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vel a que se acham reduzidas ás fabricas nacionaes, por falta de extracção de seus productos. Queixam-se do consumo quasi geral das fazendas estrangeiras, com preferencia ás manufacturas nacionaes. Fazem varias considerações tendentes a mostrar a maior vantagem que haveria em fardar de çaragoca todo o exercito. Pedem finalmente a esta Camara providencias legislativas para que a nação consuma antes as fazendas de fabricação nacional, do que os productos da industria estrangeira, e se decrete que o fardamento do exercito seja de fazendas fabricadas no reino.

Em quanto á primeira providencia pedida, a Commissão é de parecer que não tem logar.

Pelo que respeita á segunda, entende a Commissão que sendo o fardamento um objecto de pura economia administrativa, pertence ao Governo decidir.

O Sr. Leonel Tavares: - Em these, Sr. Presidente, não ha dúvida nenhuma que ao Governo é que pertence fardar o exercito; mas esta parte do requerimento é por assim dizer um incidente á materia principal do mesmo requerimento, que consiste em mostrar a decadencia em que se acham as nossas fabricas, e julgo eu ser de primeira necessidade tratarmos de obstar a que toque o ponto de sua total ruína: os meios para isto se conseguir, um delles seria certamente o fardar o exercito ao pannos nacionaes: eu, Sr. Presidente, já tive occasião de fallar aqui a este respeito, e bem lembrado estou que differentes foram as respostas que então se deram, sendo a ultima, senão n'engano, que apenas veio de fóra do reino alguma porção de cazimira para as guarnições, e para as gollas, o que se fez por não haverem as cores que se pretendiam em Portugal. É esta uma daquellas materias que todas as vezes que appareça nesta Camara, ou seja directa ou indirectamente, eu hei de fallar a seu respeito: sei muito bem que alguem me ha de tachar d'ignorante em materias de theorias politicas; mas eu conheço excelentemente essas theorias. Sr. Presidente, nem uma cousa unica eu quereria que viesse de fóra, e não obstante a resposta que mencionei, não posso deixar de tachar o Governo, por haver d'um modo pouco conveniente, estabelecido para os fardamentos do exercito, objectos que ainda não temos em nossas fabricas: nós, Sr. Presidente, temos cá tambem muitas cousas boas, e com ellas poderiam tanto os particulares, como o Governo satisfazer, até certo ponto, as nossas necessidades: as nossas fabricas fazem muito bons pannos; é verdade que não são tão brilhantes como os estrangeiros; mas duram muito mais; responde-se a isto, mas os pannos estrangeiros são mais baratos; e a regra, em theoria, é ir buscar as cousas aonde são mais baratas, seja fóra, seja dentro; assim será; não obstante entendo que não pode ser agora, quando Portugal acaba de sair id'uma guerra; agora que os outros podem vender mais barato, se abandonarmos o que é nosso, ficaremos reduzidos a ar e agua, e nunca poderemos tambem vender barato; e mesmo a agua ha de em muitas partes tambem faltar (e não se poderá remediar) porque os aqueductos hão de cair. Agora, Sr. Presidente, creio eu que faz outo dias que outro parecer da mesma Commissão sobre materia analoga a esta, e que foi lido no fim da secção, quando já não havia tempo para se discutir, e a respeito do qual V. Exca. propoz, e a Camara resolveu que ficasse addiada a sua decisão; materia tambem de muita importancia, e de certa difficuldade, porque d'um lado estão as theorias, e do outro estão as necessidades; de um lado os escritos dos autores, que fizeram muito bons serviços á humanidade em tratarem essa materia; d'outro a experiencia de todos os dias, que em parte lhes é opposta; pedia eu por todas estas razões que, sem ficar para d'hoje a outo dias, aquelle e este fossem ao mesmo tempo discutidos; mas que o sejam no principio da secção; porque quem quizer explicar as theorias, poderá gastar tres horas; e quem as quizer refutar outras tres, assim passará o tempo todo; mas emfim a materia ficará esclarecida. Sr. Presidenta, nós temos muita cousa a fazer: temos os expostos morrendo á fome, e senão cuidamos disso vai-se a nossa honra de theorias, e nós vamos para a cova todos; por isso peço que esses requerimentos fiquem para uma das proximas secções, e que a sua discussão seja logo no principio da hora.

O Sr. Presidente: - Nem pode deixar de ficar addiado, porque já deu a hora.

O Sr. Leonel Tavares: - Sr. Presidente, não esqueça o requerimento dos trinta e um....

O Sr. Presidente: - A ordem do dia é a mesma que estava dada.

O Sr. Macario de Castro: - Se é a mesma não chegamos ao requerimento.

O Sr. Presidente: - Pois eu satisfaço a tudo - a ordem do dia é o requerimento dos trinta e um, e o projecto n.º 71: está fechada a secção. Passava das tres horas.

Para o Ministerio dos Negocios do Reino.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Havendo esta Camara approvado em secção d'hontem a indicação d'um de seus membros, em que requer se proceda sem perda de tempo ás eleições das Camaras municipaes na provincia oriental dos Açores: tenho a honra de assim o communicar a V. Exca., e de remetter-lhe inclusa a cópia da mencionada indicação, para seu conhecimento.

Deus guarde a V. Exca. Palacio das Côrtes, em 26 de Fevereiro de 1885. - Illustrissimo e Excelentíssimo Sr. Agostinho José Freire, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Reino - José Marcellino de Sá Vargas, Deputado Vice-Secretario.

A pag. 393 col. 1.ª lin. 9 existe a indicação a que se refere o officio.

O Redactor.

J. P. Norberto Fernandes.

SECÇÃO DE 27 DE FEVEREIRO.

Ás onze horas da manhã, disse o Sr. Presidente = Está aberta a secção.

O Sr. Luna: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pina Cabral não comparece por se achar doente.

O Sr. Deputado Vice-Secretario Botto Pimentel fez a chamada, e verificou por ella acharem-se presentes noventa e nove Srs. Deputados, faltando com justificado impedimento os Srs. Pereira do Carmo - Augusto de S. Paio - Chaves e Mello - Soares d'Azevedo - Pina Cabral - Avilez Zuzarte - Souza e Azevedo - Teixeira de Moraes - Neves Mascarenhas - Bandeira de Lemos.

O Sr. Deputado Secretario Souza Queiroga leu a acta da secção antecedente. Foi approvada.

O Sr. Deputado Vice-Sacretario Botto Pimentel deu conta da seguinte

CORRESPONDENCIA.

Ministerio dos Negocios do Reino.

OFFICIOS.

1.º Participando ter mandado proceder ás necessarias averiguações, ácerca dos edificios de que trata a representação da Camara municipal de Lagos. - A Camara ficou inteirada.

2.º A respeito dos expostos da cidade do Porto. - Mandou-se para a secretaria.

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O Sr. Lopes de Lima: - O Sr Secretario faz o favor de tornar a ler...

O Sr. Deputado Vice-Secretario Botto Pimentel: - Eu torno a ler. (Leu.)

O Sr. Lopes de Lima: - Queira ter a bondade de mandallo para a secretaria, que eu lá o irei examinar.

3.° Com uma representação da Camara da villa de Mação, pedindo providencias para prover ás despegas do concelho. Passou a Commissão d'administração publica.

4.º Com a cópia do officio do prefeito do Douro, e mais papeis que lhe dizem respeito, em cumprimento do exigido pela indicação do Sr. Passos (José) ácerca dos expostos da cidade do Porto. Mandou-se tudo para a secretaria.

Ministerio dos Negocios da Fazenda

OFFICIOS.

Unico. Com varios documentos sobre o rendimento da decima em Vianna do Minho, que haviam sido exigidos em indicação do Sr. Norton Mandaram-se para a secretaria.

Continuou o mesmo Sr. Deputado Vice-Secretario lendo as indicações que se achavam sobre a mesa.

1.ª Do Sr. Leonel Tavares sobre as contas da escola cirurgica do Porto.
O Sr. Leonel Tavares: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Secretário não estava presente quando eu disse os motivos porque pedi esses esclarecimentos; e por isso repetillos-he agora em poucas palavras.

Hoje ha uma certa somma destinada para as despezas das e colas de cirurgia de Lisboa e Porto; a direcção destas escolas esté encarregada ao cirurgião mór do reino, que recebe a somma, e faz a sua applicação, mas depois da distribuição aos professores, o saldo fica na sua mão: alem disso alguns dos professores foram emigrados; e o cirurgião mór recebeu a sooma, e não a dividiu por elles: ignorando-se por isso o destino que teve este dinheiro pertencente aos ordenados dos professores que emigraram, digo isto não só porque é preciso fiscalisar a fazenda publica; mas porque estas duas escolas são de importancia, e há nellas professores uteis: e necessario pois examinar o caminho que leva esse dinheiro; eu pedio as contas das duas escolas, as do Porto não vieram: é verdade que o ministro não diz que satisfaz em tudo; diz que em parte, e vê-se que a culpa foi do cirurgião mós actual, e não do ministro; comtudo não me refiro a elle, nem digo que o dinheiro que falta lhe ficasse nas mãos.

Mas como o actual cirurgião mór não satisfez ao meu pedido, e eu desejo que elle seja satisfeito, é esta a razão porque faço novamente este requerimento.
Entregue o requerimento á votação foi approvado.

N. B. Está no diario a pag. 417 col. 1.ª lin 49

2.º Do Sr. Mousinho da Silveira sobre o destino dado, no arsenal da marinha, a Sr. Simão da Rainha Santa. - Approvado. (Vide Diario pag. 418 col. 2.ª lin. 5.)

ORDEM DO DIA.

Parecer da Commissão especial ácerca do requerimento para a dissolução da Camara actual.

O Sr. Presidente: - A Camara vai ouvir ler o requerimento que fazem alguns Srs. Deputados, no qual pedem a dissolução desta Camara: e bem assim o parecer, que a Commissão especial, creada tão somente para este objecto, apresenta sobre elle. A materia é muito grave, e muito importante, e eu espero que esta discussão seja conduzida com a circumspecção que caracterisa os Srs. Deputados.

O Sr. Deputado Vice-Secretario. Botto Pimental fez a leitura do requerimento, e do parecer que sobre elle interpõe a Commissão.

N. B. Diario pag. 68 col. 1.ª lin. 42.

O Sr. P residente: - O Sr. marquez de Saldanha tem a palavra.

O Sr. Marqueis de Saldanha: - Sr. Presidente, differentes são os motivos que me determinaram a concordar com os meus illustres amigos na urgencia e utilidade de propor e pedir a dissolução da Camara. Esta Camara foi eleita debaixo de circumstancias graves e extraordinarias, e eu honrado e agradecido aos sufragios de duas províncias nas duas capitaes a quem tenho devido sempre tantos obsequios e distincções, eu, Sr. Presidente, estou persuadido que esta Camara pode não representar a vontade nacional. Se as idéas que eu tenho das necessidades do meu paiz me permitissem ter votado com a maioria, nem por isso deixaria de reconhecer que as minhas opiniões particulares, por conscienciosas que fossem, poderiam estar em desharmonia com a vontade geral dos meus constituintes. E nesse caso, imitando a pratica seguida em França e em Inglaterra, eu daria a minha demissão, dando assim aos meus concidadãos logar a uma nova escolha. Membro da minoria creio ter direito, creio cumprir um dever concorrendo com os meus amigos na proposta de uma medida que eu tenho por mui franca e parlamentar, e tão conforme aos interesses da corôa, como da nação. Uma grande parte das medidas que estão pendentes tanto na ordem judiciaria, como administrativa são da maior transcendencia. A divisão da Camara quasi em partes iguaes, a sua dessidencia naquellas materias tem feito que essa dessidencia exista em toda a nação: a maioria é mui pequena, e quasi toda composta de empregados publicos; e quem não conhecer particularmente as virtudes dos illustres membros que a compõe, poderá duvidar da sua independencia. É por esta causa que eu estou convencido que as leis que adotámos carecem daquella autoridade, que só pode obrigar ou induzir os povos a respeitallas. E qual é o remedio? Consultar o paiz. Da urna eleitoral sairá o batsamo de que temos necessidade.
Os membros da Commissão, cuja opinião combato, e a quem não posso deixar de agradecer a delicadeza com que redigiram o seu parecer, pretendem sustentar que a proposta a que se referem ataca as prerogativas do Poder moderador. Não pode haver no meu conceito asserção mais gratuita. Eu posso como Deputado dispensar ou alterar os artigos da Carta, posso rejeitar a lista civil; eu posso anniquilar qualquer projecto de lei, ainda que tenha sido approvado pelo conselho d'estado presidido por a Rainha em pessoa, posso pedir a demissão do ministerio, e porque motivo, qual é o costume, qual é a lei que me vela o pedir a dissolução da Camara a que eu mesmo, pertenço? O meu pedido impõe acaso alguma obrigação ao poder moderador? Não. O meu pedido chamava-se a attenção sobre o estado da Camara, e o Poder moderador observa, consulta e decide o que melhor lhe parece. Entre nós não há precedentes parlamentares, e na ausencia da lei para argumentar por analogia, é necessario recorrer aos paizes estrangeiros. Quando Carlos II., de Inglaterra, esquecendo-se não só de que a camara dos communs tinha estabelecido o seu direito de accusar desde 1376, mandando então nela primeira vez a barra da outra camara o local Latimer, mas que no reinado de James I. a camara dos communs tinha accusado, e a dos .............. com todo o rigor das leis, tanto ao empregado subalterno Mopesson e ao seu cumplice Michel, como ao chanceller Bacon e ao conde de Midlessex primeiro lord ao thesouro, mandou á camara dos communs do segundo parlamento do seu reinado uma mensagem para que se abstivessem de fazer perguntas aos seus servidores, a camara altamente indignada decretou a accusação do duque de Buckingham, e nomeou para a sustentar na camara dos lords a Sir John Eliot, e a Sir Dudley

VOLUME I. LEGISLATURA I. 54

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Digges. O rei julgando-se ultrajado com a lingoagem de que elles fizeram uso procedeu contra elles, e que fez a camara dos communs? Declarou que se não tornaria a reunir em quanto não recebesse a satisfação que exigir, e o rei foi obrigado a dar-lha. Desde aquella época memoravel muitas vezes tem a opposição naquelle paiz da liberdade reclamado medidas analogas ás que requeremos, e ninguem ousaria dizer em Inglaterra que uma petição respeitosa ao soberano sobre qualquer objecto era um ataque ao poder moderador. O direito de petição está na Carta, e eu não posso, nem quero prescindir como Deputado dos direitos que me compilem, direitos que hei de defender como cidadão. Ha dous annos que o dugue de Wellington fez passar na camara dos lords uma petição para que o rei mudasse de política a respeito de Portugal, aquelle poder moderador recebeu a petição, e sem se dar por offendido respondeu que julgava cumprir os tratados seguindo a política que tinha adotado. Ha pouco o rei de Inglaterra usando das prerogativas do poder moderador dissolveu o parlamento; alguns jornaes blasfemaram contra aquella medida, e os outros que os com bateram não se lembraram de dizer que elles atacavam as prerogativas daquelle poder. Qual de entre nós se não lembra de quantas vezes a opposição na camara dos deputados em França, durante o ministerio Villele, pediu, instou, gritou pala dissolução da Camara? Quem se esqueceu já da celebre mensagem dos 221. Sr. Presidente, as circumstancias graves e extraordinarias em que esta Camara foi eleita, a sua dessidencia sobre materias graves, a pequena maioria que nella existe, e quasi toda composta de empregados publicos, e a convicção de que a Camara não excede as suas attribuições pedindo ao poder moderador a sua dissolução, foram os motivos que me decidiram, que me determinaram a assinar a proposta que discutimos. É natural que os illustres membros que a combatem, digam que essa dissidencia, que a pequena maioria de que fallo tem desapparecido porque em matarias graves a Camara tem quasi votado unanimemente. Ninguem, Sr. Presidente, tem visto com maior satisfação do que eu o espirito de conciliação e de amor do bem publico que tem reinado na Camara durante as discussões sobre indemnisações, e venda dos bens nacionaes, mas ainda quando a unanimidade da Camara fizesse constantemente desapparecer todos os outros motivos que me levaram a assinar, o primeiro, isto e as circumstancias em que a Camara foi eleita continuaria a existir, por isso voto contra o parecer da Commissão.

O Sr. João Bernardo de Souza: - Sr. Presidente, quando assinei esse requerimento a favor, e contra a qual tanto se tem dito, estava eu persuadido por os factos occorridos em toda a Sessão passada, no principio desta, e no intervallo até que as separou, que esta Camara se achava constituída de maneira que não era possível satisfazer aos fins de sua missão; porque se, como não pode duvidar-se, todos os seus membros desejam o bem da sua patria, e nisto se conformam, não se tem conformado todavia nos meios para o conseguir. Teimosas resistencias se tom notado em todas as discussões, ainda em aquellas que versavam sobre objectos da menor importancia, tem-se consumido um tempo infinito, em consequencia dessas resistencias, para sair desta casa obra, que muito bem pudera ter-se feito em poucos dias de trabalho combinado.

Esta opposição constante entre os dous lados da Camara, esta espantosa morosidade no andamento dos negocios tem sido a causa, não só de continuarem a pesar ainda sobre o povo males de que pudera já estar livre; mas o que é peior ainda, tem levado similhantes desintelligencias, odiosas divisões, e um geral descontentamento a todas as classes da sociedade; de maneira que autoridades, particulares, e povos inteiros ba uns da esquerda, outros da direita, e todos geralmente descontente. Este estado sempre máo, é absolutamente insupportavel em nossas, circunstancias, e eu não via meio de sair delle senão por a substituição desta Camara por outra, que mais homogenea, melhor promovesse os interesses da nação, e a união de que tanto carecemos.

Eis-aqui, Sr. Presidente, em summa as principaes razões que me fizeram julgar indispensavel a medida sollicitada, razões que a Camara sabe muito bem que eu pudera corroborar, senão julgasse mais prudente poupar-me á narração de desagradaveis ocorrencias. Não me são por tanto applicaveis esses motivos, essas vistas particulares, que alguem injustamente metem attribuido como signatario desse requerimento, e felizmente, Sr. Presidente, felizmente a minha posição é tal que não preciso recorrer a esses legares communs de virtude, ou voto consciencioso para ser acreditado.

Sr. Presidente, eu nunca fui, não sou, nem tenciono ser empregado do governo, os meus interesses estão essencialmente ligados com os interesses do povo, e então não dependendo em nada do Governo, nem de cada um de seus membros para o exercício de minha profissão, ou para meus arranjeis particulares, é claro que só me interessa, que só me importa que os actos do Governo sejam justos e conformes ao interesse geral, e por consequencia aos meus, quaesquer que sejam as pessoas encarregadas da administração, para as quaes eu não devo, nem posso ler outras considerações que aquellas que a civilidade, e a ordem pedem: foi por tanto a convicção da justiça da preterição que me obrigou a pedir a dissolução da Camara; tem sido sempre segundo estes principies que eu tenho dirigido os meus actos, é segundo elles que hei de continuar, creio eu, a dirigir-me em quanto tiver a honra de assentar-me nesta cadeira.

Agora, Sr. Presidente, tendo dado os motivos de minha conducta neste negocio com toda a franqueza de que sou capaz, direi com a mesma que tão necessaria, e util me pareceu a dissolução da Camara no momento da apresentação do requerimento, quanto insustentavel julgo agora similhante pretenção: a maneira tranquilla porque a Camara se tem conduzido nas importantes discussões de indemnisações, e venda de bens nacionaes, etc., o desejo que se tem mostrado d'ambos os lados da Camara para conciliarem suas opiniões em proveito publico, parece-me reclamam que a Camara não tomando por ora conhecimento deste negocio, determine o seu addiamento, no que não só fará justiça, mas até dará deste modo um passo de política; porque diga-se o que se disser, todos nós precisamos ganhar no publico a opinião que havemos perdido. N'uma palavra, Sr. Presidente, fademos claro = Está a Camara resolvida a continuar assim, ou nós havemos retrogradar, e tornar a dar-nos em espectaculo? = No primeiro caso continuemos; porque assim é necessario, no segundo então vamo-nos embora para casa. Por tanto concluo pedindo a V. Exca. proponha o addiamento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado propõe uma questão preliminar; isto é, que se deve addiar a discussão desta materia: pareceres que não poderá haver duvida em que ao mesmo tempo se possa fallar sobre o objecto, e a nova proposta, podendo concluir-se se este pode ter logar: por tanto para não estar a dividir a questão, os Srs. Deputados que tiverem a fallar sobre a materia, poderão ao mesmo tempo dizer o que lhe parecer a respeito do addiamento.

O Sr. Passos (Manoel): - Sr. Presidente, como um dos signatarios que sou da proposta para a dissolução da Camara, vejo-me na necessidade de combater o parecer da Commissão. A segunda vez que tive a honra de fallar nesta assembléa, logo propuz a sua dissolução, como um objecto de necessidade e como um acto de rigorosa justiça. Esta Camara tem dentro de si cidadãos muito distinctos por seus talentos, virtudes e serviços; porém a grande illustração e o esplendor desta assembléa não pode encobrir o vicio da sua origem. A Camara foi eleita depois d'uma guerra civil, quando as paixões estavam ainda em toda a força da sua

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exaltação, a quando as opiniões todas não eram inteiramente livres; e por isso a Camara não podia representar a vontade da nação, que estava muda e enfreada por a mordaça da censura. A nação não podia faltar, porque a imprensa não estava livre; e é só por este meio que as diversas opiniões se podem fazer ouvir. Os portugueses não tinham entrado ainda no pleno exercício dos seus direitos civis e políticos. As garantias individuaes não se pozeram em seu vigor, e uma lei d'excepção ameaçava todas as independencias, pelo que muita força de caracter era necessario aos bons cidadãos para afrontarem o poderio do Governo. Em vez de Camaras electivas em quasi todo o reino tínhamos o flagello das commissões municipaes nomeadas pelo Governo executivo, e assim nenhuma garantia restava para a liberdade no importante exercício dos direitos eleitoraes, cuja decisão em ultimo recurso pertence ao poder municipal, que só do povo e não da Corôa recebe a sua missão. Mintas vezes tenho dito nem me cançarei de o repetir, que esta Camara não representa o paiz, porque a nação não se compõe só de cidadãos, amigos do sistema representativo, mas d'outros muitos formalmente oppostos a todos os melhoramentos políticos e sociaes absolutistas obstinados, e que todavia são cidadãos portugueses, que tem direitos a defender, e interesses que representar. Quanto a mim, seria muito para desejar que os realistas portugueses a similhança dos realistas franceses entrassem francamente no circulo constitucional. Em logar de conspirarem nas trevas a favor d'um tiranno despresivel, e de provocarem uma nova guerra civil, que não pode senão consummar a sua propria ruina e dilacerar as entranhas da patria nossa mãi - seria melhor que ousada e francamente viessem aqui no seio da assembléa apregoar as ignoradas virtudes do despota vencido, testemunhar as saudades que lhes causa a sua ausencia, a muita dor que tem por seus revezes - dizer como crescem seus desejos e como florescem as suas viçosas esperançam. Que mal viria d'ahi? Essa consolação dos vencidos suavisaria suas penas, e uns poucos d'homens seriam então menos infelizes. Mas esses Deputados do partido vencido, poderiam fazer ainda um grande serviço á nação vindo aqui depositar no seio da representação nacional as suas queixas, os seus aggravos, pedir justiça para os seus, e lançar-nos em rosto até nossas crueldades, as nossas tirranias, e o sangue realista que fizemos derramar nos cadafalsos! Maior serviço fariam se mostrassem á nação as vantagens do seu sistema político, e os grandes interesses que podem vir a communidade da liberdade e poder illimitado d'um só, e da escravidão e da obediencia passiva de todos. De por mim, Srs., não receio o contagio de tão miseraveis princípios, a razão triunfa sempre pela discussão, á tirannia sim, a essa é que lhe convém as conspirações e as trevas. Cada palavra que esses Deputados aqui dissessem, seria uma involuntaria vassallagem prestada ao sistema representativo, a propria existencia delles dentro desta Camara seria a mais poderosa refutação do governo absoluto, e esses homens sem o saberem, julgando que citavam ainda incensando o despotismo, como por encanto se achariam prostrados aos pés da liberdade. D'ahi viria a convicção profunda e inabalavel, de que todas as opiniões carecem de garantias; e que só quando a nação as tiver é que verdadeiramente se pode chamar livre. Verdade que a política illustrada que esta Assemblea anotou não fez que o rigoroso triunfo dos princípios fosse uma necessidade neste momento; porem muitas vezes o tenho dito, e muitas vezes o repetirei, ainda que a liberdade é melhor entregue a firmeza das instituições do que á versatilidade dos homens. Espero que virá um tempo em que os vencidos se poderão com franqueia e segurança apresentar-se como candidatos aos collegios eleitoraes, sem negarem cobardemente nem suas opiniões nem os precedentes de sua vida. Quando isso acontecer, o tiranno deve perder as ultimas esperanças de reconquistar o paiz, porque os escravos entraram com respeito no templo da liberdade. A historia das nações mais cultas mostra que depois que a sabedoria de seus legisladores assegurou com leis protectoras a liberdade individual, e deu ao pensamento o poderoso meio de communicação pela imprensa, todas as opiniões se combateram, que este combate foi fatalissimo para o erro, que então acabou a maior violencia das guerras de ferro, de fogo e de sangue, que todas as victorias e todas as derrotas se alcançaram ou se soffreram no campo da discussão; e que a força bruta dos braços se sujeitou á força irresistivel dos entendimentos.

O espirito vencedor da materia abriu então novos caminhos a civilisação, e preparou o ultimo triunfo á liberdade sobre o despotismo. Desde então uma nova era de paz e felicidade começou para o genero humano, tão longo tempo victima de seus erros e fataes preocupações. Foram estes princípios triunfantes quem acabou para sempre as revoluções, que muitos seculos tinham affligido e ensanguentado a Inglaterra, e quem transportou a guerra da civilisação do campo de sangue para o campo da luz, porque me quero servir da bella expressão d'um engenhoso escritor portuguez. A diversidade d'opiniões políticas, moraes e religiosas, a franqueza e a segurança com que se emittem, são no meu entender o melhor sintoma da vida e liberdade d'um povo. Estas minhas opiniões longo tempo reflectidas e meditadas, a ração - os vencedores pelos menos - não as ouvem ainda sem se arripiarem e sem estremecerem. Porém o caracter religioso de Deputado me obriga a dizer toda a verdade e apresentar aqui toda a luz para allumiar a nação, afim de que ella chegue o mais cedo que possa ao maior gráo de liberdade, prosperidade e gloria. É certo que esta minha sincera opinião tem espantado até os homens mais illustrados do paiz, e comtudo não pode ella ser combatida com as armas do raciocínio, nem condemnada sem se despregarem a sabedoria das duas nações mais cultas da Europa, e os princípios proclamados em tantas obras filosoficas, tão bem escritas, e tão bem pensadas dos melhores publicistas Desprezem-se embora, mas as minhas opiniões nesta parte ficarão registadas para em todo o tempo attestarem que nestas cadeiras esteve sentado um Deputado, que na maior exaltação das paixões não transigiu com o erro, nem abrandou um só ponto no rigor dos princípios liberaes, nem deixou de combater para os deixar vencedores e triunfantes. Mas pondo de parte estes fundamentos que no meu entender justificam bem a necessidade de prontamente dissolver a Assemblea, outras razões ha alli que me movem a crer que depois dos deploraveis acontecimentos, que tiveram logar durante a passada Sessão extraordinaria e no começo desta, nenhuma política pode haver mais apropriada para salvar o paiz;, na conjunção presente, do que esta aconselhada pelos meus honrados collegas, signatarios da proposta para a dissolução da Camara.

Permitta-me, Srs., que vos diga que a historia da Sessão extraordinaria não é para assim dizer senão o martiroloogio da liberdade e dos principios. A política adotada pelo ministerio foi deploravel. Essa política nós a combatemos com todo o enthusiasmo da nossa convicção, e com a força do mais ardente patriotismo. Porém a voz de tantos Deputados não foi escutada dentro deste recinto, e não sei se por desgraça, se por felicidade, as batalhas que perdíamos nesta casa eram ganhadas fóra della, diante dos olhos da nação. Quem poderá justificar o proceder violento que a maioria desta Camara teve com um Deputado eleito pela mais populosa e mais liberal província do reino? A maioria da Camara deu então uma clara prova de sua potencia, mas eu não sei se a deu tambem da sua moderação e da sua justiça, que era o que mais convinha! A Camara sanccionou aquella fatal artigo vinte da lei da imprensa, e o veneno da arbitrariedade que ahi se encerrava, ia dar a morte áquella nascente liberdade civil e política, liberdade que

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e juntamente faculdade e garantia, e entregava assim a artilheria do pensamento e da civilisação ao poder, quasi sempre inimigo das cabeças que pensam, das bocas que fallam, e das pennas que escrevem, e dos corações que se inflamam e se indignam ao aspecto da injustiça.

A Camara representava um paiz que se julgava a si proprio, e sem embargo foi ella quem despedaçou a uma eleitoral, e sacrificou a mais bella instituição que herdáramos de nossos pais, e receberamos muito aperfeiçoada das màos do Monarcha legislador. Com isso preparando a escravidão do povo purtuguez poz a Camara na sua propria gloria uma nodoa indelevel.

Verdade que o artigo vinte fatigado da opposição que soffreu na Camara electiva, caiu felizmente no estrado da Camara inamovível. Foi bem para a liberdade da nação, mas para a gloria dos Deputados foi peior que a imprensa achasse mais valentes campeões n'uma Camara nomeada pela Corôa do que nesta, que só ao povo deve a sua missão e investidura.

Verdade tambem que o ministerio o começou a enfranquecer na sua resistencia aos bons principios, porém não temos nós ainda a certeza de que os juizes ordinarios não serão immolados.

Não negarei, Srs., que a desgraçada política do ministerio teve o vosso concurso e approvação, e não sei ainda, se fosteis vós os proprios que o forçastes a adotar uma política tão prejudicial ao paiz: mas parlamentar ou não parlamentar, essa politica e desgraçada, e vós não ignoraes que a nação a tem condemnado, e por todos os meios possíveis vos exprime a sua de approvação. Como foi pois que o ministerio, carregado com o peso de tão grande responsabilidade, resistindo a todas as idéas de melhoramento, e até retrocedendo no caminho da civilisação, como é que elle poude achar aqui uma maioria segura e forte e inabalavel que assim o sustentou? Srs., eu creio, eu faço-vos a justiça de crer que foi com a melhor boa fé, e com a maior pureza de intenções, que vós aconselhastes ou sustentastes uma politica tão pouco accommodada para fazer a ventura da nação. Hoje deveis ter conhecido o vosso erro, e por um greneroso movimento de desinteresse, moderação, e patriotismo pedirdes vós mesmos a dissolução da Assembléa. Conheço que para isso é necessario uma grande dedicação é causa da patria, e um grande sacrificio d'amor proprio; mas o que vós tendes á liberdade ainda é maior, e tão grande sacrificio difficil para muitos, entendo que para vós é senão a natural e facil consequencia do muito patriotismo que vos inflamma.

Se porém não quereis convir comigo de que a vossa politica não foi a melhor, e se julgaes que a nação vos não desapprovou; para aconselhar a proposta medida da dissolução ainda me ficam muitas razões que não podem deixar de fazer muito peso em vossas consciencias.

Porei de parte a questão das bases judiciarias. Ainda que em meu entender, se o ministerio quizesse mostrar o seu sincero arrependimento, e dar provas da sua conversão á causa dos bons princípios, devia tranquillisar os animos inquietos, e dar a nação uma segurança de que o premeditado assassinio dos juizes ordinarios não seria consumado; que não entregariam o povo portuguez assim maneatado á magistratura, e que a liberdade palpitando não seria por elle lançada no sepulcro.

Sou o primeiro a confessar que a política do ministerio tem um pouco melhorado, que deixada a sua primeira obstinação, já escuta conselhos mais prudentes, porem isso só não basta para conjurar a tempestade que está imminente, e salvar a nação de um diluvio de calamidades. Quem pode saldar o credito da representação nacional, que esta tão arrumado? E se não concedeis com isto, ao menos não negareis, que a esta Camara vão ser submettidas questões de tanta importancia como nunca foram ao mesmo tempo apresentadas ás deliberações de nenhum parlamento do mundo. Muitas luzes ha aqui para resolvei essas questões de uma maneira vantajosa, e feliz; porém sobram as luzes nos Deputados, e falta a confiança na nação. Os mais doutos e religiosos varões do Christianismo tremiam diante das terríveis obrigações do sacerdocio e do episcopado. Ministros e sacerdotes da liberdade, os Deputados do povo português, não perderiam nada de sua reputação se recuzassem diante de todas as difficuldades, que se apresentam no caminho parlamentar, que tem de correr nesta Sessão legislativa Ter-se-ia em muito louvor a sua modestia, e a desconfiança das suas luzes seria olhada já como um principio de sabedoria, que por isso pediam o auxilio da graça a urna eleitoral para se apresentarem de novo no senado, fortificados com o sacramento d'uma duplice eleição.

Sr. Presidente, eu não quero accusar ninguem. A diuturna e fatal suspensão do sistema representativo tinha dado occasião a muitas injustiças, ou se assim o querem, a muitos erros, os corações estavam carregados de fel, e por isso azedas e amargosas foram as nossas explicações, e terríveis os nossos combates durante a passada Sessão extraordinaria. D'ahi veio enfraquecer-se o respeito e veneração que se devia conservar sempre vivo á Representação nacional Srs. Deputados! vós sabeis o que se passou ha pouco n'uma occasião tristemente memoravel. Um Representante da nação usou d'expressões que excitaram os murmurios e a indignação dos expectadores a tal ponto, que fomos forçados a interromper as nossas deliberações. Não accuso nem os cidadãos que nos honravam com a sua presença, nem o eloquente Deputado que e então fallava. Qual é o orador que no fogo d«uma discussão abrasada e tempestuosa pode medir ao compasso todas as suas expressões? Se alguma é mal considerada só a poderá estranhar aquelle que não tiver nenhuma pratica d'assembléas deliberantes. Uma palavra escapa - essa palavra offende, e todavia nada ha mais contrario ás intenções do Deputado, do que fazer a menor offensa aos expectadores ou aos seus collegas Então tem logar as explicações que sempre são satisfatorias. Nenhum homem illustrado tem vergonha de confessar que errou, e de pedir indulgencia e perdão. Isto que eu digo não tem applicação ao nobre Deputado do Minho. A sua frase não estava dita; foi mal entendida, e excitou por isso uma tempestade de desapprovação. Mas porque motivo poderam aquellas expressões produzir um resultado similhante! É porque os espíritos se achavam profundamente irritados e offendidos. A marcha do Governo, sanccionada pela maioria desta Camara tinha lançado o desgosto e a desconfiança em todos os peitos. Sem embargo como não culpei o illustre Deputado, que então orava, tambem não culparei os espectadores. Hontem é que se quebraram os nossos ferros. É de hoje apenas que começamos a contar o primeiro dia da liberdade; que se ha de então esperar de libertos, d'escravos forros, que longo tempo viveram debaixo do açoute de seus deshumanos, senhores? Se a nação estivesse bem doutrinada para a liberdade, se tivesse a grande escola do povo inglez, então nós a veriamos usar dos direitos constitucionaes para fazer triunfar os seus desejos, e obrigar o Governo a seguir uma marcha liberal, progressiva, e mais accommodada a seus habitos, a suas necessidades e a seus pensamentos. O direito de petição é a grande espada do povo inglez. Uma nação que sabe pedir, não desce á miseria seria d'um supplicante. As súpplicas d'um povo justo são imperios de senhor. O pedir d'um povo e mandar; porque um povo que sabe peder, obtém! Mas o povo portuguez que faz? Queixa-se, amofina-se, lastima-se, nmurmura, clama e desatina Não viu a nação como os Deputados da Opposição batalhavam para segurar a liberdade d'imprensa ameaçada pela arbitrariedade do artigo vinte? Não viu os esforços que fizemos para conservar a ameaçada instituição dos juizes ordinarios? Sem duvida os portugueses simpatisa-

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vam com as nossas doutrinas e abençoavam os nossos esforços! Mas as bençãos sós não podiam salvar tão grandes principios. Ao povo que lhe ficava? Animar os seus representantes, fortificallos com o seu apoio - juntar a sua dor á nossa dor - clamar comnosco - pedir, pedir ás Camaras, e quando ellas fossem surdas, pedir á Coroa. A Rainha é mãi. Ella ouviria as vozes do seu povo, ella faria justiça ás suas queixas! Porém o povo que fez? Deixou aos seus representantes todo o peso do combate, viu passar nesta Camara o artigo vinte, viu assassinar os juizes ordinarios, e não fez uma só lamentação, e não deu um só grito de dor. Eram esses os meios proprios para os cidadãos fazerem entender a sua vontade e exprimir os seus desejos. Porque o não fizeram? - é porque estamos ainda pagando o legado do despotismo que nos desherdou dos benefícios d'uma educação culta; porque somos livres pela lei, e temos os máos costumes, os vícios e os achaques todos dos escravos. O povo quer o bem, mas muitas vezes erra nos meios. O povo mostra simpatisar com os bons princípios: mas não sabe que o meio de os fortificar, de os defender, de os amparar, não são os gritos e as vozerias. Assim combatiam os Teutões e os Cimbros! Esta é a casa do povo portuguez. Aqui deve-se entrar com os pensamentos puros; tremer de profanar esta casa santa, e de violar o seu silencio. Falla um Deputado, este é o representante d'um povo inteiro. Ninguem tem o direito de o interromper na sua missão de verdade! Este Deputado é homem - pode errar! Mas nós somos cem; se elle errar, muitos haverá que o combatam. Esse Deputado tem talentos, que importa? Já não ha talentos perigosos, porque os talentos não são unicos. Deos os reparou. Os maiores talentos são ás vezes os que mais erram, e os que mais sabem, ainda não sabem tudo! Mas (dirão) o Deputado entrega-se ao furor da sua paixão, não attenta nas suas palavras; essas palavras são espada de muitos gumes, que nos ferem, que nos retalham a nós, que o ouvimos em silencio, e que lhe não podemos responder!» Bem! mas nós estamos aqui. Nós somos portuguezes, e vossos mandatarios, e por isso não consentiremos mesmo que se faça injuria áquelles que se não podem desaggravar, áquelles que nos honraram! Se algum disser cousa que o offenda a honra dos espectadores. Conservem-se elles tranquillos; e pelo silencio e pela prudencia, e pela sua moderação mostrem-se dignos da liberdade e verão como de todos os lados se levantam defensores e campeões da sua honra; verão como o Deputado crido offensor é o primeiro a pedir perdão e a dar satisfações se explicações não bastarem. Mas caso nenhum justifica o excesso dos espectadores. Aqui é a casa da nação! Não é o ferro quem delibera; se a força bruta houvesse de decidir as nossas questões, nós viríamos armados. Porém nós vimos para aqui sem ferro, seguros na confiança dos nossos constituintes. Que numero de cidadãos cabem nessas galerias? Quinhentos ou seiscentos! Não ha grande heroísmo em que todos esses apunhalem os quarenta velhos, que estão daquelle lado da Camara. Esses Deputados, a idade, os trabalhos, as perseguições os tem consumido, as suas forças estão exhaustas, o combate não podia ser longo, e facil seria a victoria! Mas que honra pode vir d'ahi? Vencestes, triunfastes, e que fizestes? Á liberdade expirou no peito dos Deputados trucidados. Quem é que nos defende senão a santidade da nossa missão, e esta idéa moral de que aqui é a casa do parlamento, que nella se não deve entrar senão com um respeito e veneração religiosa? Vós sabeis que um Gaulez quando Breno penetrou em Roma, pegou das barbas de um senador, - um punhal enterrado no peito do barbaro, mostrou que alli estava um romano que sabia fazer respeitar a dignidade da sua pessoa e do senado. Nós não trazemos punhal, nem vemos aqui gaulezes; todos os cidadãos que me escutam, são portuguezes. Intendam elles que scenas tão desagradaveis não devem mais repetir-se, mas ellas infelizmente tiveram logar, e a senado se cobriu de lucto! O sanctuario desta casa assim profanado pede ser purificado pelo sacramento de novas eleições, venham outros Deputados, para que nossas desgraçadas dissensôes não deem azo a que este infeliz povo cometta novos attentados, e falte outra vez ao respeito que se deve á Representação nacional. Desde aquelle funesta acontecimento a Camara perdeu o talisman do seu poder, e já lhe não resta força bastante para sustentar a sua dignidade; e bem desempenhar o seu mandato. É por isso que ella deve ser dissolvida, porque o sistema representativo não pode prosperar com uma Camara desacreditada, perdida na opinião e tantas vezes desacatada. Isto não é submetter-me ás forças caudinas da anarchia, que eu detesto, e que não cessarei de combater com todas as minhas forças. É reconhecer um facto, e a inevitavel influencia que elle exerce nos destinos da nação. Reprehendi com severidade todos os excessos, a que o povo se deixou arrastar; conheço que esses desaguisados são perniciosíssimos ao desenvolvimento dos bons princípios; porque não pode haver liberdade quando pequenas fracções do povo se arrogam o direito de dictar a lei ao paiz, e pretendem pela força impor-nos a obediencia ás suas vontades, obediencia a nós Deputados da nação toda; a nós! Como senão viessemos aqui senão para obedecer e tremer!

A politica do ministerio é deploravel. Eu sinto que a maioria da Camara a tenha approvado, mas deste lado não faltam campeões, que combatam essa política desgraçada com força e com constancia. Os numeros podem vencer por momentos, mas os triunfos verdadeiros são destinados á razão. Fracos talentos tenho eu, mas esses tem sido consagrados á defeza da liberdade publica. A nação me tem visto sempre nas fileiras de uma Opposiçâo independente. Não confio na minha virtude. Não posso prometter que serei honrado d'aqui a duas horas. A unica garantia que eu posso offerecer aos meus concidadãos é a minha vida passada. Desejo sinceramente a felicidade do meu paiz, e ganhar alguma gloria defendendo as suas liberdades. Essa gloria não será grande, porque a providencia não teve a mão larga, nem foi liberal comigo, quando repartiu os talentos. Porém a minha fidelidade e a minha constancia, poderão dar algum lustre ao meu nome plebeo, se Deos alumiar o meu entendimento, e fortalecer o meu coração. É isto o que eu peço a Deos, e é isto o que eu mais cordealmente desejo sobre a terra. Como eu estão aqui muitos, muitos que me igualam no amor da liberdade, e que tem mais pulso para a defender. Para que desanima o povo? Não temos nós combatido como gigantes, não temos feito muitas vezes aos vencedores chorar nos seus proprios triunfos e amaldiçoar as suas victorias? Respeitem pois os cidadãos o sanctuario da liberdade, e não perturbem o silencio desta casa, nem suffoquem a voz dos seus mandatarios. Isto é o que queria fazer eu entender bem aos cidadãos. E a vós seus eleitos, a vós sim Deputados direi com a liberdade e franqueza que sempre em mim tendes visto, que não posso tornar aos espectadores toda a culpa dos tristes acontecimentos que temos presenciado: acontecimentos que tornam impraticavel o sistema representativo constitucional, porque quando um povo que tantas provas deu de seu amor á causa da liberdade é arrastado a cometter tão grandes excessos contra os representantes da nação, grandes devem tambem ser os erros dessa assembléa assim desacatada; lamentavel e infeliz a sua politica! Esses excessos nós todos os presenciamos, e todos sinceramente os deploramos. A Assembléa, Srs., está sem força e sem autoridade, e deste modo o sistema constitucional é quasi impossivel! É nestas circumstancias calamitosas, que nós pensamos nos meios de salvar a nação prestes a cair de noto nos braços do despotismo. Essa obrigação cabia aos Deputados da Opposição e a todos. Depois do que se passou dentro deste recinto pensamos que o remedio mais adequado era a dissolução da Ca-

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mara. Nós a propusemos. Mas vede, Srs., com que prudencia e madureza não procedemos nós neste negocio e em tão melindrosas circumstancias! Na primeira conferencia que leve logar a Opposição entendeu que não devia tratar de similhante objecto, n'um momento em que os espíritos estavam agitados e as paixões inflamadas. E depois medimos uma por uma as nossas palavras, para que a triága se não convertesse em veneno. Que responsabilidade não pesaria sobre nós se em logar de acalmar as ....... e os furores populares, os fossemos atiçar e accender de novo, e por este meio pozessemos em risco a paz da nação e o decoro da Assembléa! Os nossos pensamentos eram todos consagrados á felicidade da patria; o seu amor foi a estrella que então nos guiou. Que é o que nós propomos? O unico meio que se nos offereceu como digno de nós e da Assembléa, a sua dissolução. Debalde se pretende inculcar que por este facto nos revoltamos contra a maioria, e que não só desconhecemos a primeira condição do sistema representativo, mas que queremos condemnar a sua politica. Não é assim, Srs., entre desapprovar e condemnar ha um espaço immenso. Nós não approvamos a vossa politica, mas condemnalla!... Só a nação o pode fazer. As vossas e as nossas intenções são puras. Todos nós queremos a liberdade e a felicidade commum. Este é o fim Nos meios divergimos. Nessa divergencia é que está a questão. A nação pronuncie! A nação pronunciará entra nós e vós, não entre os nossos desejos, o nosso amor da liberdade, e o nosso patriotismo, mas entre a nossa politica; e entre os diversos sistemas pelos quaes a nação pode ser regida e administrada. A nossa proposta foi dictada pelo espirito de justiça, pelo amor do bem commum, pelo respeito da urna eleitoral; e contamos com o decoro e patriotismo e desinteresse de todos os membros desta casa. Chamados á barra da nação, daremos todos conta dos nossos actos. Se a nação vos elege a vós e com exclusão dos membros que se sentam deste lado da Camara - a nossa missão está acabada. A nação fica com os seus Deputados, e nós com os nossos princípios: a nação será governada pela politica que merece a sua approvação, e nós iremos buscar a paz e o retiro da vida particular e fazer votos pela felicidade commum Se a nação vos eleger a vós em maioria, e se aqui viermos os poucos deste lado, é que a nação quer a vossa politica mais vigiada, mais contrariada e combatida por uma opposição forte e independente. Então nós cumprimos a nossa obrigação, apregoando nossos principios censurando os ministros e esperando do tempo que dê victoria ás doutrinas que defendemos. Se porém ficamos em maioria, a nação pronunciou, e não temos senão a sentir as luzes que vão faltar á Assembléa pela ausencia dos membros illustres, que ella perder nas eleições. Eis aqui o que acontecerá depois da dissolução. Os membros desta Camara não perdem nada da sua dignidade e da sua honra Ninguem põe em duvida o seu amor do bem publico ou o seu patriotismo, nem a sua rectidão. Supponde que a nação nos não elege a nenhum de vós nem de nós. É que ella encontrou cem cidadãos mais dignos do que nós todos Felizes seremos então, todos vós tereis o generoso pensamento daquelle spartano illustre. Somos tre milhões de habitantes. Prouvera a Deos que nós fossemos os peiores cidadãos deste reino! Então a liberdade seria inteira; a nação feliz, e nós realisariamos os sonhos dos poetas, porque viria sobre nós a idade da paz e da felicidade.

Se nesta Camara houvesse agora uma maioria vigorosa! Mas maioria e minoria quasi que se equilibram e muitas vezes deixam vacillante a victoria, incerto o resultado de no os combates. Quando as mais bellas instituições são ...... por uma tão fraca maioria, que ha de dizer a ......? que uns poucos de homens tirannisam o paiz, ou ao menos que lhe preparam a sua ruína; e que matam as suas liberdades. Quereis vós esse anathema? Segui o caminho que vos traçaram os meus collegas; dai um grande documento de desinteresse, e vereis quantas bençãos vos acompanham. Forque não mostrais vós confiança no povo que vos honrou!
É uma minoria turbulenta e inquieta que se não resigna e que á força, quer ser maioria! - Srs. Assim fallam aquelles que não nos fazem justiça. É da natureza do sistema representativo, e aonde ha liberdade, haver tambem diversidade de opiniões - Combaterem-se! Esses combates ou essas reacções constituem os partidos - reunião d'homens que representam opiniões e interesses. A unanimidade é um sonho que a propria tirannia não pode realisar. A tirannia pode fazer reinar o silencio, tapar as bocas, cortar as mãos, mas não pode tirar aos corações que sintam; e ás cabeças, que pensem diversamente. A maioria é a lei das assembléas deliberantes. A civilisação quer pôr termo para sempre aos combates de ferro O homem é superior aos brutos pelo entendimento e pela razão, e por isso combate raciocinando. Mas as discussões não acabariam nada, se a votação as não terminasse. Eis-aqui o fundamento dessa soberania dos numeros; eis-aqui a necessidade de reconhecer a lei das maiorias.

Um ministerio que não tem uma maioria, ganha pela convicção, deve retirar-se É da natureza dos corpos Collectivos e deliberantes terem maiorias e opposições Todas as maiorias repugnam a descer dessa cathegoria, como os corpos físicos repugnam ás imputações Todas as opposições aspiram a ser maioria. Mas porque meioss? Srs. Sem Opposição o governo representativo (se fosse possivel) seria o peior de todos os sistemas de politica. Os Deputados da Opposição são como cavalheiros andantes nos tempos civilisados. A sua missão é nobre e genero a Defender os fracos e desvalidos, e acometter o poder - o poder em qualquer parte que elle se encontre hostil, e ameaçador para a liberdade de todos, d'alguns ou d'algum, ainda que seja o cidadão mais infeliz, e desemparado, e este com dobrados motivos. Eu digo isto, dos Deputados da Opposição, porém creio que esta missão é geral; se bem que os Deputados das maiorias costumam e devem ser mais indulgentes, ainda que o seu silencio no parlamento deve ser compensado pelos conselhos severas e ousados que no particular tem obrigação de dar aos ministros, cujo sistema defendem com sen voto ou com seus talentos. Cuidais vós, Srs., que nós estamos cançados da posição que tomamos, e que abandonaríamos de bom grado a defensão de tão caros interesses, e uma missão tão alta como religiosa? Nem estamos cançados nem nos arrependemos. O nosso officio é trabalhar e pelejar as guerras do parlamento. Se eu fosse só d'este lado - só contra muitos - fracos são meus talentos - mas ainda assim, sem o poderoso auxilio de tão valentes companheiros como aqui tenho ao pé de mim, não perderia nem a coragem nem a paciencia. Sobre meus débeis hombros tomaria a defensão da causa commum, e Deus havia de ajudar-me. Pequenos são meus talentos, mas a causa que eu defendo é grande. A verdade havia de inspirar-me. A verdade! e o amor da Pátria, e o amor da gloria. Ao menos sempre me ficaria por galardão a approvação da minha consciencia. A razão posta a votos seria talvez rejeitada por uma maioria céga, surda, e orgulhosa. Porém as sementes do bem estavam lançadas na terra. Ellas germinariam e haviam de vegetar, florescer e fructificar O que era a Opposição franceza depois de 1815? Uns poucos d'homens generosos. Quinze annos de combates deram a final a victoria aos seus princípios e gloria immortal aos seus nomes. Srs., nós queremos ser maioria para fazermos triunfar as generosas doutrinas, que proclamamos como Opposição. Não é a ignobil ambição de trazer uma, pasta, quem move os Deputados d'este lado da Camara a fazer todos os esforços para que as suas opiniões triunfem, e obtenham a approvação de uma maioria parlamentar. Muita gente vulgar se tem sentado nas cadeiras do niniste-

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rio. A honra que dahi vem é pouca. De por mim entendo que nada se póde comparar á gloria parlamentar de Constant, de Fox, de Lafaytte, e de Foy. Esses nomes serão repetidos com respeito em todos os pontos da terra, aonde houver amor da liberdade, e brilhar a luz da civilisação. Ao pé d'esses oraculos da tribuna, que valem tantos ministros, cujos nomes obscuros caíram com seus cadaveres na sepultura? Mas em fim lá virá occasião em que os defensores do povo devam tomar as redeas do governo para fazer a felicidade de uma inteira. Então feliz quem, como Mr. Canning e Lord Grey, poder abrir para o seu paiz uma nova era de felicidade e gloria! Accusam-nos de ambição despresivel, e de odio ás pessoas dos ministros, porque occupam os lugares que nós ambicionamos! De sobejo me expliquei sobre este derradeiro ponto da cobiça; mas ácerca do odio trarei á recordação da Camara o stygma que por tantas vezes tenho lançado sobre os homens rancorosos. Quantas vezes disse eu que a liberdade era humanidade e amor! Para mim não ha caracter mais abominavel que o do homem que está sempre debaixo da funesta influencia do principio antipathico - do homem, que aborrece, e que não ama. De por mim tenho mostrado que nenhum odio tenho nos furiosos sectarios do tyranno, vis instrumentos de suas crueldades. - Ora se eu não aborreço aquelles inimigos communs, como o poderei fazer aos homens que sempre militaram debaixo das bandeiras da monarchia constitucional, e que pertencem ao nosso partido político, e que só differem n'um ou n'outro ponto de menos importancia! Nenhum odio está em nossos corações contra as pessoas dos ministros. Nem nós lhes dizemos = retirai-vos, que nós queremos governar, e o faremos melhor! Nós dizemos: Ministros da Corôa! entre nós e a maioria, que vos sustenta, a differença é pequena. A nos»a política é inconciliavel; demos todos uma prova de boa fé e desinteresse, e esperemos que a nação pronuncie.

Ora eu entendo que todos o devemos fazer assim. Porém da minha parte ha motivos especiaes, pelos quaes não posso deixar de votar desta maneira. Como Deputado da nação tenho tido a infelicidade de emittir opiniões as mais impopulares. Sei que não tenho muitas vezes exprimido a vontade da nação, mas eu entendo que a nação não m'elegeu para dizer o que ella pensa senão o que é mais conforme com a sua honra e mais proprio para fazer a sua felicidade. Por isso supponho que a nação não está contente com o meu proceder, e eu não estou tambem resolvido a sacrificar a minha convicção, nem quero ser Deputado, se esta missão se não podér conciliar com a liberdade da minha consciencia. Para que a nação tenha pois a liberdade de eleger um Deputado que melhor a sirva é que eu voto pela mensagem da dissolução.

A Camara está lembrada de que a nação toda queria que a Regencia fosse conferida ao Monarcha salvador, e que eu levantei a minha fraca voz no seio desta assembléa para lhe lembrar que por nenhum caso se devia quebrar a lei, porque um tal exemplo era o mais para temer no começo de uma nova era de liberdade! A minha voz soou no deserto! E a minha franqueza não serviu senão para ferir as muitas sympatias, que cercavam o Monarcha Libertador. Outra questão que se submetteu ás deliberações da Camara. Era a das indemnisações políticas. As minhas opiniões nesta parte são detestadas pelos vencedores. Mas eu não duvidei affrontar todos esses odios e as iras populares para conservar a fidelidade aos principios que tenho profundamente gravados no meu caracter.

Entendo que um povo, que quer ser livre, deve reformar os seus costumes, e adquirir algumas virtudes. Foi por isso que eu propuz a revogação da lei do celibato religioso, affrontando o rancor da ignorancia, do fanatismo, e supportando a guerra não menos cruel dos espíritos apoucados, e dos homens tímidos.

Quando se discutiu a lei para a venda dos bens nacionaes, tratava-se de dar um privilegio aos empregados publicos (falange numerosa, e terrível) e aos officiaes do exercito vencedor. A minha voz levantou-se com liberdade no seio da Camara para revocar a igualdade, e não reciei de guerrear as duas classes mais fortes da sociedade. Debalde o fiz, mas o meu dever exigia que o fizesse. Todas as vezes que me tem sido necessario arrostar aqui as iras de uma classe, ou d'uma cidade ou da nação inteira, eu glorio-me de ter feito ficar sobre a brecha impavido com a coragem propria d'um representante de um povo livre. Daqui não tenho colhido mais que a approvação da minha consciencia, porque no mais não tive como Catão outro galardão senão as gloriosas inimisades tomadas por obsequio da republica.

Á vista d'estes factos a Camara se convencerá tambem, que nenhum de seus membros, tem menos probabilidade do que eu de ser reeleito. Mas ao menos não quero usurpar o meu mandato. Recebê-lo-hei com muito reconhecimento, se apesar das minhas opiniões (a que não entendo renunciar) a nação de novo me eleger.
De todas as carreiras publicas nenhuma é tão difficil e espinhosa como esta do parlamento; a minha saude está bastantemente deteriorada; muitas vezes de cançado desejo retirar-me ao seio da vida privada, para fugir ao peso de tantas tribulações, mas o fogo da minha idade, não me deixa repousar sobre este pensamento. A idéa de que posso ganhar alguma gloria, contribuindo para a liberdade e felicidade do meu paiz exerce uma poderosa influencia sobre a minha alma. Como posso eu n'esta idade renunciar tão facilmente aos doces sonhos, e illusões d'uma gloria immortal! Quando tem esse sido o constante objecto dos meus pensamentos, dos meus desvellos, e que seria a melhor recompensa dos meus longos sacrifícios. É por isso que apesar da minha impopularidade, tenciono apresentar-me como candidato nas proximas eleições, para representar o meu paiz, segundo a minha consciencia. Serei feliz, se poder obter os suffragios dos meus concidadãos. Mas a Camara sabe que a minha reeleição é de todas, a mais duvidosa, porque eu tenho aqui dito o que sinto, e o que penso, e infelizmente os meus sentimentos, e os meus pensamentos não tem muitas vezes estado d'acordo com os dos meus constituintes, nem merecem as suas sympatias. Mas ao menos não se dirá de mim que pertendo perpetuar-me na Camara, e que duvidei entregar a minha procuração, e sugeitar-me aos acasos d'uma nova eleição.

Deixo de responder aos argumentos da illustre Commissão, porque o nobre marquez de Saldanha, já o fez com muito acerto.

Agora, Srs., terminarei o meu discurso pedindo-vos instantemente que attenteis por nossa honra, que considereis as difficeis circumstancias do paiz, e que deis um nobre exemplo de patriotismo e desinteresse.

Todos nós temos cumprido as nossas obrigações; esperamos que a nação faça justiça ao nosso patriotismo, mas se a approvação publica nos faltar, nos contentaremos com a das nossas consciencias. Voto contra o parecer da Commissão.

O Sr. Barjona: - Sr. Presidente, serei breve; de ser extenso não tiraria outro resultado senão gastar tempo. A Opposição, durante a Sessão extraordinaria, e os poucos dias desta, tem mostrado sufficientemente, sem haver necessidade de apontar factos, nem de fazer reflexões, qual é, e qual continuará a ser a sua opinião; quaes são, e quaes hão de continuar a ser os seus princípios: julgo eu que a nação não tem sido feliz com as deliberações em grande parte tomadas pela maioria desta Camara, e isto faz grande peso em minha consciencia; e não vejo outro meio de occorrer aos males que de futuro ainda lhe possam provir, senão dissolvendo esta Camara; porém tratar esta questão sublime, conforme os princípios de direito constitucional, seria, Sr. Presidente, tambem outro grande mal

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para a Nação, porque consumiriamos com ella muitíssimo tempo, que aliás uma outra Camara pode aproveitar em objectos de muito maior utilidade publica: a questão quanto a mim está decidida, e por mais attendiveis que sejam os argumentos que possam produzir-se, parece-me que desde já seria facil predizer-se o resultado; eu em avançar esta opinião não ofdendo pessoa alguma; ninguem ha que ignore o que é o coração humano, e todos nós conhecemos que por maior que fosse a eloquencia, que se empregasse, não seria possível conseguir-se a maioria para os nossos princípios; e então se isto é exacto, não é necessario que nos cancemos muito com esta questão, e por isso não farei mais que justificar os motivos, que me deliberaram a assinar este requerimento. Ainda que com isto tome algum tempo á Camara, não deixarei por isso de fazer um serviço ao meu paiz, e de tributar a devida honra aos meus amigos signatarios.

Nos ultimos dias da Sessão extraordinaria, alguns dos membros da Opposição propozeram aos seus collegas a necessidade de se assinar este requerimento; eu fallo verdade, e repito outra vez = não entrarei nos motivos políticos, e exporei somente os que me convenceram a reconhecer que era necessario aquelle passo. = Estou persuadido que em circumstancias ordinarias não é elle constitucional; mas tambem o estou que em extraordinarias é permittido, e até necessario; e o que bastava para o darmos era justificarmos que com effeito eram extraordinarias as circumstancias em que nos achavamos: devo confessallo francamente:, eu entendi que estas circumstancias extraordinárias ainda não tinham apparecido, e não duvidei fazer estas e outras reflexões, com toda a fidelidade, aos meus amigos o companheiros: observei então que me parecia muito util para a Nação que a maioria da Camara professasse as nossas opiniões; porém notei no mesmo tempo a transcendencia do passo que se pretendia dar; passo de que rarissimas vezes se deve usar, porque perigosissimos resultados pode trazer apoz si, se fôr frequente; e que eu não duvidaria ser um dos signatarios, verificadas as circumstancias extraordinarias: lembrei que talvez ellas não estivessem longe; e que viessem a ter logar quando o ministerio apresentasse na Camara os projectos de lei sobre administração publica, e sobre a organisação do sistema judiciario; que esperassemos esta occasião; porque a Carta sem leis regulamentares que estejam em harmonia com ella, não é Carta, e pode matar-se com a sua propria doutrina: as leis principaes para o seu andamento são estas: se as propostas do Governo corresponderem aos fins que desejamos, não se deve fazer similhante requerimento, e é nosso dever concorrer para que vão a effeito; mas se ellas forem viciosas, se em vez de terem por base os princípios da Carta, sejam illusôes, com que se pretenda ferilla, ou matalla, então é nosso rigoroso dever o declarallo altamente, assim como que a patria com aquella doutrina, por ser contraria á Carta, fica em perigo: então creio eu que tem todo o logar o requerimento que se propõe.

Foi assim que fallei aos meus amigos e collegas; eu acabo de o repetir na sua presença: foi por isso que o andamento do requerimento se demorou. Chegou o dia em que o Governo pelo orgão de seus ministros apresentou nesta Camara os esperados projectos: eu dei a maior attenção á sua materia, e para não me illudir, fui para os ouvir melhor, assentar-me naquelle banco mais proximo ao dos ministros da Corôa. Pela sua leitura conclui que elles continham materia que não podia approvar-se: levantei-me, e aproximando-mo ao meu amigo e collega, disse-lhe "estou pronto a assinar o requerimento, e desejo que seja quanto antes apresentado, porque tambem desejo que quanto antes se saiba que nós não sanccionamos similhante doutrina em leis regulamentares, doutrina, segundo o meu entender, capaz de dar com a liberdade em terra."

Tenho exposto, e creio eu que justificado, os motivos, por que assinei o requerimento, e a elles somente accrescentarei duas palavras. Desejava eu, Sr. Presidente, que nesta discussão não nos encarregassemos de tratar de princípios de política, porque servirá isso tão somente de consumirmos tempo sem utilidade alguma: limitemo-nos aos motivos de conveniencia que actualmente ha para a dissolução da Camara; as leis apresentadas em projectos pelo Governo não são boas - eu tremi ao ouvillas ler - com esta Camara é forçoso que passem - e a liberdade fica em grande perigo. Salvemos pois a patria, e o unico modo de a salvar é procedendo-se a uma nova eleição: se a Camara que se seguir fôr dos mesmos princípios que esta, a nação é que tem ai culpa, e nossas consciencias ficam franquillas; se tiver outros princípios differentes será mais feliz, do que o pode ser com esta, ou com outra igual.

Concluirei dizendo que respeito muito as virtudes civicas, e os conhecimentos do meu honrado amigo e collega, o Sr. João Bernardo de Souza; mas não posso combinar com elle quanto ao addiamento que propõe; eu estando convencido, como estou, que sem a dissolução da Camara não é possível que a nação seja feliz, não posso demorar um instante mais esta decisão. Não duvido, Sr. Presidente, que tenhamos a fortuna de que o ministerio se torne mais docil a respeito das opiniões da Opposição; nós já temos visto que tem adotado algumas das medidas que temos proposto; porém aquellas com que tem condescendido são transitorias, hão de acabar breve: as outras, que por certo não alcançaremos, são as geraes, são as regulamentares, são emfim aquellas, que deverão ter duração permanente. Esta idéa faz-me um peso extraordinario: peço por tanto que não prolonguemos a questão com grandes e eloquentes discursos; louvo muito, e muito admiro o saber e as intenções às quem os faz; comtudo somente servirão de demorar a decisão da Camara. Voto contra o parecer.

O Sr. José Liberato: - Sr. Presidente, eu tive a honra de ser escolhido pelos meus collegas para apresentar o requerimento, sobre o qual uma Commissão especial deu o parecer, que faz hoje o objecto da presente discussão: expuz então os motivos porque me encarreguei de o apresentar; e como estou convencido que ainda hoje existem, terei hoje de motivar a minha opinião. O motivo principal porque assinei este requerimento, e que me levou a encarregar-me da sua entrega, foi o descredito em que esta Camara caiu, desde a sua installação: desde logo se conheceu a differença das opiniões; e pode dizer-se que em vez de debates parlamentares, se abriram, e começaram as hostilidades entre os dous lados da Camara. Deu isto logar a dizer-se, fóra, e dentro desta Camara, que os membros da Opposição eram os culpados, porque empeciam a marcha do Governo, e transtornavam por isso a felicidade pública. Eu, e os meus collegas membros da Opposição, assentámos que era nosso dever combater esta opinião, que contra nós se manifestava; e entendemos que o unico meio era representarmos ao throno, e dizermos franca e lealmente, que cediamos da, honra que a nação nos tinha feito, elegendo nos seus representantes, a bem da mesma nação. Ora alem disto vemos que a representação nacional não está completa; e eu não sei as razões porque o Governo não a tem completado: que está mutilada não tem duvida, e por consequencia não é, nem pode ser a expressão da vontade nacional: outras razões mais poderia eu produzir; mas ellas são um pouco desagradaveis; todavia eu devo dizer a verdade; poucas vezes me levanto para fallar, e por isso não terei grande escrupulo se agora gastar algum tempo á Camara; nada receio, posso fallar com franqueza.

Esta Camara, Sr. Presidente, foi violada pelo ministerio: eu digo a razão. A Carta no artigo 25 diz que as opiniões dos Deputados são inviolaveis: mas ha um illustre Deputado que se assenta deste lado da Camara, que perdeu

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o seu emprego, porque manifestou francamente as suas opiniões; e diz-se que já sobre outro caiu já tambem á espada ministerial: deste não o assevero, porque ainda o não sei com certeza. Similhantes procedimentos darão motivo a que não haja muita gente que vote conforme a sua consciencia lhe dictar; porque poderá temer que se lhe tirem os seus empregos, e ficar sem subsistencia.

Desta sorte está a Camara mutilada, está violada: e então qual será o Deputado que não trema na presença das armas ministeriaes? Oh! Será necessario que tenha grande força de caracter! E não será tirar a independencia da Camara, e offender a sua inviolabilidade? Eu observo, Sr. Presidente, pela marcha que o ministerio pegue, que elle não quer senão que a sua opinião seja unica, e que seja seguida como um artigo de fé catholica: para provar isto basta ver que o ministerio tem demittido muitos empregados publicos, e a razão que dá para o fazer é = que elles não seguem a sua opinião, e que não pode marchar com empregados que a tem diversa = eu então tiro d'aqui um argumento de menor para maior, e digo = Se o ministerio não pode marchar com empregados que não são da sua opinião, como poderá marchar com uma Opposição tão forte, e tão conscienciosa como aquella que existe na Camara dos Deputados? = Não pode ser; e então é necessario que esta Camara seja dissolvida, e que o Governo fique com as mãos abertas para fazer o que entender, sem estar dependente das decisões das Cortes. Esta é a minha opinião; creio que a marcha que o Governo segue não é boa; e que a sua opinião é somente sustentada por hipocrisia; mas elle quer esta marcha, e então, é necessario que não encontre uma opposição como a nossa, e que possa fazer quanto entender que lhe convem, sem receio de que haja quem o censure, ou mesmo o accuse. Uma Camara nova, escolhida á vontade da nação, ou será em tudo concorde com os princípios do actual ministerio, ou não. Se o for marchará bem a Camara e o ministerio; se o não for, terá força sufficiente para o dissolver, e transtornar os seus princípios. Sr. Presidente ninguem ousará avançar que tudo quanto tenho dito não é a verdade; e ninguem dirá que não é ditado pelo amor, que toda a minha vida tenho dedicado á liberdade de rainha patria, e do mundo, de que tenho dado mais que sobejas provas. Concluirei, Sr. Presidente, dizendo que eu fui um dos primeiros escritores portuguezes que defendi a liberdade do meu paiz; e que fui um dos Deputados da representação nacional, que tive a coragem de dizer ao Senhor D. João VI e em frase que poucos ousariam dizer-lh'o = que os direitos do Rei eram imprescritíveis; mas que os direitos do povo tambem o eram; e até superiores aos do throno. = Voto por tanto contra o parecer da Commissão; voto pela dissolução da Camara, e que para esta se conseguir se represente ao Poder Moderador, e que pelo bem do paiz annua ao que se pede, é mande de novo consultar a vontade da nação. Se o Poder Moderador não attender a nossa representação, não se poderá dizer que a Opposição embaraça a marcha do Governo; porque ella da sua parte desistia da maior honra a que um cidadão livre pode aspirar.

O Sr. Ottolini: - SENHORES. Quatro foram os argumentos em que a Commissão de que tenho a honra de ser relator, se fundou para concluir que não podia ser admittida a proposta ácerca da mensagem ao poder Moderador para a dissolução da Camara dos Srs. Deputados: elles me parecem assaz desenvolvido? para carecerem de novos commentos: como porém se tem fallado contra cumpre ponderar a materia contravertida só em these, só segundo o Direito Público constitucional.
A primeira razão da Commissão, foi que não podia ter logar a mensagem porque encontra a divisão dos poderes políticos estabelecidos na Carta. Quando as rodas da machina política se embatem impedindo-se reciprocamente os Poderes constitucionaes do Estado, é então que ao Poder Moderador, como chave de toda a organsição social, cumpre prover com remedio ao poder político, que discorda dos outros; se esta discordancia existe entre a maioria da Camara electiva e os outros Poderes, o Poder Moderador, julgando os actos da Camara dissidente e vendo nelles o perigo da salvação do estado pelo meio da dissolução, pede a Nação uma maioria que seja analoga á maioria da outra Camara e aos outros Poderes do Estado; senão vê esse perigo harmonisa os outros Poderes com a maioria existente da Camara electiva: eis a acção livre do Poder Moderador para manter a indepencia, equilíbrio, e harmonia dos outros Poderes. Que seria uma Mensagem de uma fracção do poder Legislativo para a dissolução da Camara? Seria uma invasão no Poder Moderador constrangendo-o moralmente no uso que elle deve fazer das suas livres prerogativas: porque o Poder Moderador ou annue, ou não annue a mensagem: se annue se declara, ou inhabil ou fraco = inhabil manifestando que não teve conhecimento do perigo da salvação do estado senão pela mensagem de um corpo, que não podia nem devia avaliar a existencia do perigo em seus proprios actos, fraco quando sem ver esse perigo cede á influencia da Camara, recebendo o impulso do corpo a que o deve dar; senão annue então se mostra hostil recusando-se abertamente á vontade declarada da Camara peticionaria: em ambas as hipotheses é evidente a coaçâo moral em que a Mensagem iria collocar aquelle Poder pela collisão de conveniencias e deveres, é consequentemente evidente a invasão que faria nas suas livres prerogativas.

Foi a segunda razão que a Mensagem não podia ter logar, porque repugna aos principios constitutivos do sistema constitucional. Quem deixa de vêr que é da essencia dos Governos representativos que haja opposição nas Camaras, que é da essencia da opposição ser minoria, que é da essencia da minoria devergir da maioria? Porque póde logo unia minoria pedir a dissolução da Camara? Vejamos os fundamentos da Proposta, porque a minoria diverge da maioria? E nisso que consiste a sua essencia, aliás vir-se-hia a querer parar em uma Camara unisona, o que é primeiro impossível, por ser moralmente impossível identidade de opiniões entre muitas pessoas; segundo prejudicial, porque à verdade só apparece clara no meio dos debates das differentes opiniões. Porque a minoria é forte em numero e em luzes? Quanto mais numerosa mais facilmente as suas opiniões tendo o cunho da opinião pública cantarão victoria dentro na mesma Camara, e passarão á maioria, quanto mais illustrada (como a Commissão, reconhece a actual) mais util se torna para fazer vêr os desvios do Poder e servir de barreira a seus excessos; uma opposição fraca de nada serve senão de germen para se tornar forte; e forte é a presente, e forte é que convem. Porque a minoria quer appellar para a Nação? A appellação do Artigo 74 §. 4 da Carta pertence exclusivamente ao Poder Moderador para obrar contra uma maioria hostil; a appellação que compete á minoria contra a maioria lá está consignada no Artigo 17 de mesma Carta findo o praso nella designado: então, e só então tem a minoria direito de appellar para a urna eleitoral a fim de decedir entre as suas opiniões e as da maioria; porque então, e só então o Augusto Autor da Carta julgou chegado o praso necessario para que a nação, tendo formado conceito das opiniões debatidas, possa appresentar não uma opinião momentanea e factícia; mas a verdadeira, madura, e reflectida opinião do paiz, que demanda tempo para se formar.

O terceiro motivo foi que a Mensagem não tinha logar porque se não compadece com a utilidade pública pelas muitas delongas que precisaria. Não são bem obvias as demoras se a proposta sortisse effeito? Demoras já nascidas das proprias instrucções de 7 de Agosto de 1826 na organisação morosa dos collegios eleitoraes, demoras já consequências he-

VOLUME I. LEGISLATURA I. 55

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cessarias das circumstancias extraordinarias pois que ou nova maioria vinha hostil ao Governo, ou conforme á sua politica; no primeiro caso tinha o Governo o direito constitucional de a dissolvei, no segundo tinha a nova maioria o mesmo direito que apresente de pedir a dissolução e em ambos os casos nova dissolução se segueria á primeira e em ambos os casos novas demoras occorreriam, e no entanto as leis de interesse vital jazeriam no cahos.

Foi o quarto argumento: que a mensagem não tinha logar por que póde notar-se alguma exageração, causada por ventura por excesso de zelo nos fundamentos de proposta. A Commissão provou a sua arserção com factos consignados, já nas actas da Camara já nas leis agora emanadas do poder Legislativo: ahi se vê qual terá sido a maioria qual o accordo dos poderes Politico. A favor ou contra factos nada arguem raciocínios: a Camara attenta aos factos a decida-se.

Sustentemos por tanto Senhores o parecer da Commissão escutemos a só voz de razão, continuemos e preencher o nosso mandado com consciencia, sabedoria e firmeza; e pois que os thesouros da liberdade nos estão abertos tiremos delles o necessario, e só o necessario por não compremeter a propria liberdade na exorbitancia dos poderes Políticos. O paiz demanda leis, demos lhe leis, ultimemos a obra que nos está a cargo, a redicação da carta, e teremos feito o nosso dever.

O Sr. Lopes de Lima: - Sr. Presidente. Eu tenho-me feito uma lei de não gastar tempo á Camara inutilmente: com tudo nesta questão parece-me ser obrigado a motivar a minha opinião. Eu fallarei não com a elloquencia de orador que não tenho; mas sim com a consciencia de Deputado. Sr. Presidente eu fui eleito Deputado (e fui-o para ajudar a fazer boas leis e não para dissolver Camaras) por uma população de cincoenta a sessenta mil almas, colocada no meio do atlantico a mil e duzentas legoas de distancia das costas de Portugal. Aquella provincia abandonada ha muito tempo ao barbarismo, e á miseria por Governos negligentes, e ultimamente sugeita aos flagellos simultaneos da fome e da tirannia precisa de urgentes providencias para sair do miseravel estado de abatimento em que se acha: providencias dependem umas do poder Legislativo e outras do poder Executivo, e os Deputados della vieram encarregados de promover umas e outras, acontecem por um lamentavel accidente achar-me eu agora unicamente incumbido de reclamar aquellas providencias perante os dois poderes politicos, o legislativo, e o executivo: do ministerio já tenho obtido algumas dessas providencias; porém da Camara ainda me não foi possivel conseguir cousa alguma; mas é de esperar que no decurso da presente Cessão ordinaria se tomem algumas deliberações ácerca de algumas indicações minhas e de meu fallecido collega, as quaes contem objectos de summa importancia para o bem daquella provincia, e se a Camara se dissolver o que ha de resultar? É que aquella provincia ficará sem as providencias, que a necessidade reclama e terá de continuar, por oito mezes ou um anno no abatimento em que actualmente se acha por que todos sabem as difficuldades e incerteza que ha para se renovar na Camara, que substituir esta, a representação daquella provincia. Ora se o Poder Moderador usando da mais terrivel de suas attribuições dissolver esta Camara verificar-se-ha infallivelmente o mal que acabo de indicar; mas neste caso eu não serei culpado; cederei á força, e os meus constituintes não terão que me lançar em rosto de que por culpa minha, se transtorne o progresso dos trabalhos legislativos. Mas que eu vá com minhas proprias mãos quebrar a urna eleitoral: abandonando os seus interesses e rasgar o meu proprio diploma demittindo-me de um direito, que não posso renunciar, isso não farei eu em quanto não tiver para dar aos meus constituintes uma razão convincente com que se possa destruir o parecer da Commissão, pois que o argumento da existencia de uma forte opposição não póde colher attendendo que é da essencia das assembleas legislativas mais bem constituídas a existencia de taes opposições; por consequencia esse argumento de opposição não póde subsistir; e em quanto não tiver outro mais forte eu de certo nau cooperarei para uma medida, que deve produzir immensos males: e por tanto apoio inteiramente o parecer da Commissão.

O Sr. J. A. de Campos: - A palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Ainda lhe não pertence.

O Sr. J. A. de Campos: - Era para saber se V. Exca. tinha notado o logar, em que eu pedi a palavra.

O Sr. Presidente: - Cá está no seu logar. O Sr. Macario de Castro é quem agora se segue.

O Sr. Macario de Castro: - Sr. Presidente, quando os eleitores da minha provincia me fizeram a honra de mandar-me a esta Assemblea, deram-me o direito de votar ou propor todas aquellas medidas, que a bem da Patria a minha honra e a minha consciencia approvassem. Tenho usada d'este direito: em todas as propostas, que tenho feito, tenho combatido, ou sustentado sempre, segundo os dictames de minha consciencia, procurando defender tanto quanto eu entendia, os interesses da minha patria, da minha Soberana, e de meus Constituintes.
Guiado por estes princípios, concorri a assinar de mui bom grado a proposta ou antes requerimento, que deu logar ao parecer da Commissão, que tenciono combater.

Sr. Presidente, em primeiro darei os motivos que me induziram a concorrer com os Srs. Deputados, meus illustres amigos, que se assentam d'este lado da Camara; e tratarei depois do parecer da Commissão. Ha verdades de intuição, e estas verdades não se apresentam somente na ordem fisica; mas tambem na ordem moral. Ora quanto a mim uma d'estas verdades é a necessidade da dissolução d'esta Camara.

Eu tambem preso muito a honra de representar o meu paiz; eu tambem preso a honra de tomar assento n'uma assembléa, aonde se assentam tantos portuguezes distinctos por seus serviços, e talentos; mas essa honra não me deslumbra; essa honra não me impedirá de declarar que na minha opinião, o Poder Moderador deve ser convidado a dissolver esta Camara, e a convocar outra immediatamente. A nossa eleição teve logar sob circumstancias especiaes; o paiz estava ainda fumando; grande numero de subditos fieis da Rainha, por motivos muito variados, não poude concorrer nas eleições: a liberdade da imprensa era um privilegio exclusivo dos agentes do poder.

Estas causas produziram uma Camara tão discorde, que em poucas medidas tem podido concorrer.

Ora em meu conceito uma maioria tão pequena, e uma minoria tão grande tira toda a sancção, e authoridade, a essas leis que temos approvado. porque longas e acaloradas discussões, patenteando os defeitos d'ellas antes de promulgados, enfraquecem senão anullam toda a razão da lei; mal immenso em nossas circumstancias; mal reconhecido, em algumas das assembléas francezas, depois da restauração; mal que por não ter sido attendido, produziu os infurtunios de Carlos X. Por estas razões é indubitavel, que esta Camara gosa hoje de muito menos consideração, que no primeiro mez depois de sua instalação. Pois se esta Camara gosa de pouca consideração; se o partido liberal e fiel, por essencia está dividido sobre o sistema que temos adotado, para que havemos nós empedir, por nossos lugares que a nação declare a sua vontade, hoje que a imprensa, e a experiencia podem esclarecer os eleitores? E quem duvidará concorrer para que uma nova Camara, mais homogenia, possa ter o direito de dizer, que ella é o producto da vontade nacional? Em todos os paizes, quando a minoria toca assim de perlo a maioria, se adota sempre de duas medidas, uma = dissolução da Camara, ou mudança de Ministerio = Isto nunca sofreu excepção. Queremos nós, apenas princi-

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piantes na escola, parlamentar, aberrar d'estas regras, e impor á nação leis votadas por quatro ou cinco homens, pois menos os Srs. Ministros, a este numero se reduz a maioria nas questões do maior interesse Social! eu por minha parte abnego tal doutrina, e recuso similhante responsabilidade. Responderei, agora, ao parecer da Commissão e principiarei notando, como esta Comissão escolhida toda do lado direito confunde a questão para dar um parecer, que sem refutar as verdadeiras razões da nossa petição conclue contra ella.

Diz a Comissão, que a respeitosa mensagem ao Throno, que nós tivemos a honra de propor á diliberação d'esta Camara, é uma invazão manifesta nas attribuições do poder moderador, e acrescenta ainda, que a esta Camara não compete indicar o perigo da salvação do Estado. Em minha opinião fundada no direito natural, no direito constitucional, e na pratica das outras nações, mais versadas do que nós na doutrina parlamentar, a mensagem por nos recomendada, digo eu, é uma prova do respeito, que tributamos ao Poder Moderador, e a esta Camara mesmo poderá já mais um pedido ou a exposição daquillo que, quasi metade dos representantes presentes da nação entende ser uma verdade, e uma necessidade urgente, poderá isto jamais reputar-se uma invazão no Poder Moderador? Pelo contrario, a Camara tem a obrigação de levar a verdade aos pés do Throno, todas as vezes que puder presumir, que per outro modo não póde ali chegar. Pela mesma razão esta Camara não póde deixar de ter o direito de recomendar ao Soberano esta ou aquella medida quando entender que a salvação do Estado o exige. Esta perogativa é reconhecida e praticada por todas quantas assembléas legislativas existem na Europa, até na oprimida Alemanha.

Os fundamentos, em que a Commissão assenta o seu segundo artigo são ainda menos solidos, são apenas palavras sonoras. Como repugna uma petição assinada por trinta e um membros d'esta Camara, pedindo uma discussão, sobre uma proposta de interesse publico aos princípios constitutivos do sistema constitucional? Eu confesso que não posso comprehender tal metafísica constitucional! Qual é a lei que veda, pois que a pratica por toda a parte authorisa que um ou trinta, indivíduos apresentem n'esta Camara, uma petição regular e respeitosa?

Uma petição que esta Camara póde approvar ou regeitar, é por ventura alguma companhia de granadeiros, que venha dar a lei á maioria ? Póde ser crime entre nós o que eu vejo praticar em todos os parlamentos? Diz mais a Commissão, que é de essencia do governo representativo, o haver Opposição, o que é verdade ainda que a maioria o quizesse já disputar no principio da Sessão extraordinaria, e que esta Opposição é por força minoria. Tudo isto é verdade; mas faltou-lhe acrescentar, que quando a maioria é tão pequena, Mr. Pittou, Lord Greig, ou dissolvem a Camara ou deixam o ministerio. O príncipe de Polinbac, mesmo reconheceu esta doutrina. Uma fracção da Camara franceza disse na resposta ao discurso do Throno em 1830. "Que V. M. opte entre os seus ministros e a Camara dos Deputados " e o príncipe de Polinhac dissolveu a Camara, e consultou a nação. Esta nação chamada a decidir entre os seus representantes, e os ministros do rei; re-elegeu os duzentos o vinte e um, apezar d'isto o ministerio pertendeu desconhecer o voto nacional; e vós Srs. sabeis o resto.

E ainda ali a conducta da Camara é menos justificada, do que entre nós; porque o ministerio Polinhac colectivamente faltando nada havia obrado para merecer a desconfiança e desfavor da Camara; mas os precedentes dos homens que o compunham eram tão contrarios á liberdade, que as Camaras não esperaram pelos actos, e se declararam logo contra o ministerio. E eu entendo, que a Camara fez o seu dever. Esse ministerio mostrou logo, a que excesso de tirannia era capaz d'entregar-se. Ainda mais, em França a mensagem dos Deputados poderia dar a entender que a Camara pertendia ingerir-se na escolha dos ministros, entre nós pelo contrario; nós não pedimos a demissão do ministerio, respeitando os votos da direita, que o sustenta; mas pedimos somente que a nação seja consultada, porque a esquerda entende que a direita tem dado ao Governo poderes que lhe não podia conferir. E se os Srs. Deputados, que assim tem votado, pensam ir d'acordo com a maioria da nação para que receiam a urna eleitoral: a sua reeleição é certa, e o seu triumfo completo.

Diz a Commissão em terceiro lugar que a dissolução d'esta Camara se não compadece com a utilidade publica. A inversa é a verdadeira. É a existencia d'esta Camara que nem se compadece com a ordem publica, com a opinião geral, e com a salvação do estado. A desharmonia d'esta Camara é conhecida em todo o reino; admittida e prégada pelos periodicos de todas as cores, de todas as opiniões; e parece-me que a falla do Throno, no encerramento da Sessão extraordinaria, o não dissimulou. Por estes motivos julgaram os Deputados, que se assentam no lado esquerdo da Camara, estarem collocados no rigoroso dever de dar contas de seus actos aos seus constituintes, e de fazerem ver que não tinham dê que arrepender-se. Essa conta teve uma resposta que tornou irreconciliaveis os dous lados da Camara. Tal era a nossa situação, isto é, duas bandeiras no mesmo campo; facto que reclamava uma dissolução immediata ao tempo da feliz chegada de Sua Alteza Real, o Augusto Consorte da nossa Bainha. Então alguns de meus illustres collegas pensaram que esse seria o momento em que o Ministerio procuraria reunir, e reconciliar as divergentes opiniões d'esta Camara, retirando alguns projectos de lei, e apresentando outros, que merecerem o assentimento geral. O primeiro dia da Sessão ordinaria mostrou quão infundadas eram nossas esperanças, e foi então que os meus amigos e eu nos decidimos a apresentar o requerimento, que hoje sustentamos. Depois d'isto é preciso confessar que o Ministerio tem seguido uma marcha mais justa, mais util, e mais conciliadora; mas, Senhores, o mal estava feito, e algumas reparações e condescendencias já não podem remediallo. Por esta occasião não posso deixar de admirar a disciplina e doçura dos meus illustres collegas, que se assentam do lado dos Srs. Ministros, que á medida que Suas Excellencias abandonavam alguns pontos, tambem elles os seguiam. Se o Ministerio tivesse sido tão attento á opinião publica, e ao clamor d'este lado da Camara, quanto em excitar antipathias dentro e fóra da Camara, grandes embaraços se feriam evitado. Não teriamos tido, por exemplo, um dictador em vez d'um presidente de Ministros:

O Sr. Ministro da Justiça não teria defendido um sistema judiciario, do qual elle mesmo estava menos possuido, do que confiado na maioria de dez votos. Se o sistema de conciliação, encetado pelo Sr. Ministro da Fazenda, devesse continuar, já o Sr. Ministro dos negocios do reino teria vindo pedir a discussão da lei sobre a abolição das prefeituras, approvada na sua generalidade por esta Camara, uma vez que o Sr. Presidente não parece inclinado a dalla para ordem do dia, senão quando chegar a hora do encerramento d'esta Sessão, assim como o fez na hora do encerramento da Sessão extraordinaria. (Rumor na Camara). Sr. Presidente, não notarei aqui, apezar que tinha lagar para isso, outras muitas circumstancias, que me fazem crer que o Ministerio não está disposto a transigir, e a condescender. Demissões injustas, e substituições escandalosas mostram claramente que elle quer dividir em duas famílias os subditos fieis da Rainha. A reunião de uma nova Camara não é longa; e é melhor esperar cincoenta dias pata fazer leia, que inspirem mais confiança, do que conferir a cinco votos a autoridade de legislar para Portugal. Demais, Sr. Presidente, nós ternos em todo o caso de proceder a nova eleição, por isso que faltam n'esta Camara vinte e um mem-

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bros, e tão incommodo é aos povos uma eleição parcial, como uma eleição geral. E se o Ministerio reconhece agora a necessidade d'essas leis, é pena que d'ellas se não lembrasse quando adiou esta Camara sem necessidade urgente.

Sr. Presidente, o artigo 4.°, como diste o illustre Deputado que me precedeu, é baseado sobre factos; mas factos conhecidos de toda a Camara, e que são apresentados pela Commissão debaixo d'um ponto de vista differente d'aquelle que as actas os mostram. Eu não cançarei a Camara, fazendo uma resenha da historia da Sessão extraordinaria, pois ella é conhecida a todos os meus illustres collegas; concluirei somente, com aquelles que de boa fé seguirem comigo esta historia, que poucas ou nenhumas vezes temos estado de acôrdo nas leis, de que depende a nossa organisação social.

Para responder no parecer da Commissão, vejo-me forçado a fallar aqui da outra Camara.

Todos sabem, Sr. Presidente, como a harmonia se estabeleceu entre a maioria d'essa Camara e a Camara hereditaria, pois que a maioria n'aquella Camara, a respeito da minoria, estava na razão de cinco para sete, em quanto são foi composta de Pares, que deverem ao Ministerio actua! a sua elevação ao Pariato A' vista d'isto é minha opinião que a dissolução d'esta Camara é da mais absoluta necessidade, e tão vantajosa á nação como ao ministerio, pois que a futura eleição deve confirmar Sua Magestade a Rainha, qual é a marcha que tem a seguir, conservando o seu ministerio, se o voto nacional approvar os seus actos, aliás demittindo-o , se a urna eleitoral lhes for contraria; tirando-a assim da falsa posição, em que existe.

Os Srs. Deputados, mesmo da direita, tem uma occasião de mostrarem aos seus constituintes a sua independencia e boa vontade de concorrerem para o bem da nação. Voto por tanto contra o parecer da Commissão.

O Sr. Barreto Feio: - Pareceu á Commissão, que a proposta da Opposicão se não deve admittir pelas seguintes razões;

Porque encontra a divisão dos poderes políticos estabelecidos na Carta:
Porque repugna, aos principies constitutivos do sistema constitucional:
Porque senão compadece com a utilidade publica:

E porque nos expostos motivos póde notar-se (diz ella) alguma exageração.
Limitar-me-hei a analisar por sua ordem, cada uma d'estas razões, e mostrarei que todas juntas, não fazem uma.

Vamos á 1.ª

Quatro são os poderes políticos estabelecidos na Carta, e estão assim divididos - Ao legislativo compete fazer as leis, ao executivo executa-las, ao judiciario applica-las aos factos, e ao Moderador moderar ou cohibir algum excesso que haja em qualquer dos outros poderes. Sabem da sua orbita, e attentam contra a divisão dos poderes, se os que devem fazer as leis, as executam; se os que as devem executar, as fazem; se os que as devem applicar aos factos, as interpretam; e se os que devem ser moderados ou cahibidos em seus excessos, se arrogam o direito de moderar. Mas quem pede a qualquer d'estes poderes que faça o que está nas suas attribuições não encontra a divisão dos poderes, usa do direito de petição, estabelecido e consagrado na Carta; direito inherente a todas as sociedades humanas, e que nunca tiranno algum teve a audacia de negar.

Diz a Commissão, que o dissolver a Camara electiva, para convocar outra nos casos em que o exigir o bem do Estado, compete exclusivamente ao Poder Moderador. N'isto não diz novidade alguma, porque antes de ella o dizer, já a Opposição o cabia; e por isso é que propoz se enviasse a esse Poder uma respeitosa mensagem.

Diz mais a Commissão, que pedir é forçar moralmente aquelle aquem se pede a fazer a cousa pedida. Se isto se emende a respeito do Poder Moderador, tambem se ha de entender a respeito dos mais poderes, porque a razão é á mesma, e onde ha a mesma razão, deve haver a mesma disposição; e então lá vai o direito de petição, e com elle um dos artigos da Carta.

Diz ainda a Commissão, que uma mensagem para este fim ao Poder Moderador, seria designar-lhe o caso de perigo do Estado, que a elle só cumpre estimar. Esta doutrina, pagaria mui bem o Grão Sultão, aquem a foste pregar nos seus estados. O rei exerce o poder executivo, o mesmo rei exerce o moderador; como Chefe do poder executivo, reconhece a constituição que elle póde errar, ou não vêr tudo; como poder moderador, quer a Commissão que elle posto lá no alto da sua elevada esphera, seja omnividente e omnisciente, exemplo de paixões, e que não possa errar jámais; o que não só é um absurdo, não tambem uma vileza, porque em quanto os membros da Commissão de um homem, querem fazer um Deus, se degradam a si proprios da dignidade de homens livres. Todo o cidadão tem rigoroso dever de velar sobre a segurança publica, e avisar do seu perigo aos que estão ao leme do Estado.

Acrescenta a Commissão, que pedir a mesma Camara a sua dissolução, seria fazer-se juiz de seus proprios actos. Mas que incoherencia ha n'isto? Quem melhor que nós mesmos poderá julgar se temos ou não forças e meios, se temos ou não aquelle amor de patria, aquelle desenteresse, aquellas virtudes cívicas, que são indispensaveis para desempenharmos a importante missão, que os povos nos confiaram? Um procurador honrado, que não quer enganar a seus constituintes, e vê que não póde dar boa conta do negocio, que lhe incumbiram, vai elle por ventura pedir a seus vizinhos que julguem se elle póde ou não desempenhar devidamente todas as clausulas da sua procuração? Não: julga-se a si mesmo, e demitte-se, ou pede ser desonerado. E assim desapparece a 1.ª razão, em que se funda o parecer da Commissão.

Vamos á 2.ª

Repugna aos princípios constitutivos do sistema constitucional tudo aquillo, que tende a destruir a constituição, ou encontra algum de seus artigos. Mas o que está na Carta, não pôde ser contrario á, Carta; e na mesma Carta é expresso, que o Poder Moderador póde dissolver a Camara, sempre que o exigir o bem do Estado: logo não repugna aos princípios constitutivos do sistema constitucional o pedir-se a este Poder uma providencia, que está dentro dos limites das suas attribuições: salvo se a Commissão se funda n'outra doutrina, e entende que a nossa Carta Constitucional é um composto de incoherencias, ou de partes repugnantes.

Diz a Commissão, que é da essencia dos governos representativos, que nas camaras sejam representadas todas as idéas avultosas e encontradas da Sociedade. Mas o que é da essencia d'estes governos, é que os Deputados sejam representantes da nação, e não do ministerio, que cumpram religiosamente quanto os povos lhes ordenaram nos povos, que lhes deram; e os povos mandaram aqui para defender seus direitos, e promover seus interesses, e não para representar idéas avultosas, ou gigantescas, como quer a Commissão.

Diz mais que é da essencia da Opposição ser minoria. Mas tambem isto não é exacto, porque a Opposição é feita ao ministerio, ou á sua política e seus actos; e, póde dar-se o caso, em que não só a maioria, mas toda a Camara em peso faça Opposição ao ministerio. A differença é, que quando a Opposição é minoria, ri-se o ministerio e continua nas suas arbitrariedades, e quando é maioria, o ministerio ou cahe, ou muda de rumo. Nós, verdade é que de facto somos minoria, mas que o somos de direito, quem ousará assevera-lo, quando não está completa a representação nacional, e quando o mesmo Governo insistindo em não querer completa-la, com esta sua teima tacitamente confessa que, a preencherem-se as cadeiras, que estão vagas, a maioria seria nossa, e não delle?

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Acrescenta a Commissão, que se à minoria tivesse o direito de sollicitar a dissolução da Camara, não haveria: assembléa possivel. Mas que o tem, não ha duvida, porque o direito de petição a todos é concedido; e o que se concede a um simples cidadão, nau se póde negar, nem contestar aos representantes de uma nação. Mas com termos indisputavelmente esse direito, não se segue o que diz a Commissão, porque aquelle, aquem se pede, póde conceder, ou negar. E assim desapparece tambem esta 2.ª razão.

Vamos á 3.ª

Esta palavra - Utilidade Publica - anda sempre na bôca, assim dos amigos, como dos inimigos do povo. Em 1820 prescreveu-se d'entre nós o despotismo, porque assim o pedia a utilidade publica, e em 1823 restabeleceu-se o dispotismo, com o pretexto de que assim o pedia a utilidade publica. Em 1826 foi o Governo de então obrigado a publicar e jurar a Carta, por lhe representarem os povos, que assim o pedia a utilidade publica, e em 1828 se rasgou a Carta, dizendo-se que assim o pedia a utilidade publica. Agora diz a Opposição que a utilidade publica imperiosamente exige se dissolva a presente Camara, é se convoque outra, que melhor exprima os desejos e as necessidades dos povos, e a Commissão diz que esta dissolução se não compadece com a utilidade publica. Mas os membros da Commissão foram tirados da maioria: d'aculá está o poder, d'aqui a independencia, de que lado estará a razão? A opinião publica, creio que não é duvidosa a este respeito. E por tanto é insubsistente e nulla, como as outras, esta 3.ª razão.

E a 4.ª nem refutação merece, porque os motivos que levaram a Opposição a fazer esta proposta, são os de que já deu conta a seus constituintes; e quem tiver lido aquelle Manifesto, e presenciado o mais que de então até hoje tem occorrido, verá que a Opposição n'esta sua proposta, longe de exagerar esses motivos, se contentou com apenas toca-los levemente e com a maior moderação. Destituído de todo o fundamento é portanto o parecer da Commissão; e ou a Camara attenda ao bem geral, ou á sua propria dignidade e decoro, deve rejeitar o parecer, e approvar a proposta.

Agora quanto ao adiamento proposto, digo que não tem lugar, porque uma questão de tamanha gravidade não deve ficar pendente. Esta é a minha opinião.
O Sr. Raivoso: - Sr. Presidente louvo muito a civilidade, delicadeza, e lingoagem, do parecer da Commissão mas nem por isso approvo a sua doutrina: propõe-se simplesmente á Camara que mande uma respeitosa mensagem ao Poder Moderador pedindo-lhe que usando da faculdade que a carta lhe concede queira dissolver a presente Camara, convocando immediatamente outra que a substitua; pedir não é mandar nem obrigar, e ou os Srs. Deputados da nação Portugueza perderam o direito de petição concebido pela carta a todos os cidadãos portuguezes, ou podem pedir não só a dissolução da sua mesma Camara, mas tambem ademmissão do ministerio; e tudo o mais que julgarem convenientes aos interesses de seus constituintes e que esteja fóra do alcance dos seus poderes.
Sr. Presidente. Uma Camara não deve ser dissolvida por que n'ella appareceu uma minoria em opposição ao ministerio; mas quando essa minoria chega a ser quasi maioria, deve então consultar-se de novo a vontade da nação por via da uma eleitoral, e é este o nosso caso presente.

Todos conhecem que é necessario fazer cessar por meio de boas leis regulamentares a anarquia moral que pesa sobre a nação Portugueza, mas todos igualmente sabem que na passada Sessão extraordinaria pouco ou nada se fez; o proprio ministerio accusou esta verdade na falla do encerramento da mesma Sessão; e é muito de recear que as mesmas causas de então produzam hoje os mesmos effeitos, e que se gaste mais tempo na discussão de uma só lei, do que se gastaria da eleição da nova Camara; e se isto acontece a anarquia moral continua, e na nação corre por isso eminente perigo, de cujo só a póde salvar a dissolução da Camara actual; e isto antes que a anarquia mansa passe a ser anarquia brava: firme n'esta opinião approvo a proposta e rejeito o parecer da Commissão e o addiamento.

O Sr. J. A. de Campos: - Sr. Presidente. Quem-nos mandou a estes logares não foi a Corôa, foi a Nação; por tanto ainda quando chegassemos a persuadir-nos de incapacidade para desempenhar a nossa missão não era a Corôa mas á Nação que devíamos derigirnos. A massa dos cidadãos Eleitores que elege esta Camara quando tivesse perdido a confiança que depositou em nós teria todo o direito de petição menos de fazer chegar á Corôa a sua convicção. A nação não tem dado prova nenhuma de que deseje ser dissolvida a Camara, por tanto o nosso procedimento em tal sentido sem a consultar sei ia elegitimo. Em nossas procurações não vem a clasula de instigar o Poder Moderador para que nos dissolva. Esta Camara é como a Corôa um representante da nação, como tal não deve pedir; o poder Moderador tem o seu regimento na Carta por onde póde regular-se a este respeito entendo pois que é contra todos os princípios de direito constitucional que parta desta Camara o requerimento para a sua aniquilação. Se assim obrássemos quando voltassemos daqui teríamos de dizer a nossos constituintes; lá ficam as nossas procurações, lá as entregamos ao poder; fomos nós mesmos que o instigamos para destruir a obra do povo. A prerogativa de dissolver a Camara dos Deputados é na verdade uma prerogativa da Corôa; mas não é um prerogativa livre, antes é mm limitada, é uma prerogativa tremenda que não deve ser exercitada livremente requerida; sempre traz comsigo um certo abafo social; e o seu exercício é sempre um pouco desagradarei ao corpo dissolvido é por tanto repugnante que a iniciativa desta prorogativa pertença a esse corpo. A iniciativa deste direito pertence á Corôa aconselhada pelo conselho de estado qualquer outro meio de exercella é incompetente.

A Camara dos Deputados coherentemente nunca póde ser dissolvida senão quando a Administração escolhida pela Corôa não tem ali maioria que lhe apoie as suas medidas; neste caso a Corôa tem dous caminhos constitucionaes; e primeiro é dar por sabido que a administração não é nacional e despidila; o segundo é esperimentar se a Camara é ou não è nacional applando para a nação para ver se retifica, ou se revoga a escolha dos Deputados. Mas no caso presente em que a administração escolhida pela Corôa tem maioria por que ha de a Corôa dissolver a Camara? Por que lhe são approvadas as medidas de sua admnistração? Então esse acto é reprovativo de si mesmo, e contradictorio; é impossível: por tanto o requerimento proposto não póde ter exito como tendo em vista arrancar da Corôa um acto que elle não póde praticar, contradictorio comsigo e impossível.
Com referencia á maioria desta Camara o requerimento proposto seria até estravagante; pois a maioria ha de assinar um requerimento, para que dissolvam a Camara por que triunfam os princípios dessa maioria? Para isto seria na verdade necessaria uma franqueza que ninguem possue.

A respeito de modo por que se tem condusido este negocio ha tambem cousas notaveis: os senhores que assinaram este requerimento tendo livre como tem todos os outros cidadãos o direito de petição poderiam ter dirigido este requerimento, ou qualquer outro, neste, ou em diverso sentido, tudo como quizessem para que querem pois com tanta fadiga, fazer deste um negocio da Camara quando é somente seu?

Se a Camara nunca podia votar similhante requerimento; se nunca podia ter outra consequencia que não fosse a perda de tempo por que não dirigiram este requerimento como e a quem quizessem? Quem é que será responsavel da perda deste tempo?

Vejamos o merecimento intrínseco de similhante assumto. - Dizem os Senhores assinantes do requerimento„ que considerando que muitos dos principios da sua convicção não po-

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dem conciliar-se com aquelles que professa a maioria entendem que da actual Camara não podem emanar as medidas necessarias para remediar os males publicos, e fazer a felicidade da nação„ creio que seria permitido á maioria tirar a mesma consequencia isto é que os princípios da minoria não podem fazer a felicidade da nação; mas como os da maioria porque é maioria prevalecem, não pôde esta tirar a mesma ulterior consequencia isto é não póde convir em que seja util a dissolução proposta.

«Dizem mais que sendo muito graves as medidas que „ tem de passar na Camara, devem ser sanccionadas por maioria mais consideravel a fim de serem respeitadas. Isto nem é jurídico, nem é exacto. O que constitue a legalidade é a maioria, e não a força numerica desta. Não é exacto que a maioria seja pequena. Na ultima questão vital, a licença entregada ao illustre Marchal Saldenha foi a maioria de dezessete votos isto é maioria equivalente, e bem vezes superior aquella que ministerios eminentemente nacionaes alcançam em Inglaterra e França guardada a proporção entre o numero de indivíduos das Camaras destes estados. Em grande numero de questões importantes tem havido unanimidade ou quasi unanimidade.
Chama-se fatal a divergencia de opiniões, e eu creio que uma unanimidade constante é que seria fatal. Uma Camara posto que não muito numerosa constantemente uniforme em opinião é um ente de razão, uma chimera, ou desideratum político, que não póde verificar-se, pertender que cem Deputados fossem constantemente uniformes em opinião seria pertender que todos tivessem a cabeça do mesmo feitio.

A uniformidade da opinião de uma Camara é simptoma de que é servil, ou faciosa. A variedade da opinião é o caracter mais saliente da liberdade de um corpo legislativo. A differença das capacidades individuaes não póde produzir uniformidade de opinião constante e só esta parece é devida a uma causa estranha v. g. ao poder que sopita as opiniões individuaes. As grandes quatro partes de aquelles em que uma razão poderosa de utilidade pública, e a sua simplicidade não admitti a diferenças de opinião tem sido decididos nesta Camara por maneira que honrarão qualquer assemblea legislativa. A regencia, o casamento, a Maioridade da Rainha tem tido nesta Camara opiniões quasi uniformes. O principio das indemnisações, a esclusão dos miguelistas dos empregos e outros pontos são tambem opinião quasi uniforme da Camara, logo então essa devirgencia sistematica não existe.

Demais esta Camara em o nosso estado social é um accidente feliz: o terror e o espanto que se apoderou do partido vencido não lhe permittiu aparecer perante a urna eleitoral por tanto esta Camara não tem elementos senão constitucionaes; queremos nós pois aqui os miguelistas representados? Fazem-nos por ventura falta? Elles são hoje cidadãos, para o futuro não hão de ceder o campo hão de apresentar-se ante a urna eleitoral e a nosso pezar hão devir a esta Camara combater as reformas: deixe-mo-los estar por ora, componhamos o edifício que não possa ser aluído pelos seus abalos, e venham então se os mandarem. Por ora temos nos dous lados da Camara duas Sessões do partido liberal, isto não é grande mal. Ha o inconveniente da perda do tempo; mas esse é da natureza dos corpos legislativas, todos são vigorosos.

Uma cousa que faz parecer que trabalhamos pouco é o mesmo trabalho que temos que fazer; qualquer das grandes medidas que temos a nosso cargo como a venda dos bens nacionaes, as indemnisações, a lei da administrações e outras, seria em tempos ordinarios materia para uma legislatura. Voto por tanto pelo Parecer da Comissão.

O Sr. Reis: - Propondo-me a sustentar o parecer da Commissão da qual tive a honra de ser membro, começarei por agradecer aos illustres Deputados que o impugnaram a maneira muito delicada e attenciosa com que se houveram, e peço-lhes que aceitem esta demonstração do meu reconhecimento. Passando ao objecto, Sr. Presidente, parece-me que elle na verdade não é proprio para uma discussão da Camara; eu considero-o um objecto de consciencia no qual cada um de nós hade ter motivos que lhe determinem a sua convicção, segundo a qual todos votaremos, aproveitando pouco a discussão presente; em consequencia de muito bom grado admitto o conselho que nos deu o Sr. Deputado Barjona e não entrarei na questão da teoria constitucional sobre a legalidade ou illegalidade d'uma petição levada ao Poder moderador por esta Camara pedindo a sua propria dissolução; tambem não entrarei era grande desenvolvimento dos fundamentos sobre que assenta o parecer da Commissão, pois que a meu ver elles nem carecem de commentario, nem foram impugnados por nenhum dos illustres oradores que me precederam, nem a sustentação brilhantemente feita pelo relator necessita de corroborada. Responderei por tanto sómente a algumas das idéas que foram emittidas por differentes Srs. Deputados; e principiarei por observar que o Orador que abriu a discussão, o nobre marechal Saldanha (de quem me honro de ser amigo, e mais que amigo politico) apresentou no seu discurso mais uma prova da franqueza do seu caracter: elle expoz as circumstancias que o determinaram a subescrever á proposta para a dissolução da Camara, declarou que a discussão sobre as indemnisações, e a venda dos bens nacionaes, mostrára que parte dessas circumstancias tinham cessado, mãe que elle ainda insistia na proposta, em attençâo aquelles em que tinha sido eleita a presente Camara, immediatamente depois de acabada a guerra civil, quando não havia liberdade de imprensa, e quando alguns importantes interesses se não atreviam a procurar ser representados. Peço lincença para discordar da opinião do meu nobre amigo, e para asseverar sem receio de ser desmentida que apesar das circumstancias ponderadas, esta Camara realmente representa a parte constitucional da nação; nesta casa Sr. Presidente, não está um só d'entre nós quanto seja verdadeiramente amigo das instituições que nos regem, e o nobre Marechal hade certamente corroborar este meti testemunho, porque elle não é capaz de enunciar uma idéa contraria á sua convicção intima. Disse outro illustre Depurado a quem tambem consagro sentimentos de amisade e de veneração, que devia ser dissolvida a Camara porque ella tinha sido violada pela demissão dada pelo Governo a algum Sr. Deputado da opposição. Confesso Sr. Presidente que não posso conformar-me com similhante doutrina. Onde está o principio que a consigne, ou na Carta, ou mesmo nos outros paizes que tem instituições representativas ou em fim como póde ella derivar-se da natureza destas instituições? Eu já disse n'outra occasião, e repetirei agora, que não approvo a demissão a que se allude, parece-me que não podendo o Governo deixar de empregar homens da sua perfeita confiança, homens da sua cor, nos logares puramente políticos, v. g., nos de administração, e nos da diplomacia, elle procederia mais generosamente se não fizesse extensivo este principio dimissorio aos outros empregados, cujas attribuições não são políticas, e só exigem para o seu bom desempenho aptidão e honra; mas porque o Governo o não entendeu assim, porque demittiu um membro da Camara, diremos nós que ella está violada? Em França, e principalmente em Inglaterra, nunca ha mudança na administração, sem que deixem de seguir-se muitas demissões, que sempre abrangem alguns dos membros do Parlamento, e nunca lá se disse que fosse com isso violado o decoro do Parlamento. Não se diga pois entre nós que deve ser dissolvida a Camara, porque foi demittido um illustre Deputado d'um logar que tinha do Governo. Se algumas razões se produziram por outros oradores contra o parecer da Commissão, e tendente a provar a conveniencia

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da dissolução da Camara, eu não as percebi, e por isso lhes não dou resposta, e quero persuadir-me, Sr. Presidente, que mesmo é impossível produzir razão solida contra elle. Quiz alguem demonstrar que a Commissão propunha privar do direito de petição á minoria da Camara, mas acaso poderia, a Commissão pretender privar, já não digo á minoria da Camara, ou a um Sr. Deputado, porém a um cidadão qualquer o mais obscuro, d'um direito consagrado na Carta? Não se attribua similhante proposito á Commissão: ella reconhece que o direito de petição não póde ser tirado a nenhum Portuguez; mas disse, e ainda diz, que o exercicio d'este direito para o fim de pedir ao Poder Moderador a dissolução da Camara, jámais podia pertencer á mesma Camara. A Camara que é, Sr. Presidente? É a maioria. Ora poderá exigir-se que esta maioria diga ao Poder Moderador = nós rejeitamos as medidas que são uteis á patria, e approvamos as que lhe são nocivas: a Camara hereditaria presta o seu assenso a estas medidas; vós, Poder Moderador, haveis tido o desacordo de sanccionallas; apenas a minoria da nossa Camara tem a peito o bem publico, nós não o queremos, estamos em contradicção com elle; somos facciosos, é facciosa a outra Camara, e a vossa sancção a nossos actos é filha da vossa imbecilidade, ou da vossa complicidade; dissolvei-nos pois para que não perigue a causa publica. = A mensagem d'esta Camara, Sr. Presidente, implicitamente comprehendia as idéas que deixo indicadas; parece-me que urna séria attenção, sobre isto bastará para convencer do absurdo de tal mensagem..... A Carta marca attribuições proprias a cada um dos Poderes do estado, e muito bem dispoz que pertencesse exclusivamente ao Moderador a faculdade de dissolver a Camara dos Deputados, ninguem como esse Poder tem os meios para apreciar as circumstancias, em que será conveniente exercitallo; mas se nos é permittido olhar desapaixonadamente para a situação do paiz, e tirar d'ella uma conclusão sobre o objecto em questão, parece-me a mim, Sr. Presidente, que não podem desconhecer-se os fataes inconvenientes que traria no momento actual a dissolução da Camara. Portugal ainda não colheu nenhum bom fructo das instituições liberaes (peço que se não escandalisem d'este enunciado, que vou explicar) e nós carecemos de empregar sillogismos que façam convencer os povos da preferencia que devem dar a essas instituições: indispensavel garantia destas é a liberdade da imprensa, eu nunca prescindirei d'ella, mas é mister fazer sensíveis outros bons fructos devidos ao governo livre, e são estes os unicos sillogismos capazes de desenganar o povo. Causas inevitaveis nos fizeram perder o Brasil, causas inevitaveis, digo eu, mas que infelizmente se desenvolveram durante o governo constitucional, e não falta por isso quem attribua não a ellas, mas e este governo aquella terrível perda: começavamos a cuidar do remedio de nossos males em 1823, quando vieram os inauferiveis interromper os esforços do governo patriotico daquelle tempo: á publicação da Carta Constitucional em 1826 seguiram-se logo perturbações, que não cessaram ainda até hoje de nos flagellar, e por tanto em vez de remedio a nossos males, tem sido forçoso aggravallos mais e mais. Quem não vê, Sr. Presidente, que em taes circumstancias nós carecemos de cuidar incessantemente de fazer acreditar as instituições liberaes para que ellas possam ser amadas da nação? Quem não vê as terríveis consequencias que pode trazer a demora em prover sobre mui graves objectos que demandam a nossa mais activa diligencia? Mas, diz-se, nesta Camara ha uma forte opposição ao governo, e esta Camara não é por tanto capaz de desempenhar a ardua tarefa que pesa sobre ella; Sr. Presidente, sejamos sinceros, analisemos o que quer a opposição, e o que quer, o governo: este quer aquillo que não pode deixar de querer, a Carta com cuja existencia está identificado, porque nenhum dos membros da actual administração terá o pescoço seguro em Portugal, só aqui deixar de reger a Carta: e a opposição que quer? Qual é a sua bandeira, a bandeira de seu illustre chefe o marechal Saldanha? Todos sabem que é a bandeira da Carta. Então aonde está a divergencia do sistema a que se faz referencia na proposta dos trinta e um nobres Deputados? Eu não vejo tal divergencia. Pela minha parte declaro francamente que o meu antiministerialismo procede principalmente das demasiadas reformas que fez o governo, reformas cuja inconsideração (em grande numero dellas) nos está causando terríveis embaraços, embaraços que somente poderão ser diminuídos pela sincera cooperação de todos os poderes do estado, da qual eu espero algum bem para o paiz, e não da dissolução da Camara. Para essa cooperação appello eu, e por ella faço votos, certo como todos os illustres Deputados que me escutam; de que a nova representação nacional eleita agora, seria pouco mais ou menos da mesma cor da actual: os esforços mais ou menos bem combinados dos chamados partidos do ministerio, e da opposição trariam mais ou menos dez votos para um ou para o outro lado da Camara, e o negocio ficaria no mesmo estado.

Desenganemo-nos, Srs., de que só nós poderemos acabar as nossas dissanções, insignificantes em si; mas transcendentes nos resultados: de nós que somos os chefes dos chamados partidos (tambem me ponho nesta cathegoria, porque tenho a honra de ser Deputado) é que depende acabar a discordia: reconheçamos que não provém dos homens as adversidades que opprimem a patria, são ellas a triste herança que nos deixou a guerra civil e a tirannia, e reconheçamos que todos temos obrigação de concorrer para diminuir essas adversidades. Concluo pois, approvando o parecer da Commissão, e tornando a expressar o meu sincero desejo de que todos façamos aquillo que de nós exige, a nossa patria.

O Sr. Marquez de Saldanha: - Tem V. Exca. a bondade de me dar a palavra para uma explicação...

O Sr. Presidente: - No seu logar.

O Sr. Marques de Saldanha: - São apenas duas palavras.

O Sr. Presidente: - Quando lhe competir darei a palavra ao Sr. Deputado.

O Sr. Soares Caldeira: - Para uma explicação não se deve negar a palavra.

O Sr. Presidente: - Não sou eu que a nego; é a Camara que assim o decidiu; não faço mais que manter as suas decisões.

O Sr. Reis: - Eu consinto que o nobre marechal dê a sua explicação.

O Sr. Presidente: - Mas não o consente a Camara. O Sr. Mousinho da Silveira tem a palavra.

O Sr. Mousinho da Silveira: - Sr. Presidente, para mim é inteiramente impossível o poder admittir-se discussão sobre este objecto; porque julgo impossível que uma Camara legislativa possa fazer um requerimento em que peça a sua propria dissolução: isto é contra todos os princípios de direito publico. Se me perguntarem a mim como membro da maioria desta Camara = Devemos recorrer ao Poder moderador para dissolver a Camara dos Deputados? = Eu respondo prontamente = não. = Se me perguntarem = A Camara dos Deputados satisfaz aos votas do povo? = Respondo tambem com a mesma prontidão = não. = E a razão é; porque os povos tem perdido a confiança que tinham depositado em nós; e estão persuadidos que outra Camara que venha promoverá melhor a sua felicidade: eu digo isto para informar qual é o voto da nação: nós, Sr. Presidente, logicamente (aliando, já não somos representantes da nação; somos Deputados eleitos; mais nada; nós já não temos os votos de nossos constituintes; todos o desejam retirar de nós, e se o não retiram é porque não tem os meios abertos para isso; nem se quer um teríamos: dizem todos = fomos illudidos: houve manobras, e quando vierem as novas eleições

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nos seremos esclarecidos, e nos escolheremos melhores representantes. = Sr. Presidente, olhe V. Exca. que este é o voto geral. Ora neste estudo de cousas, digo eu, cada homem tem direito de dizer, ou d«informar o Poder Moderador sobre as circumstancias do paiz; e então se houvesse quem me apresentasse um requerimento feito pela nação; eu assinava esse requerimento; sim sr. assinava; mas dizer a Camara de si mesma = não posso continuar = isso não é possivel; nada não é possivel. Sr. Presidente, é por isso que eu não o assino; é porque não quero transtornar estes princípios em quanto a mim os mais santos, e os mais justos. Em quanto a haver desunião em opiniões, é verdade que existe; porém eu desencarrego a minha consciencia, quando em harmonia com ella dou o meu voto; e se porventura sou vencido, paciencia. Eu conheço, e a nação tambem conhece, que os princípios da Opposição, são verdadeiros, porque a nação não quer cento e setenta bachareis; a Opposição foi contra elles; mas foi vencida pela maioria da Camara que os approvou; a Opposição pugnou para que os ministros da Coroa não fossem sete; mas a maioria da Camara venceu; e os ministros são sete, ainda que illegalmente. Ora alem disto há uma observação muito grave, que eu vou fazer; eu desejava que todos os meus concidadãos quizessem ter comigo uma conferencia; porque eu queria dizer-lhes " Quereis ser constitucionaes? Pois se o quereis não façaes figuras falsas: aproveitemos o tempo em produzir principios que sejam capazes de concorrer para o andamento da Carta, façamos uma lei para a eleição dos Deputados, e que seja muito differente dessa que está feita; e então se organisará uma nova Camara, porque em quanto se organisar por esta, sempre será miseravel; é por tanto necessaria uma lei d'eleições forte, preventiva d'abusos, e que exclua os empregados publicos, porque é impossivel que haja a maioria da vontade da nação, em quanto a Camara for composta d'empregados publicos, porque a nação está a pagar a empregados para serem Deputados; e é isto o que lhe tem feito mal; porque nós vemos a Camara cheia de desembargadores que ainda não julgaram, de prefeitos que ainda não administraram, porque prefeito hoje, Deputado ámanhã como aconteceu com o Sr. Larcher. Como se pode saber se o Sr. Larcher é bom prefeito? Como se pode saber se os prefeitos são máos, se a maior parte delles ainda não administraram? Isto é o maior nos absurdos! Por consequencia tratemos de fazer uma lei d'eleições, e só ella poderá salvar Portugal.

Estas são as minhas idéas, dictadas pela minha consciencia: nada me dirige senão ella; a minha vida pública está acabada, e... sim tomará eu que se acabasse hoje.

O Sr. Leonel Tavares: - Sr. Presidente, para eu mostrar a necessidade que há de dissolver a Camara, aproveitarei o ultimo argumento que o Sr. Deputado que me precedeu produziu, pretendendo com elle sustentar que não é esta a occasião para se tratar este objecto. Disse o Sr. Deputado que primeiro que tudo é necessario fazer-se uma boa lei d'eleições. Perguntarei eu: quem há de fazer essa lei? A resposta é obvia - Esta Camara. Mas o Sr. Deputado concorda que esta Camara não representa já a vontade nacional; e que é composta d'empregados públicos: então como pode uma Camara que não representa a vontade nacional, e que é composta d'empregados publicos, fazer uma lei d'eleições que manifesta a vontade nacional, e exclua os empregados públicos? Isto não é possivel. Eu então, Sr. Presidente, direi o contrario: confesso que assaz conheço todos os vicios do decreto, que serve de regulamento para as eleições dos Deputados; mas declarou eu antes o quero do que uma lei d'eleições feita por esta Camara- eu invoco a memoria de todos os Srs. Deputados que apoiaram o illustre Orador, que me precedeu, para que recordando-se do que elle disse, declarem francamente o que seria melhor.

Sr. Presidente, eu confesso que pedi a palavra; comtudo devo declarar que não desejava fallar já; mas tendo-me a experiencia ensinado que não posso guardar-me para logar opportuno, porque muitas vezes que o tenho pretendido fazer, um = sufficientemente discutido = me tapa a boca, por isso me anticipei agora, não querendo ficar callado em uma materia, sobre a qual interesso que toda a nação saiba qual foi o meu voto, e as razões em que o fundo. Eu bem sei que V. Exca. não tem a culpa disto; porém acontece quasi todos os dias, por isso pedi a palavra quando um grande numero de meus collegas na assinatura acaba de sustentar o requerimento, e poucos Srs. Deputados do outro lado a haviam pedido para o combater: esta circumstancia me collocou em uma situação um pouco desagradavel, porque terei de repetir o que elles disseram, para impugnar os argumentos de meus illustres adversarios; eu lhes peço perdão; mas na verdade não vejo por ora cousa alguma para combater.

Este negocio, Sr. Presidente, é todo da Camara: ora digo eu: se cada um dos cidadãos tem o direito de petição; senão se lhe pode negar, como deixará de o ter uma reunião de cidadãos; como se lhes poderá negar? Que inconveniente pois poderá haver? Eu não sei. Mas diz-se: representa-se a esta Camara que sollcite ella, por meio d'uma mensagem do Poder moderador, a sua dissolução: e então será isto algum caso novo? Não haverá exemplo na historia dos parlamentos de caso similhante? Pois eu mostrei já um desses casos. Em França mandou a camara dos deputados uma mensagem a Carlos X. (por mais sinal foi a causa da sua queda) para que houvesse de optar entre ella e o ministerio: isto para quem entende vale o mesmo que dizer "ou vós. Rei, demitti o vosso ministerio; ou dissolvei a Camara dos Deputados que não pode existir com elle."

Sr. Presidente, visto que se diz que não pode pedir-se a ninguem que se suicide; visto que nós não podemos ser juizes em causa propria; permitta-se-me então que eu lembro que os juizes muitas vezes se dão a si proprios por suspeitos: eu não m'envergonho de o dizer, eu já o fiz, e fui juiz da minha propria aptidão; e devo declarar que fui louvado por todos os que tiveram conhecimento do facto; e todos os que tem noticia de fatos similhantes os approvam, quando as circumstancias são iguaes: ora se um juiz pode julgar do seu merecimento, suspeitando-se a si proprio; porque o não poderá fazer uma Camara, pedindo a sua dissolução? Não nos julgamos capazes: então que outra cousa faremos? Mas pergunta-se: aonde estão as provas da que não representemos a vontade nacional? Oxalá, oxalá que ellas não fossem tantas! Eu mesmo as tenho em meu poder de que não agrado a muita gente, ainda que não sei se com razão; ou sem ella; mas posso asseverar que da multidão de cartas que me tem sido enviadas, mais de dous terços reprovam e censuram o meu procedimento.

Sr. Presidente, nós pedindo a dissolução desta Camara, não fazemos invasão alguma no Poder moderador; não fazemos mais que manifestar uma opinião que parece ter estado até agora escondida; a um amigo sempre foi permittido aconselhar o seu amigo: e por ventura não o será a representação nacional do Poder moderador? Julgaremos nós que o Poder moderador é infallivel? Nenhuma constituição assim o julga. Eu fiz tenção de proceder de maneira tal que não podessem ser tachado de acrimonia; porém eu neste negocio hei de dizer o que a minha consciencia me dictar. Sr. Presidente, eu já por duas vezes prometti adoçar o meu azedume; porém esta promessa tinha origem d'outra que também se me fez: alguma outra se fez então; e também se tem visto que eu da minha parte tenho cumprido; porém desgraçadamente no primeiro dia desta Sessão (bem sei que não sou juiz dos meus actos) eu me azedei, e segundo me parece tive razão: tenho é verdade reconhecido que o Governo caminha algum tanto melhor; e o meu azedume tem diminuido; e se eu tivesse a fortuna de saber com certeza

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que o progresso continuava uniforme, não teria talvez duvida de declarar aqui mesmo, mesmo agora, que retirava a minha assinatura do requerimento, porém a occasião d'entrarem em discussão as leis de administração municipal e provincial está proxima, e bem sabido e que os dous pontos principaes da desunião entre os dous lados da Camara, são estas leis todas as minhas diligencias, todas as diligencias deste lado da Camara tem sido para que se não conserve um sistema de administração, que eu noto que se pretende conservar por todos os modos, e que os povos tanto aborrecem! Ha outro ponto de discordia e a accumulação dos empregos ainda haverá outro, emfim mais algum haverá, e eis-aqui as razões que eu tenho para desejar que esta casa se feche, para se abrir a Deputados que tragam comsigo os sufragios da nação, e que tenham, mais que nós temos, a presumpção da mesma nação a seu favor, nós os que insistimos em nos consertarmos aqui, sabe Deus para que. Mas diz-se, é da essencia do governo representativo o haver opposição, e só porque ha opposição não se deve pedir a dissolução d'uma Camara. Eu agradeço a civilidade com que a Commissão se expressa, mas permitta-me que eu lhe diga que não e por haver opposição que se pede que a Camara seja dissolvida, opposição pode dar-se todos os dias, e em todas as materias, entre dous homens, e quanto mais entre uma camara numerosa, que e composta de muitos homens não é da opposição que vem nossos males, é da tenacidade que tem existido entre os dous lados, tenacidade que tem dado causa a que mutuamente nos desacreditemos, no que na verdade fizemos mal; mas que já agora não tem remedio, sendo forçoso sujeitarmo-nos aos, resultados, sejam elles quaesquer que forem, mas, Sr. Presidente, como não quero offender o direito natural, condenando-me a mim mesmo, sempre hei de declarar que se algumas violencias fiz foi em defeza propria, e então julgo eu que por tudo isto, é indispensavel, é conveniente, e necessaria absolutamente a dissolução desta Camara.

Esquecia-me outro argumento, que ha contra a dissolução da Camara, que é a demora que ha de haver em se eleger outra. A demora? Sr. Presidente, pois lamenta-se a demora, quando á tão ponto tempo se perderam vinte dias? Eu confesso a verdade, não posso comprehender isto? Pois bem por todas estas razões, não pôs o deixar de votar pela dissolução da Camara, mas tambem, não posso assentar-me, sem dizer duas palavras sobre um incidente d'um dos meus collegas, que vota comigo sem querer foi aproveitado. Este meu collega tem dito, que para a nação ser representada perfeitamente, era necessario que esta Camara fosse composta d'homens de todos os princípios, e de todos os partidos com effeito esta proposição, em teoria, é verdadeiro, porém na minha opinião, não seria conveniente que isso acontecesse agora é certo que tambem não receio que aconteça. Exporei a proposito, um facto que teve lugar em um paiz estrangeiro. Depois da eleição de 1830, a que se procedeu em França, não houve senão um Deputado realista Agora na Camara francesa, ha tres ou quatro. Ora, Sr. Presidente, que relação tem qualquer d'estes numeros, com o numero de realistas, que ha em França? Não nos enganemos pois a parte illustrada da nação é liberal, inimigos ha muitos, porém a nossa vantagem, é que na occasião em que se disparam os tiros, ellas fogem, e mettem-se em casa. A vantagem numerica, em muitas partes póde ser empatada; mas se na França, depois de tantas eleições, e de tantas diligencias, em que se despende tanto dinheiro, não apparecem lá senão tres ou quatro representantes d'essa opinião, que receio ou que esperança póde haver, em que venham aqui algins? Podemos estar descançados, nem um, nem um só aqui se apresentará. O Deputado que tem a franqueia de expôr o seu pensamento não merece censura, pelo contrario, é digno della aquella que teme ou receia, expolla. Ou a expõem constrangido. Agora Sr. Presidente, é natural que d'aqui a pouco, eu tenha desejos de fallar outra ver, porque ainda tinha mais que dizer, porém receio muito que a isso obste a pergunta do costume, isto é, a materia esta sufficientemente discutida? Lembro porem á Camara, que o negocio é grave; e que a maioria não tem motivos para se escandalisar, todos que tem fallado, o tem feito d'uma maneira propria de conciliar a benevolencia, e então não seria corresponder-lhe, nem mesmo generoso, o pedir-se que se fizesse a pergunta muito cedo, no entanto póde recear-se, porque em outras occasiões já se tem feito, não posso todavia prever o que poderá acontecer, e por este motivo declaro que voto a favor do requerimento, e contra o parecer da Commissão.

O Sr. J. A. de Magalhães: - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra simplesmente para emittir a minha opinião, e tencionava fazello, tomando mui pouco tempo á Camara então já se vê, que se não póde esperar de mim agora, um discurso, cheio das flores da oratoria, nem mesmo recitado, com o fogo, e enthusiasmo, com que a maior parte dos illustres oradores, que me perderam, hoje aqui os tem apresentado, nem eu me lisonjeio tambem, de possuir as faculdades necessarias, para o praticar, e por tudo isto tenho-me determinado a limittar-me a algumas observações, que me parecerem convenientes ao grave assumto de que se trata, e a responder a alguns dos argumentos, que se tem offerecido contra o parecer da Commissão

Vi Sr. Presidente, o requerimento assinado, por trinta e um Srs. Deputados d'esta Camara examinei, com toda a attenção, o parecer, que a Commissão especial interpõem sobre a materia, confrontei o objecto do requerimento, as bases do parecer, e até a forma, por que elle está exarado, com a Carta Constitucional, nos logares, em que entendi tinha refferencia com aquellas materias do requerimento, e do parecer, conclui do meu exame, que para se poder admittir o parecer, basta a simples leitura do §. 4.º do art. 74 da Carta.

O Sr. Leonel Tavares: - Perdoe-me o Sr. Deputado que eu o interrompa, que o art. é?

O Orador: - O 74 no §. 4.° O autor da Carta diz assim, no citado artigo (leu) - nos casos em que o exigir a salvação do estado - claro é, que é indispensavel a existencia d'esta circumstancia, e então é isto a primeira cousa, que se deve examinar ora lerei o petitorio. (leu) esta circumstancia não esta n'elle invocada já eu d'aqui podia concluir, que elle não tem fundamento, mas vejamos, se não obstante não ter sido invocada, se ella existe eu estou persuadido, inteiramente persuadido, que não existe, por que não vejo, que se verifique nenhuma das hipoteses, de que se possa inferir, que a patria periga, que houve violação na ordem ou na materia da Carta, no requerimento não se estabelece outro principio, se não a dissidencia, e falta de conformidade, entre as opiniões dos Srs. Deputados, que o assinaram, e os outros, mas d'esta dissidencia, d'esta falta de conformidade, em opiniões, não se segue, nem póde seguir se o perigo da patria - e que seja necessario salvada, e a prova é, que se com effeito existisse esse perigo, se fosse necessaria a salvação da patria, pelos motivos do requerimento, estando elle feito, e assinado á tanto tempo, aonde teria ido já a patria? Mas nada d'isto tem succedido, logo segue se, que tal circumstancia não existe; mas ella tambem, não foi invocada (eu torno a ler o petitorio leu) logo, pelo artigo da Carta, como disse, não tem fundamento algum, o que se pede logo a proposta não póde deixar de ser considerada, como inconstitucional. Mas, Sr. Presidente, ainda que no requerimento, ou proposta se houvesse invocado aquella circunstancia, isto é, se dissesse, que a patria estava empenho, e que para a salvação do estado, era necessaria a dissolução da Camara, anula, então, eu sustentaria a minha opinião, e estabeleceria argumentos, extrahidos de bastantes precedentes, dos quaes derivaria

VOLUME I LEGISLATURA I. 56 *

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que não era necessaria a dissolução da Camara, para salvar o estado. Na Sessão extraordinaria, por mais d'uma vez, escorreram cousas, que pareceram ameaçar o eminente perigo da patria, e a necessidade de salvar-se o estado: e quem occorreu a tudo? Não foi esta Camara por meio das adequadas medidas, que tomou? Não soube ella, com sua sabedoria, remediar o eminente perigo do estado; salvar a patria? Não são simples palavras, o que enuncio; são factos, pasmados diante dos nossos olhos. Quando se abriu a Sessão extraordinaria, tinha de se tratar, n'esta Camara, na importantissima questão da regencia do reino: é verdade que a opinião a este respeito, estava quasi geralmente pronunciada; quasi geralmente se concordava, que fosse entregue ao Augusto Dador da Carta, mas tambem é verdade, que faltava o = quasi = do que se seguia, que haviam algumas opiniões em contrario: esta tal, ou qual divergencia; a impossibilidade, que se pretendeu mostrar qual havia, para que a regencia recahisse na vigorosa Mão d'Aquelle que tendo dado a Carta, e reconciliado a nação, era o unico, a quem devia confiar-se, fizeram immediatamente levantar o collo aos inimigos do sistema constitucional, e deram-lhes esperanças....e esperanças, que podiam desgraçadamente realisar-se, até certo ponto, mais tarde em mais cedo, attendendo-se, com reflexão ao estado da Hespanha, que na verdade não apresentava o melhor aspecto: n'estes momentos, em quanto esteve indecisa a opinião pública, a patria correu eminente perigo: é certo, que se a regencia não fosse conferida a quem foi, a liberdade podia correr tambem eminente perigo; mas conferindo-se, como se conferio, a regencia, por um voto quasi unanime, ao Duque de Bragança; que fez esta Camara? Salvou a nação d'um dos mais provaveis e eminentes perigos em que se tem visto. A doença do Duque de Bragança, resultado dos seus muitos trabalhos, e incalculaveis padecimentos; este fatal incidente abriu nova lucta entre a nação, e os seus inimigos: todos os Deputados, que se assentam em ambos os lados da Camara, bem lembrados estarão da anciedade, em que se achavam, em quanto durou este incidente fatal! A declaração da maioridade da Rainha lhe poz termo; mas quem poderá duvidar, que aquelles dias, foram os dias mais tenebrosos, que tem apparecido em Portugal; quem poderá duvidar, que a nação tocou o maximo perigo, e que nossos sanguinarios inimigos nutriram as mais terriveis e funestas esperanças? E então, Sr. Presidente, quem é que salvou a nação deste abismo que a ameaçava? Não foi a Camara dos Deputados; não foi esta Camara votando unanimemente a maioridade da Rainha? Não a salvou tambem quando se tratou a questão do casamento? Podíamos nós apenas presumir as consequencias, attentas as mudanças da política da Europa? Se por ventura se não tivesse realizado o casamento, independente de nova approvação das Côrtes, a respeito da pessoa escolhida, quem sabe se a diplomacia teria aproveitado a demora, que necessariamente havia de decorrer entre a approvação e a consummaçao, e se elle seria mallogrado? E então, quem foi ainda por esta vez, que trouxe a paz á sua patria, que radificou o sistema representativo, e que o garantio á nação? Quem foi que destruio as esperanças dos miguelistas? Foi ainda a Camara dos Deputados, foi ainda esta Camara. Pois então se a Camara dos Deputados, se esta Camara foi quem já tres vezes, pelo menos, em circumstancias criticas, em circumstancias as mais atterradoras, em que parecia não haver se não confusão e desordem; se foi ella digo, quem tem salvado a nação; como é, que se póde agora dizer, que da existencia desta mesma Camara, póde nascer a perda da liberdade da patria? Como é que se póde dizer, que a existencia desta Camara contem, era si mesma, o perigo do estado, cuja salvação, depende, de que seja dissolvida? Na verdade similhantes idéas, opiniões taes, estão em perfeitíssima opposição com os factos; e são contrarias, á primeira observação, que fiz, em que fiz ver, que se a patria corresse perigo, ella teria já acabado, mediante o tempo, que tem decorrido, desde que se assinou, e apareceu este requerimento até ao presente. Eu não sei, Sr. Presidente, eu não sei o estado, em que estes Srs. Deputados, que fizeram esta representação, figuram a nação; mas sei, que não estando a patria em perigo; não se invocando n'aquella representação a salvação do estado; e tendo eu feito ver, que as vezes, que se tem verificado qualquer d'aquellas circumstancias, tem esta Camara sido quem terá salvado a patria do perigo, e quem tem salvado o estado: sei, que não posso deixar de concluir de tudo isto, e do mais que tenho exposto, que o petitorio, não só é destituido de todo o fundamento; mas tambem, que está d'encontro, como disse a pouco, com a fórma, e com a materia da Carta; e que vai atacar as attribuições do Poder moderador. Diga-se, o que se disser, à este respeito; mas não se póde realmente, sem transtornar todas as idéas da organisação da nossa Carta, e de quantas Cartas Constitucionaes existem, dizer, que o Poder moderador....................................................... não se póde dizer, sem tambem, se dizer, que estão transtornadas todas as idéas, que na Camara portugueza (ainda quando fosse caso ommisso na Carta) se tinha julgado constitucional, levar ao throno similhante petição.

Um illustre Deputado, que fallou á pouco, e de quem eu sou amigo, á muitos annos, ainda que muitas vezes discordamos em opinião, disse que não era esta a occasião de se entrar em discussão de themas sublimes, ou de principios constitucionaes, sobre a possibilidade, ou impossibilidade de dissolver a Camara dos Deputados: permitta-me o Sr. Deputado, que se tal principio, podesse prevalecer, o dia em que tal se fizesse, seria o dia fatal da destruição da nossa liberdade: o primeiro dever d'esta Camara, o nosso primeiro dever é examinar attentamente todas essas theorias; conhecer bem o que ellas são, e muito principalmente, quando de theorias, passaram á Carta, estabelecendo o quarto poder do estado, ale mesmo. para quando se nos apresentar uma proposta, que tenha por fim o alterar as suas attribuições, ou as d'outro qualquer dos poderes, pretendendo subverter a ordem do estado, ou a cada um dos seus poderes, na esfera das prerogativas, se possa com todo o conhecimento de causa combater os princípios e fundamentos, em que assentar, e não se votar á carga serrada; não praticando assim, não pesando os argumentos, não examinando a sua força, não recorrendo aos princípios de direito constitucional, não combinando, emfim, com as bases da proposta a doutrina da Carta, assim na sua letra como no seu espirito; e se pelo contrario fecharmos os olhos a tudo, taparmos os ouvidos, e nos recusarmos a este debate moral da razão, que tem por fim conhecer e apurar a verdade, nada alcançaremos mais, do que sedusidos por nossas paixões, e muitas vezes, cegos por caprichos mal fundados, errarmos constantemente e tornarmos esta Camara similhante a um rebanho, que vai, para onde o conduzam. Fica, pois, fóra de toda a divida, que o requerimento, que como já mostrei não tem fundamento algum, precisa não ser examinado, nas suas diversas relações, com o direito constitucional, e com os princípios estabelecidos na Carta: depois de o ser, pela forma, que tenho dito, então se conheceria evidentemente; que o parecer da Commissão está muito bem lançado, que está conforme com os princípios de direito constitucional, e com a doutrina da Carta, e até com a maior decencia sejame permittido repetillo, e até com a maior decencia. Eu não posso, Sr. Presidente, ficar em silencio, n'este momento, não posso deixar de tributar os meus agradecimentos, e de dirigir os mais sinceros elogios, a todos os illustres membros da Commissão, pelos profícuos e excellentes trabalhos, que apresentaram á Camara, obra de profun-

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da sabedoria, e resultado de muito estudo, e de muita meditação; e nem se diga, que eu fallo d'esta fórma, porque os coloboradores do parecer são todos membros da direita, a que eu tenho a honra de pertencer, como já alguem aqui pronunciou, similhante proposição não é exacta todos os membros d'esta Commissão ião homens respeitaveis, são homens de verdade, e se por ventura isto se perguntar, a cada um dos Srs. Deputados d'aquelle lado nem um só haverá que duvide de a sustentar, e de a affirmar, ou que deixe de confessar a sua capacidade, mas alem de tudo isto estes homens, que compõem a Commissão são venerandos por seu caracter, que soffreram todo o peso do despotismo, e que durante o seu fatal reinado, foram sempre incorruptiveis, ou na magistratura, ou nos seus respectivos empregos, mas Sr. Presidente, não é exacto o diserse, que todos são membros da direita, alguns pertencem á opposição, mas nem por isso são menos respeitaveis, tem menos virtudes, e possuem menos saber o Sr. Ottolini, por exemplo, um dos ornamentos d'esta Camara, o Sr. Reis um dos Deputados mais independentes, todos concorreram para o parecer, elles o sustentam, e na verdade, com bastante fundamento destruído, pois, esse argumento de que o parecer da Commissão fora assim lançado, por serem seus membros, membros da direita da Camara, passarei a fazer algumas ainda que mui breves observações sobre a justiça do parecer.

O parecer da Commissão está lançado sobre bases tão solidas, que é impossivel destruir-se, e tem ainda outra cousa, que o torna muito respeitavel, e vem a ser, que se lhe não póde encontrar o mais pequeno favor, ou desfazer, para qualquer dos lados brilham nelle somente os principios da mais severa justiça tem elle sido combatido com bastante força, em cada um de seus pontos, mas ainda nenhum d'elles foi até agora destruído bem o pretendeu fazer, o primeiro Orador, d'aquelle lado, eu segui quanto pude, o seu discurso, confesso que tocou os diverosos pontos capitaes do parecer, e que procurou bem diminuir-lhes a sua força, outros oradores do mesmo lado, e cujas idéas tambem acompanhei, forcejaram para o mesmo fim, combateram bem, é certo, porem não venceram, e então o illustre relator da commissão vigorando as razões expendidas pela commissão, e exaradas no parecer, com argumentos novos, expostos por simples, porem muito exactos raciocínios, debellou os adversarios, e levou a materia, a tal auge declarei, que depois do que elle disse, excusado era dizer-se mais cousa alguma, por tanto destruídos, como eu destrui, os fundamentos da proposta rerforçados os do parecer, pelo seu illustre relator, não preciso eu, tambem reforçallos, e deixando isto, passarei quanto minhas forças o exijam a responder a alguns dos argumentos, que se tem produzido.

Tem sido tintos, e tão varios os argumentos, que impossível sem seguir a ordem em que tem tido ennunciados, não obstante ter eu apontado neste papel grande numero d'elles, mas eu o farei do melhor modo que posso, e começarei, por um emittido, por um Sr. Deputado, que avançou, que estava persuadido, que esta Camara não representava a nação, não entrarei no exame d'esta proposição, porque, o meu objecto é tirar um argumento da contradicção em que este Sr. Deputado se deixou cahir, na continuação do seu discurso disse elle, depois de ter tomado, como axioma, o principio que estabelecera, eu sou um d'aquelles Deputados que talvez tenha incorrido em maior censura, mãs eu não venho aqui para representar a opinião pública, eu venho aqui para promover os interesses da nação, o seu bem, e a sua felicidade "pois então o Sr. Deputado não vem aqui para reqresentar a opinião pública, que muitas veaes póde ser fundada em bons princípios................................................como é então possivel que este argumento possa colher? Pelo contrario é a favor d'aquelles, que conforme com os princípios de suas consciencias, sustentam o parecer da commissão.

Disse outro Sr. Deputado.........................................
Outro Sr. Deputado repetiu, o que o outro havia dito, isto é, que a divergencia que existe na Camara, não era desconhecida ao Throno, porque, tanto no discurso, que encerrou a Sessão extraordinaria, como no Discurso com que se abriu a presente Sessão ordinaria, se fez d'esta divergencia, tal ou qual allusão responderei a isto...........................................................

N.B. Fallou largo tempo respondendo a este e a outros argumentos com que fóra impugnado o parecer; e não exponho as razões, que produziu, porque sobre estes pontos, as notas tachigraficas apenas apresentam palavras soltas, sem nexo, e sem ordem, terminou assim.

Esta Camara teve divergencias fataes, este santuario foi, talvez, menoscabado, mas estaremos nós esquecido, que dissemos já uma vez = Lancemos um véo, sobre tudo que se passou? =( Apoiado, apoiado) Devemos nós estabelecer o principio de recriminações de geração em geração? ...

Vozes: - Não, não.

O Orador: - Deveremos nós, para estabelecer o direito de alguns Srs. Deputados, que estão em opposição com a maioria da Camara, ir pedir a dissolução d'esta Camara? E que se seguiria, se tal praticassemos? Seguir-se-ia, que jámais seria restabelecida a ordem social, e que o estado não poderia subsistir.
Disse um illustre Deputado que as leis, que o ministro aqui apresentou, são taes, que só a sua simples leitura o fez desesperar da consolidação da liberdade da patria............... desesperar........ disse elle, Sr. Presidente!! E é dado a um Deputado desesperar? ........ Desesperar!!! ..... Eu encarei agora o illustre Deputado, mas sem pretender fazer a mais pequena allusão é o Sr. Barjona, eu o conheço á muitos annos, á muitos annos que sou seu amigo, seus sentimentos são os mais puros, mas foi elle o que disse, que a simples leitura dos projectos do Governo foi bastante, para o fazer desesperar da salvação da liberdade? Pois tantos homens, que perderam as cabeças nos cadafalsos; tantos actos de tirannia, perpetrados pelos maiores despotas do universo, não foram causa para se desesperar não desesperaram os Murats, os Robespieres, e ha de desesperar um Deputado da Camara portugueza, da salvação da sua patria? Um Deputado, cuja obrigação é morrer na sua cadeira, pugnando pela liberdade do seu paiz? Eu posso dizello, pela liberdade do meu paiz - tenho toda a minha vida pugnado por ella, procure-se a minha vida política, poderei ter fraquezas de homem, ellas são inseparaveis da nossa especie; mas uma unica fraqueza politica ..... uma unica, por certo, não a encontrarão, e desafio a todos e a cada um dos meus concidadãos, que m'a apresente. Mas supponhamos, que essas leis, ou esses projectos do ministro não são bons, que não desenvolvem os princípios constitucionaes por ventura dar-lhe-hemos nós a nossa approvação, só por que foram aqui apresentados, pelo ministerio? Então para que estamos aqui? Não acabaram alguns Srs. Deputados de assegurar, que na maioria da Camara ha sufficiente docilidade? Então que temos a recear? Não declarei eu o meu voto, não o declararam muitos outros Srs. Deputados? Não duvido dizello, a razão fallou ao coração, e fez o seu effeito, e nenhum dos Deputados, que se assenta d'este lado da Camara, é capaz de fechar os ouvidos a razão Então, ainda o repitirei mais esta vez, que temos a recear? Nós temos uma commissão composta de membros muito conspícuos, naqual além de outros Srs. Deputados, mui distinctos por seu saber, entram, o meu illustre amigo, o

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Sr. Passos, e o Sr. Seabra, e á qual eu tambem pertenço: e o que tenho eu dito? Que havemos de fazer tudo, quanto for conducente, para o bem de nossa patria. Então esteja a Camara segura se os princípios dos projectos forem inconstitucionaes, se não estiverem em harmonia com princípios da Carta, a commissão ha de fazello saber á Camara, e a Camara conhecendo a exactidão, e o patriotismo da sua commissão, ha de regeitar os projectos como póde então dizer-se, que a liberdade está em perigo? Como póde qualquer Deputado avançar, que a simples leitura dos projectos o fez desesperar da salvação da liberdade? De mais, quando o Governo, apresentou os projectos, disse logo, que elle se sugeitava ao que a Camara decidi-se, por consequencia o argumento do meu amigo cahe por si mesmo. Confesso Sr. Presidente, que muito mais tinha a dizer, mas já não posso - Concluirei votando pelo parecer da Commissão.

O Sr. Presidente: - Ha bastantes Srs. Deputados, que tem pedido a palavra, e a hora já deu; continuaremos com esta materia, que será o objecto da seguinte ordem do dia. Está fechada a secção. Passava das tres horas da tarde.
Para o Vice-Presidente da Camara dos Dignos Pares.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Tenho a honra de remetter a V. Exca., para ser premente á Camara dos Dignos Pares do Reino a proposição junta d'esta Camara sobre a venda dos bens nacionaes.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Côrtes, em 27 de Fevereiro de 1835. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. Francisco Manoel Trigozo d'Aragão Morato -Vice-Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino - Antonio Marcianno d'Azevedo Presidente.

N. B. A proposição a que se refere o officio antecedente acha-se a pag. 414 col. 2.° linh. 10.

Para o Ministerio dos Negocios da Justiça.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Tenho a honra de passar ás mõas de V. Exca. o incluso requerimento do Desembargador Felippe Antonio Freitas Machado a respeito do qual esta Camara, conformando-se com o parecer da sua Commissão de legislação, deliberou, que se remettesse ao Governo para deferir como for de justiça á pertenção do supplicante, e solicitar a interveniencia da autoridade das Côrtes, se esta for necessaria.

Deus guarde a V. Exca. Palacio das Côrtes, em 27 de Fevereiro de 1835. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. Antonio Barreto Ferraz de Vasconcellos -Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça - Francisco Botto Pimentel de Mendonça, Deputado Vice-Secretario.

Para o Ministerio dos Negocios do Reino.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Em virtude da deliberação d'esta Camara, tomada em Sessão d'hontem, tenho a honra de passar ás mãos de V. Exca. a inclusa cópia da indicação do Sr. Deputado Rodrigo de Sousa Castelbranco, que foi approvada, e os documentos a que ella se refere, sobre os embaraços, que pela correição de Faro se tem feito aos juizes de paz d'algumas freguezias da cidade de Silves.

Deus guarde a V. Exca. Palacio das Côrtes em 27 de Fevereiro de 1835. - Illustríssimo e Excellentissimo Sr. Agostinho José Freire - Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Reino - Francisco Botto Pimentel de Mendonça, Deputado Vice-Secretario.

N. B. A indicação e papeis a que se refere o officio antecedente acham-se a pag. 416 col. 2.ª linh. 70.

Para o mesmo.

Illustríssimo e Excellentissimo Sr. - Por virtude da decisão d'esta Camara tomada em Sessão d'hontem, tenho a honra de remetter a V Exca. a inclusa cópia do parecer da Commissão d'administração pública da mesma Camara, e os papeis mencionados no parecer, afim de que servindo-se V. Exca. de fazer tudo presente ao Governo este possa satisfazer aos desejos da Commissão, enviando-se-lhe os esclarecimentos de que precisa, para dar a sua opinião ácerca dos objectos de que si; trata, e que lhe foram commettidos, enviando-me V. Exca. as informações pedidas, quando obtidas.

Deus guarde a V. Exca. Palacio das Côrtes em 27 de Fevereiro de 1835. -

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. Agostinho José Freire - Ministro Secretario d'Estado dos Negocios do Reino - Francisco Botto Pimentel de Mendonça, Deputado Vice-Secretario.

N. B. O parecer que se menciona no officio antecedente está a pag. 416 col. 2.ª linh. 64.

Para o mesmo.

Illustríssimo e Excellentissimo Sr. - Por virtude da decisão d'esta Camara, tornada em Sessão d'hontem, tenho a honra de remetter a V. Exca. a inclusa representação da Camara municipal de Castello Branco, em que expõem a necessidade e vantagens de se construir uma ponte na ribeira da Ocresa, no ponto, em que ella corta a estrada, que conduz d'aquella cidade á de Coimbra; afim de que servindo-se V. Exca. de o fazer presente ao Governo, este possa informar, canforme os desejos d'essa Camara, com a possível brevidade sobre a conveniencia da ponte projectada, e dos meios pecuniarios, apontados para ella se fazer.

Deus guarde a V. Exca. Palacio das Côrtes em 27 de Fevereiro de 1835. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. Agostinho José Freire - Ministro Secretario d'Estado dos Negocios do Reino - Francisco Botto Pimentel de Mendonça, Deputado Vice-Secretario.

N. B. A representação, que se mensiona n'este officio está a pag. 426 col. 2.ª linh. 16.

Para o Ministerio dos Negocios da Guerra.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Tenho a honra de passar ás mãos de V. Exca., os quatro inclusos requerimentos, constantes da relação, que os acompanha, á margem da qual vão lançadas as deliberações da Camara a respeito de cada um d'elles.

Deus guarde a V. Exca. Palacio das Côrtes em 27 de Fevereiro de 1835. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. Duque da Terceira, Par do Reino, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Guerra. - Francisco Xavier Soares d'Azevedo, Deputado Secretario.

Relação dos requerimentos a que se refere o officio antecedente.

[Ver tabela na imagem].

Secretaria da Camara dos Srs. Deputados em 27 de Fevereiro de 1835.- Miguel Ferreira da Costa, primeiro official Redactor.

O Redactor

J. P. Norberto Fernandes.

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