respeito dos empregados d'esta fabrica?

«Artigo 2.° Fica extincta a direcção, thesouraria e almoxarifado da fabrica da polvora; a sua escripturação e contabilidade será concentrada no arsenal do exercito.»

«Artigo 3.° Os actuaes empregados da fabrica da polvora ficam unidos ao arsenal do exercito, para terem o exercido que o bem do serviço exigir».

Portanto, o governo n'estas circumstancias se procedeu de outro modo, dispoz como entendeu, por isso que a lei lhe deu essa faculdade.

Não encontro na nossa legislação nenhuma disposição que justifique o principio da commissão; acho concordes desde 1834 até hoje, em todos os casos analogos de extincção de repartições, o principio que foi adoptado em 1868; e para o caso unico de juncção, o principio consignado no decreto de 1859, que é inteiramente diverso.

Portanto, já v. ex.ª e a camara vêem que não ha absolutamente analogia entre os principios consignados na nossa legislação, e o que a commissão de guerra adoptou. E por isso digo que os considerandos em que se funda a illustre commissão não são exactos, não se póde inferir da nossa legislação similhante cousa; e tambem não podem ser applicadas todas as leis militares a estes individuos, porque já disse e mostrei que lhes não eram applicaveis, porque estes individuos não estavam exactamente nas condições dos officiaes do exercito.

O meu illustre collega quiz contestar isto. E com que? Exactamente com uma citação que vem comprovar o meu argumento, porque citou as disposições da lei de 1844, nas quaes se diz que estes individuos gosam de honras, privilegios e isenções militares, e d'aqui concluiu que elles em tudo se deviam considerar como militares.

O sr. Quintino de Macedo: — Diz a lei.

O Orador: — Pois eu vou ter a lei, é exactamente a lei que condemna essa doutrina; não é só a lei de 1844, é a lei de 1859.

O sr. Quintino de Macedo: — A de 1849, a de 1859 e todas as outras provam o que eu digo.

O Orador: — A lei de 1844 diz que elles estão sujeitos ás leis militares, e d'aqui quer concluir o meu illustre collega que, por estarem sujeitos ás leis militares, tudo o que a legislação militar estabelece lhes é applicavel.

Ora, todos nós que tratâmos de negocios militares, e que seguimos a vida militar, sabemos o que é disciplina militar, o que são leis militares, o que são honras, privilegios e isenções militares; mas o que não sabemos nem podemos induzir é que, quando se diz que taes individuos estão sujeitos ás leis militares, se deve entender que elles são militares. Estar sujeito ás leis militares e ser militar não é a mesma cousa, é cousa diversa; e lá está a lei de 1844 que bem claramente o mostra, porque em outro artigo diz que estes individuos gosarão das reformas militares. Pois se elles fossem militares, para que vinha na lei a disposição consignada n'este artigo?

O que se diz na lei de 1859 é que elles estão sujeitos ás penalidades militares e á disciplina militar. Mas, nem pelo que respeita a accessos de patentes, nem pelo que respeita a outras considerações, estão sujeitos á legislação militar, porque o serviço e o accesso d'esses empregados é regulado de outra maneira.

A lei de 1859 diz no artigo 18.°: «Os empregados da 2.ª direcção gosarão das graduações militares abaixo designadas; ficarão, porém, subordinados á legislação militar em todas as suas consequencias na parte respectiva á disciplina e penalidades Quanto á demissão regula o disposto no artigo 16.°».

Isto é claro, ficam sujeitos á legislação militar no que respeita á disciplina e ás penalidades.

Outro artigo diz, que as reformas militares lhes são applicaveis. Mas a respeito, por exemplo, das demissões, regula o disposto no artigo 16.°, que se refere aos empregados civis.

Portanto, quando se diz que estes empregados gosam de honras e graduações militares, não quer isto dizer que são militares, na accepção generica d'esta palavra. É preciso ler a lei, para avaliar bem a situação em que estes individuos estão collocados. Se têem graduações militares em virtude de rasões muito justificaveis, já ha muito tempo que a administração ou o governo superior do estado entendeu que era preciso não dar uma interpretação latitudinaria a estas graduações; e por isso eu disse aqui, que já em 1811 e 1813 se tinha explicado aos generaes qual era a significação verdadeira d'estas graduações honorificas.

O illustre relator diz-nos, que esta legislação é caduca, velha, obsoleta; e vigente é só a que s. ex.ª citou. Pois se houvesse legislação vigente não era preciso fazer este projecto. A prova de que não ha legislação vigente no sentido do projecto é estarmos aqui a tratar de a fazer.

Se queremos saber o que é a graduação militar, qual é o valor, qual é o alcance da graduação militar, diz nos s. ex.ª que as portarias e avisos de 1811 e 1813 constituem preceitos obsoletos.

Já ouvi aqui um dos nossos collegas pedir ao illustre ministro da guerra, que voltasse os seus cuidados para a reforma da nossa legislação militar. Effectivamente os que têem necessidade de compulsar a legislação militar acham-se muito embaraçados para saber o que existe e o que não existe. A respeito de antiguidades e promoções, todos os que são lidos em cousas militares se recordam da celebre consulta feita em 1837, e mandada publicar pelo sr. marquez de Sá, na qual o supremo conselho de justiça militar indica qual é a legislação existente, e que remonta até 1600 e tantos, ácerca das antiguidades e promoções.

Lastimo que n'aquella epocha, por se terem implantado idéas inteiramente novas na nossa administração, não se reformasse esta em todos os pontos por fórma que não nos vissemos forçados a buscar, na actualidade, para a resolução de diversas questões, preceitos e regras que tinham sido estabelecidos sob outro regimen completamente diverso.

Eu folgaria muito se, ao implantarmos a liberdade na nossa terra, em toda a nossa legislação respirassem os mesmos principios liberaes, para não estarmos a toda a hora a recorrer aos avisos de Beresford, ás consultas de tribunaes extinctos, como se recorreu á resolução de consulta de 1781 na consulta de 1840, que foi aqui citada. Desejava que a legislação estivesse de tal maneira codificada e resumida, que a todos nos fosse facil o procura-la, e que a encontrassemos adaptada aos usos, costumes e civilisação de cada epocha.

Não desejo, não quero que, por haver uma grande transformação, por mudarem as instituições politicas, se vão quebrar as tradições dos povos, se faça tabua rasa sobre to-

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das as tradições populares. Não quero isso; mas o que quero, o que desejo, com o que folgaria muito é que, no momento em que assentassemos um principio novo, esse principio irradiasse por toda a parte.

Tinha chegado em 1834 a liberdade, era preciso que em toda a legislação a liberdade resplandecesse. Chegára o systema representativo, era preciso que na nossa legislação apparecessem os principios por que elle se conhece, para que se ficasse sabendo bem que na nossa terra acima do arbitrio, do capricho e da vontade do poder executivo havia o poder legislativo, que representa a vontade nacional (apoiados). Com o equilibrio dos poderes manter-se-íam os principios de liberdade. Folgaria muito que se tivesse feito isto, mas não se fez.

As disposições que citei diz o meu collega que são obsoletas. Qual é a legislação mais moderna que póde consultar-se? Não a temos no nosso paiz? Não a conhecemos? Pois o que se publica nas ordens do exercito e no Diario do governo Já é completamente desconhecido para nós?

Em 1837 foi colligida a legislação existente, como disse, na consulta que citei, e esta consulta foi mandada publicar pelo governo. N'essa consulta foram colligidas as diversas resoluções até então tomadas ácerca de antiguidades e promoções militares.

O governo, publicando a consulta, não tomou resolução definitiva a respeito d'este assumpto. Só muito mais tarde, na epocha em que se publicou o decreto de 1868, de que trata o projecto que se discute, é que appareceu o decreto sobre promoções militares, o mais moderno que temos, e no qual estão compiladas disposições mais adaptadas aos costumes e á civilisação do nosso tempo. Não quero dizer com isto que defendo os principios consignados em todas as leis; resoeito as leis do meu paiz, embora ellas contenham principios contrarios ás minhas opiniões; posso combate-las, respeitando-as sempre.

O decreto de 1868, ácerca das promoções de todos os individuos que podem ser considerados como militares, distingue, e distingue muito bem, como se distingue em toda a parte, os officiaes que são combatentes dos que não são combatentes. N'elle vem indicados quaes são os officiaes não combatentes. São os cirurgiões, os veterinarios, os picadores, os capellães, etc. Acha lá estes o meu collega? Não os encontra, não estão lá.

Assevero á camara, e assevero pelo exame que fiz com a maior consciencia, que em favor do parecer da commissão não ha legislação alguma; se a encontrasse, não a occultaria á camara, mas não ha.

Nos considerandos da illustre commissão ha equivoco; não existe legislação, da qual se possa inferir o principio adoptado no projecto que se discute.

Mas podia não existir legislação, podiam estes individuos não ter graduações militares, e o principio que a commissão indica ser excellente, e eu applaudi-lo-ía e recebe-lo-ía como um principio novo; effectivamente o principio é novo, mas é um principio prejudicial; é um principio que vae lançar em grande perturbação todo o serviço; por isso eu o impugno.

Declaro á camara muito clara e positivamente que não impugno o principio, porque elle vá ferir alguns empregados; não trato de salvaguardar os interesses de uns empregados, nem de ferir os de outros. Tenho a maior consideração pelos empregados das repartições que foram extinctas. Já disse outro dia, e repito-lo-hei a toda a hora, que quem serve bem o estado, qualquer que seja o logar em que serve, é justo que seja considerado; este preceito quero eu vê-lo adoptado constantemente na nossa legislação; mas o que não quero, para o que não dou o meu voto, é para que se introduza na legislação, a pretexto de uma interpretação que não é interpretação, a pretexto de haver certa legislação que não existe, um prmcipio que é mau, que é prejudicial, e que ha de ser perturbador do serviço.

Este é o meu voto; a camara póde fazer o que quizer.

Tem direito a camara de alterar as leis. Póde a camara dizer que interpreta a lei d'este modo, eu respeito a sua decisão; mas a camara terá incorrido n'um grandissimo equivoco, porque não terá interpretado, terá feito uma lei nova. Julgava mais logico e mais digno que dissessemos — faça-se uma lei nova; mas n'essa nova lei não devia entrar similhante principio. O que eu não desejo é que pela subtileza de se dizer que é uma interpretação, se adopte um novo principio que eu julgo prejudicial. É este o meu desejo, é este o meu voto.

Vozes: — Votos, votos.

(O orador foi felicitado por muitos dos seus collegas.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra para uma questão prévia o sr. Candido de Moraes.

O sr. Candido de Moraes: — A minha questão prévia é para não haver discussão na especialidade em relação a este projecto, porquanto, sendo expressa no artigo 1.º a doutrina que elle encerra, parecia me que a especialidade e a generalidade do projecto se confundiam e que era desnecessaria a discussão na especialidade desde que a camara se julgou esclarecida dando por finda a discussão na generalidade, e que tinha manifestado a sua opinião em relação ao principio que tinha regulado o accesso dos empregados das extinctas repartições do arsenal do exercito no quadro da administração militar a que pertenciam em virtude do decreto de 26 de dezembro de 1868.

Entendo que não é preciso nos alargarmos mais no debate sobre o assumpto, podendo a camara passar a discussão de maior importancia.

Infelizmente eu não pude usar da palavra quando devia usar d'ella, porque v. ex.ª, em vez de pôr á discussão o projecto n.º 6, por equivoco annunciou que se ía discutir o projecto n.º 8.

Por essa rasão, repito, eu não pude desde logo pedir a palavra como desejaria.

Eu apenas requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se entende que este projecto deve ser discutido na especialidade, ou se, conforme a minha opinião, devia ser só discutido na generalidade porquanto tem um só artigo.

O sr. Presidente: — Tenha o sr. deputado a bondade de mandar para a mesa a sua proposta.

O sr. Candido de Moraes: — Eu não fiz proposta, fiz um requerimento.

O sr. Presidente: — O sr. deputado apresentou uma questão prévia, tem que a mandar para a mesa por escripto.

O sr. Candido de Moraes: — Pois eu mando para a mesa o requerimento por escripto.

O sr. Presidente: — Não me compete entrar na discussão; mas como de algum modo se fez reparo a um acto da mesa, que não considerou o projecto como devia considerar, devo advertir que a mesa declarou logo que haveria discussão na especialidade, porque entendeu que o projecto tinha dois artigos; e a rasão, por que entendeu isto, foi porque o artigo 2.° não está redigido como geralmente se redige o artigo final — fica revogada a legislação em contrario — pelo contrario, vem tambem a disposição legislativa seguinte: — Fica por este modo interpretado, na parte correlativa, o artigo 1.° dos transitorios do decreto com força de lei de 26 de dezembro de 1868.

E é tanto mais importante quanto o sr. Garcia fez d'isto uma questão; se o artigo da lei era interpretado, ou se se fazia lei nova.

Portanto havia aqui uma disposição nova no 2.º artigo. Esta foi a rasão do procedimento da mesa.

Vae ler-se a proposta do sr. Candido de Moraes.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Requeiro que o sr. presidente consulte a camara se o projecto deve ou não ter discussão na especialidade. = João Candido de Moraes.

O sr. Presidente: — Está em discussão esta proposta.

O sr. Quintino de Macedo: — Peço a palavra.

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O sr. Presidente: —Tem a palavra.

O sr. Quintino de Macedo: — Limito por agora as minhas reflexões ácerca da questão previa apresentada pelo sr. Candido de Moraes...

O sr. Candido de Moraes: — Eu não mandei proposta nenhuma, mandei um requerimento.

O sr. Presidente: — É uma proposta.

O sr. Candido de Moraes: — Eu requeri a v. ex.ª que consultasse a camara sobre um assumpto, se se entende que é uma proposta, considere-se como tal, mas eu digo que não é.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Macedo.

O sr. Quintino de Macedo: —A respeito d'esta questão da discussão na generalidade e especialidade parece-me...

O sr. Candido de Moraes: — Não fiz proposta nenhuma, e por isso não se póde discutir uma proposta que não fiz. Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me concede que retire o meu requerimento.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados, que consentem que o sr. deputado retire a sua proposta, tenham a bondade de se levantar.

A camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: — Continua a discussão do artigo 1.° Tem a palavra sobre a ordem o sr. Bandeira Coelho.

O sr. Bandeira Coelho (sobre a ordem): — Proponho a seguinte emenda ao art. 1.° (leu).

Tratarei de justificar a minha proposta em poucas palavras. Mas antes d'isso cumpre-me explicar a rasão por que no primeiro parecer da commissão de guerra apparece o meu nome sem declarações, e porque apparece no segundo parecer com declarações.

V. ex.ª e a camara sabem que nas commissões o trabalho é dividido pelos differentes membros, que principalmente o relator de qualquer parecer é o encarregado de estudar a questão, de expor no seio da commissão todas as circumstancias que se dão, de resolver as duvidas que sobre essa questão se levantam, e que muitas vezes é tal a confiança que os membros das commissões têem nos conhecimentos dos seus relatores, que alguns d'elles se dispensam de descer ao estudo e á analyse do assumpto, descançando completamente nos muitos conhecimentos e na muita imparcialidade e probidade de quem foi especialmente encarregado de fazer esse estudo e essa analyse.

Levado por estas considerações, eu, que tenho em muito a intelligencia, a probidade e a imparcialidade do sr. Quintino de Macedo, quando s. ex.ª apresentou este parecer na commissão, em vista da boa concatenação, por assim dizer, em que estavam as idéas do relatorio que elle acompanhou de observações que não foram impugnadas por nenhum dos membros da commissão, presentes n'aquella occasião, deixei-me impressionar tanto d'aquella doutrina que não tive duvida em dar logo a minha assignatura ao parecer.

Se isto é leviandade, accuso-me d'ella e inflinjo-me o castigo, sujeitando-me á sentença que imponho a mim mesmo.

É certo, porém, que depois que este parecer veiu á camara appareceram reclamações por parte de um dos membros da commissão, que não tinha estado presente na occasião em que se tratára do assumpto.

Voltou o projecto á commissão, e ali apresentou este cavalheiro taes argumentos e taes duvidas a respeito da doutrina exarada no parecer, que o meu espirito hesitou, e n'elle se levantaram tambem duvidas sobre se era ou não inteiramente verdadeira a doutrina que se queria applicar no projecto.

O illustre membro da commissão que levantou estas duvidas merece-me tambem toda a confiança, porque sou amigo de s. ex.ª ha muitos annos, fui seu condiscipulo, conheço a sua elevada intelligencia, o seu honestissimo caracter, e não podia de fórma alguma suppor que imperava n'elle outro sentimento que não fosse o de averiguar a verdade e fazer justiça (apoiados).

No embate d'estas duas opiniões, ambas de toda a consideração pelas duas pessoas de que partiam, eu, humilde membro da commissão, tratei de ver se chegava ao conhecimento da verdade, e se o meu espirito ficava completamente tranquillo, vendo de que lado estava a rasão.

Por muito grande que seja a confiança que se deposita n'um homem, eu creio que este homem não póde levar a mal que se duvide, depois, de que a sua intelligencia esteja um pouco offuscada pela convicção que lhe proyém de uns certos principios ou de um certo modo de ver as cousas, a ponto de julgar que não soffre discussão e está estabelecida nas melhores bases a sua opinião e assegurar aos seus amigos que o consultam que podem assignar sem reluctancia o parecer, porque aquella é a verdade.

Dou esta explicação ao meu illustre amigo e collega, o sr. Quintino de Macedo, para que não julgue que em minhas palavras vae alguma censura ao uso da confiança que n'elle deposito.

E tanto isto é assim, que muitas vezes as commissões apresentam aqui pareceres cuja doutrina tem sido discutida no seio d'ellas e adoptada por todos os seus membros por a julgarem inatacavel; e todavia, quando esses pareceres se discutem na camara, apresentam-se taes observações, que as commissões respectivas têem de aceitar propostas que modificam a sua opinião, sem que isso as exautore; e seria escusada a discussão n'esta camara desde o momento em que se reconhecesse a infallibilidade das commissões (apoiados).

Creio, pois, ter justificado o meu procedimento, assignando o segundo parecer da commissão com declarações.

A questão foi tratada tão de alto, com tanto conhecimento, com tanta citação de legislação, com taes recursos dos altos principios de administração publica, tanto pelo illustre relator da commissão, como pelo meu illustre amigo e collega, o sr. Elias Garcia, que seria temeridade minha querer agora lançar tambem alguma luz sobre este debate; mas descendo d'essa altura, e apenas olhando horisontalmente para a superficie da terra, parece-me que podia conciliar as duas opiniões com esta minha proposta, porque por ella o sacrificio, que se pede a uma classe, é dividido por ambas as classes de individuos interessados n'esta questão.

Lamentei que se julgasse discutida na sua generalidade a materia d'este parecer quando acabou de fallar o illustre relator da commissão, porque tendo, como então aqui disse, prestado na commissão toda a attenção a este assumpto, e tendo igualmente prestado attenção ao que disseram os srs. Elias Garcia e Quintino de Macedo, não me achava ainda habilitado para votar, decidindo-me por qualquer das ordens de idéas oppostas, que defendiam estes cavalheiros.

Vi que a camara na sua maior parte tinha prestado a esta discussão a pouca attenção, que em geral presta ás cousas militares, porque, supponho eu, se achava com a sua opinião formada a este respeito; porém eu fiquei desconsoladissimo commigo mesmo por não ter comprehendido, com tanta attenção, o que a maior parte dos meus illustres collegas comprehendeu tão de prompto e sem prestar attenção!!...

Esta questão é importante, porque é uma questão de justiça; nós aqui n'este caso fazemos mais de juizes do que de legisladores. Pleiteam-se interesses de duas classes de individuos; havemos de dar a uns, para tirarmos aos outros, ou vice-versa; por isso entendo, que se em todos os casos é necessario proceder com consciencia, n'este mais do que em outros.

Eu cito apenas um exemplo para mostrar o fundamento da minha proposta.

Supponhamos que hoje ou ámanhã, por conveniencia de serviço publico, se entendia que devia ser extincto o quadro da arma do estado maior do exercito, e que depois, para garantir os interesses e graduações dos officiaes d'esta arma, se determinava que elles fossem passados para o quadro de engenheria militar. Se se adoptasse o principio que

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se tem seguido, conforme affirma o sr. Elias Garcia, o que succedia era que os capitães d'aquella arma, indo occupar o seu logar, conforme a sua graduação ou categoria, só por isso já prejudicavam os tenentes da arma de engenheria, porque íam obstar ao seu accesso, mettendo-se de permeio entre estes officiaes e os outros capitães que já eram da engenheria, e a cuja esquerda se collocavam. Mas, adoptando-se o principio do projecto, não só os capitães do quadro do estado maior prejudicavam o accesso dos tenentes de engenheria, mas contando as suas antiguidades prejudicariam tambem os capitães d'esta arma, porque, se algum d'elles fosse mais antigo do que os de engenheria, seria o primeiro a ser promovido a major.

Se se notar que muitos dos capitães do estado maior, por isso mesmo que entram n'aquelle posto para a sua arma, são muito mais modernos do que muitos dos tenentes de engenheria, vê-se que já os do quadro do estado maior lucravam, e os do de engenheria soffriam grande prejuizo, adoptada sómente a legislação citada pelo sr. Elias Garcia; mas adoptado o principio do projecto, o prejuizo dos officiaes de engenheria era muito maior, porque o resultado era passarem os capitães do estado maior que fossem mais antigos para a direita dos outros capitães que estavam na arma de engenheria, onde o accesso de capitão para major é menos moroso, resultando d'ahi que os officiaes do quadro do estado maior tinham todas as vantagens e os do quadro da engenheria todos os prejuizos.

Eu citei de proposito este exemplo porque, pertencendo eu á arma de engenheria militar, entendi que devia figurar uma hypothese em que podesse collocar-me nas circumstancias dos individuos, cujos interesses tenho de julgar, para avaliar melhor a impressão que n'elles deve causar a questão dos seus interesses. Não quero, porém, dizer com isto que se se realisasse a hypothese que eu figurei, ou outra qualquer que me prejudicasse na minha carreira, por muito que fosse, eu levantaria alguma queixa contra isso; do que affirmo á camara, creio que já tenho dado algumas provas (apoiados).

Parecerá, do que acabo de dizer, que sigo completamente a doutrina estabelecida pelo sr. Elias Garcia; mas ha tambem a ponderar, continuando na minha hypothese, que se por um lado se seguiam os inconvenientes que citei, com a doutrina do projecto, tambem por outro lado, não se seguindo, resultaria que um capitão do estado maior, o mais antigo, ficaria collocado á esquerda dos capitães de engenheiria mais modernos, e assim gravemente prejudicado.

Qualquer, portanto, das duas resoluções importava prejuizos e injustiças n'um dos quadros.

A minha opinião seria, pois, n'esse caso, como é n'este, que se dividisse por todos o sacrificio. Se o quadro das extinctas repartições do arsenal e o quadro da administração militar fossem identicos, isto é, comprehendessem o mesmo numero de individuos com as mesmas graduações, obtinha-se com o projecto essa divisão de sacrificios; mas como um quadro era mais pequeno do que o outro, o accesso no mais pequeno era mais moroso, emquanto que no quadro mais numeroso o accesso era mais rapido; e então entendo que o mais conveniente é adoptar a minha proposta.

Termino, declarando a v. ex.ª que, se acaso a minha proposta for aceita, os interessados das duas classes respectivas, ou hão de ficar muito satisfeitos ou muito descontentes; se ficarem muito satisfeitos, muito bem; se ficarem descontentes, não ficam descontentes senão commigo, e eu posso com esse odioso.

Mando a minha proposta.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que em vez das palavras «ser-lhes-hão reguladas as suas antiguidades, relativamente aos empregados de igual categoria, etc.» se diga «ser-lhes-ha regulado o seu accesso, em concorrencia com os empregados de igual categoria já pertencentes a este quadro na data da extincção d'aquellas repartições, pela antiguidade de graduação, e na proporção dos individuos que compunham os dois quadros, como se para este effeito sómente elles continuassem a existir separados e independentes».

Sala das sessões, em 25 de abril de 1871. = Bandeira Coelho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes sobre o processo eleitoral do circulo de Angola; e como não ha protesto ou reclamação alguma, conforme com as resoluções da camara, pedia que se passasse já á discussão d'este parecer.

Leu-se logo na mesa e é o seguinte:

Parecer

Senhores. — Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo da eleição a que se procedeu em 29 de janeiro do corrente anno no circulo de Angola. A commissão, tendo examinado attentamente todos os documentos d'esta eleição, achou-os legaes e regularissimos.

O apuramento final dos votos mostrou que entraram nas urnas das diversas assembléas primarias 14:715 listas, das quaes duas foram brancas, sendo portanto a maioria absoluta 7:357 votos.

O cidadão Thomás Frederico Pereira Bastos obteve 13:202 votos, e o cidadão Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira 1:095, recaíndo os restantes em diversos cidadãos.

Estando o processo perfeitamente regular e sem nenhum protesto, e tendo o cidadão Thomás Frederico Pereira Bastos obtido muito mais da maioria absoluta do numero real dos votantes, a vossa commissão é de parecer que esta eleição seja approvada, e que o cidadão Thomás Frederico Pereira Bastos seja proclamado deputado, visto ter apresentado o seu diploma em fórma legal.

Sala da commissão, em 25 de abril de 1871. = João Antonio dos Santos e Silva = Ignacio Francisco Silveira da Mota = Francisco Joaquim da Costa e Silva = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi approvado, e em seguida proclamado deputado o sr. Thomás Frederico Pereira Bastos.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 9

Artigo 2.º

O sr. Francisco Beirão (sobre a ordem): — Vou ler o meu additamento (leu).

A largueza com que tem corrido esta discussão, a proficiencia com que tem sido agitada, largueza e proficiencia que demonstram a attenção e o cuidado com que a camara tem tratado este assumpto, e a simplicidade da materia do meu additamento, dispensam-me de fazer largas considerações em defeza da minha proposta.

Ha repartições publicas que se acham estabelecidas em casas particulares, e cujas rendas são pagas pelo estado ou pelas camaras municipaes.

Quanto ás primeiras, ainda que no projecto se não diga cousa alguma a este respeito, como a lei se deve entender de modo que d'ella não resulte absurdo, e absurdo seria que o estado pagasse a si proprio uma contribuição, parece-me que nenhuma duvida poderia haver, mas como ha um preceito que diz — credo quia absurdum — parece-me que seria bom que isto ficasse acautelado na lei.

E tanto mais se deve tomar um alvitre a tal respeito, que me lembro de um exemplo que prova a necessidade da minha proposta. Hoje todas as repartições publicas são obrigadas a ter esta peça de litteratura official, que se denomina Diario do governo.

Acontece que repartições publicas ha que mettem nas contas do seu expediente as despezas da assignatura do Diario, despezas que depois são pagas ao governo pelo respectivo ministerio; ora, seria muito mais simples, para evitar esta absurda complicação de serviços, que o gover-

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no mandasse o jornal todos os dias gratuitamente a todas as repartições.

Para que se não possa repetir isto mesmo com a contribuição pessoal, entendi que devia propor a primeira parte do additamento.

Quanto á segunda parte, como sei que ultimamente se tem introduzido um principio descentralisador, que consiste em passar para as camaras municipaes todos os encargos, sem lhes dar verbas de receita, o que é muito economico para o estado, mas não é muito favoravel para as camaras municipaes (áparte do sr. Cortez), nem muito agradavel, como diz o sr. Cortez, por isso proponho que se diga claramente ficarem dispensadas da contribuição pessoal as rendas das repartições a cargo d'ellas.

Ultimamente houve um decreto que mandou que as camaras municipaes pagassem as rendas das casas das conservatorias. E este decreto era muito curioso; o ministro dizia no relatorio, que não propunha uma nova tabella de emolumentos para as conservatorias, emolumentos que são pagos pelos particulares, e a respeito dos quaes se havia reconhecido a necessidade de se exigir um pequeno augmento, porque tinha escrupulo em lançar, sem intervenção do parlamento, um como novo imposto; este escrupulo porém que teve no relatorio, não o teve no decreto, porque entendeu que devia obrigar as camaras municipaes a pagarem as rendas e mobilia das casas das conservatorias!

Esta facilidade que os governos têem de se tornarem poder legislativo, tem uma certa desculpa na facilidade com que nós aceitâmos taes factos. Se houvesse mais resistencia da nossa parte, havia de haver mais escrupulo da parte do governo em tomar certas medidas.

Como as cousas vão assim, por isso mando para a mesa a segunda parte do additamento.

Peço que seja remettida á commissão de fazenda, para que lhe dê o destino que entender conveniente.

A proposta é a seguinte:

Proposta

Proponho que no artigo 2.º do projecto em discussão sejam comprehendidas entre as excepções do § 1.° as casas em que se acharem estabelecidas as repartições publicas, cujas rendas sejam pagas pelo estado ou pelas camaras municipaes.

Sala das sessões, 24 de abril de 1871. = O deputado, Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Foi admittida.

O sr. Julio do Carvalhal (sobre a ordem): — Mando para a mesa um additamento (leu).

É uma proposta inoffensiva na fórma e na essencia, que nada prejudica o pensamento da proposta do governo e do projecto da commissão.

O meu fim é tirar aos escrivães de fazenda o pretexto de collectarem os armazens onde os lavradores recolhem o azeite, as adegas onde recolhem o vinho e os celeiros onde recolhem o trigo, emfim as officinas de lavoura.

Pela fórma por que está redigido o artigo podiam os escrivães de fazenda facilmente convencer-se de que estas officinas de lavoura estavam no caso de ser collectadas, e não estavam isentas, porque a commissão, especificando quaes os casos em que são isentas, não diz uma unica palavra a respeito d'estas officinas, e de certo nem o governo nem a commissão tiveram o pensamento da as sujeitar ao imposto.

Mando a proposta para a mesa, esperando que a commissão de fazenda a tomará na consideração que merecer.

Repito, o meu fim é que a lei fique clara, por fórma que os escrivães de fazenda não lancem o imposto sobre officinas em que o governo e a commissão não o quizeram lançar.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no fim do § unico se acrescente «do mesmo modo os armazens, officinas e abegoarias das casas de lavoura».

Sala das sessões, 25 de abril de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

Foi admittida.

O sr. Francisco de Albuquerque. —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Ficam sujeitas á contribuição de renda das casas as rendas ou valores locativos das casas de habitação não inferiores a 20$000 réis nas terras de 1.ª ordem, 15$000 réis nas de 2.ª ordem, 10$000 réis nas de 3.ª e 4.ª, e 5$000 réis nas terras de 5.ª e 6.ª ordem.

§ 1.° Esta contribuição será de 4 por cento sobre as rendas ou valores locativos inferiores a 40$000 réis nas terras de 1.ª ordem, a 30$000 réis nas de 2.ª, a 20$000 réis nas de 3.ª e 4.ª, e a 10$000 réis nas de 5.ª e 6.ª ordem; e de 6 por cento sobre as rendas ou valores locativos superiores.

§ 2.° (Textualmente o § 1.º do artigo) acrescentando-se e as casas deshabitadas. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

Foi admittida.

O sr. Alves Matheus (sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte emenda (leu).

Para se comprehender bem o fundamento da emenda que proponho, leio primeiro o § 1.º do artigo 2.°, que diz(leu).

Se a camara conservar o artigo 2.° tal como está redigido, parece-me que sancciona uma desigualdade e legisla um privilegio, que se não póde justificar.

Ha armazens de retem e casas de deposito que são ao mesmo tempo casas de habitação; estas casas ficam, pelos termos em que está redigido o final do § 1.° do artigo 2.°, isentas da contribuição de renda.

V. ex.ª sabe, e sabe a camara muito bem, que nos estabelecimentos industriaes, como são, por exemplo, as fabricas, alem dos logares destinados para funccionarem as machinas, para trabalharem os operarios, para deposito de materias primas, para serem collocados os objectos fabricados, e para todos os serviços proprios, ha tambem dentro do mesmo edificio logares que são habitados por uma ou mais familias, cujos chefes, se o § 1.° permanecer tal como está elaborado, ficam completamente isentos da contribuição de renda.

Se ao § 1.º do artigo 2.° não for additada a emenda que proponho, não ha padeiro que tenha uma fabrica de moagem com estabelecimento de padaria, não ha sapateiro que tenha uma loja de calçado e alguns officiaes a trabalharem, e que habite na mesma casa onde exerce a sua industria, que não possa allegar com bons fundamentos isenção de contribuição de renda.

Fica rota e muito larga uma malha por onde muita gente ha de escapar da contribuição de renda (apoiados). E para que isto não aconteça, é que me lembrei de apresentar um additamento ás palavras finaes do § 1.° do artigo 2.º

Não exceptuâmos da contribuição de renda as residencias dos parochos, cujos rendimentos não são computados na respectiva congrua; tributâmos o minimo de 5$000 réis nas terras de 5.ª e 6.ª ordem, não podemos portanto conceder um privilegio aos senhorios, aos inquilinos de casas ou logares que podem ter um valor locativo muito superior (apoiados).

Estas rasões creio que são de algum peso e fundadas nos principios de igualdade e justiça, primeiras condições que devem acompanhar o lançamento de qualquer imposto.

A illustre commissão de fazenda e a camara tomarão a minha emenda na consideração que ella merecer.

A emenda é a seguinte:

Proponho que em additamento ás ultimas palavras do § 1.º do artigo 2.° do projecto de lei em discussão se acres-

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oentem as seguintes — que não forem ao mesmo tempo casas de habitação permanente.

Sala das sessões, em 25 de abril de 1871. — Alves Matheus.

Foi admittida.

O sr. Francisco Mendes: — Quando se votou a generalidade d'este projecto, sr. presidente, não estava na sala, de sorte que não o votei, nem pude propor que essa votação fosse nominal, e desejava faze-lo para me poupar á seguinte declaração. Rejeitei hontem o artigo 1.°, e vou rejeitar todos os outros, o que importa o mesmo que te-lo rejeitado na generalidade; e faço isto, porque é proposito meu inabalavel não votar imposto algum sem se apresentarem as reducções na despeza publica.

Sei que na commissão de fazenda o governo se tem mostrado disposto a aceitar os córtes que se pretendem fazer no orçamento de todos os ministerios, mas tambem me consta que correm boatos de que o nobre presidente do conselho respondêra a alguem, que lhe foi representar contra as reducções, que se não assustasse, que elle opportunamente saberia conter este desejo exagerado de economias. Ora, sr. presidente, com quanto simples boatos não me devam merecer inteiro credito, comtudo sempre me inquietam, e, na duvida, prefiro não votar (como acabei de dizer) imposto algum sem apparecerem as necessarias relucções, por que estas podem ficar no tinteiro, ou mesmo serem aqui rejeitadas, e os impostos depois de votados subsistem. Portanto, sr. presidente, faço esta declaração para que se saiba a rasão que me obriga, por emquanto, a não votar impostos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — O illustre deputado, que acaba de fallar, referia-se a proposições que se me attribuem como pronunciadas por mim na outra camara. Eu não tenho dito na outra camara o que não tenha dito n'esta, e não tenha dito no parlamento ou em outra parte o que não tenha dito na commissão de fazenda (apoiados).

O governo aceita todas as economias que se possam fazer nos diversos orçamentos do estado, fui eu o primeiro a pedir muito e muito á illustre commissão do orçamento que apresentasse, á medida que estiverem promptos, os seus trabalhos sobre os orçamentos de cada ministerio; porque o governo desejava e deseja que se entre desafogadamente no exame e na discussão da questão de fazenda; e eu acrescentei que o governo estava prompto a cooperar com a illustre commissão do orçamento, para que no mesmo orçamento se fizessem todas as economias compativeis com as necessidades do serviço, que não desorganisassem o serviço (apoiados).

Aqui está uma phrase que eu tenho empregado n'esta camara, na outra casa do parlamento e na commissão do orçamento, cujos membros me ouvem (apoiados).

Eu ainda espero que, no orçamento que se ha de discutir, se hão de fazer reducções valiosas. Algumas não são diminuições de despeza, são deslocações de despeza, que diminuem comtudo o nosso deficit.

Ha despezas que sobrecarregavam o cofre da metropole, e hoje podem passar para os cofres das provincias a que respeitam essas despezas.

Podem fazer-se economias nas verbas que eram applicadas para subsidio da navegação em diversas carreiras. Na verba para o subsidio da navegação para os Açores já se fez uma economia valiosa, porquanto, tendo sido até aqui o subsidio de 22:500$000 réis annuaes, obteve-se que uma companhia se obrigasse a fazer esse serviço por 6:750$000 réis. E ninguem dirá que isto não foi uma economia importante (apoiados).

E o governo espera que economias analogas se hão de fazer nas outras emprezas.

Não posso deixar de mencionar a economia importante que nós estamos fazendo, independentemente da votação do orçamento; qual é a que provém da nomeação de todos os empregados addidos para os logares que vão vagando nos diversos quadros, quando esses empregados têem as habilitações necessarias para desempenharem bem esses cargos.

Aqui tem a camara como o governo tem entrado rasgadamente no caminho das economias e reducções de despezas.

Não posso deixar de chamar a attenção da camara, muito principalmente para uma economia valiosissima, pela grande influencia que exerce no nosso credito, no melhoramento dos nossos titulos de divida fundada, no desenvolvimento da nossa industria e do cormmercio: é a reducção consideravel que temos feito nos encargos da nossa divida fluctuante, e que já importa em centos de contos de réis. Como o sr. ministro da fazenda póde demonstrar á camara, já ou se têem pago os emprestimos da divida fluctuante, cujos juros eram exorbitantes, ou se têem reduzido os juros d'aquellas cujas reformas foram propostos.

Eu já apresentei aqui um exemplo, que não tenho duvida em repetir, que demonstra qual é a importancia d'esta reducção.

Supponhamos que a divida fluctuante era de 10.000:000$ réis...

O sr. Ministro da Fazenda: — Não chega a réis 9.000:000$000.

O Orador: — Eu disse 10.000:000$000 réis por hypothese, e para facilitar a demonstração; tomemos porém réis 9.000:000$000, e que por essa somma estavamos pagando annualmente, termo medio, o juro de 10 por cento, esse juro monta a 900:000$000 réis. Em virtude do melhoramento que tem tido o nosso credito, e não se póde contestar que o tem tido, porque hoje em logar de andarmos a bater á porta dos estabelecimentos monetarios são elles que vem bater á nossa porta, são os banqueiros de dentro e de fóra do paiz que nos fazem propostas, e eu tenho na algibeira uma proposta que já não é má, e que hei de aconselhar ao sr. ministro da fazenda que não aceite. É uma proposta para o levantamento de uma somma com o juro de 7 1/2 por cento, e amortisação de 1 1/2 por cento, total 9 por cento; apesar d'isto hei de aconselhar ao meu collega que não a aceite, porque espero que façamos cousa melhor.

Mas, como estava dizendo, imaginem que 9 000:000$000 réis de divida fluctuante custavam 900:000$000 réis a 10 por cento, e que levantaremos esse dinheiro a 6 por cento. É o nosso ponto de vista. Aqui temos 540:000$000 réis nos 9.000:000$000 réis, para 900:000$000 réis temos réis 260:000$000 de economia.

Aqui tem o illustre deputado, que acaba de fallar, uma economia, cujo alcance não poderá deixar de apreciar, porque d'aqui resulta que hão de baratear-se os capitães, e que d'este barateamento ha de resultar que o governo não ha de ser o unico concorrente no mercado, e que todas as emprezas industriaes e commerciaes hão de achar capitães para o seu desenvolvimento (apoiados). Portanto, não nos assustemos. Peço á camara que não se assuste. A situação financeira tem melhorado muito; e não é por actos só d'este ministerio, mas por actos d'esta administração, do ministerio que a precedeu, e de uns poucos de ministerios, principalmente de uma certa epocha para cá, e das camaras que os tem apoiado, tem melhorado consideravelmente a situação financeira (apoiados). E se continuarmos n'este systema, augmentando a receita publica e fazendo todas as economias que as necessidades do serviço comportarem, tenha v. ex.ª a certeza de que nós havemos de entrar no estado normal em muito pouco tempo.

Ora, o illustre deputado disse, que não estava resolvido a votar sacrificios sem que essas economias appareçam. Peço ao illustre deputado que não perca de vista que muitas d'estas economias que acabo de referir estão feitas. Que está feita em grande parte a economia da nomeação dos empregados addidos para as vacaturas que forem tendo logar nos differentes quadros. Ha poucos dias pedi ao meu

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collega das obras publicas, que não está presente, que me desse tres empregados que tem a mais para preencher tres vacaturas que eu tinha no ministerio do reino. Já preenchi outras vacaturas assim. O primeiro acto d'esta administração foi o decreto de 31 de outubro. O ministerio formou-se em 29 de outubro e em 31 publicou um decreto, por virtude do qual nos obrigámos a preencher todas as vacaturas com os empregados addidos que tivessem as habilitações para poder preencher esses cargos. Havemos de continuar n'este systema; e quando o sr. ministro da fazenda apresentar os respectivos documentos á camara, e s. ex.ª poderá apresenta-los em pouco tempo, ha de se ver que nós, auxiliados pelos melhoramentos da situação do thesouro, que, repito, não são só obra nossa, mas pertencem tambem ás administrações anteriores, temos, no levantamento das diversas receitas, feito economias extremamente valiosas. E creia o illustre deputado na sinceridade das nossas declarações. E não digo este ministerio, mas quaesquer homens que venham aqui sentar-se hão de necessariamente seguir este caminho (apoiados). Hoje já não é possivel deixar de seguir esta estrada; deixar de a seguir é absolutamente inpossivel (apoiados).

Creia o illustre deputado que o melhoramento das receitas tambem habilita a diminuir os encargos da divida fluctuante (apoiados). A diminuição dos encargos da divida fluctuante são o resultado d'isto. E solicito ao illustre deputado que não escrupulise em contribuir com o seu voto para que se peça ao paiz algum sacrificio, na certeza de que o paiz ha de encontrar nos nossos actos, nos actos de quaesquer homens que occupem estas cadeiras, a prova de que nós só havemos de pedir ao paiz os sacrificios que forem indispensaveis. Se disseram ao illustre deputado que eu me exprimi em termos menos claros e explicitos do que estes, desde já declaro que não me entendeu quem me attribuiu taes expressões. Estas são as doutrinas que tenho professado toda a minha vida; não é uma garantia que dou hoje, tenho professado isto toda a minha vida.

A primeira vez que entrei no ministerio da fazenda foi ha trinta annos, no dia 9 de junho de 1841. V. ex.ª era deputado n'essa occasião, e poucos d'estes cavalheiros que nos ouvem nos acompanhavam aqui então. Pois se procurarem no Diario do governo d'esse tempo hão de ver que eu supprimi um grande numero de empregos. É verdade que o meu successor preencheu os todos. (Riso.) Mas isso não é possivel já hoje, o que se fez então não acontece hoje, e eu declaro solemnemente que não tenho duvida de tomar o compromettimento de que qualquer ministerio que me succeda, ha de seguir precisamente o caminho em que temos entrado, e que é o unico que nos póde conduzir a porto de salvamento (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Francisco Mendes: — Agradeço ao nobre presidente do conselho as explicações que acaba de dar á camara, e felicito-me por te-las provocado, pois são ellas um compromisso mais de s. ex.ª para com o paiz que o obrigará (eu o espero) a marchar rasgadamente no caminho das reformas, e só me resta assegurar-lhe que para tudo o que fosse de interesse meu a sua palavra me mereceria toda a confiança; mas trata-se dos interesses do paiz, e n'este caso não me bastam palavras, só me satisfazem actos positivos, e esses aguardo-os com impaciencia.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Vão ler-se as propostas mandadas para a mesa.

(Leram-se.)

O sr. Barros Gomes (relator): — Pedi a palavra simplesmente para declarar a v. ex.ª que, não tendo eu podido por uma rapida leitura que se fez das differentes propostas apresentadas por cavalheiros membros d'esta casa, tendentes a modificar as disposições do artigo, fazer completa idéa d'ellas, e não me sendo, alem d'isso, possivel prescindir de ouvir a opinião de todos os meus collegas da

commissão, pedia para que o artigo 2.º fosse posto á votação da assembléa independentemente e sem prejuizo das propostas, que hão de em tempo ser consideradas pela commissão. Refiro-me tanto ás propostas de additamento ou emenda que têem sido mandadas para a mesa, como áquellas que ainda possam ser mandadas.

Agora devo dizer ao meu collega, o sr. Alves Matheus, e não duvido desde já declarar, que talvez seja conveniente redigir a lei n'este artigo, na parte final do § 1.°, de maneira a tornar mais claro que as officinas ou armazens de depositos e retem apenas deixam de ficar sujeitos ao imposto quando n'elles não residam quaesquer individuos, porque dando se o facto da residencia continuada de individuos n'essas officinas ou armazens, o espirito da lei é bastante claro, e a letra póde-se tornar tambem mais clara, de maneira que fica perceptível para todos que se exige contribuição d´esses individuos.

Em relação ás outras propostas, limito-me a repetir que serão em tempo devidamente consideradas pela commissão.

Foi approvado o artigo 2.º, salvas as propostas mandadas para a mesa ao mesmo artigo, as quaes se votou fossem á commissão para sobre ellas dar parecer.

Entrou em discussão o artigo 3.° e foram admittidas uma proposta do sr. Osorio de Vasconcellos e outra do sr. Barros e Cunha sobre o mesmo artigo.

O sr. Francisco de Albuquerque: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar).

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho em substituição da tabella da taxa fixa da contribuição sumptuaria a seguinte:

[Ver Diário Original].

Sala das sessões, 25 de abril de 1871. = O deputado, Francisco de Albuquerque. Foi admittida.

O sr. Barros Gomes: — Por parte da commissão posso desde já declarar a v. ex.ª e á camara, que a commissão não aceita a proposta apresentada pelo meu amigo o sr. Osorio de Vasconcellos, para que as tabellas voltem á commissão, a fim de serem modificadas no sentido de reduzir as taxas fixas de que ellas se compõe.

Em relação á proposta do sr. Barros e Cunha, devo declarar que a commissão está de accordo em que as taxas fixas sejam alteradas no sentido de se arredondarem, para que não appareçam as fracções pequenas de 20 e 30 réis.

A commissão entendeu não dever sobrecarregar muito os contribuintes, porque o imposto já não era pequeno; mas por outro lado, no momento em que se exigem encargos, aliás bastante onerosos, não podia deixar de attender ás manifestações da riqueza publica.

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Repito, as rasões apresentadas pelo sr. Barros e Cunha, são muito attendiveis, e não podiam deixar de fazer impressão no animo da commissão, e por isso resolvemos modificar as taxas no sentido pedido por s. ex.ª

Em relação á pergunta feita pelo sr. Francisco de Albuquerque, devo dizer a s. ex.ª que o pensamento da commissão é que as cavalgaduras de aluguer não sejam sujeitas ao imposto pessoal, porque o aluguer d'eseas cavalgaduras é o preço de uma industria que está sujeita a contribuição industrial.

Entretanto peço que a camara não se pronuncie desde já sobre isto, e que a proposta do illustre deputado seja remettida á commissão para se attender, e o artigo ser redigido de modo que desappareçam todas as duvidas.

São estas as explicações que tinha a dar por parte da commissão.

O sr. Mello e Faro: — Assignei o projecto que se discute vencido na parte que se refere ás tabellas.

Se eu tivesse necessidade de justificar esta minha resolução, bastava repetir á camara as poucas palavras acabadas de proferir pelo illustre relator da commissão.

Disse s. ex.ª, que a commissão não tinha querido por fórma alguma alterar as quotas das tabellas, por isso que o imposto já era exagerado.

Peço licença para completar esta phrase do illustre relator da commissão, ponderando á camara que ella deve dar a similhante asseveração toda a importancia que merece.

A exageração que o illustre relator encontra nas tabellas actuaes não é de tão pequena monta para um paiz pequeno, e que se encontra em condições de opulencia que estão longe de se parecerem com as das grandes nações, como a Inglaterra e a França, que não valha a pena tornar bem claro que Portugal paga pela tabella actual das taxas sumptuarias oito vezes mais do que se paga em Inglaterra! Dito isto parece-me que se comprehende melhor a exageração a que se referiu o illustre relator da commissão.

Em verdade, é bem exagerado fazer pagar a um paiz pequeno e pobre, por cada unidade de imposto sumptuario, uma taxa que é oito vezes maior do que a que pagam os ricos e opulentos lords de Inglaterra. Em França, paiz tambem rico e onde se agglomeram as fortunas de quasi toda a Europa, principalmente da Europa extravagante e gastadora, tambem o imposto é diminuto em relação ao que se paga entre nós.

Isto seria sufficiente para justificar o meu voto, se porventura atravez d'esta questão, a que o illustre ministro da fazenda chamou questão politica, e atravez do desejo que s. ex.ª mostrou á camara de que se não fosse alliviar a classe rica no momento em que se íam pedir mais impostos ás classes pobres, eu não visse justamente aquelle mal que s. ex.ª parecia receiar.

Um escriptor distincto dizia que em todos os impostos havia duas cousas «ce qu'on voit et ce qu'on ne voit pas». E de feito assim é.

Parece á primeira vista que o imposto das carruagens recáe só sobre a classe rica, mas eu não me deterei a observar á camara que ha muitas especies de carruagens e de Vehiculos de conducção, e que é necessario distinguir entre a carruagem rica, a carruagem de luxo, e o carrinho ligeiro e barato, de que os habitantes do centro do paiz precisam para ir á cabeça do concelho, ou da comarca, tratar dos seus negocios, porque não é justo que sejam obrigados a andar a pé quando o paiz tem feito tanta despeza com a construcção de estradas que podem ser aproveitadas (apoiados).

O que importa á questão é reconhecer que, se as carruagens vão servir de goso ás classes ricas, são em muitos casos uma necessidade das classes remediadas, e são, alem d'isso, o recurso de que vivem varias classes industriaes e manufacturas.

Sr. presidente, pensa-se que com o imposto sumptuario se tributa só a riqueza a verdade é que, pensando que se tributa o que se vê, se vae tributar o que se não vê.

O que é uma carruagem? É um producto imaginado para commodo e goso dos homens ricos ou remediados, mas feito por um conjuncto de classes pobres e trabalhadoras. Os cavallos são fornecidos pela agricultura, e como quer o governo, na occasião em que quer exigir-lhe novos sacrificios, tolher-lhe este meio de dar desenvolvimento e saída aos cavallos dos nossos creadores?

Os carpinteiros, serralheiros, estofadores, ferreiros e os pintores são classes que todas contribuem para o fabrico dos vehiculos de conducção, e todas as quaes se quer que sejam mais tributadas, e que é justo que o sejam cada uma na proporção dos seus recursos e forças; mas se se quer que paguem mais, como é que se lhes vão tolher os meios de poderem desenvolver o seu fabrico?

Como é que nós havemos de pedir-lhe mais impostos, se lhes tolhemos os meios de poderem haver os recursos de que precisam para os poderem pagar?

Mas a esta questão prende-se uma outra de mais alta importancia para o paiz.

Está-se dizendo todos os dias que Portugal precisa de ter meios de defeza; que é necessario reorganisar as suas forças vivas, para nos collocarmos em condições de não nos podermos tornar o objecto da cubiça de algum vizinho ambicioso, ou de qualquer outra nação que porventura possa tentar um golpe de mão sobre nós.

Pois, senhores, hoje um dos primeiros meios de defeza de um paiz é uma cavalhada numerosa, robusta e capaz de supportar as fadigas do serviço da guerra.

Como póde haver essa cavalhada numerosa e robusta se nós não procurarmos dar ampla saída aos productos da pecuaria, se nós não procurarmos que as nossas estradas sejam constantemente cruzadas por vehiculos de conducção? E como havemos de chegar a este resultado? Trazendo as taxas para uma somma tão modica, que não vamos por um lado, com a idéa de procurar um imposto, afastar a materia primeira que o produz, e por outro lado estimular a fraude que já hoje se dá em grande escala no pagamento das taxas sumptuarias.

A verdade é que, consultando as tabellas que foram distribuidas n'esta camara, d'ahi se evidencia que a quantidade de animaes e vehiculos que figuram nas matrizes é uma parte minima da que ahi devêra estar (apoiados).

O illustre deputado por Foscôa já teve occasião de submetter a esta camara alguns algarismos, que me parecem muito eloquentes, para que não tenhamos illusões a este respeito.

Como é possivel que a camara possa tranquillamente votar esta tabella, quando ella reflectir que só uma povoação sertaneja e serrana como é a de Méda, que tem apenas algumas centenas de fógos, tem de pagar a taxa sumptuaria por maior numero de cavalgaduras que estão inscriptas na matriz do que todo o districto de Bragança?!

O districto de Bragança é, como todos sabem, um dos mais creadores de gado cavallar em Portugal; é ali que se encontram ainda os cavallos mais robustos e de maior porte dentro do paiz.

Desde que o illustre deputado citou á camara estes algarismos, eu não creio que ella possa votar tranquillamente umas tabellas, que são a consagração de um statu quo deploravel, porque dá logar a tamanhas injustiças.

Não creia a camara que eu faço estas observações, porque queira regatear ao governo os meios de que precisa para successivamente ir tratando de remediar esta desgraçada situação finandeira em que nos achâmos.

Estou convencido de que a camara me fará justiça, acreditando que não tenho a mais pequena duvida em votar todos os recursos que sejam compativeis com as forças tributarias do contribuinte; mas a verdade é que tenho grande escrupulo em votar esta tabella, porque tenho a convicção de que não vou votar nada de util ao governo.

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Estou precisamente n'esta questão como na questão do real de agua. Se o governo persistir n'esta base de lançamento de imposto, convenço-me de que não ha de tirar d'elle os recursos que tiraria se as taxas fossem modicas e não houvesse n'ellas estimulo para a fraude, que nós, sem grande esforço, podemos reconhecer que existe n'uma grande parte do paiz.

E tanto estou no proposito de dar meios ao governo para saír d'esta situação a que já me referi, que, de combinação com alguns collegas da commissão de fazenda, havia assentado em procurar um modo pratico de dar ao governo maior receita do que aquella que poderá provir-lhe d'esta tabella, lançando para as localidades o encargo da conservação das estradas e dando-lhe a receita que podesse vir d'estes diversos itens que figuram nas tabellas.

Esta idéa foi objecto de algumas más interpretações; e eu, que não quiz de maneira nenhuma prestar-me a ser o instrumento de manejos, cujos intuitos não conheço, fui o primeiro que me dirigi aos meus collegas da commissão de fazenda, que tinham assignado a emenda, e lhes pedi que consentissem em annullar as suas assignaturas como eu annullava a minha, visto como, referindo-se a emenda a uma idéa, cuja discussão poderá ter cabimento quando se tratar do orçamento das obras publicas, entendia que n'essa occasião podia esta idéa ser trazida a terreno, e agora não havia inconveniente algum em desistir da sua apresentação, porque da minha parte, como da dos illustres membros da commissão de fazenda que assignaram aquella emenda, não havia proposito de demorar o andamento da discussão.

Entendo que estas poucas palavras são sufficientes para justificar o voto que hei de dar contra as tabellas, e a resolução que tomei de assignar o projecto vencido na parte que se refere a ellas.

A hora está dada, e eu não quero tomar mais tempo á Camara; dispenso-me portanto de fazer outras considerações com referencia a este objecto.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — O sr. ministro da fazenda tinha pedido a palavra. Se a camara, ainda que deu a hora, consente que o sr. ministro falle, eu dou-lhe a palavra.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — São duas palavras só; nem a questão é chamada a maior desenvolvimento.

Eu avalio completamente as intenções do illustre deputado, e reconheço que s. ex.ª não se recusa a habilitar o governo com os meios necessarios para poder debellar as difficuldades financeiras.

Trata-se simplesmente de uma questão economica. O illustre deputado não está de accordo em que se sobrecarregue a contribuição sumptuaria, e eu entendo que é a que mais está no caso de ser elevada.

Sei o que diz um economista distincto, Bastiat, a este respeito, mas sei tambem o que diz outro economista distincto, e que tem talvez mais peso, fallo de Mill, que sustenta formalmente a mesma doutrina.

Não é uma questão politica, é uma questão scientifica, uma questão de economia politica; e o conde Orset, fallando de contribuições sumptuarias, diz que são excellentes. Todavia, a respeito d'esta contribuição não se póde citar o exemplo da Inglaterra e compara-lo com o que succede no nosso paiz, porque estas duas nações estão em circumstancias inteiramente diversas; as duas nações são differentissimas já em relação á sua riqueza, já em relação ao numero dos contribuintes. Alem d'isso em Inglaterra existe o imposto sobre a renda que vae tributar todas as grandes fortunas, emquanto que entre nós não existe similhante imposto.

Com relação às observações que o illustre deputado fez a respeito da necessidade de promover entre nós a creação do gado cavallar, tenho a declarar que para isso se tem empregado todos os meios.

A remonta do exercito já se faz exclusivamente de gado cavallar do nosso paiz, e n'essa industria tem havido progresso consideravel; o governo tem dado premios para o seu desenvolvimento; e ha um cavalheiro, de que eu posso aqui citar o elogio, o sr. Moraes Soares, que, com o auxilio dos differentes ministros das obras publicas, tem concorrido muitissimo para que a creação do gado cavallar tenha tido no nosso paiz tão apreciaveis resultados (apoiados). Por consequencia, hoje que já adquirimos estes resultados, não é occasião de prescindirmos d'esta consideração politica, e de não conservarmos ou augmentarmos o imposto sobre a manifestação da riqueza cavallar. Pelo symptoma das commodidades do luxo, tambem não poderemos de maneira nenhuma renunciar a este imposto ou á sua elevação, porque o seu rendimento não está contrariado pelo testemunho dos factos.

Em 1860, toda a gente sabe que o producto proveniente d'este ramo de contribuição era quasi a terça parte do que é hoje; quer dizer, que este ramo de contribuição tem quasi triplicado, apesar de ter augmentado consideravelmente o imposto que sobre elle recáe (apoiados). Já se vê que tanto o testemunho dos factos, como o testemunho das theorias economicas, estão de accordo condemnando a diminuição das taxas sumptuarias.

Termino, pedindo desculpa á camara de ter pronunciado estas palavras em defeza de uma estão puramante de doutrinas economicas.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Pedro Franco: — Pergunto a s. ex.ª, o sr. ministro do reino, se já se acha habilitado para responder á minha interpellação.

O sr. Ministro do Reino (Marquez d'Avila e de Bolama): — Em resposta ao illustre deputado, tenho a declarar que se está procedendo á syndicancia dos factos, e por consequencia ainda não estou habilitado para responder á sua interpellação.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, sendo: na 1.ª parte, a continuação da discussão do projecto n.º 6; e na 2.ª, a continuação da discussão do projecto de lei n.° 9, sobre a contribuição pessoal.

Está levantada a sessão.

Eram quasi quatro horas e um quarto da tarde.

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