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N.º 9. Sessão em 12 de Fevereiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada Presentes 60 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

Correspondencia.

Officios: — 1.º Do Sr. Deputado Francisco Antonio Cardozo, pedindo que continue a Camara a desculpar-lhe a sua falta, de não comparecer ás Sessões, pois que é devida ao seu mau estado de saude. — Inteirada.

2.º Do ministerio do Reino, enviando cópia authentica da unica Proposta, que no decurso do anno findo houve para construcção de Estradas. — Para a Secretaria.

O Sr. Mexia Salema: — Sr. Presidente, não tive tempo para lêr o Diario do Governo, mas soube ha um pouco por um dos Srs. Tachygrafos, que no Extracto da Sessão do dia de sabbado vem um Discurso em meu nome, devendo ser em nome do Sr. Moniz.

Sr. Presidente, quando eu houver de me enganar, estimarei muito que seja pela cabeça do Sr. Moniz; porém nesta parte, se elle tem gloria, deve-a ter toda para si. Direi como disse Cicero ás arguições, que se lhe faziam — Defendat quod quisque sentit, judicia cnim sunt libera — pois com quanto estejamos ambos em tudo o que não é fundamental na questão sobre que ha divergencia, todavia na substancia a minha opinião é diametralmente opposta á sua, como já indiquei em tempo, e terei occasião de mostrar, porque tenho a palavra.

Não seria talvez necessario fazer esta declaração; porém a experiencia, por mim mesmo, me tem mostrado, que as erratas não se lêem; por isso, para não apparecer contradictorio, peço a V. Ex.ª que tome isto em consideração.

O Sr. Presidente: — Sobre esse objecto não é permittido ao Sr. Deputado mandar a rectificação; como não fallou, a Mesa tomará a seu cuidado mandar fazer essa rectificação.

O Sr. Freire Falcão: — É para participar a V. Ex.ª e á Camara, que a Commissão de Petições se acha installada, nomeando para Presidente o Sr. Castro e Abreu, para Secretario o Sr. Pereira Brandão, e a mim para Relator.

O Sr. Passos Pimentel: — É para mandar para a Mesa a seguinte:

Nota de Interpellação. — «Requeiro que seja convidado S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino para uma Interpellação que desejo fazer-lhe sobre a vendagem do pão de trigo na Cidade do Porto.» — Passos Pimentel.

O Sr. Presidente: — Far-se-ha a devida communicação.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, para evitar duvidas sobre formulas, e não demorar o negocio com o andamento da Proposta que apresentei na Sessão passada sobre as prestações das Religiozas, peço licença á Camara para a retirar, e substitui-la pela seguinte Proposta. (Leu)

Lida na Mesa disse

O Sr. presidente: — Havendo-se a primeira Proposta como prejudicada, fica esta para segunda Leitura.

O Sr. L. J. Moniz: — Sr. Presidente, eu acho-me já sobrecarregado com o trabalho de muitas Commissões, algumas dellas muitissimo trabalhosas, e outras e todas, para mim muito difficeis; mas a Camara houve por bem honrar-me, nomeando-me para a Commissão, que ha de examinar as Contas do Banco, e como ao menos nesta materia sou eu o juiz, e sei até onde chegam as minhas forças, não desejando nunca em negocios graves entrar sem os conhecimentos sufficientes, eu que não entendo cousa alguma de negocios do Banco, que não tenho conhecimentos praticos de contabilidade, que não sou juiz competente para avaliar essa materia, declaro solemnemente, que não me acho habilitado para esse fim: não está em mim poder obedecer á Camara. Por isso peço que haja por bem dispensar-me, procedendo á eleição de outro Membro.

Consultada a Camara sobre se concedia a dispensa, não se deu numero de votos que validasse a votação.

O Sr. Avila: — Sr. Presidente, eu sei que o Regimento não permitte, que se apresentem nesta Camara Requerimentos que não sejam de Corporações, mas parece-me, que o Requerimento que mando para a Mesa, está nesse caso, porque é assignado por 164 habitantes do antigo Concelho de Vimieiro, pedindo

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o restabelecimento do seu Concelho. Não apresentarei agora os motivos e a justiça que assiste aos requerentes, porque isso fica reservado para a occasião em que se discutir o objecto, e só me limitarei a pedir a V. Ex.ª, que se sirva mandar o Requerimento á Commissão de Estatistica.

O Sr. Lacerda (D. José): — É para mandar para a Mesa uma Representação da Misericordia da Villa de Vimieiro, pedindo providencias com respeito á Lei de 22 de Junho de 1816.

Ficaram ambas as cousas para opportunamente se lhes dar seguimento.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do Adiamento proposto ao Projecto n.º 48 (Veja-se Sessão de 9 de Fevereiro).

O Sr. Presidente: — Passa-se á Ordem do Dia. Continúa a discussão do Projecto n.º 18, sobre o Adiamento proposto pelo Sr. Moraes Soares.

O Sr. Lacerda (Antonio): — Sr. Presidente, desgraçadamente as minhas apprehensões realisaram-se; a Proposta que se descute, em vez de um effeito benefico deu-nos um resultado desastroso; em vez de applanar e abbreviar o caminho, alongou-o; semeando-o de tropeços e abrolhos.

Sr. Presidente, a Proposta do illustre Deputado por Traz-os-Montes, cujas excellentes intenções reconheço, e respeito, teve talvez em vista simplicar os trabalhos desta Camara, e poupar tempo, por isso que a Camara dos Dignos Pares, não admittindo a base da eleição directa, comprehendida no Projecto de Lei Eleitoral, inutilisaria a discussão, que aqui tivesse havido, e faria com que se começasse um novo trabalho; mas o illustre Deputado, cujos talentos eu reconheço e respeito, não via a medalha senão por uma das faces, e essa era especiosa e equivoca, e não attentou o reverso, porque esse era feio, lugubre e medonho: não se poupou tempo, achamo-nos no terceiro dia desta discussão, e ainda restam para fallar mais de dois terços de Deputados inscriptos; não se economisou tempo urgentissimo, necessario, indispensavel, e em vez disso atirou-se ao meio desta Camara com uma discussão esteril em resultados vantajosos, mas fertil em illações desfavoraveis.

Sr. Presidente, a Proposta importava não só o Adiamento da questão, mas a reconsideração da decisão, que esta Camara tomou o anno passado, ácerca da constitucionalidade do art. 63.º E não vê a Camara o alcance destas duas forçosas consequencias da Proposta? Pois póde-se assim adiar uma Lei reclamada pela opinião publica? Pois póde-se assim adiar uma Lei urgentissima, uma Lei em que está empenhada a existencia do Systema Representativo, o credito desta Camara? Pois póde-se assim adiar uma Lei, sem nem ao menos haver essa promettida economia de tempo? Mas, Sr. Presidente, o Adiamento da Lei Eleitoral é ainda o menos neste caso; mas a reconsideração? A reconsideração, Sr. Presidente?...

A constitucionalidade do art. 63.º foi aqui debatida com uma amplitude e largueza tal, como raras questões têem sido nesta Camara; por um longo tracto de Sessões, uma das quaes lei permanente, fallaram 35 Oradores, e o fizeram com uma vastidão tal, que até S. Ex.ª observou que deixava correr a discussão, talvez com demasiada largueza, attenta a gravidade e a importancia do objecto. E é depois disto, que se quer levar a Camara a uma discussão de puro luxo?

Sr. Presidente, poderia o Paiz vêr com bons olhos, que em quanto anceia, pede, almeja providencias, porque não póde esperar, nós recomecemos uma discussão que já aqui teve logar usqne ad salietatem? Que conceito poderia elle formar de Representantes, que assim tomam a peito os seus mais caros interesses? Mas se a reconsideração nos colloca sob tão feio aspecto, ella ainda o carregaria mais, mostrando que a Camara era leviana, pois que já hoje julgava dever reconsiderar uma decisão, que ella havia tomado ainda ha bem poucos mezes, depois de um longo e renhido debate.

Sr. Presidente, a reconsideração da decisão tomada o anno passado collocaria esta Camara sobre um terrivel dilemma; ou ella confirma, ou não confirma a decisão que aqui tomou na Sessão passada; no primeiro caso tinha-se gasto muito tempo, que era indispensavel para a discussão da Lei Eleitoral, e no segundo caso, isto é, confirmando, vestia-se a Camara com a purpura da irrisão, punha-se-lhe na cabeça uma coroa de espinhos, e na dextra a cana verde do escarneo; apresentava-se assim ao Paiz e ao Mundo; e dizia-se-lhes: — Ecce homo! — Ahi a tendes! É o typo da incoherencia, é o modello da leviandade, e talvez mesmo de uma maleabilidade perigosa!...

Sr. Presidente, a Camara não póde deixar de confirmar a decisão tomada aqui o anno passado ácerca da constitucionalidade do art. 63 º, e nesse caso não era melhor discutir a Lei Eleitoral, para depois subir á Camara dos Dignos Pares, e ser aí discutida? — Sr. Presidente, ou aquella Camara confirmava ou não a decisão desta Camara: no primeiro tinhamos poupado muito tempo, e muitos dissabores: no segundo voltava o Projecto de Lei a esta Camara, e aí era emendado no sentido da Eleição dos Dignos Pares. Mas nós, é, que em todo o caso tinhamos cumprido o nosso dever, tinhamos declinado muita responsabilidade, tinhamos feito uma Lei Eleitoral digna de uma Camara Popular. A Camara dos Dignos Pares tambem estava no seu direito, e obrava como Camara Conservadora. Nós é que em todo o caso ficavamos bem, e o Paiz havia de nos levar em conta os nossos desejos, e os nossos esforços. — Mas, Sr. Presidente, as probabilidades eram todas, para que a Camara Alta os secundasse, porque ella está a par da Civilisação do Seculo, e por certo não ficaria a traz de nós, quando pedissemos a verdade, a fidelidade do Systema Representativo.

E deste modo, parece-me ter respondido victoriosamente aos illustres Deputados. Moraes Soares, e Cabral de Mesquita, quando se firmaram nos inconvenientes de ser aqui discutida a Lei Eleitoral, antes de saber-se a opinião da Camara Alta, ácerca da constitucionalidade do art. 63. Ao ultimo destes Srs. Deputados, meu Amigo, só direi, que era melhor que lhe viessem os escrupulos, quando assignou o primeiro quisito, que se trouxe á Camara: — agora são remorsos sem contrição, que não approveitam nem á alma nem ao corpo.

Sr. Presidente, muitas vezes invoquei eu o Paiz; confesso, que é um pensamento que me domina e

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preoccupa depois que estou na vida publica; e faço justiça ao meu antigo Amigo o Sr. Deputado Moraes Soares, acreditando, que elle nutre iguaes sentimentos. Mas então, para que estranhou o illustre Deputado, que todas as cousas se apresentem aqui em nome do Paiz? Oh Sr. Presidente, pois nós, os seus Representantes, em nome de quem havemos de fallar? Em nome dos interesses mesquinhos, das pretenções egoistas, das paixões corrosivas? Pois algum de nós vem aqui calumniar o Paiz? Podemos enganar-nos, é verdade, mas seria soberanamente injusto suppor, que para fins particulares nos acobertamos com aquelle nome.

Ao mesmo illustres Deputado, que, sem duvida como meio de argumentação, disse que haviam outras providencias, não menos urgentes e necessarias, que a Lei Eleitoral, lembrarei a Fabula do cão bem nutrido, bem tractado, bem amimado, mas a quem não soltavam senão durante as trevas. E em quanto a não ser a Lei Eleitoral, que unica concorre para a reconciliação da Familia Portugueza, sómente observarei, que uma Lei, que habilita o Paiz para todos os elementos estaveis, todos os verdadeiros interesses, todos os reconhecidos direitos combaterem no campo legal, é sobre todas a que mais affiança essa tal almejada reconciliação; e a baze, o alicerce da paz, sobre que unicamente podem assentar todos os melhoramentos, todas as reformas, todas as prosperidades desta terra Portugueza.

Sr. Presidente, a Proposta que se discute é inutil e nociva; porque em vez de produzir economia de tempo, tem causado desperdicio; é inopportuna por que procrastina a discussão da Lei Eleitoral, e offerece uma excepção de incompetencia, quando a Camara se declarou competentissima pelo facto da sua resolução do anno passado; é inconveniente porque nos apresenta como levianos, e talvez mesmo como versateis e contradictorios. Por todos estes motivos rejeito a Proposta.

O Sr. Presidente: — O art. 87 do ultimo Regimento diz o seguinte. (Leu) É necessario que os Srs. Deputados observem a disposição d'este artigo, por que de contrario ha muitas vezes inconvenientes. (Apoiados)

O Sr. Moraes Soares: — (Sobre a Ordem) Sr. Presidente, entendi que prestava homenagem aos principios constitucionaes, quando apresentei este Projecto, entendi mais, entendi que fazia um serviço importante á discussão; mas hoje vejo que uma grande parte d'esta Camara tem combatido o meu Projecto, e como eu desejo remover todos os obstaculos para que a Lei se discuta, porque não quero outra cousa se não que se faça uma Lei boa, por este motivo retiro o meu Projecto. (Apoiados) Lembra-me, quando no seio de um Povo da Grecia ardia o facho da guerra civil, para acabar os seus males foi este Povo consultar o Oraculo; e o Oraculo respondeu-lhe — Fazei Leis boas. É isto que eu tambem quero; desejo que se faça uma boa Lei Eleitoral; e em nome d'este principio retiro o Projecto.

O Sr. Presidente: — Como não basta só que o Sr. Deputado retire o seu Projecto, eu consulto a Camara.

A Camara annuiu.

(Continuando) Estando retirada a Proposta de Adiamento do Sr. Moraes Soares, devia ficar em pé a Proposta do Sr. Carlos Bento sobre a questão se a declaração da não constitucionalidade do art. 63 devia seguir os tramites d'um Projecto de Lei, passando á Camara dos Pares; mas parece-me que esta Moção está prejudicada pelo facto de ter a Camara consentido em que o Sr. Deputado Moraes Soares retirasse o seu Adiamento. (Apoiados) Portanto se não ha objeção, eu vou declarar em continuação de discussão a generalidade do Projecto n.º 48. (Apoiados)

O Sr. Gorjão Henriques: — Sr. Presidente, requeiro a V. Ex.ª consulte a Camara se me permitte que eu dê agora a minha Explicação pessoal, dispensando-se o Regimento.

O Sr. Presidente: — Devo informar a Camara de que o Sr. Deputado na Sessão de ante-hontem tinha pedido a palavra para uma Explicação que ao principio não classificou, e que depois disse ser pessoal, para ter logar no fim da discussão do Adiamento; eu disse-lhe que não podia dar-lhe a palavra se não com permissão da Camara, por que o Regimento não permitte Explicações pessoaes. Porém o Sr. Deputado requer agora seja consultada a Camara a fim de ser dispensado o Regimento para este effeito, não só para ter logar a Explicação pessoal, mas desde já.

Foi dispensado o Regimento para os fins indicados.

O Sr. Gorjão Henriques: — Sr. Presidente, quando o nobre Deputado por Vizeu historiou o que se passára na occasião, em que a illustre Commissão Eleitoral viera propôr a Camara o quesito sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 63.º da Carta, disse S. Ex.ª que eu então Ministro da Corôa tinha approvado o proceder da Commissão, trazendo á Camara tal quesito. S. Ex.ª talvez não tenha tanto de memoria o que realmente se passou nessa occasião a tal respeito, e é possivel que eu como particularmente interessado neste ponto, esteja melhor lembrado. Eu fui convidado pela illustre Commissão Eleitoral, no 1.º do Março de 48, pelo illustre Deputado então seu Secretario, e hoje Ministro da Fazenda, para como Ministro do Reino, que então era, dizer alguma cousa naquella Commissão sobre a questão do Governo, a respeito de alguns pontos capitaes que a Commissão tinha a resolver antes de entrar na confecção do Projecto para a Lei Eleitoral; compareci com effeito; mas quando cheguei, já estava reunida a Commissão, e havia debatido, creio eu, sobre a materia; mas achei que a questão tinha já mudado d'estado; já senão tractava de saber qual era a opinião do Governo; aqui devo dizer francamente; não podia eu nessa occasião apresentar a opinião do Governo, visto que não tendo sido definidos os pontos sobre que a Commissão desejava ouvir o Governo, eu não havia podido consultar os Cavalheiros com quem tinha a honra de servir nos Conselhos de Sua Magestade; apresentei-me pois com tenção de saber quaes eram estes pontos, e consultar depois os meus Collegas. Entretanto a questão tinha mudado de figura como já disse; já senão tractava de saber se a eleição havia de ser directa ou indirecta, não se tractava de outras provisões para a Lei Eleitoral: a Commissão tinha entendido que devia propôr á Camara o quesito sobre a inconstitucionalidade do artigo. (O Sr. Avila: — Apoiado) E visto que tinha cessado o motivo para que eu fôra chamado, disse ser já escusada a minha presença, e como este era um acto exclusivamente da Commissão, um pensamento seu, no qual eu não

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podia intervir em nome do Governo, por isso abstinha-me de dar opinião a este respeito (Apoiados) Portanto o quesito proposto pela Commissão, veiu a Camara sòmente por effeito de resolução da mesma Commissão. (O Sr. Avila — Apoiado) Esta pois rectificado o facto, e eu não podia deixar passar, sem esta pequena correcção, uma expressão que tendia a mostrar da minha parte alguma duvída sobre a constitucionalidade, ou inconstitucionalidade do artigo, (Apoiados) nunca hesitei a este respeito, sempre tive o artigo como constitucional, ainda hoje o reputo constitucionalissimo. (Muitos apoiados) Os nobres Deputados certamente se lembram de que eu, quando defendi a constitucionalidade do artigo, disse que havendo-se dado por motivo da minha saída do Ministerio, a discrepancia de opinião em alguns pontos administrativos e governativos com os meus Collegas, disse que este objecto não tinha sido um dos pontos da divergencia, pois nada haviamos discutido a tal respeito; porque se já o houvesse sido, então ter-se-ía tambem realisado, quanto a elle, a differença de opiniões entre mim e alguns dos meus Collegas, mas quando depois apresentei aqui a minha opinião, vi que o Ministerio tinha então adoptado uma opinião fixa sobre esta materia, e que esta era contraria á minha: eu disse que o artigo era constitucional, e o illustre Presidente do Conselho de Ministros pronunciou uma opinião a mais decidida, dizendo que o Governo desejava que as eleições de Deputados fôssem directas, mas como para o serem era necessario que o art. 63.º fosse declarado não constitucional. — Esperava que a Camara assim o resolvesse, e se assim o não fizesse, o Governo veria o que tinha a fazer. Portanto vê-se que o Governo tinha naquella época uma opinião determinada, e manifestara, para o seu vencimento, um desejo acompanhado de expressões que se podiam chamar commmatorias: (Muitos apoiados) e não lhe levo a mal, antes louvo que o Governo tenha uma opinião decidida. Eu tive a este respeito uma só, quer como Ministro da Corôa, quer torno Deputado, e entendo que quem se assenta nas Cadeiras desta Casa, ou como Ministro, ou como Deputado, deve ter, e manifestar em objectos de tanta transcendencia, uma opinião que não seja nómada. (Muitos apoiados)

O Sr. Passos Pimentel — (Sobre a Ordem.) Peço a V. Ex.ª tenha a bondade de mandar lêr a inscripção para a generalidade.

O Sr. Presidente — Para a generalidade ha os seguintes Senhores. (Leu) O primeiro é o Si Ferreira Pontes: tem a palavra.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer algumas observações sobre a materia do Projecto que se acha em discussão, e não me demorarei em demonstrar a sua importancia, o que além de inutil seria Impertinente, pois que se acha demonstrada no eloquente Relatorio que o precede de um modo mais luminoso que eu o podia fazer, e que manifesta as luzes e vastos conhecimentos da Commissão a quem a Camara encarregou esta ardua tarefa, e que ella desempenhou mui dignamente: compraso-me em lhe dar aqui um testimunho publico e sincero do apreço em que tenho este difficil trabalho, ainda que em algumas provisões me não conformo com o seu parecer

As eleições são a base sobre que assenta todo o edificio do Governo Representativo, são ellas as que dão e tiram o Poder, e sem uma boa Lei Eleitoral elle não passa de uma ficção, de uma decepção, e a necessidade que ha de regular o exercicio do direito eleitoral o demonstram os factos que tem occorrido entre nós, desde que o Povo tem sido chamado a Urna; elles são ainda bem recentes para terem esquecido, não os referirei agora, pois desejava que sobre elles se lançasse um denso veo, e que até a historia os esquecesse, porque elles manifestam claramente que os Partidos que se teem disputado o Poder, confiando pouco na força legal de que só devei íam ter usado, não foram mui escrupulosos em lançar mão de outros meios, ainda que illicitos, e a elles deveram algumas vezes o triunfo que obtiveram. A nossa historia politica moderna só deve servir-nos para deplorarmos os nossos erros, e aprendermos a ser mais prudentes, mais justos, e mais cautelosos; oxalá que a lição da experiencia nos aproveite e que principie uma nova era em que todos reunidos concorra cada um com as suas fôrças para restituir ao Paiz a Ordem, e curar as fendas ainda abertas, occasionadas pelas nossas dissensões civis Estes são os meus sinceros e mais ardentes votos, e igualmente os faço para que esta Lei sáia a mais perfeita e adequada ao glande fim a que se propõe, isto é, para que se possa conhecer a vontade da Maioria da Nação, e que sejam chamados a occupar estas Cadeiras os Cidadãos de todos os Partidos, que forem mais aptos pelas suas luzes e amor do bem publico para promoverem a sua prosperidade.

Sr. Presidente, ainda que a Camara está livre para poder deliberar sobre o methodo da eleição, pois que a declaração que fizera de que não o constitucional o art. 63 da Carta que estabelece o methodo indirecto, a não prendeu para decretar o outro, espero que ha de adoptar o que se propõe no Projecto, isto e, que a eleição seja dilecta Quando se tractou da intelligencia désse artigo, já manifestei a esse respeito a minha opinião, e as razões em que a fundava, e eu não gósto de cançar a (amara com repetições inuteis; ainda conservo as mesmas convicções, e intendo que os Cidadãos que votam directamente no que os ha de representar, exercem este duello de um modo mais efficaz e proveitoso, porque, por mais confiança que lhe mereça aquelle em quem póde delegar este direito, é certo que elle póde abusai, e não satisfazei a esta incumbencia conforme a vontade dos que lhe encarregaram Demais todos os direitos politicos e civis que podem ser exercidos sem inconveniente por aquelle a quem compete in, não deve ser obrigado a delegal-os, e nenhuma duvída póde haver em que os eleitores conheçam os que possuem as qualidades para os representarem no Parlamento, principalmente fazendo-se os circulos pequenos; como se propõe ao Projecto com a qual me conformo tambem nesta parte, com mui pequenas modificações. A experiencia tem-nos mostrado que as eleições por Provincias, ou de grandes circulos, estão sujeitas a muitos inconvenientes, e que nos glandes Collegios Eleitoraes se fazem ajustes e convenções, cujo resultado não e muitas vezes conforme aos desejos e vontade geral; as eleições por Districtos pequenos são tambem proveitosas em quanto tiram ao Governo a influencia que exercia nas eleições por Provincia, mandando confidenciaes e cartas de prego para serem eleitos os que elle indicava, de sorte que mais se podiam chamar Deputados do Governo, que da Na-

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çao, e tem a vantagem de reunir mais o Eleitor ao Deputado.

Sr. Presidente, se estivessemos livres para podér conceder a nosso arbitrio o direito eleitoral e de elegibilidade, eu approvaria o Projecto tambem na parte que diz respeito ao censo, até talvez seria mais liberal; mas nós temos de nos regular pelos artigos 65 e seguintes da Carta, isto mesmo reconhece a Commissão no Relatorio, e para ampliar este direito diz que em um Governo livre o direito não se restringe sem peccar contra os principios: e eu direi tambem que sem peccar contra os principios o direito se não amplia arbitrariamente; em qualquer Governo aonde houver Lei, deve cessar o arbitrio quer para ampliar quer para restringir. Aquelles artigos entendo eu serem constitucionaes, e que não podem ser alterados sem ser pelos meios estabelecidos no art. 144. E não me notem de contradictorio por não comprehender na mesma Classe o art. 63.º pois que neste só se tracta do methodo de exercer ele direito, o que é cousa muito diversa. No art. 63.º só se concede o direito de votar nas eleições primarias aos que tiverem de renda liquida annual cem mil íeis. O art. 67. exige para ser Eleitor de Provincia duzentos mil réis; e o art. 68.º para ser Deputado quatrocentos mil réis, este é o direito estabelecido e a que temos de nos sujeitar; e ainda que adoptado o methodo directo o voto dos primarios Eleitores melhora consideravelmente, não quero se exije, para elles a renda que a Carta exije para os secundarios, e tambem não serei tão rigoroso que exija pura prova dessa renda o censo que lhe corresponda exactamente, e o mesmo digo a respeito do (fuso estabelecido para a elegibilidade de Deputado. Porem tambem não posso ser tão franco que approve o de mil réis para uns, e de quatro mil réis para os outros, que se estabelece no Projecto. Um semelhante arbitrio é uma pura ficção, pois que servindo occaso para indicação da renda, quem ha ahi que, apezar de todos os defeitos do nosso systema tributario, acredite que quem paga mil réis de decima, tenha a lenda liquida que a Carta exije? Uma tal supposição é contrariada não só pelo direito, mas pelos factos....

O Sr. Presidente: — Lembro ao illustre Deputado, que estamos na discussão da generalidade, e que esses objectos de que está tractando, são respectivos a especialidade, e muito proprios da especialidade. (Apoiados) O grande pensamento do Projecto não e esse. Por esse systema que o Sr. Deputado quer seguir, não acabâmos nunca esta discussão, que na generalidade deve limitar-se á necessidade e opportunidade da Lei Eleitoral (Repetidos apoiados).

O Orador: — Estando em discussão o Projecto na generalidade entendo que posso fazer algumas considerações sobre os pontos cardeaes delle; e não é importante só a questão de methodo como se disse, ha nelle outras questões de muita importancia, como a do censo, a da elegibilidade e a das incompatibilidades, que isto é o que se observa em todas as discussões na generalidade; aliás seria escusada esta discussão, e até não poder ía continuar por muito tempo, a não se querer divagar para foi a da materia, como muitas vezes se tem feito, o que é mais digno de notar-e, e aonde se tem consumido muito tempo. Continuarei pois fazendo arais alguma? observações, sem com tudo saír da esfera a que me

devo limitar, deixando para depois as que tenho de fazer sobre as provisões menos importantes ou de segunda ordem.

Sr. Presidente, eu não entro agora na questão, se convém ou não estabelecer-se o suffragio universal, e entendo que de nada serviria a resolução deste problema, porque, nesta parte, não estamos a fazer uma Lei, a Lei está feita, só se tracta do meio de provar a renda que ella exige. É porém certo, que todas as Constituições dos Governos Monarchicos estabeleciam maiores, ou menores modificações a este Direito Politico, concedendo-o sómente aos que suppoem terem mais interesses a sustentar, e mais intelligencia para o exercer dignamente.

Quanto ao censo para a elegibilidade ainda tenho maior difficuldade em votar pelo que se offerece no Projecto, porque entendo serem maiores os inconvenientes de se dar uma grande amplitude a este Direito. Além de outras circumstancias, que devem concorrer no Deputado, é sem duvida uma das mais essenciaes, que tenha meios que lhe affiancem uma subsistencia segura, e independente, é isto o que teve em vista a Carta, quando exigiu a renda liquida de quatrocentos mil réis para esta eleição, seja qual fôr a fonte donde ella proceda; negando a importancia politica, para esta habilitação, aos que não teem certa fortuna, e riqueza, ou não occupam na Sociedade um logar, que os colloque acima de um grande numero de Cidadãos, suppoz que só estes davam a Sociedade uma garantia para desempenhar, com vantagem publica, este importante cargo. Porém como podémos suppôr que tem quatrocentos mil réis de renda, e que tem uma subsistencia segura para dar esta garantia, quem paga quatro mil réis a decima? Sejamos francos; ou derroguemos o artigo 68 da Carta, e decretemos a elegibilidade universal, ou estabeleçamos um maior censo para prova desta renda, isto é, uma próva que se aproxime da verdade, e não seja uma supposição graciosa. Como eu me fundo nas disposições da Carta, escuso invocar o Direito, que regula esta materia em outra Nações, mais adiantadas que nós na estrada da Liberdade, e bastará dizer, que ahi se exige muito maior renda tanto para votar, como para ser votado.

Sr. Presidente, outra questão de grande importancia, que ha a resolver no objecto que nos occupa, é sem duvída a das incompatibilidades, e sinto não me poder conformar em tudo com o Parecei, e ter de notar, que o Projecto contém providencias mesquinhas, de mero obsequio, e algumas mui prejudiciaes, quaes as que favorecem os Empregados Publicos amoviveis, fazendo-se ainda ahi odiosas distincções, as incompatibilidades devem ser absolutas, e comprehender todos os que se achatem no mesmo caso, isto e o que se não fez. A disposição do art. 7.º, n.º 3 para os Empregados de Ultramar, e Ilhas deve ser extensiva a todos os do Reino, não ha razão alguma que justifique esta differença. E tambem não será facil dar-se uma razão conveniente para não comprehender no art. 7.º, que tracta das inelegibilidades respectiva, os Juizes de Direito de Primeira Instancia, e os Delegados nas suas Comarcas. Por ventura legião mais influencia os Procuradores Regios, e seus Ajudantes, e os Delegados do Thesouro que são excluidos? E se uns são excluidos, tambem os outros o devem ser. A Commissão reco-

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nheceu a necessidade de ampliar estas incompatibilidade, não o fez, segundo ella confessa, com o receio de não haver capacidades para os logares, e para a practica das funcções Legislativas: esta razão porém, a meu ver, é improcedente, mui pouco confia a Commissão das luzes dos Cidadãos, que não são Empregados Publicos, esteja seguia de que fóra desta Classe não faltam homens com conhecimentos, e luzes em todos os ramos, para podérem ser Empregados, e desempenharem dignamente estas funcções.

Dir-se-ha talvez, que eu pertendo crear uma oligarchia, ou uma nova aristocracia, dando entrada na Camara só aos Proprietarios, e Capitalistas, e excluindo os Empregados Publicos, longe de mim tal pensamento; ainda que se adoptem algumas incompatibilidades mais, ainda fica a porta aberta para nesta Casa lerem assento muitos Empregados, como confio hão de ter, pois que ha entre elles capacidades taes, que sempre serão chamados a occuparem algumas destas Cadeiras. O que desejo é que aqui sejam representados proporcionalmente todos os interesses, e por ventura nesta Camara, e mesmo nas antecedentes, terá havido uma Representação igual dos Proprietarios, Capitalistas e Artistas a dos Empregados Publicos? As estatisticas mostram que o numero dos Empregados teem constituido sempre Maioria; e que proporção ha entre esta Classe, e as outras? E além disto quem não sente o inconveniente das deliberações Legislativas serem tomadas por uma Maioria de Empregados Publicos? Ainda que elles tenham, como eu acredito, toda a independencia, as Leis não vão revestidas da força moral, que é necessario terem para serem bem recebidas, e executadas, porque o Povo tem celtas apprehensões, que convém destruir, de que uma Camara de Funccionarios dependentes do Governo se presta mais facilmente ás exigencias, e insinuações do Poder, que outra em que predomine a propriedade, e a industria, aonde, diga-se o que se disser, tambem ha saber, luzes e amor da Patria. Se esta incompatibilidade se não estender a todos os Empregados de commissão, e amoviveis, nada teremos conseguido, o em todas as Camaras que se concederem terão sempre nellas a Maioria, que até agora teem tido, porque de ordinario teem mais interesse, e mais moios para se fazerem eleger.

Por estas razoes sinto não ver adoptada no Projecto a mesma provisão, que vem no art. 7.º do Decreto de 27 de Julho de 1846, em que se estabeleceu, que os Empregados amoviveis, que forem eleitos Deputados, só podes em tomar assento na Camara se resignassem o emprego, ou commissão subsidiada.

Com isto não quero dizer, que nos Empregados amoviveis não haja valor, e independencia para se arrostarem com o Poder, pelo contrario eu a reconheço em todos os illustres Deputados Empregados, que aqui teem assento, e desta verdade sobejas provas teem elles dado tanto na outra, como já nesta Sessão, e confio em que as hão de continuar a dar: porém nós estamos a fazer uma Lei para o futuro, e devemos attender ao que de ordinario costuma acontecer, e tem acontecido, tanto entre nós, como em outras partes.

Sr. Presidente, a faculdade de eleger não deve ser considerada só como um direito, é tambem um dever, e eu desejava que a Lei exigisse de cada um o seu voto, impondo alguma pena ao que se recusasse a votar, sem causa justa; de uma tal prescripção resultaria, que muitos perderiam o pejo, e os receios em que ás vezes estão de se comprometterem com os Partidos, que disputam a Urna, e acabaria o indifferentismo, com que ainda se olha para o acto mais importante da Sociedade, em um Governo Representativo: pois que alguns até pedem para não ser recenseados, e resulta daqui, que faltando um grande numero de Cidadãos recenseados, um pequeno numero faz a eleição, o que já tem acontecido, e isto não só quando se tracta da eleição de Deputados, mas mesmo nas eleições Municipaes, em que os Povos teem um interesse mais immediato em que os rendimentos do seu Conselho sejam bem administrados; é uma verdade triste sim, mas comprovada pela experiencia, que os Cidadãos tranquillos, e mais independentes, que não precisam especular em revoluções, e em mudanças Politicas, fogem com desgôsto das Urnas eleitoraes, isto tambem procede, sem duvida, do Systema Representativo lhe não ter trazido os beneficios que se esperavam.

São estas as considerações geraes, que me pareceu offerecer á consideração da Camara, reservando-me o fazer outras, quando se tractar da discussão na especialidade.

O Sr. Silva Cabral: — (Sobre a Ordem.) Sr. Presidente, eu sinto que se tenha retirado a questão do Adiamento; sinto-o porque por essa occasião tinham sido lançadas heresias na Camara, que não podiam de maneira nenhuma julgar-se absolvidas só pela penitencia dada ao Auctor do Adiamento; era preciso fazer-lhe mais alguma cousa, era preciso fazer-lhe um exorcismo constitucional. Porém não o essa agora a occasião, nem a questão que eu me propuz tractar.

Sr. Presidente, eu votaria contra o Adiamento; mas não é depois de uma questão tal ter vindo ao Parlamento, e na altura em que ella se achava, que devia deixar de se explicar ao Paiz um objecto tão importante: alli havia muitos absurdos, muitas decepções. E todavia nós vamos caminhando na mesma estrada; vamos caminhando de êrro em êrro; quando eu vejo que em logar de se discutir a generalidade do Projecto, se enceta uma discussão tão importante, como o illustre Deputado acaba de encetar, eu temo muito pela efficacia do nosso pensamento, receio muito que daqui sáia uma Lei Eleitoral. Sr. Presidente, Dous me livre que eu seja pedagogo de ninguem, não tenho intelligencia nem faculdades para tanto, mas esta cadeira impõe-me deveres; todos nós temos obrigação de economisar o tempo; nós todos temos obrigação de o empregar em cousas uteis para o nosso Paiz: e quando fôr presenciado pela Nação que tractando-se da generalidade de um Projecto de Lei Eleitoral, nós tractamos de discutir o methodo de procedei á eleição, o censo, e as incompatibilidades, como é possivel deixar de se dizer que nós não entendemos o que é a generalidade de um Projecto?... Queremos, ou não, uma Lei Eleitoral? Este é o pensamento da generalidade do Projecto. Portanto, Sr. Presidente, eu peço a V. Ex.ª pelo bem deste Paiz, que convide os illustres Deputados a tractarem as questões como devem ser tractadas: não lancemos no meio desta Sala o obscurantismo, não voltemos ao tempo em que se não sabiam as practicas constitucionaes, não marchemos sempre no mesmo terreno. Quando se tracta da discussão da generalidade tra-

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cta-se do pensamento em geral, mas quando fôr a discussão da especialidade, então podemos expor as nossas razões, as nossas idéas sem que de maneira nenhuma estas fiquem prejudicadas pela votação, que dermos sobre a generalidade; porque quem diz que quer a Lei Eleitoral, não explica ainda como a quer; isso ha de ser tractado em cada um dos artigos, convençam-se pois os illustres Deputados de que por esta maneira aproveitam o tempo em bem do seu Paiz: assim como eu entendo, que é necessario deixar ao Presidente regular as questões, porque quando ellas forem reguladas nestes devidos lei mos, ha de aproveitar-se mais o tempo: e para esse fim convido em nome da Ordem e do Regimento a V. Ex.ª para que traga a questão ao seu verdadeiro ponto, porque tudo o mais é, como tenho já dicto, perder tempo inutilmente, quando nós precisamos delle para cousas de mais interesse para o Paiz

O Sr. Ferreira Pontes — Peço a para via sobre esta Ordem.

O Sr. Presidente — Não dou, nem posso agora dar, a palavra sobre esta Ordem ao Sr. Deputado, eu tinha-lhe observado quaes eram os termos da discussão na generalidade, mas o Sr. Deputado não foi docil á minha admoestação, nem alguns Srs. Deputados costumam ser doceis as minhas reflexões, porque não querem restringir-se no modo de expender as suas opiniões. E certo comtudo, que na questão da generalidade se devem limitar a questão, se sim, ou não, é necessaria, e se e opportuna a Lei, e nada mais? Quando se houver de propôr á votação, eu hei de precisamente definir quaes são os termos da generalidade que se approva Apoiados).

O Sr. Ferreira Pontes — Peço a palavra sobre a Ordem.

O Sr. Presidente: — Não ha Moção de Ordem nenhuma a este respeito, nem póde agora fallar sobre isto.

O Sr. Ferreira Pontes. — Peço a palavra para uma Explicação.

O Sr. Presidente: — Fica inscripto para Explicação.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, eu fallei na generalidade do Projecto...

O Sr. Presidente — Não tem a palavra por ora.

O Sr. Ferreira Pontes: — Eu pedi-a sobre este incidente.

O Sr. Presidente: — Não tem a palavra. Eis ahi está como alguns Senhores querem cumprir o Regimento! Fica notada a palavra para Explicação ao Sr. Deputado; fica inscripto para o logar competente.

O Sr. Avila: — Sr. Presidente, se eu não tivesse a honra de ser Membro da Commissão, tinha pedido a dispensa da discussão da generalidade do Projecto, mas como tal, não me pertence a mim pedir essa dispensa, ou querer restringir a liberdade de discutir: póde ser que os illustres Deputados julguem diversamente, mas eu entendo que, na generalidade, não nos devemos occupar senão de — se por ventura convem que se faça uma Lei Eleitoral — E a este respeito não sei que possa haver na Camara senão uma opinião; porque o facto é que não ha essa Lei, e a nossa obrigação é faze- la.

Eu teria cedido da palavra senão julgasse necessario explicar uma frase, que se me dirigiu quando se fallou na questão do Adiamento, ou quando o illustre Auctor desta Moção julgou que eu tinha pertendido lançar sobre elle uma expressão, que elle reputou offensiva. Sr. Presidente, nessa occasião não fallei senão hypoteticamente, usando destes termos que se diria? O illustre Deputado sabe perfeitamente qual é a consideração em que o tenho, e a justiça que lhe rendo; por consequencia hade conhecer que eu não queria lançar sobre elle um stygma, e muito menos sobre a Maioria da Camara. Faço a maior justiça aos principios liberaes que animam a Maioria da Camara; e este anno occorreu aqui um facto altamente importante, que não póde deixar de ser registado pelo Paiz como uma prova de quanto ella se interessa pelo seu bem-estar. A Maioria desta Camara deseja que se faça uma Lei sobre as bases as mais liberaes, mas segundo as circumstancias do Paiz: eu o reconheço, e seria altamente injusto se deixasse de lhe prestar a devida homenagem. — Tudo quanto eu disse não foi com referencia a alguem. — Espero que a Camara acceite esta declaração, não como vontade de adular o illustre Deputado, nem a Maioria; mas sim por prestar justiça a quem justiça é devida.

Voltando á discussão da generalidade, direi que nós ganhamos muito tempo, se fórmas á especialidade; porque tudo quanto podiamos dizer a respeito da generalidade, ha de ser largamente tractado em cada um dos artigos do Projecto; alli temos a questão da eleição, a questão das incompatibilidades, temos a questão do censo, temos a determinação da quantidade das contribuições, se ha de ser a contribuição sobre a renda de cem mil réis, ou se se ha de exigir uma contribuição mais ou menos elevada; temos o methodo do recenseamento, quem o ha de fazer, quem ha de decidir os recursos, se ha de ser impresso ou não, como se hão de organisar as Mesas, etc; n'uma palavra, todas estas questões hão de ser tractadas pelo Parlamento, mas na generalidade não é possivel. E por uso eu intendo que a Camara obrará com prudencia, com a que tem obrado sempre, se passar o mais breve que fôr possivel á questão da especialidade; e neste caso desejarei que se dê a maior extensão ao debate, porque qualquer que seja a resolução é conveniente que o Paiz saiba os motivos que houve para assim se resolver.

O Sr. L. J. Moniz: — Quando eu pedi a palavra, era porque tinha ouvido emittir algumas idéas a respeito do Adiamento, mas como já fallei sobre essa materia amplamente, e contra o mesmo Adiamento, por inconveniente, cedo por isso agora da palavra.

O Sr. Corrêa Caldeira: — Sr. Presidente, esta questão tem hoje mudado de face e tão depressa, e com tal differença que, na verdade, a posição dos Oradores que têem de fallar, é totalmente diversa. Apresentou-se aqui na Camara o Projecto de Lei Eleitoral, e mal aberta a discussão veio uma questão de Adiamento; eu tinha pedido a palavra, e quando reflecti, Sr. Presidente, que tinha de combater o Adiamento, e ir assim a caminho com os nobres Deputados que se sentam daquelle lado da Camara (Apontando para o lado esquerdo) confesso que estremeci, porque nunca na minha vida tinha imaginado uma hypothese em que podessem estar de accordo as nossas opiniões. Tenho para com os nobres Deputados, olhados individualmente, a maior consideração, mas quero que entre as minhas opiniões Politicas, e as suas, em quanto occuparem aquellas Cadeiras, haja a maior separação, porque vejo em

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frente das opiniões do nobres Deputados um abismo para o qual eu não quero caminhar, por isso digo, que quando me lembrei que tinha de combater o Adiamento, e achai-me neste ponto, d'accordo com os nobres Deputados, estremeci; mas reflectindo de novo vi que os motivos que me levaram a combater ou rejeitar o Adiamento, eram muito diversos. (Apoiados) Tinha tenção tambem de levantar a minha fraca voz contra as heresias, que ouvi dizer nesta Casa por occasião dessa discussão; (Apoiados) mas retirado o Adiamento, e decidido que se passasse á generalidade, não e possivel referir-me no que se apresentou sobre questão finda.

Agora, Sr. Presidente, devo dizei que não estou muito de accordo com a opinião que ha pouco ouvi sustentar sobre o modo como se devia entendei a discussão e votação geral deste Projecto; porque não sei, como quem vota pela generalidade do Projecto, possa abstrair de ficar compromettido quanto aos pontos cardeaes, porém pela minha parte declaro que ainda mesmo votando pelo Projecto na generalidade não fico por isso adstricto a base alguma delle. (Apoiados) Se a votação se entende assim, não tenho duvida em não me alargar na dicussão geral, e esperar pela especial. E não estando, como não estou de accordo nas bases do Projecto, e não só nas principaes, mas mesmo nas secundarias, declaro que, pela minha parte hei de combater essas bases uma a uma, (Apoiados) especialmente a do art. 1.º, a qual, por modo algum, admitto; nem me parece que a Camara a possa admittir, e eu confiadamente espero que a hade rejeitar (Apoiados)

Ainda que eu tinha outras reflexões a fazer sobre a conveniencia que se inculca de ser esta a melhor de todas as occasiões para se tractar da Lei Eleitoral, como o Gabinete entendeu que o Parlamento se occupasse quanto antes desta Lei, e eu não estou resolvido a querer fazer opposição aos Srs. Ministros neste pensamento, convirei com elle; mas protexto perante a Camara, que, approvando o Projecto na sua generalidade, não fica sujeita de modo nenhum a minha opinião a respeito de todas e quaesquer das disposições, que nelle se contem. (Apoiados)

O Sr. Presidente: — Eu já disse que a approvação da generalidade do Projecto não importa a approvação das suas bases, tanto as principaes como as menos principaes. (Apoiados) Com tudo os nobres Deputados que querem combater algumas dellas, e, por esse lado, rejeitar o Projecto na sua generalidade, de certo têem o direito de descer á consideração da especialidade dessas bases; foi isto o que sempre se entendeu. (Apoiados) Porem eu achava muito mais conveniente, que cada um dos Srs. Deputados que têem de combater qualquer das bases em especial, se reservasse para quando ellas fossem sujeitas á discussão especial. (Apoiados). Deste modo caminham os trabalhos muito melhor, e economisa-se muito mais tempo. (Apoiados) Portanto digo, que os Srs. Deputados que têem de combater a base da eleição directa, por exemplo, se quizerem tractar desse ponto na especialidade, podem fazel-o, (Apoiados) e lá está o art. 1.º onde necessariamente essa questão tem de ser ventilada. (Apoiados) Quanto ao mais na occasião da votação do Projecto na sua generalidade ella será proposta e feita de maneira, que as consciencias dos nobres Deputados fiquem livres. (Apoiados) Tem a palavra, por parte da Commissão, o Sr. Rebello da Silva.

O Sr. Rebello da Silva: — São tão poderosas as observações que V. Ex.ª acaba de fazer, que eu principio por as applicar a mim cedendo da palavra.

O Sr. Xavier da Silva: — Se por ventura os meus Collegas que estão escriptos, não se offendem por eu pedir a V. Ex.ª que consulte a Camara sobre se a materia da generalidade do Projecto está discutida, eu uso da palavra para esse fim. (Apoiados) Visto a manifestação da Camara requeiro que ella se consulte sobre se a generalidade do Projecto está sufficiente discutida. (Apoiados)

Decidiu-se affirmativamente.

O Sr. Presidente. — Eu vou sujeitar á deliberação da Camara o Projecto na sua generalidade, com a condição porém de que não se entende que, com a approvação do Projecto na sua generalidade, fiquem approvadas quaesquer das bases ou disposições especiaes, que contêem os differentes artigos do Projecto (Apoiados) e só sim a necessidade da Lei. É pois neste sentido que passo a consultar a Camara.

Foi nestes termos approvado o Projecto na generalidade.

O Sr. Corrêa Caldeira: — (Sôbre a Ordem) Sr. Presidente, eu requeiro a V. Ex.ª que consulte a Camara se, neste ponto, adopta o que se tem practicado já em outros Parlamentos illustrados, do que tem resultado grande conveniencia, e é que a inscripção dos Oradores seja feita alternadamente com a declaração dos que querem fallar pró, e dos que quererá fallar contra (Apoiados) e assim fazerem uso da palavra, d'outro modo tira-se todo o interesse ao debate. (Apoiados)

Decidindo-se nesta conformidade, e feita assim a inscripção, disse

O Sr. Vaz Preto: — Eu começo, Sr. Presidente por felicitar o Paiz por ter chegado o momento de discutirmos a Lei Eleitoral á tanto tempo reclamada. Eu me congratulo com a Camara por haver coitado por todos os obstaculos, e aplanado o caminho a fim de entrarmos n'esta importante discussão, e dotarmos o Paiz com unia Lei Eleitoral, que possa remediar os inconvenientes, que se encontram na Lei actualmente em vigor. (Apoiados) E assim, e só por este modo, que fazêmos emmudecer essas linguas blasfemas, que não obstante saberem que esta Camara fóra eleita conforme a Lei vigente, todavia não duvidavam vomitar sarcasmos o injurias contra ella, dizendo-a illegal, e mal constituida, e ao mesmo passo, por uma contradicção espantosa, reconhecem-a, relacionam-se com ella e pedem-lhe Leis e com especialidade a Lei Eleitoral (Apoiados).

Eu, Sr. Presidente, dou os parabens á Camara por entrar decididamente n'esta discussão, sem se deter com o Adiamento, que um illustre Deputado meu nobre Amigo tinha apresentado, não com animo de obstar á discussão da Lei, mas com o fim de a fazer passar mais rapida e seguramente em ambas as Casas do Parlamento. Não se fez toda a justiça que merece o illustre Deputado, o seu Adiamento era muito definido, elle porém teve a virtude de o reinar, e a Camara pagando o devido tributo ás suas intenções annuiu ao seu pedido. Honra ao nobre Deputado, cujas intenções são as mais puras, honra á Camara, que procedendo por similhante fórma confunde os seus anarchicos accusadores. (Muitos apoiados.)

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Está em discussão, Sr. Presidente, o art. 1.º do Projecto da Lei Eleitoral; este artigo estabelece o principio da Eleição directa, e eu voto por elle, eu voto porque as Eleições sejam directas, (Muitos apoiados). Eu não vejo diante de mim obstaculo algum, a que eu vote pelas Eleições directas. (Apoiados) E com tudo eu respeito, eu acato os nobres Deputados, que tem uma opinião contraria á minha, e que não votam pelas eleições directas, por que lho veda o art. 63.º da Carta, que elles tem por Constitucional. Os illustres Deputados adversos vergam debaixo do pezo das suas convicções, e os respeito, mas eu tenho direito a que os mesmos illustres Deputados respeitem e acatem a minha convicção, e a dos illustres Deputados que intendem como eu que o art. 63.º não é constitucional, e não lancem sobre nós um diluvio de injurias, sarcasmos e doestos, que se disseram e escreveram, e que a Maioria da Camara rejeita e despreza com a maior solemnidade. (Muitos apoiados)

Sr. Presidente, eu declaro a V. Ex.ª e á Camara, que tendo ouvido e lido tudo quanto se tem dito e escripto, para provar que o art. 63.º é constitucional, fico cada vez mais firme na minha opinião, e convencido de que o artigo não é constitucional. (Rumor no banco superior) E o que querem dizer? Será molestia da minha intelligencia? (Uma voz: — Será Cholera-morbus.) O Orador: — E porque não será Cholera-morbus a sua opinião? Porque não será molestia a opinião dos nobres Deputados contraria á minha? (Hilaridade) Eu voto, Sr. Presidente, como já disse, pelas eleições directas, e voto assim, porque não vejo na Carta a respeito de eleições, que seja constitucional senão o direito de eleger; o art. 63.º é puramente regulamentar. Não vejo neste artigo senão o methodo de eleger, e o art. 70.º estabelecendo, que uma Lei regulamentar estabelecerá as regias e o methodo de exercer o direito eleitoral, esta Lei, que é a que fazêmos, póde estabelecer o principio da eleição directa ou indirecta, como for mais conveniente ao bem geral «em offender a Carta, porque, torno a dizer, o art. 63.º não é constitucional.

Sr. Presidente, a Lei Eleitoral póde estabelecer a eleição sem offender a Carta. Póde estabelecer a indirecta sem offender a Carta. Os que votaram como eu, pela inconstitucionalidade do artigo, devem votar por aquelle methodo directo ou indirecto, que entenderem ser mais conveniente ao bem-estar do Paiz. Eu voto pelo methodo directo, porque e mais conforme ao direito eleitoral, ao direito de eleger concedido na Carta ao Povo Portuguez. O que devemos fazer é uma Lei Eleitoral, que felicite o Paiz, que seja mais appropriada a seus usos e costumes, que traga ao Parlamento Representantes, eleitos do Povo, que representem verdadeiramente o Paiz. E o que eu quero, é o que eu desejo, é o que a Camara quer e deseja.

Esteja porem V. Ex.ª certo, Sr. Presidente, que seja qual fôr a Lei, seja qual fôr o methodo, sejam quaes forem as restricções e exclusões que se estabeleçam, ainda que a Lei fosse feita pelos Anjos; quando ella se executar, sempre se hão de levantar clamores, bem ou mal fundados de que houve corrupção. Não é dado á intelligencia humana, neste ponto, tapar todas as avenidas á seducção, fechar todas as portas á corrupção; a malicia é muito engenhosa, e o Partido vencido sempre ha de accusar o vencedor de ter empregado meios illegaes para vencer. O que nos cabe, Eleitos do Povo, é empregarmos todos os nossos esforços, para fazermos uma Lei, que proteja mais o direito eleitoral, e a liberdade da Urna (Apoiados.)

Eu já disse, Sr. Presidente, que voto pela eleição directa, porque o art. 63 não e constitucional, mas sim puramente regulamentar, e que os illustres Deputados que o acham constitucional, veem neste artigo o que, segundo a minha intima convicção, não existe nelle; porque o Eleitor de Parochia, que não póde eleger directamente o Deputado, vai dar poderes, que se diz que elle não tem, e o Eleitor que vai á Cabeça do Circulo, para eleger directamente o Deputado, dando um poder, que elle não tem, contra o principio sabido, de que ninguem póde dar o que não tem. O artigo portanto e regulamentar.

O direito de eleger é constitucional, e é de todos os cidadãos. A Lei Eleitoral é a Lei, que segundo o art. 70 regula o exercicio desse direito. Essa Lei estabelece o methodo directo ou indirecto, que fôr mais conveniente á sociedade; marca a idade em que s deve votar; restringe essa idade a favor daquelles que; por sua profissão, instrucção, estado ou emprego se julgam serem mais aptos para, mais cedo que outros, poderem exercer este direito; estabelece o censo do Eleitor e do Elegivel, faz as exclusões que se julgam uteis ao bem geral da mesma sociedade. Nada disto ataca o direito de eleger, nada disto offende a Carta, é tudo regulamentar, e tem por fim o bem geral.

Em caso de duvída se a tivesse, eu me decidiria pela inconstitucionalidade do art. 63, pela eleição directa; parece-me mais conforme ao direito de eleger concedido pelo Immortal Legislador ao Povo Portuguez, e votando assim pago um tributo de respeito ao direito de eleger, que é eminentemente constitucional, que pertence aos Cidadãos Portuguezes, e que só póde ser restringido pela Lei Eleitoral a beneficio da sociedade, e para conservação della, nas circumstancias de idade, censo, intelligencia e de tudo o mais que faz o objecto de uma Lei Eleitoral.

Eu repito, o que já disse, voto pelas eleições directas. Tudo quanto tenho ouvido dizer aos illustres Oradores que seguem a opinião contraria, não me tem feito mudar de opinião. A 9 de Março de 1848, fallando n'esta Camara sobre Explicações, por não me chegar a palavra, e fechar-se a discussão da Resposta ao Discurso da Corôa, pedi esta Lei, e fiz votos para que ella se fizesse. Dou louvores ao Ceo, porque ella se discute hoje, congratulo-me com a Camara a que tenho a honra de pertencer, por se tractar com tanto empenho este objecto importantissimo. Faço votos para que ella se comdua, e que satisfaça as necessidades do Paiz a este respeito. Não será por culpa minha, que ella não passe nesta Casa. Portanto, Sr. Presidente, não abusarei mais da paciencia da Camara, respeito as opiniões dos meus adversarios Politicos, tenho direito a que elles respeitem as minhas. Rejeito as allusões a tudo e a todos que possam dominar a minha consciencia; não recebo incumbencia de ninguem, e ninguem ma dá, nem eu a acceito. Não reconhecendo constitucional o art. 63 da Carta, voto pelo art. 1.º do Projecto da Lei Eleitoral. Quero eleições directas.

O Sr. Castro Pilar: — Sr. Presidente, principio

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fazendo os mesmos protestos de respeito ás opiniões dos outros, que eu desejo para as minhas, e neste ponto sigo as pisadas do Orador, que me precedeu, e que tambem principiou por esta mesma homenagem ás opiniões alheas. Não sigo porém a opinião do mesmo Orador, a quem respondo, o que se me não deve estranhar, pois que não estou acostumado a jurar nas palavras de ninguem, qualquer que seja a sua responsabilidade e cathegoria; nem outro póde ser o nosso procedimento nesta Casa, onde ha só Deputados, e argumentos para responder a argumentos. (Apoiados)

Eu rejeito, Sr. Presidente, a base da eleição directa estabelecida no primeiro artigo do Projecto em questão, como contraria a letra, e espirito da Carta, sem que daqui me possa provir algum stigma de contradicção, tendo eu votado na Sessão passada pela inconstitucionalidade do artigo 63.º

Sr. Presidente, eu congratulo-me com o venerando Orador precedente, por vir finalmente á Camara um Projecto de Lei Eleitoral, mas não me congratulo, com elle, por tal Projecto ser contrario á letra e espirito da Carta. (Apoiados)

É mister porém confrontar o meu procedimento da Sessão passada com o da actual, para affastar toda a apparencia de contradicção. Naquella Sessão, Sr. Presidente, eu votei pela inconstitucionalidade do art. 63.º, por que, com quanto das duas opiniões, que então se agitaram ácerca da naturesa do artigo, uma dellas fosse mais segura, todavia o objecto podia reputar-se controverso e duvidoso, e em taes circumstancias quiz prestar deferencia aos Partidos, aplanando-lhes da minha parte o mais breve caminho, para chegarem um dia á discussão das suas suspiradas eleições directas, porém resoluto sempre a, quando chegassemos a esse campo, que ora pisamos, apreciar comparativamente os dois systemas, e optar, como agora pelo Systema Indirecto.

Não ha pois contradicção alguma, porque então examinavamos a natureza do art. 63.º, para sabermos, se tinhamos poderes bastantes, para entrarmos na discussão, que nos occupa, sem ficar prejudicada a opinião, que tencionava emittir neste momento, em que fazemos usos desses poderes, que se presume resultarem da decisão, que então se tomou; neste momento, digo, em que nos occupamos exclusivamente da apreciar e optar.

Dissipada pois toda a contradicção, de que eu poderia ser arguido, fica-me o passo franco para insistir na asserção, que ha pouco emitti, de que o primeiro artigo do Projecto em questão é contrario á letra e espirito da Carta.

Sr. Presidente, a opposição á letra é clara, e a opposição ao espirito não o é menos.

Querendo conceder, que o art. 63.º da Carta não seja constitucional, não se póde ao mesmo tempo asseverar, que elle seja arbitrario e indifferente; por quanto o saudoso Legislador teve em vista estabelecer uma organisação politica média entre o Absolutismo, e a democracia pura, aquella organisação, que era a proposito estabelecer em um Povo, que acabava de saír do seio do Governo Absoluto, e por isso, por pensamento politico mui fino, quiz buscal-a na eleição indirecta, por isso que é certo, que sendo a Eleição a raiz d'um dos principaes Poderes Politicos do Estado, tambem é certo, que, segundo a Eleição mais se contrahe ou dilata, tambem o Poder mais se centralisa ou se democratisa. Quiz pois dest'arte o sabio Legislador estabelecer uma organisação politica, que désse, como cumpria, preponderancia ao elemento Monarchico.

Não sendo pois o artigo totalmente arbitrario, é occasião de dizer com Chateaubriand — Que ninguem póde ser superior á Carta; e quem pertende destruir a Carta, é destruido por ella mesma. — Esta Profecia, Sr. Presidente, que fez o Visconde de Chateaubriand, se verificou em Carlos X, e ha de verificar-se em todos aquelles que são menos que Carlos X.

Ha dois livros, Sr. Presidente, que eu leio com summa veneneração — a Bíblia, e o Digesto Romano. Este segundo Livro offerece áquelles, que o compulsam com reflexiva attenção, maximas mui judiciosas, a cada passo applicaveis a objectos de Legislação practica. Eis aqui uma inteiramente applicavel ao objecto em questão = In rebus novis constituendis evidens esse debet utilitas, ut recedatur ab eo jure quod diu aequum visum est = L. 2, ff. Constitut. Princip.

Onde está, Sr. Presidente, onde está a utilidade evidente, que é mister que haja, para nos apartarmos do Direito Eleitoral prescripto na Carta, e que por largo tempo ha parecido justo? Os patronos das Eleições directas estão constituidos na necessidade rigorosa de mostrar com evidencia, que ha manifesta utilidade em alterar, ou antes em derogar o Direito Eleitoral prescripto na Carta; mas essa utilidade evidente é que não será facil demonstrar, a não ser pelo prisma dos Partidos.

Passando a responder aos argumentos, que o venerando Orador precedente produziu em favor da baze directa, foi o primeiro — que é só constitucional o direito de eleger, e o mais que tudo são methodos. — Sr. Presidente, um direito sem exercicio, regulado por um methodo determinado, seria uma pura abstracção, que em Politica practica, onde tudo é hypothetico, se não póde reputar a unica entidade constitucional, de que o Legislador se quiz occupar em materia de eleições; mormente, tendo havido da parte do Legislador um pensamento politico determinado como já mostrei.

O segundo argumento foi — que ninguem póde dar o que não tem, e por isso, que se na eleição indirecta se dá direito, já elle existe directamente.

Este argumento, Sr. Presidente, nada colhe contra o systema indirecto; antes de alguma sorte é contra-producentem.

Se o direito já existe directamente, é certo que se póde delegar pelo principio. — Quod quis per alium facit, per seipsum facere videtur. E tal é em geral toda a theoria do systema indirecto.

Finalmente argumentou em terceiro logar o Orador, a quem respondo — que adoptar a eleição directa é seguir a parte mais segura, como mais conforme á vontade e mente do Legislador.

Sr. Presidente, a verdade é exactamente o contrario. É absurdo recorrer ao espirito, quando existe a letra, e esta é clara: na letra da Carta está expressamente estabelecido o systema indirecto, e onde existe a letra, cessa o espirito, quanto mais que já disse, que o systema indirecto foi objecto de um determinado pensamento politico, onde está todo o espirito do Legislador.

Tenho respondido, Sr. Presidente, aos argumentos

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que o nobre Orador, a quem respondo, produziu; agora accrescentarei ex abundanti contra o systema directo uma breve argumentação.

Ou a Povo ha de eleger pelo systema directo, deixado a si mesmo, ou sujeito a influencia estranha: no primeiro caso, em presença da corrupção e pouca illustração, em que o Povo jaz, em consequencia da serie infinda de revoluções, porque ha passado, ou ha de votar em quem o espirito de facção, que é o mais predominante, lhe dictar, ou entre diversos nomes escolherá aquelles, que o caso lhe deparar. Não são por conseguinte as eleições directas meio de acertai, melhor que as indirectas. No segundo caso é melhor realisar de direito, o que sempre acontece de facto.

Descarte, Sr. Presidente, tenho expendido os fundamentos, porque rejeito a base exarada no art. 1.º; e não digo o mais que ainda poderia dizer, porque a minha organisação não me permitte fallar com demasiada extensão. (Vozes — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Assis de Carvalho — Sr. Presidente, esta Camara já sabe qual e a minha douctrina a respeito do Direito eleitoral, mas preciso hoje fazer-lhe um complemento em poucas palavras.

Sr. Presidente, a expressão da urna é tanto mais genuina, quanto mais livre vem da tyrannia da ignorancia, e da incapacidade das massas, e da tyrannia, oppressão e corrupção do Poder sobre os Collegios Eleitoraes. Limitar o campo além do qual cessa a tyrannia, oppressão e corrupção do Poder, e d'aquem do qual cessa a tyrannia da ignorancia e incapacidade das massas, não é objecto de tão facil solução como parece á primeira vista. Nas Sciencias exactas e naturaes e facil limitar tres especies distinctamente; nas Sciencias moraes e politicas, os limites destes dois campos hão de sempre confundir-se um pouco com o têrmo medio. E por tanto necessario collocar o direito eleitoral entre os dois extremos definidos quanto seja possivel. E assim como eu tive o valor preciso para fallar contra a tyrannia da ignorancia e incapacidade das massas, assim o terei tambem para fallar contra a tyrannia, oppressão e corrupção do Poder nos Collegios Eleitoraes.

E por esta razão que eu voto pelas eleições directas no sentido, em que logo vou demonstrar, e é por esta mesma razão que não obstante haver muito bons argumentos para affirmar que o art. 63 era constitucional, considerando as ponderosas razões que ha tambem para mostrar que o artigo não era constitucional, e os precedentes de casos já julgados ácerca de outros artigos, que deviam ser ou não tão constitucionaes como o 63, e desejando eu as eleições directas, votei porque o art. 63 não era constitucional. Se não fôra assim ainda a minha consciencia estaria hoje muito pesada, votando, porque o art. 63 não era constitucional.

Sr. Presidente, eu disse em uma das Sessões passadas que desejava que sómente tivesse direito de elegei quem tivesse a faculdade para usar désse direito, porque não queria a tyrannia da ignorancia e incapacidade das massas: quando se concede um direito de que não se póde usar, ou quando se dá a individuos um direito para uso do qual não ha faculdade, é o mesmo que dar aos cegos o direito de vêr, e aos surdos o direito de ouvir; e conceder um absurdo, e direi mais, que quem quer conceder um direito nesta extensão, dá uma maxima prova da ineptidão do seu systema Politico, porque quer que elle seja o fructo da ignorancia e da incapacidade, e semeia na sociedade um fóco de revoluções. Querer conceder um direito a quem não tem a capacidade precisa para poder usar delle, é estabelecer na sociedade o germen da desordem, porque os individuos a quem esse direito se concede, não tendo a capacidade necessaria para poderem fazer uso delle querem pro aris et focis, fazer valer um direito ficticio, cuja execução é impossivel. Se nós dissermos a uma sociedade de cegos e surdos — Todos vós que não vedes e não ouvis, tendes direito de vêr e de ouvir — e se depois alguem fôr dizer a essa mesma sociedade de cegos e surdos — Vós que não vedes e não ouvis, é porque não tendes organisação para vêr nem ouvir, não será victima da sociedade dos cegos e surdos? (Riso). Pois é o que acontece a quem prega nas sociedades systemas, que não estão adaptados ás capacidades dos individuos, e a quem concede direitos aos que não tem, pela inhabilitação de suas faculdades intellectuaes, meios de poder usar delles. Entretanto eu quero ser victima dos cegos, e dos surdos, pregando-lhe que quem não tem vista, não póde ter direito de vêr, e que quem não tem organisação para ouvir, não póde ter direito de ouvir. O outro extremo é a tyrannia, oppressão e corrupção do Poder nos Collegios Eleitoraes

Sr. Presidente, o mesmo vicio de incapacidade que se da nas massas, que não tem a faculdade necessaria para usar do direito, se da nos Collegios Eleitoraes em outro sentido. No estado de desmoralisação em que a nossa geração se acha, os Collegios Eleitoraes não tem a capacidade, valor, e independencia necessaria para resistirem as ameaças, ás concessões, aos premios dados ou promettidos, e é mais facil corromper um dado numero de individuos mais limitado, do que corromper um dado numero de individuos em uma maior extensão.

Eu não quero fazer censura aos Collegios Eleitoraes, que até agora tem usado do seu direito nas Legislaturas passadas, mas considerando esta douctrina abstractamente, posso asseverar que os Collegios Eleitoraes eram uma especie de Corporações mercantes em conta corrente com o Governo, sobre as quaes o Governo sacava Letras eleitoraes. (Riso) Como se póde imaginar que pelo Collegio Eleitoral do Algarve fossem eleitos Deputados indigenas de Macáo, ou de Moçambique? Deputados, de quem o Collegio Eleitoral não teve conhecimento, nem ainda do nome senão pela letra, que sobre elle foi sacada!... Pois se isto é verdade; se a expressão da Urna não póde ser senão ou a expressão da corrupção do Poder, ou da tyrannia da ignorancia e incapacidade das massas, então direi com franqueza a V. Ex.ª, que antes quero um Governo Absoluto illustrado; se a expressão da Uma ha de representar ou a corrupção do Poder, ou a tyrannia da ignorancia das massas, se não ha de exprimir livremente a opinião Nacional entre estes dois extremos.

Passando ao objecto mais especial do artigo, direi a V. Ex.ª que para nós acharmos o meio termo entre os extremos, tyrannia da ignorancia e incapacidade das massas, e corrupção e violencia do Poder, era necessario estabelecermos como questão previa — o censo. — Para este fim eram necessarios alguns dados estatisticos que eu não pude até agora haver senão por informações não officiaes. Para eu

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provar que votando pela eleição directa tinha evitado a corrupção e violencia do Poder, e que votando no sentido do artigo, evitava a tyrannia da ignorancia e incapacidade das massas, a primeira cousa que eu precisava, era saber, termo medio, qual era o numero dos Eleitores, e quantos tinham concorrido á urna a votar; alguem me disse que andariam por 200 mil, e que concorreram á urna, termo medio, 100 mil. Precisava tambem ter dados estatisticos que me mostrassem qual era, termo medio, o numero dos individuos que se habilitavam em todas as Escólas Publicas do Reino, e qual o dos individuos applicados ás Artes, á Industria, e ao Commercio; não tenho hoje dados sufficientes a este respeito, porque não esperava que me chegasse a palavra nesta materia senão alguns dias depois, e não estava para ella bem preparado, não obstante parece-me que ainda posso concluir a favor da doutrina do artigo, tornando os dados estatisticos em globo.

Póde-se conceder que devem ter direito de votar, por terem faculdade para usar do direito, todos os que tendo 25 annos de idade estão habilitados nas Escólas Publicas maiores ou menores; por quanto todos os individuos das differentes classes, Agricola, Commercial, Industrial, Empregados Publicos, etc. para que possam ter a capacidade e faculdade necessaria para votar, devem saber ler, escrever e contar pelo menos; supponho que concorrem á urna termo medio 100:000 Eleitores, póde-se affirmar que não concorre um numero maior do que o que deveria concorrer pelas habilitações supra referidas; pois que suppondo que de todas as Escólas Publicas sáem annualmente habilitados 3:000 individuos, e que o termo medio da duração de uma geração é de 30 annos, deverá uma dada geração habilitar do modo supra referido 90:000 individuos, numero que se aproxima muito do dos Eleitores que concorrem á urna, porque devemos suppor que os que a desamparam, são os menos habilitados para usar do direito que se lhes confere. Conceder o direito de votar a individuos menos habilitados do que os que ficam referidos, é abusar da concessão, e passar ao extremo que nos conduz á tyrannia das massas, é constitui-los em instrumento, passivos da vontade de alguem, em machinas eleitoraes, que prejudicam e tyrannisam o direito dos que tem faculdade e independencia para usar delle convenientemente: um individuo que vota sem saber o que faz, representa o voto d'aquelle que o fez votar, e tantas vezes votará este ultimo, quantos forem os individuos que sem faculdade para poderem usar do direito levar á urna: (Apoiados) e perguntarei eu, quererá esta Camara conceder a alguem por mais privilegiado que seja o direito de votar mais que uma vez? Decerto que não. (Apoiados)

É por tanto evidente que para evitar a corrupção do Poder, deveremos votar contra as eleições indirectas, e para evitar a tyrannia das massas deveremos votar pelas eleições directas, com um censo rasoavel, dentro do qual se comprehendam sómente os Eleitores que se suppõe com faculdade para usar convenientemente desse direito.

De todos os meios possiveis para praticamente formarmos, uma boa lista de Eleitores, nenhum póde ser preferivel ao do censo, porque nenhum representa praticamente com tanta igualdade esse direito; suppõe-se que quem concorre para as despezas publicas com uma dada quantia, tem uma certa posição social na qual concorrem, ou devem concorrer circumstancias, que o habilitem para votar, ou por outros termos que lhe dêm a faculdade de usar do direito de votar: todas as circumstancias sociaes por mais variadas que sejam, se podem referir a este termo commum. Póde haver questão sobre — qual deve ser a quantia rasoavel que comprehenda todas as posições sociaes que sómente devem votar — mas parece-me que o minimo de 1$000 réis que estabelece o art. 1.º será muito rasoavel para as Provincias, attendendo a que os impostos directos não são lançados com tanto rigor e exactidão mathematica, que representem determinadamente a decima do rendimento liquido; ordinariamente apresentam a decima da renda da casa, e parece-me que quem nas Provincias paga de renda da casa 10$000 réis, deve pelo menos saber ler, escrever e contar. Tanto não se poderá com certeza dizer de igual censo nas Cidades de Lisboa e Porto, aonde as posições sociaes devem ser differentes, (Vozes: — É verdade) e por isso eu não teria duvida em dizer no art. 1.º que o minimo do censo em Lisboa e Porto será 1$600 réis; mas considerando que a illustração ainda nas classes baixas nas duas referidas Cidades differe em maior relação do que na de 10 para 16, não terei grande difficuldade em votar pelo censo do art. 1.º

Estabelecidas assim as razões para provar que pela eleição directa se evita a tyrannia, violencia, e corrupção do Poder, e que com a eleição directa, com censo rasoavel, se evita a tyrannia da ignorancia e incapacidade das massas, que está inherente ao suffragio universal, vejamos se por este methodo prejudicamos o direito de alguem, que se julgue com faculdade de votar.

Póde-se asseverar que considerado deste modo o direito eleitoral em Portugal, concede-se ao Povo Portuguez um direito tão extenso servatis servandis, que se aproxima do suffragio universal em França. A população Franceza é de 32.000:000 de individuos (Vozes: — 36) diz-se que são 36, pois melhor para o meu argumento: eu tenho lido em bons Auctores que é 32, suppondo que é 36 deduzamos para o sexo femenino 18 milhões, porque a especie humana é monogama; desses 18 milhões os menores, os decrepitos, os inhabilitados civil e politicamente, e vejamos se deveriam concorrer á urna sómente 6.000:000 e tantos individuos (Interrupções: — Concorreram 7 milhões) pois concedo que foram 7: perguntarei; a differença entre menores, decrepitos, etc. para os que deveriam ir votar será de 7 para 18? De certo que não, para quem tem conhecimento dos dados estatisticos da vida humana; mas supponhamos que os 7.000:000 de individuos representam a totalidade daquelles que deveriam ir votar: tendo a França 36.000:000 de habitantes, 7 são ainda menos da quinta parte de 36, tendo Portugal 3.000:000 de habitantes, deveria dar pela mesma regra e pelo suffragio universal, 600:000 eleitores que é a quinta parte de 3.000:000; mas pela Lei habilita 200:000 eleitores: logo habilita a terça parte daquelles que deveria dar pelo suffragio universal. Supponhamos que não concorrem á urna senão 100:000, assim mesmo vota effectivamente a sexta parte dos que deveriam votar pelo suffragio universal. Perguntarei eu, a illustração do Povo Francez estará para a do Povo Portuguez sómente na razão de 1 para 6? De

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ceito que não: logo o Povo Portuguez votando com a sexta parte do que deveria votar se tivesse o suffragio universal, vota com um direito tão extenso como o Povo Francez pelo suffragio universal.

Isto que é evidente em quanto ao direito de votar, não é menos evidente emquanto ao numero dos Deputados eleitos: Portugal com 3:000:000 de habitantes no Continente dá 120 Deputados no mesmo Continente; a França deveria dar na mesma proporção 1440 Deputados, quando é certo que para as Legislaturas Ordinarias ainda mesmo pela Constituição Republicana dá menos de metade.

Mas, Sr. Presidente, para eu ser coherente na minha doutrina não devei ía conceder um direito tão extenso ao Povo Portuguez, porque comprehendendo no numero dos Eleitores todas as capacidades litterarias, Commerciaes, Industriaes etc.: ainda assim será difficultoso apurar 100:000 Eleitores habilitados para usar do direito convenientemente. E verdade, Sr. Presidente, no rigor dos principios, mas como em Politica tambem é necessario ir com a moda, os Eleitores que excederem ao numero daquelles, que legalmente deveriam votar pelo rigor dos mesmos principios, votarão pelo rigor da moda, nem eu serei tão Pithagorico, que não conceda alguma cousa neste sentido.

Ficarei aqui, Sr. Presidente, hei-de ter occasião de explicar a minha doutrina na Lei das Eleições, em todos aquelles pontos, que o julgue conveniente.

O Sr. Agostinho Albano: — Post tantos labores, totque discriminarerum — quer dizer, Sr. Presidente, que depois de tantas questões d'Adiamentos, louvado Deos, que veio a discussão da Lei Eleitoral! E louvado Deos, que estamos já a tractar do -eu primeiro artigo! (Apoiados) Talvez que eu não contasse de certo hoje com isso. — Mas louvores a Deos, porque com effeito começámos a discussão da Lei Eleitoral. E parece-me que a levaremos ao fim e com brevidade, (Apoiados) porque o maior trabalho é passar o primeiro barranco, que é o 1.º artigo. Depois delle parece-me que o caminho está plano, porque na maior parte ou em muitas das disposições desta Lei havemos de concordar. (Apoiados) Neste artigo 1.º é que não póde haver transacção possivel entre a Maioria e Minoria. Nós que nos lemos pronunciado pela constitucionalidade do artigo 63 da Carta Constitucional, não podemos votar por outra fórma de eleição, que não seja a indirecta. (Apoiado) Logo, Sr. Presidente, a minha posição nesta Casa para discutir sobre a materia não é mais que para uma declaração. Poderia eu pondo de parte todas estas considerações discutir livremente hoje a importantissima questão de preferencia de eleição directa á indirecta ou desta áquella?... Mas eu não me considero nas circumstancias de entrar nesta discussão. — E de passagem direi, que ha muitos annos (ainda mal que os tenho para o dizer) tenho lido e estudado Direito Publico Constitucional em materia de eleições, e tantas vezes o leio, tantas vezes fico mais em duvida qual dos methodos é preferivel — se o directo, ou se o indirecto. (Apoiados)

Se considero a questão pelo lado abstracto, seduzem-me as doutrinas e razões de Publicistas, que sustentam a eleição directa; mas então a eleição directa com censo não póde ser. (Apoiados) E uma contradicção que lucta com o principio. Ou hão de ser eleições indirectas com mais ou menos censo, ou hão-de ser eleições directas com o suffragio universal; porque os argumentos que os nobres Deputados adduzirem com que quizerem fazer vêr as vantagens das eleições directas, hão de vir necessariamente cair neste grande ponto. (Apoiados) ao menos para mim é de extraordinaria difficuldade o methodo directo, porque o reputo contrario á ordem social, muito mais quando se tracta de estabelecer essas eleições como base dos Direitos Politicos dos Cidadãos. (Apoiados). Se considero a questão pelo lado dos factos extraordinarios, encontro votos contra uma e contra outra eleição.

O Sr. Pereira de Mello: — Mas ha mais pela indirecta...

O Orador: — Lá vou: vamos pelo exame dos factos. Em toda a parte aonde ha Systema Representativo, os factos provam contra as eleições directas, e a favor das eleições indirectas. (Apoiados) Mas não se tracta do que lá vai por fóra; tracta-se do que vai dentro do Paiz. Se considerâmos o que se passou, o que ternos visto neste Paiz pelo systema directo, então pronunciamo-nos contra as eleições directas. Farei uma simples resenha do que se ha passado no Paiz sobre eleições.

As primeiras eleições que tivemos, foram indirectas em tres graos, e ninguem poderá dizer que o resultado dessa eleição não seja talvez o mais tranquillo e verdadeiro que tem havido em Portugal. — Foram as chamadas Côrtes das Necessidades. — Ninguem ha de dizer que as maiores capacidades do Paiz, as suas maiores illustrações foram trazidas áquellas Côrtes pelo systema indirecto em tres gráos. (Apoiados) Note-se bem; aqui temos as eleições consideradas no seu primeiro ensaio — o facto é a favor das eleições indirectas. — Veio a segunda eleição — foi a das Côrtes não Constituintes, quero dizer, as Côrtes Ordinarias. Essas foram directas. E que vimos nós neste Paiz?.... É do meu tempo. (Aqui estão alguns dos illustres Deputados que eram então creanças, mas é certo que eu já era homenzarrão, (Riso) na idade, no mais não.) Que presenciei eu? Toda a qualidade de torpezas. (Apoiados) No Minho foram annulladas duas ou tres Assembléas Eleitoraes. Em outras partes não houve senão muitissima torpeza. Os clamores que então soaram no seio das Côrtes Ordinarias, foram considerados e classificados n'uma ordem assustadora em relação á moralidade do Paiz. Quero esquecer-me desse tempo.

As outras eleições que se seguiram foram as das Côrtes de 1826, já pela Carta Constitucional, pelo methodo indirecto. E não podemos deixar de confessar que essas eleições trouxeram tambem ao Parlamento muitissimas pessoas respeitaveis. (Apoiados) As pessoas e capacidades mais respeitaveis do Paiz, teem vindo ao Parlamento pelo systema indirecto. As que deviam seguir-se tambem eram indirectas.

Depois vieram as de 1834, tambem indirectas.....

Sr. Presidente, permitta-me V. Ex.ª que use de uma palavra que virá a estar consagrada nos nossos Diccionarios, e até já o está nesta Camara. — Quanta qualidade de tranquibernia houve nessa eleição!... (Hilaridade) E apezar disso, nem por isso deixaram de vir em 1834 ao Parlamento algumas das maiores capacidades do Paiz, (Apoiados) muitas das quaes se aqui não estão hoje, estão algumas na outra Casa, outras teem desapparecido pela ordem natural das cousas. Essas Côrtes, como digo, apresentaram algu-

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mas Illustrações, e satisfizeram no meu modo de pensar o seu mandado. Se um ou outro houve que não satisfizesse a elle como devia, isso não vem para o caso. Eu não estou senão tractando a questão debaixo do ponto de vista historico, porque, Sr. Presidente, a respeito deste negocio, eu declaro que hei de votar pelo methodo indirecto, porque estou preso pelo meu voto, mas como me é livre discorrer no assumpto, posto que não me seja livre votar n'outro sentido, porque não tenho poderes para isso (Apoiados) continuarei a tracta-lo como entendo em minha consciencia.

Neste ponto, Sr. Presidente, nada póde destruir as minhas convicções, e essas são de que não tenho poderes dos meus Constituintes, senão para votar nas eleições indirectas. Hei de ligar-me necessariamente a este principio, e votar por elle. Mesmo pondo de parte este principio, direi que não pertendo, não posso accommodar-me, nem transigir com a moda; não sei transigir com isso. Com a minha consciencia não sei transigir. (Apoiados) E até mesmo quero responder aos meus Constituintes, se perguntarem alguma vez em quanto vivo fôr, como desempenhei o seu mandado. E portanto não hei de ter necessidade de confissão de vêr não vendo, ou de ouvir não ouvindo (Apoiados) Hei de construir o desejo sempre de ter a honra de merecer a approvação dos meus Constituintes. E se continuar a sentar-me nesta Casa, não quererei responder á honra de me haverem mandado aqui, rasgando assim o seu mandado, com a maior sem ceremonia. Isto é para mim, fallo comigo. Cada um sabe a ceremonia com que o faz (Riso) Eu o que sei é, que se assim procedesse, que procedia com toda a sem ceremonia, e eu devo guarda-la toda para com os meus Constituintes. Não posso pois deixar de manter o seu mandado na força que m'o deram (Apoiados)

Mas deixando esta digressão, e continuando a historia das eleições que talvez seja instructiva, e se o não fôr, servirá para passar um bocado de tempo, e satisfazer os meus desejos. As Côrtes foram dissolvidas em 1836, e seguiam-se logo as Côrtes, que deviam reunir-se em 10 de Setembro de 1836. Mereci então a honra de ser mandado ao Parlamento, mas foram actos nullos por que houve uma Revolução gloriosa, mas eu ainda não lhe achei a gloria, (Riso) tão gloriosa que ainda ninguem quiz ser seu auctor (Muitos apoiados) passemos isto de relance. Seguiu-se logo outra eleição pelo methodo directo. A esse Parlamento vieram Capacidades muito respeitaveis mas por que modo? Eu quero seguir os factos por sua ordem. Houve um Partido que abandonou completamente a urna (Apoiados: — É verdade). De maneira que o unico partido que veio ao Parlamento, foi o partido de Setembro. Ali está uma unica excepção (Virando-se para o Sr. Gorjão Henriques) (Muitos apoiados). Honra lhe seja, por que a sua Substituição á Constituição que então se discutia, foi a Carta Constitucional. (Apoiado, apoiado) o outro já foi nosso Collega, conhecemo-lo, e respeitamos de cá as suas opiniões, porque foram os dois unicos que escaparam pela malha, talvez por engano Sr. Presidente devemos trazer as cousas aos factos, e a maneira como elles se passaram. As eleições para as Constituintes de 36, foram geralmente fallando muito pacificas sem qualidade nenhuma de opposição, porque no cemiterio ha muito repouso, ninguem perturbou esta eleição, porque os Cartistas não appareceram, se apparecessem tinha contra elles o que estava preparado, reconheceram perfeitamente o que lhes estava armado, e se lá fossem experimentariam os resultados de sua imprudencia, essa Representação está legalisada pelo facto, e agora já pelo direito. A unica eleição directa que houve sem tumulto nem desordem foi essa, e foi feita pacificamente, como lá se entendeu, como se quis: porém não póde servir de exemplo, com quanto muito respeite a maior parte dos individuos, que a composeram. Depois houve a eleição de 38, ahi, como os Cartistas já entenderam que deviam figurar na scena, porque os factos preteritos tinham aberto os olhos a muita gente, que não podia ou não queria ver, já tinha passado o celebre dia 13 de Março, e outros ominosos dias de desgraçadas recordações, os Cartistas, digo, poderam apresentar-se em campo para fazer valer os seus direitos á eleição, mas o que aconteceu? Eu recordo-me com horror desse tempo, eu fui um que votou contra essas eleições, fui um de 33, então entendeu-se por um acto de transação de Alta Politica, que sómente fossem sacrificados 2 ou 3, e tudo mais se arranjasse daquelle modo dando-se a eleição por valida. Mas, Sr. Presidente, que horrores não se praticaram! Ainda até agora não ha lembrança que se praticassem horrores taes, como os que se passaram debaixo dos meus olhos no Porto, e dos meus ouidos no Minho, em Tras-os-Montes e em toda a parte, o unico circulo em que ellas foram feitas mais regularmente foi em Lisboa, aonde ha mais possibilidade de seducções, e menos meios de resistencia. Em fim façamos essa justiça, foi aonde as eleições directas desse tempo foram menos disputadas, e mais legalmente feitas, foi certamente em Lisboa. Mas o que se passou no Minho, Tras-os-Montes, e Porto, são paginas horrorosas para a nossa historia eleitoral, são paginas que devemos ter sempre presentes na nossa imaginação para as evitarmos, e fugirmos dellas: quaesquer argumentos que os nobres Deputados possam produzir para preferir as eleições directas as indirectas, no nosso Paiz hei de offerecer esse talisman, e vejam-se nesse espelho, e daqui tirarão os resultados serios para destruir tudo quanto se possa adduzir a favor das eleições directas: os argumentos do Nobre Deputado são contra as practicas.

Os factos posteriores da eleição indirecta, succedidos depois da restauração da Carta, por mais que se tenha querido argumentar contra as seducções, contra os horrores que por essa occasião se praticaram, pouco podem colher, os que com elles argumentam, não tem fato senão avultar alguns factos, e por maneira exagerada, o que não póde servir de argumento. Isto é o que passou cá dentro, agora pelo que se passou lá fóra em eleições directas, principalmente em França, ai está a historia dos factos presentes, aí está aquillo que se praticou ultimamente em França no suffragio universal, dirigido pelos Commissarios (Uma voz: — Pelos Proconsules) mandados para essa missão, e serviço.

Sr. Presidente, tudo quanto tenho dicto sobre o assumpto, posso dizer quanto a mim, quanto á situação, em que me acho estou fóra do combate e da ordem, porque tendo de votar pelas eleições indirectas, pois me considero préso em virtude do meu mandato, tudo quanto eu dissesse além disso parece que se-

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ria fóra, de proposito, mas não apresento estas idéas senão como meio de historiar a questão, e de poder illustrar mais alguma cousa o assumpto, se por ventura isto possa illustrar alguem.

Sr. Presidente, eleições directas, (disse muito bem o illustre Deputado que fallou contra o Projecto) a final são um ente de razão, porque a final não são senão indirectas, por qualquer maneira que se hajam de considerar. Directamente entendia eu que eram ellas, se cada um dos que tem direito de votar (não me que quero alargar sobre esta questão, porque não quero entrar na questão do suffragio universal) se cada qual que tem direito de votar, fosse levar espontaneamente a sua lista á urna, guiado pelos dictames da sua consciencia, da sua intelligencia, e das suas inclinações, entendia eu que ellas eram directas; mas se elles não vão lá senão guiados pelos influentes das localidades, pela olygarchia que dirige as eleições, é evidente que não são directas senão no nome, mas indirectas de facto, mas se hão de ser indirectas de facto, sendo por esta maneira directas de direito, então quero-as indirectas de direito. Por tal modo basta a seducção e tyrannia. Eu temo mais a tyrannia das massas do que a tyrannia governativa, aquella parece-me superior a esta, ainda ha muita gente que se não seduz com promessas, que resiste a todos os meios de seducção, e ha muita gente que é superior ás offertas do Governo: sei muito bem quaes os meios de que o Governo póde dispor, quando se tracta de eleições, mas em ultima analyse contra esta tyrannia de eleições na verdade acho mais ruinosa a tyrannia das massas, do que a tyrannia governativa; por aquella basta que haja um individuo, que levantou um lenço sobre um páo para levar apoz de si uma immensidade de gente, e se lhe perguntarem para onde vai? Vamos atraz daquelle, responderão. E que vai fazer o homem! Diz que vai votar. Pois nós vamos votar com elle. E contra isto não ha replica. A tyrannia das massas é espantosa, e é horrorosa, deve fazer estremecer todos os homens de senso. Nós sabemos como se fazem as eleições directas, em Inglaterra, ao menos isto é á face da Lei, não permitte a Lei as seducções, mas permitte aos Candidatos que cada um leve as suas procissões apoz de si, e lá vão dispendendo grande quantidade de libras para poder conseguir alguma cousa, e temos visto em Inglaterra casas arruinadas sómente por occasião das eleições.

Dou parabens á minha fortuna de me não achar livre de votar, que não seja de outra fórma, e para me dar por livre não entendia que o possa fazer a decisão desta Camara. Não me persuado que ella possa constranger as minhas convicções, apezar da Maioria ter decidido que o artigo não era constitucional. Dou parabens á minha fortuna de me achar collocado nesta situação, e que não podendo votar de outro modo que não seja este depois dos factos que acabei de mencionar, depois daquelles que estão passando debaixo dos meus olhos, porque os vejo nas Folhas, e que vai passando por essa Europa. Desde Fevereiro para cá se tem repetido varias scenas, mas muito instructivas para o homem, que quer tirar serios resultados dos factos. Se pois estivesse livre, achar-me-hia muitissimo perplexo para poder com franqueza, com seriedade e dogmaticamente dizer que as eleições directas são preferiveis ás indirectas, os mesmos illustres Deputados que ainda hoje estão na persuasão de que as eleições directas são preferiveis ás indirectas na presença dos factos passados no pouco tempo que tem decorrido, e que parece um seculo, achar-se-hão na mesma perplexidade.

E eu invoco a boa fé dos illustres Deputados, que não deixarão de reflectir bem na presença dos factos, e na presença do nosso Paiz, em que a Ordem Publica, a Causa Publica, a Causa da Carta Constitucional, a Causa da Rainha, da Dynastia, e de todos esses objectos que nós respeitamos sagrados, correriam um grande risco. E, Sr. Presidente, torno outra vez a dar graças a Deos, por me achar ainda possuido das mesmas convicções em relação á constitucionalidade do art. 63, da qual me não quero exonerar ainda, nem posso, nem os illustres Deputados com as suas convicções podem ter força para me fazerem mudar. Se podesse discutir-se sobre preferencias, havia muito que discutir, e só depois de um longo debate é que poderia formar uma nova opinião, e ainda assim mesmo havia de ser transitoria, havia de ser sujeita aos factos posteriores.

Em presença pois do que acabo de dizer, voto por esta unica consideração, e tudo o mais que trouxe no meu Discurso não foi senão ex abundanti; porque eu teria terminado logo dizendo, não estou livre para votar senão pela eleição indirecta, porque são as que manda fazer o artigo da Carta, a qual eu não tenho poder de emendar. Neste sentido, voto pela eleição indirecta em relação ao artigo, e rejeito o art. 1.º em discussão; mas está claro, que eu não rejeito senão o primeiro periodo; o mais approvo-o, o mais que estabelece o censo para votar; isso approvo eu, porque é um principio inherente ás eleições indirectas, as quaes precisam de todos estes requisitos, e mais considerações que vem no artigo; mas quanto á eleição directa, só votarei por ella no caso de se votar pelo suffragio universal; (Vozes: — Nada, nada). Então querem as eleições indirectas: isso é uma confissão tacita. Ora deixemo-nos de historias, a isso é que eu chamo abstracção, ou é só para atacar os principios, e eu, que não quero ter idéas falsas, voto contra o primeiro periodo do artigo, como já disse.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, não esperava que me coubesse hoje a palavra; direi mais, esperava que a Lei senão discutisse, e ainda me atrevo a fazer a profecia de que não se ha de discutir; e por isto já se vê que não estou preparado para fazer um Discurso. Antes de entrar na materia permitta-me V. Ex.ª que diga, que eu me tinha levantado do meu logar, por me parecer que aquelle lado é mais acustico, e para estar mais perto dos Cavalheiros com quem estou ligado; porém reflectindo, que em uma das Sessões passadas fui excommungado, e que, ainda hoje o foram estas Cadeiras, para mostrar que não faço caso disso, vim para ellas outra vez. (O Sr. Corrêa Caldeira: — Isso é comigo?) O Orador:

— É com o Sr. Deputado. — Sr. Presidente, eu tinha aqui declarado, que a minha opposição era systematica, e este ha de ser o meu cavallo de batalha: a opposição que não é systematica, não tem caracter, não tem importancia, não tem nome, não adquire influencia, não evidenceia o seu fim, e não merece consideração alguma.

Sr. Presidente, é evidente, que o Governo não quer o methodo de eleição directa; se eu não tivesse ou-

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tras razões mais fortes, esta bastaria para eu rejeitar o artigo.

Ora eu devo dar á Camara uma explicação, sobre a especialidade da minha posição; quando se discutiu a constitucionalidade do art. 63 da Carta, notei que era constitucional, ainda hoje tenho esta opinião; mas como se tem dicto, e sustentado, que as decisões da Maioria são valiosas; desde que estou por isso, desde que eu acceito o facto, quero as legitimas consequencias dessa votação, e até iria mais longe; proporia o suffragio universal; porque não tenho antipathia a esse direito; mas como sei que a Camara não o approvaria, por isso não quero occupar-me n'uma cousa, que ha de ser rejeitada; não vale a pena, portanto, fazer essa Proposta. Direi no entanto que o suffragio universal salvou a França da anarchia. A questão que discutimos, é muito seria, é uma questão de organisação, de direitos Politicos, e Sociaes; é uma questão, que por si só, vale uma instituição; para mim reputo-a como a primeira faculdade legal do Povo; porque é quando o Povo falla, o exprime a sua vontade, e todas as vezes que a eleição fôr feita como até aqui tem sido, para mim entendo, que não representa legitimamente o Paiz = isto em these = porque dá motivo a haver odios, desconfianças, e malquerenças, que se devem por uma vez remediar; portanto conhecidos estes males é necessario não sermos ingratos, devemos satisfazer as necessidades urgentes do Paiz, porque os nossos caprichos, as arbitrariedades dos Funccionarios Publicos devem ceder ás precisões publicas; o Governo por credito seu, deve votar pela eleição directa, deve approvar este meio como um principio da maior legalidade para a Representação Nacional. — Sr. Presidente, isto não é uma opinião nova, é de Benthan, que deve ser sempre considerado, como o Patriarcha da Sciencia; e os seus principios são estes; as eleições devem ser directas, para que o Povo considere os Deputados como obra sua, para que se ligue a elles pela affeição da escolha, e pelo sentimento do poder, e para que o Deputado se prenda ao Povo pelos empenhos da gratidão, e pela sciencia do facto.

Sinto muito, que o illustre Presidente do Conselho não esteja naquelles bancos; S. Ex.ª disse, que esta questão não era Ministerial; mas é necessario que a Camara saiba, que uma questão não deixa de ser Ministerial, porque o Governo o declare; ha questões que são sempre Ministeriaes por sua natureza, como é a que nos occupa. O Governo no seu Programma declarou, que desejava sinceramente, que a eleição fosse pelo methodo directo, no Relatorio disse a Commissão que ouviu o Governo a fim de caminhar de accordo para esse resultado; e o que vimos depois? Foi vir este mesmo Governo declarar, que esta questão não era Ministerial! Quando elle tinha, pouco tempo antes, dicto que queria a eleição directa, e quando se está tractando da questão não apparece!.. São estas as circumstancias que até hoje tem acompanhado este negocio; e são ponderosas.

Ora em todos os Paizes, quando se tracta deste objecto, o Governo está presente; como Chefe da Maioria, assiste á Maioria com os seus conselhos, e opiniões; o Governo abandonando este Projecto pratica um facto insolito nos annaes Parlamentares. — Mas diz um illustre Deputado «o Ministerio é o mesmo»» mas não quer a eleição directa. — Oh! Sr. Presidente!.. Pois o Governo declarou em 1848, que queria a eleição directa, e agora em 1849 diz que a não quer? Eis-aqui está porque eu digo, que o Governo não tem Systema, e eis a razão porque eu tenho o rigoroso dever de fazer uma opposição systematica. — Fallo hoje que são 11 de Fevereiro, e por uma coincidencia notavel por esse tempo tambem em França se queria adiar a Reforma Eleitoral; trago esse acontecimento, não como ameaça, mas como exemplo. — Todos nós sabemos porque caiu a Monarchia de Julho; todos nós sabemos, que todas as vezes, que senão quer dar satisfação ao Povo dos seus aggravos, as consequencias são sempre funestas, para os Governos, e para o Poder.

Acho o artigo em discussão deficientissimo; por que eu não considero este Projecto como nina simples Lei eleitoral, mas sim como uma reforma eleitoral, e nesse sentido deve alongar a Representação Nacional, deve chamar-se maior numero de Eleitores a esse acto. Em Inglaterra fez-se a reforma eleitoral; até alli eram quatro centos mil os eleitores, depois da reforma passa de um milhão; em França fez-se a reforma eleitoral, o numero antes della era de 150, depois, passaram a 300; — ora nós aqui não damos maior extensão á Representação Nacional, por consequencia permitta-me a illustre Commissão que lhe diga, que o Projecto não tem a ampliação que se lhe devia dar, não abrange o que devia abranger, e neste sentido mandarei para a Mesa algumas Substituições. O methodo directo não deve assustar, porque já o tivemos, e é o mais geralmente adoptado nas Nações de maior consideração; a Prussia adoptou o methodo indirecto, mas com taes, modificações que bem se póde dizer, que o methodo é direito no sentido restricto que em Portugal se toma esta palavra (Apoiados) e se os Paizes mais civilisados têem seguido o methodo directo, nós que não estamos a pôz da illustração desses Paizes, não no» devemos envergonhar se admittirmos uma instituição hoje universal; o unico Paiz onde ha o methodo indirecto é no Brazil, mas o Brazil está numa circumstancia especial, o Brazil resente-se ainda do estado inculto e selvagem. Ora se nós entendemos que o Povo tem por tanto direito para nomear o Eleitor, para que havemos estabelecer uma lacuna entre o Povo e os Collegios Eleitoraes?... Quem tem capacidade para nomear o Eleitor, não a tem para nomear o Deputado?... Eu creio que quem a tem para uma, a tem para outra cousa (Apoiados.)

Tem-se apresentado aqui um argumento, e caracterizam-no muito forte, que vem a ser: a Camara não póde admittir ou adoptar o methodo directo, porque isso importa a. não constitucionalidade do art. 63. da Carta, e uma declaração neste sentido significa uma interpretação, para a qual não estamos auctorisados — eu não o entendo assim, nem ligo a este argumento força alguma (Apoiados), com o mesmo direito com que se têem alterado, revogado, sofismado, interpretado, etc. os artigos da Constituição n.ºs 90, 91, 92 e 93 e outros, com o mesmo podemos alterar, interpretar e revogar o art. 63.º da Carta; (Apoiados) até isto se póde fazer em vista do art. 140 da mesma Carta; por que já passou a épocha marcada para a sua reforma, este art. 140 marca quatro annos, e os quatro annos já decorreram ha muito tempo; por consequencia entendo que não póde nem deve levantar-se questão sobre a for-

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çada resolução da Camara a respeito do art. 63.º (Apoiados).

Sr. Presidente, questões identicas á que nos occupa, decidem-se n'outros Paizes sem tantas e tão longas demoras: esta Camara deve resolve-la sem delongas nem sofismas, a Camara não deve esperar que o Povo a resolva por um meio pouco satisfatorio, pelo caminho mal aventurado das revoluções. (Sensação) (O Sr. Presidente — Noto ao illustre Deputado, que não e aqui permittido esse modo de argumentar. (Apoiados) O Orador: — lin não digo um facto, digo uma hypothese, o methodo indirecto é da santa alliança, condemna o Povo a uma perpetua minoria; e um vergonha, que em 1849, uma Camara popular, esteja discutindo se a eleição deve ser pelo methodo directo, ou pelo methodo indirecto, (Apoiados,) já devêra lêr-se pronunciado por aquelle, e nunca insistir neste, (Apoiados)

Luiz 18º na Ordenança de 15 de Julho, dizia que a Carta de 1811 precisava ser reformada; e ha de esta Camara ser menos liberal do que um Bourbon? Luiz 18.º dizia á Camara Electiva, não sejais mais realista que o Rei!....

Sr. Presidente, eu não quero alongar mais o debate. voto pelo methodo directo, mas como acho o art. 1.º alguma cousa deficiente, por isso mando para a Mesa as seguintes

Propostas. — 1.ª 4. Ao marido se levará em conta o rendimento dos bens da mulher, ainda que não haja communicação de bens, e ao Pai o usofructo dos bens do filho, de que é administrador.» — Cunha Sotto-Maior.

2.ª § 1.º Em 5$000 de decima de juros, etc.

§ 2.º Em 2$500 réis de decima, etc.

§ 3.º Em 500 réis de.... etc. — Cunha Sotto-Maior.

O Sr. Presidente: — A primeira das Propostas que o Sr. Deputado acaba de mandar para a Mesa, está prejudicada, por quanto é exactamente a disposição do § 4.º do art. 17.º deste Projecto. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Perdôe-me V. Ex.ª, é cousa que não está em nenhum artigo, ou paragrafo deste Projecto.) (O Sr. Presidente — Pois leia o nobre Deputado o § 4.º do art. 17.º, e lá achará disposição igual á que vem na sua Proposta. (Apoiados) (O Sr. Cunha Sotto-Maior — Tem V. Ex.ª muita razão, é verdade que aqui existe no logar apontado, e por isso retiro essa minha Proposta.) (O Sr. Presidente — Bem; eu o que estimava e que os Srs. Deputados reparassem bem nestes objectos, para que senão estejam a complicar as questões) (Apoiados)

E pondo-se a votos a segunda — não foi admittida.

O Sr. Faria Barbosa — Sr. Presidente, eu já tenho dito neste logar, e repito, que os meus talentos oratorios são muito escassos e limitados, teem entrado na questão talentos muito superiores aos meus, e conheço a desigualdade; eu não esperava hoje que o Projecto fosse discutido na generalidade, e muito menos votado passando 60 á especialidade, já se vê pois a posição difficil em que eu me acho, e peço á Camara toda a benevolencia.

Sr. Presidente, eu sinto, e sinto muito não poder como o nobre Deputado que incetou a questão na especialidade dar os mesmos parabens ao Paiz e á Camara, por estar em discussão esta Lei, pois me não posso convencer que este Projecto possa trazer ao

Povo os beneficios e a felicidade que se imagina, demais ainda o não vi pedir nem reclamar, quando outros se pedem com instancia.

Sr. Presidente, eu ouvi dizer a um illustre Deputado, que esta Lei era de primeira necessidade, e ao mesmo tempo ouvi dizer a um outro nobre Deputado, quando fallou na generalidade do Projecto, que era preciso a imposição de uma pena, para todo o eleitor que deixasse de ir á urna, ou de a ella concorrer. A esta lembrança não deixo de dar algum peso e bastante consideração; eu infelizmente tenho entrado em quasi todas as lides eleitoraes, na verdade, o que me custa mais, é conseguir que os eleitores concorrem á urna, e para elles um sacrificio. Mas não me admiro, é porque as eleições apresentam um campo de batalha assustador, e d'onde resultam muitos desgostos e inimizades.

Sr. Presidente, tambem outro nobre Deputado pertendeu, que esta Lei fosse o ramo de oliveira, que trouxesse a este Paiz a paz e a ordem. Sr. Presidente, eu estou convencido que jámais isso póde acontecer no estado em que nos achamos: eu tenho observado as eleições pelo systema directo, e pelo systema indirecto, presenciei as eleições de que já fallou um nobre Deputado, as eleições de 1820 foram feitas pelo systema indirecto e em tres graos, e, com effeito, ninguem póde negar a legalidade com que essas eleições marcharam, (Apoiado) ninguem póde negar que o resultado dessas eleições foi apparecerem as maiores capacidades do Paiz na Casa do Parlamento. (Apoiados)

Veio a Constituinte, determinaram se as eleições directas, e que é o que appareceu por occasião dessas eleições Appareceu um campo de desordens, e anarchia, praticaram-se as maiores arbitrariedades, e violencias, appareceram umas queimadas, e eleitores esfaqueados!!

Sr. Presidente, a eleição de 1820 foi verdadeiramente nacional, e então della nasceu a verdadeira expressão nacional, porque nesse tempo ainda não existiam os Partidos, mas desde que elles appareceram, essa vontade, essa expressão tem sido opprimida e suffocada, triunfando a dos Partidos, daqui é donde vem o mal, e esse mal e impossivel que se remedeie, e menos, que esta Lei os destina, por isso, Sr. Presidente, eu tômo a repetir, que não posso dar os parabens á Nação: Sr. Presidente, ok desejos que se patenteam, os meios que se empregam para que esta Lei appareça quanto antes, por ser de primeira necessidade, serão sinceros? Talvez que não. Nas eleições passadas, e em quanto não appareceu o resultado final, homens do Partido contrario disseram, que o processo havia marchado sem Violencia, e legal, mas apenas se conheceu a perda, tudo eram irregularidades, fraudes, e violencias, e logo em seguida empregaram-se meios revestidos dessas ideadas fraudes, e violencias, paiaseiem declaradas nullas as eleições, e empregaram-se por muito tempo!! Então nada se conseguiu. Mas hoje inda se deseja obter, o que nesse tempo se não alcançou.

Sr. Presidente, isto não é oppor-me a que a Lei se discuta, se vote, e se promulgue; poderá ser que eu me engane, e que ella dê grandes resultados eu o estimo, eu o desejo.

Sr. Presidente, o fim principal para que eu pedia palavra, foi para fundamentar o meu voto. Eu acho-me em uma situação tal, que na verdade, se désse o

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meu voto sem o ter fundamentado, poderia merecer as censuras, que já aqui tenho ouvido lançar á Maioria da Camara.

Sr. Presidente, a Commissão Eleitoral na Sessão passada, fez uma pergunta a esta Camara, desejando saber se o art. 63.º, era ou não constitucional; e esta Camara depois de uma acalorada disputa decidiu, que o artigo não era constitucional, e eu tambem votei assim, por isso mesmo, que entendi, que a pergunta era sobre o methodo, e eu não entendo que o methodo seja constitucional: poderei estar illudido.

Daqui, Sr. Presidente, concluo eu que a Commissão Eleitoral achou o artigo obscuro, e julgou precisa uma declaração delle, vindo por isso pedir á Camara: esta declaração e uma verdadeira interpretação do artigo; (O Sr. Rebello da Silva: — Nada, não é) e uma verdadeira interpretação do artigo; esta é a minha opinião; porque de duas uma, ou a Commissão julgava o artigo claro, e então não devia fazer a pergunta, ou o julgava duvidoso, e veio pedir á Camara, que lho declarasse, e essa declaração de que era escuro ou duvidoso o artigo, é uma verdadeira interpretação: eu estimarei muito que se me responda a isto, e mesmo o que os nobres Deputados da Opposição, ou diversa opinião tem dito nesta questão o confirma, porque uns chamam-lhe declaração, outros classificação, outros procurar commodo, e esta variedade tão disparatada deixa ver que fluctuavam sem encontrar argumento que os salvasse.

Sr. Presidente, se o artigo foi interpretado por esta Camara, e interpretado por uma simples pergunta da Commissão, a que a Camara respondeu: essa interpretação não se póde julgar direito constituido, como a Commissão exige, e como a Commissão quer: a decisão da Maioria versou sobre uma simples pergunta; e pelo meu modo de entender não póde produzir effeito nenhum legal. Deve-se reconhecer, que foi uma verdadeira interpretação de artigo, isto não se póde negar, (O Sr. Rebello da Silva: — Póde, póde) feita por uma tal fórma, por uma pergunta da Commissão, a que a Camara respondeu; o art. 13.º da Carta, paragrafo 6.º, diz, que é da attribuição das Côrtes fazer Leis, interpretal-as, suspendel-as, e revogal-as: como é que a decisão da Camara póde fazer Lei do Estado, sem a annuencia ou consenso da outra Camara? E do Poder Moderador? Não póde. Isto Sr. Presidente, não se póde negar.

Eu não chamo a questão ao campo da declamação, não a chamo ao campo das divagações, e cinjo-me ás regras da verdadeira interpretação. Convido pois os nobres Deputados a entrar neste campo.

Sr. Presidente, já deu a hora, e por isso pedia o ser-me reservada a palavra para ámanhã.

O Sr. Presidente: — A Ordem do Dia para ámanhã e a continuação da mesma de hoje — a discussão da Lei Eleitoral; — devendo comtudo a Camara decidir, se se lhe devem antepor alguns objectos, ou não, já dados para Ordem do Dia. Está levantada a Sessão. — Eram mais de quatro horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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