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tre Membro que bem se entende que as palavras allodiaes, e livres só tem referencia ao encargo do vinculo. Comtudo, sendo fora de dúvida que a linguagem juridica he a que propõe o Senhor Borges Carneiro, a Emenda deve ser adoptada. Quanto á outra Emenda do mesmo Senhor Borges Carneiro para que se diga que como taes passarão os bens não só para os herdeiros legitimos, ou testamentarios do ultimo Administrador, mas para quaesquer outras pessoas por contracto inter vivos, e morta causa, não posso deixar de reflectir que na primeira parte, isto he, quanto a ficar habilitado o Administrador a dispor dos bens por contracto inter vivos, que he inadmissivel. O Administrador por esta forma ficará sujeito a suggestões cavilosas de pessoas, que o enganem, e victima da sua credulidade, e ignorancia; poderá chegar a um estado decadente, e miseravel, não podendo por isso representar com dignidade o Instituidor, nem servir com lustre o Throno, que são os fins, por que a Lei tolera entre nós os Morgados; e são as clausulas, e condições da vocação acceitas pelo Instituidor, e que he necessario que elle preencha. Quanto á 2.ª parte, a disposição mortis causa não me opponho, porque está no caso do testamento. - O Additamento do Senhor Molinho da Silveira admittiria eu; mas para que as diligencias de julgar, extincto o vinculo se fação pelo herdeiro, ou doado depois do fallecimento do ultimo Administrador; em vida d elle não: os bens, em quanto viver este ultimo Administrador, devem conservar-se segundo a instituição, e por isso todas as diligencias para a declaração de se achar extincto o vinculo pertencem ao tempo, em que já não existir o tal Administrador; pertencem ás pessoas, que por fallecimento delle se considerarem com direito aos bens delle aut ab homine, aut a lege.

Sendo chegada a hora, ficou a questão adiada para a Sessão seguinte.

Teve a palavra o Senhor Deputado Campos, como Relator da Commissão de Fazenda, para lêr um Parecer sobre dous Requerimentos de varios Empregados da Contadoria da Fazenda da Bahia. Ficarão sobre a Mesa.

O Senhor Deputado Fonseca Rangel, como Relator da Commissão da Guerra, lêo a seguinte

INDICAÇÃO.

«A Commissão Militar propõe que para continuar seus trabalhos sejão pedidas ao Governo as seguintes informações = Qual a despeza, que em um mez de 30 dias se faz com o Armamento, e Equipamento de uma Praça de Infanteria, de Caçadores, e de Artilheria =. Casa da Commissão Militar em 12 de Fevereiro de 1828. - José Maximo Pinto da Fonseca Rangel, Relator da Commissão.»

Foi approvada.

O Senhor Deputado Soares Azevedo fez a seguinte

INDICAÇÃO.

«Proponho que ao Governo pela Repartição competente se peça a Ordem, ou Provisão do Conselho da Fazenda de 8 de Julho do anno passado, expedida ao Provedor da Camara de Vianna, pela qual, além de outras cousas, se mandava que o dicto Provedor fizesse cobrar todos os Direitos de fumage, que pagavão os Povos do Termo da Barca, e não tinhão pago desde o anno de 1820 por diante; bem como s Consulta, ou Papeis, que prepararão a expedição daquella Ordem, ou Provisão.-Sala das Cortes 12 de Fevereiro de 1828. -O Deputado Francisco Xavier Soares Azevedo.»

Mandárão-se pedir.

Lêo o Senhor Deputado L. T. Cabral, como Relator da Commissão d'Infracções, um Parecer da mesma Commissão para ser impresso um Requerimento, que apresentava, de D. Maria Antonia da Conceição Pio, mulher do Chefe d'Esquadra reformado Antonio Pio dos Sanctos; e foi decidido que se não imprimisse por 39 votos contra 38.

Dêo então o Senhor Presidente para Ordem do Dia, da seguinte Sessão um Parecer já adiado da Sessão passada, sobre Casca de Sobro; continuação da discussão sobre o mesmo Projecto, e nomeação de Commissões; e disse que estava levantada a Sessão ás duas horas e um quarto.

SESSÃO DE 14 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e quarenta minutos da manhã, feita a chamada, achárão-se presentes 100 Senhores Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão, 14 a saber: os Senhores André Urbano - Alberto Soares - Mascarenhas Grade - Xavier da Silva - Sonetos - Costa Rebello - Ferreira de Moura - J. J. Pinto - Botelho de Sampaio - Sousa Cardoso - Mozinho d'Albuquerque - L. J. Ribeiro - e Rebello - com causa, e sem ella o Senhor Visconde de S. Gil.

Disse então o Senhor Presidente que estava aberta a Sessão; e, lida a Acta da antecedente, foi approvada.

Dêo conta o Senhor Deputado Secretario Paiva Pereira de uma Representação da Junta da Fazenda da Universidade de Coimbra, que foi mandada remetter á Commissão de Fazenda.

De outra do Ministro da Fazenda, remettendo Exemplares do Balanço do Thesouro do mez de Janeiro, e os do Orçamento da Receita, e Despeza para o anno corrente.
Mandárão-se distribuir.

De um Additamento ao Projecto sobre Minas offerecido pelo Barão de Echwege: mandou-se unir ao mesmo.

De um Officio do Major da Brigada Real da Marinha, Manoel Rodrigues Lucas de Sena, oferecendo um Folheto com o titulo de - Eschola do Soldado de Marinha. Mandou-se para o Archivo.

Passou-se á Ordem do Dia; e entrou em discussão o Parecer da Commissão de Petições sobre a exportação da Casca de Sobro, adiado na Sessão da 1827. (Vide Vol. I. pag. 789).

O Senhor Campos Barreto: - Eu tive a honra de pertencer o anno passado á Commissão de Petições em tempo, em que nella appareceo este Requerimento, quando já se achava outro, que requeria medidas geraes sobre a exportação da Casca de Sobro. A questão do primeiro Requerimento pareceo á Commissão de muita importancia, e pedírão-se sobre ella escla-

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recimentos ao Governo; mas em quanto á Segunda, não julgou que devesse ser indeferida, porque advertio, que verti esse Negociante a requerer uma medida Legislativa; que elle a requer sobre um direito garantido pela Carta, que he o direito de propriedade, tão necassario paro a estabilidade, e segurança do Commercio, e a mesma liberdade do Commercio, e da Industria, consignadas nos §§ 21 e 23 do Artigo 145 da Carta, com as unicas excepções alli declaradas, que por isso excluem quaesquer outras, e firmão ns regras estabelecidas; parecia pois, digo, que não podia entrar em dúvida que o Proprietario disse genero podia especular com elle á sua vontade; visto que o seu caso visivelmente estava fóra das excepções, do § 23 já citado. Com effeito não se pode ver como a exportação de uma porção da Casca empatada nos armazães possa oppor-se directa, ou indirectamente aos costumes públicos, á segurança, ou á saude da Cidadãos, que são na excepções da Carta; e então he visto que na Carta elle não tem obstaculo, senão favor. He verdade que ha uma Resolução mandando prohibir a exportação da Carta de Sobro, e de Carvalho a petição dos Negociantes de Curtumes; mas parece que as circumstancias, em que se acha o genero pertencente a este Negociante são differentes, como logo direi, daquellas, que se tiverão em vista para a dicta Resolução. Esses Negociantes do Curtumes expozerão as razões, que são obvias, para promover aquella Resolução, por exemplo, que a Casca em necessaria para, os suas Fabricas, que se precisava de grande quantidade nellas, e que exportando-a não somente sofferião falta as dictas manufacturas de Curtumes, senão que terião que a pagar a maior preço, comprando-a a estrangeiro. Por consequencia, tendo-se mandado consultar a Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e Navegação, e o Conselho da Fazenda, resolveo-se a primeira vez em 5 de Janeiro de 1820 prohibir a exportação da Casca de Carvalho, e Sobro. Nenhuma prohibição consta que houvesse em nossa Legislação anteriormente a este respeito. Porem o Requerimento, de que tractâmos, he relativo a uma porção de Casca já armazenada, a respeito da qual não pode haver dúvida alguma era permittir a exportação; pois não se offendo com isso, nem os interesses da Lavoura, nem os das Fabricas dos Curtumes, pelo contrario, o Estado lucra, porque he um genero armazenado sem Valor, que vai ter valor, sendo exportado; lucra pelos direitos, que paga, pois he necessario ter em consideração que este genero está tão sobrecarregado de direitos, que esses mesmos direitos poderião já ser olhados como uma medida prohibitiva da sabida; lucra tambem o Supplicante, e emprendedor, que tem tanto direito á prelecção do seu ramo de Commercio, e Industria (digo Industria, porque he igualmente Fabricante de Carvão de Sobro), como os Fabricantes de Curtume, pois nem a equidade, nem a economia politica fazem essas differenças, tendo só em vista a utilidade geral da Nação, e não a preferencia de classes, ou de generos. Nem pode tambem ser prejudicial essa exportação aos Fabricantes de Curtumes, posto que deixão a Casca armazenada, e a não cumprão: e isto não pode acontecer senão por uma de duas causas, ou por acharem outra mais barata, ou de melhor qualidade; por conseguinte a Casca armazenada não tem valor em qualquer dos casos; e ninguem dirá que não seja util dar valor áquillo, que o não tem, o que se consegue permittindo a exportação, que esse Negociante requer. Poderia olhar-se isso como cousa desprezivel, e de pouco valor em tempos antigos, naquelles tempos, em que nós eramos muito ricos, e extrahiamos immensas quantias das minas do Novo Mundo, quando Lisboa era em fim o emporio do Commercio de ambos os Continentes; mas agora he necessario dar valor aos productos da nossa Agricultura, e das nossas Fabricas, removendo estorvos ao Commercio.

Julguei dever dar esta breve explicação do Parecer, como Membro da Commissão, que o offereceo á Camara na Sessão do anno passado; particularmente para chamar a discussão ao seu ponto preciso, fazendo sentir a grande differença, que ha entre exportação da Casca em geral, e exportação de uma dada quantidade della já separada, e armazenada, que he o caso agora figurado; caso, a que não podem applicar-se a maior parte dos motivos, que determinárão as Regias Resoluções, que obstão ao Supplicante deste Requerimento.

Na discussão darei outros esclarecimentos, para que estiver habilitado.

O Senhor Sousa Castello Branco: - Senhor Presidente, peço a palavra sobre a ordem.

O Senhor Presidente: - Tem a palavra o Senhor Deputado sobre a ordem.

O Senhor Sousa Castello Branco: - Senhor Presidente, pedi a palavra sobre o ordem só por ouvir o Relatorio da Commissão, onde se faz um jogo de muita Legislação, que he preciso ser muito considerada, e attentamente combinada; mas depois que ouvi fallar um honrado Membro da Camara, que cuido ter sido um dos Colaboradores do mesmo Relatorio, mais me confirmei na minha opinião. Elle fallou com muita sabedoria, como costuma, e allegou tantas disposições de Direito, que me persuado que tractar a questão, ouvindo apenas lêr o Relatorio, será perigoso. Na verdade a decisão deste negocio he tão connexa com a Legislação dispersa em varios Regimentos particulares, e Extravagantes, que a minha opinião seria, ou que se imprimisse, e distribuisse, ou que se guardasse para outra occasião. O Illustre Deputado, a que me refiro, figurou não obstante este negocio como muito facil; mas entoo donde vem tantos encalhes, e lautos estorvos, que demandão providencias legislativas! Parece-me que aqui latet anguiz in herba, aqui ha cousa. O meu parecer pois he que por ora se não discuta o Parecer da Commissão.

O Senhor Cordeiro: - O fundamento, em que se apoiou o Senhor Deputado, que requerêo o adiamento, he o não ter visto impreco este Parecer da Commissão. A theoria de distribuir impressas as cousas, que devem discutir-se, he muito interessante; mas, toda a vez que não seja necessaria, se deve evitar essa despeza. Ora: que neste caso he desnecessario he evidentissimo, visto que já na Sessão passada se tractou desta materia, e que no Diario da Camara, a pag. 789, está impresso o Parecer, e a discussão sobre elle. Se se ha de imprimir todos os dias tudo quanto ha de entrar em discussão, alem de estar já impresso no Diario, então escusado he haver tal Diario.

O Senhor Cupertino:- O que a mim me parece estranho he que depois de se ter já tractado desta ma-

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teria, e ter-se adiado para hoje, se peça agora um novo adiamento.

O Senhor Magalhães: - Não obstante ter-se já discutido o anno passado este Parecer, levanto-me para apoiar a opinião do Senhor Sousa Castel Branco. Diz contra ella o Senhor Cordeiro que no Diario da Camara se acha impresso o Parecer a paginas por elle citados, e que por tanto não ha necessidade, que elle seja dado para Ordem do Dia, e se mande imprimir. A mim acontecêo-me o receber a porção do Diarios, em que elle está estampado, não em tempo conveniente, mas só no principio desta Sessão da Legislatura; e o mesmo acontecêo e muitos outros Senhores Deputados: logo, não prevalece o principio, que o Senhor Cordeiro defendêo pela existencia do Parecer no Diario da Camara. Por consequencia he necessario que a Camara seja informada desta objecto, pois ha nelle cousa de summa transcendencia; e estamos gastando tempo nesta malfadada questão, quando temos cousas tão importantes, e de tanta necessidade a tractar: opponho-me por tanto a que o Parecer em discussão se questione agora.

O Senhor Sousa Castelbranco: - Ainda me levanto para sustentar o que disse, apezar das reflexões, que ha pouco ouvi em sentido contrario. Alem do que respondêo o Senhor Magalhães, devo lembrar á Camara que o uso de propriedade particular he limitado pela mesmo Carta, que o consagra, quando pode vir prejuizo público, ou particular. A pertenção dessa Negociante está em opposição com a dos Fabricantes de Curtumes, e cornos da Agricultura: a exportação da casca tem arrazado os Montados; as madeiras da construcção estão mui reduzidas, e diminutas, e chegará a ponto de não haver carnes de porco creadas no Reino, porque os sovereiraes, que davão o fructo para sustento, e ceva dos porcos, estão já grande parte em terra, e irá o resto abaixo. O negocio he importante, e deve ser odiado. Sobre um Parecer extenso, que mal se pode seguir com attenção na applicação, que faz, se diversos principios, e disposições de Direito, não acho prudente que se vote agora.

O Senhor F. J. de Campos: - Eu quereria que esta questão se decidisse hoje mesmo, porque o Requerimento, sobre que foi dado o Parecer, está na Camara desde a Sessão passada. Não ha dúvida que a materia he assás difficil, e involve diversos, e oppostos interesses, que he necessario conciliar por maneira, que se não sacrifique o Lavrador ao fabricante, nem este ao especulador. Se porem se não decidir já, he então necessario adia-lo, e torna-lo a mandar á Commissão, porque ella não nos diz os direitos, que actualmente paga este genero, o que me parece deveria fazer, e juntar a sua opinião sobre elle, propondo o seu augmento, ou reducção. Eu não digo isto porque siga absolutamente o systema prohibitivo; mas he necessario que, podendo sahir a casca de sobro, se lhe ponha um direito assim forte, para que se não exporte de tal maneira, que deite a perder as nossas Fabricas de Curtume, e despovoe de arvores o Reino, porque ellas fazem parte da sua riqueza, e da sua fertilidade; mas do qualquer forma he preciso acabar com uma questão, que já aqui tem vindo umas poucos de vezes.

O Senhor Cordeiro: - Parece-me que os Senhores, que dizem querem poupar o tempo, o desperdição, porque tem confundido a materia. O fundamento de dizer-se que o Diario, em que está o Parecer da Commissão, tinha sido distribuido no principio deste anno, he verdadeiro, mas isto acontecêo, logo que começou a Sessão; logo esta distribuição está no mesmo caso que a dos Projectos, que se tem feito, e poucos dias depois discutido, como acontecêo á Proposta do Senhor Guerreiro, que apenas sahio da Imprensa fui logo dada para Ordem do Dia: julgo pois que estando ha muito impresso, e distribuido o respectivo Diario, não ha razão bastante para se dizer que não está ao facto da materia a maioria da Camara; entretanto como a Commissão examinou a materia, e se pode considerar, que ella tem mais vantagem na discussão, porque está mais habilitado; eu da minha parte não terei dúvida por esta unica razão em conformar-me com o adiamento temporario; porem como hontem se dêo para Ordem do Dia não tem desculpa os Senhores Deputados, que não se derão ao trabalho de examinar o Diario, e examinar a questão. Arguio-se de mais a mais a Commissão, porque não propoz um Projecto de Lei, que estipulasse os direitos a que ficava sujeita a exportação do genero, de que se tracta: a Commissão apresentou o seu Parecer como julgou conveniente, e attendendo a um Requerimento de Parte, que pedia providencia, assim como o fez em muitos outros casos, se o Camara lhe mandasse produzir o Projecto de Lei, a Commissão o teria feito; mas até aqui não tem sido a prática na Commissão de Petições apresentar Projectos sem elles lhe serem encarregados pela Camara. Esta Commissão he instituida para o exame de Requerimentos de Partes, e seria muito estranho que ella offerecesse Projectos sem os seus Pareceres serem discutidos, e approvados pela Camara: no seu Relatorio se vê que os Direitos estabelecidos para a sabida destes generos são 30 por cento no consulado, e 10 na portagem. Quando na Camara se vença o tomar sobre isto uma medida Legislativa, então a Commissão encarará a materia pelos seus diversos lados, e apresentará uma disposição, que abranja os vencimentos, que houverem na Camara, para formar uma excepção a favor da Cascas, que se diz armazenada, reservando para a execução do Governo o conhecimento da effectividade desta circumstancia.

Seria uma especie de presumpção, e desvanecimento que e Commissão de Petições sobre um interesse de Parte requerente apresentasse logo um Projecto a favor dessa Parte antes de se vencer, e adoptar na Camara o Parecer do seu Relatorio, e ainda avanço mais que até seria indecente á dignidade da Commissão.

Concluo que a Commissão não fallou em Direitos, nem tractou de examinar a conveniencia da sua modificação pelas razões dadas, e por isso acho que a arguição feita he fora de lugar, e injusta: proponho portanto que V. Exa. offereça á Camara o adiamento do Parecer, o que se não vence por meio desta discussão, mas sim levantando-se uma terça parte, ou mais dos Membros da Assemblêa.

O Senhor Magalhães: - As primeiras idéas emittidas pelo Senhor Deputado, fallando na Ordem, de certo não estavão nella; mas vamos adiante. O mesmo Senhor conveio em que effectivamente a parte do Diario, em que está o Parecer, de que se tracta, foi

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distribuida no presente anno; não deve pois causar-lhe admiração que uma parte da camara não esteja ao facto delle, porque os Senhores Deputados quasi todos vão seguindo os objectos, que se dão para Ordem do Dia: ouvindo o que disse o Senhor Cordeiro, e o que igualmente disse o Senhor Campos, eu adopto uma opinião media entre as suas, isto he, que o Parecer nem se discuta, nem fique adiado, mas que se remetta á Commissão de Fazenda, e assim termina esta questão.

O Senhor Moraes Sarmento: - Eu pedi a palavra a V. Exca. para requerer-lhe pozesse á votação uma das Proposições de qualquer dos Senhores Deputados, de maneira que terminemos esta questão, que já se vai prolongando.

O Senhor F. A. de Campos: - Pedi a palavra para uma pequena explicação, que só reduz a declarar que não foi da minha intenção atacar a Commissão. Quando disse era necessario que a Camara fosse informada de alguma cousa relativamente aos Direitos, que se devião impor na exportação deste genero, foi na bem fundada idéa de que um genero, cuja exportação he prohibida, não pode ter Direitos estabelecidos por sabida; e neste caso era necessario que a Commissão désse o seu Parecer sobre a quantidade do Direito, a fim de poder a Camara deliberar, partindo de uma base. O Senhor Cordeiro responde que isto he contra a prática da Assemblêa: perdoe; mas não ha assim. A Commissão de Fazenda segue sempre este methodo; outras o tem seguido, e he o mais breve, e o mais natural. E como poderemos regular estes Direitos sem que para esse effeito haja um Projecto! Não o sei.

Procedêo-se á votação sobre o adiamento temporario, proposto pelo Senhor Magalhães, e ficou approvado.

Terminada esta votação, disse

O Senhor Presidente: - Como está acabada esta questão, devo dizer alguma cousa á Camara sobre o ter-se dado este Projecto para Ordem do Dia. O Regimento incumbe esta obrigação ao Presidente, entretanto he da prudencia delle designar para serem discutidos os que mais importantes lhe parecerem; o roais, que pode julgar-se do meu erro, he que não acertei na escolha: persuado-me porem que os interesses particulares, ainda que estão subordinados aos públicos, não são muitos vezes para desprezar: este homem queixa-se, ha um anno, da falta de resolução da sua Petição; em consequencia disto, e de me parecer que o objecto era importante, dei este objecto para Ordem do Dia, julgando tambem, quando o fiz, que nos levaria poucos momentos.

O Senhor Moraes Sarmento: - Eu tinha pedido a palavra não para apoiar a V. Exa., mas para dizer que o Parecer adiado he de muita transcendencia, involve interesses oppostos, e pode concorrer para o melhoramento do nosso Commercio, e Industria; por consequencia V. Exca. não precisava dar essa satisfação.

O Senhor Presidente: - Não conheço o Requerente senão pela constante, e contínua impertinencia, com que tem pedido a solução deste negocio. A questão está acabada.

Seguio-se o Projecto N." 117, e continuou a discussão com o Artigo 1.º, já adiado da Sessão antecedente.

O Senhor Deputado Secretario Paiva Pereira passou a fazer leitura das Emendas na precedente Sessão offerecidas.

1.º Quando em qualquer Morgado, ou Capella se acabar a ordem legitima da successão, ficará extincto o vinculo de Morgado, ou Capella, e o ultimo Administrador poderá livremente dispôr dos Bens por acto inter vivos, ou mortis causa; não dispondo, passarão os Bens a seus herdeiros legitimos.

Não se entende haver acabado a ordem de successão, em quanto houver parentes, posto que bastardo do ultimo Administrador, sendo do sangue do Instituidor. - Borges Carneiro.

2.º No caso do Artigo 1.º, quando os Bens anteriormente vinculados recuperarem a sua natureza primitiva, deve a sua liberdade ser declarada por Sentença passada com audiencia dos interessados, e quando nenhum exista precedendo Carta de Editos. - Camara dos Deputados 13 de Fevereiro de 1827. - José Xavier Mozinho da Silveira.

O Senhor Cordeiro: - Eu tinha dito hontem que me conformava com estas palavras que a Commissão escreveo neste Artigo (lêo), porque as julgo necessarias: alguns Senhores Deputados quizerão se tirassem delle as expressões relativas ao ultimo Administrador - sendo do sangue do Instituidor = dizendo que ellas se podem tambem referir ás outras = herdeiros legitimos = o que forma ambiguidade; eu porem digo que tal ambignidade não existe, porque se aquellas palavras se referissem ás outras herdeiros legitimas, então não se verificava o caso do Artigo; pois que em quanto existirem herdeiros legitimos do ultimo Administrador tendo de sangue do Instituidor, não se pode dizer acabada a ordem da successão, e para corroborar a opinião que sustentei, devo responder ao unico argumento que contra ella se produzio. Disse-se, que as minhas reflexões se dirigião a cortar abusos, e que a Lei não consigna os abusos. Isto he verdade, mas tambem he certo, que não deve ser concebida de maneira que dê lugar a que os juizes possão commetter tres abusos: já a esta Camara veio um Requerimento para interpetrar a Ordenação do Livro 4.º Titulo 100, a respeito de um caso semelhante, então a Commissão de petições disse, que não havia necessidade de interpetrar a Ordenação, por ser clara sobre o ponto da dúvida; levantárão-se alguns Senhores Deputados, e julgarão a questão de diversos modos: ora se sobre uma Ordenação, que no pensar da Commissão era tão clara, se vio na pratica (como allegavão Supplicante) quão diversamente a entendião os juizes, e se de especies semelhantes nos está a mesma pratica dando exemplos todos os dias, porque o juizo dos homens diversificando extremamente resolve as questões deformas tambem diversas, principalmente quando ellas dizem respeito a interpetrações doutrinaes; digo eu que he de utilidade pública, e do dever do Legislador o consagrar as doutrinas de forma, que não estejão sujeitas a controversias. A dúvida que eu tenho sobre o Artigo consistia em saber qual era o ultimo Administrador, ou por outra, se era o ultimo in tempore, ou o ultimo injure, pois he claro que qualquer Administrador o pode ser de facto, e não legitimo, e então a successão quando verdadeiramente acabou não foi neste, ainda quando fosse o ultimo, mas sim no legitimo: por tanto a questão he muito

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simples, e consiste em tirar toda a equivocação que para o futuro posso haver em razão da inteligencia actual, ou espiritual da Lei; e em se dizendo do ultimo Administrador legitimo cessou toda a duvida: a minha insistencia consiste em diligenciar que a Lei vá clara, e não dê logar a interpretações. Disse hontem um Senhor Deputado que eu tinha affirmado que uma vez que houvesse parentes, já não havia lugar a este questão: eu tal não disse, nem podia dizer semelhante couza, ainda quando fosse menos versado na minha profissão uma vez que ha parentes por via do sangue do Instituidor não pode ter lugar o Artigo. Por tanto ha muita differença de parentes simplesmente a parentes por via de sangue do Instituidor: o que eu disse he coherente para inteiramente cortar todas estas questões para o futuro. Mando uma emenda para a mesa.

O Senhor Camello Fortes: - (Propoz a emenda seguinte: proponho que se supprimão as palavras Herdeiros Testamentarios.)

O Senhor Borges Carneiro: - Eu tinha proposto hontem na minha emenda que o ultimo Administrador poderia dispôr dos bens por qualquer acto inter vivos ou mortis causa: eu retiro as primeiras palavras, e conservo sómente as segundas por acto mortis causa, isto he, por qualquer acto de ultima vontade, pois que taes actos são revogaveis por toda a vida, e sómente tem seu effeito depois do momento da morte, do qual momento he que os bens vinculados se tornão livres. Eu insisto na generalidade das ditas palavras, para que sejão substituidas os do Projecto herdeiros testamentarios as quaes se admittem a instituição de herdeiro, e excluem não só a doação mortis causa, mas até o legado; e não ha razão para que o Administrador possa dispôr dos bens pelo primeiro daquelles titulos, e não pelos dous segundos, e se a doação he sujeita a suggestões, e seducções igualmente o he o Testamento.

Quanto ás palavras do sangue do Instituidor, se devem riscar como inexactas; pois querendo-se dizer que o ultimo Administrador será o legitimo, e não intruso, ellas o não dizem; pois por outras causas pode elle não ser legitimo, como, por não ser o mais proximo em gráo ou o preferivel no sexo, por ser clerigo etc. e nesse caso lá disputarão com elle os legitimamente interessados: porem não faz mal antes bem dizer-se do ultimo legitimo Administrador.

Finalmente he necessario o additamento do Senhor Mozinho para que o herdeiro, donatario, ou legatario do dito ultimo Administrador consiga em Juizo competente, precedendo citação pessoal ou edital, uma sentença pela qual conste haver acabado toda a ordem de successão, e com ella se dar baixa na Provedoria, Juizo das Capellas etc. do mesmo modo que no caso dos vinculos insignificantes se obtem Provisão do Desembargo do Paço para os bens serem tambem havidos por allodioes. Mas qual deve ser aquelle Juizo competente? He preciso declarar-se nesta Lei, e eu opinarei que sejam os justiças ordinarias do logar onde o defunto tinha domicilio, e não o Desembargo do Paço: 1.º porque neste Tribunal são tão morosas, e dispendiosas as ditas Provisões de abolição, com as informações que lhe precedem, que he por ahi Capella insignificante, que os encargos de 100 annos valem menos que a despeza da abolição: 2.° porque he incoherente dar novos attribuições a um Tribunal, existencia he incompativel com a Carta Constitucional; pois sendo a sua principal funcção dispensar leis mesmo por tarifa, e sem conhecimento de cousa, as leis se são mas, não se devem conservar; se são boas, não se devem suspender serão com causa justissima, e intervenção do Poder Legislativo: e quando alguns nos chamão Revolucionarios, Republicanos, e Demagogos, por concebermos a idéa da suppressão de um ou outro Tribunal, que está estabelecido por Lei, procurando semear por todos os modos a discordia esses taes queixem-se não de nós, mas de ElRei, ou antes da Providencia Divina, ao passo que nós lhe damos continuamente graças por nos dar um Rei sabio e verdadeiro amigo da sua Patria, o da felicidade geral.

O Senhor Marciano d'Azevedo: - Como hontem não assisti á Sessão por molestia, não estou ao alcance da discussão, por isso hão de desculpar-me se hoje repetir o que talvez já esteja mais bem demonstrado. Não he novo o conhecimento de quanto são inuteis as denuncias de bens de Morgado, ou Capella pela extincção da familia do Instituidor, ou para melhor dizer, de quanto ao prejudicies pela ruina das familias, e de pouco, ou de nenhum proveito da Fazenda Publica; e por isso já de mais longe se lhe tem applicado remedios, mas porque recahirão sobre os symptomas, e não sobre a molestia, se dirigírão só contra os effeitos, e não contra a causa, todos tem sido inuteis; pela Lei de 23 de Maio de 1775 determinou-se que nunca se admittissem denúncias sem previamente se justificar: primeiro, os motivos que lhe servissem de fundamento; mas que importou isto se a Lei ficou manca? Exigindo esta previa justificação, não ordenou positivamente que o denunciante reforçasse a sua provo no plenario da revindicação que intentasse em virtude da denúncia. Daqui resultou um campo vasto para a ignorancia, ou malicia estabelecer uma Jurisprudencia a seu sabor; tinha a Lei de 22 de Dezembro de 1761 estabelecido, que a Real Fazenda entraria sempre com a sua intensão fundada nas contas que baixassem do Real Erario contra os seus devedores, pela optima razão de que nos livros do Erario existião escripturados os contractos, ou obrigações dos devedores, aos quaes já não podia restar outro direito, mais do que mostrar que as cumprirão ou que os pagarão: era este direito precipuo para a execução das dividas fiscaes; mas bem depressa se applicou ás revindicações por denúncia, de sorte que se o infeliz réo não tinha documentos para mostrar ser do sangue do Instituidor, ou porque os terremotos, incendios, desleixos, ou a noute do tempo lhos tinha escondido, isto bastava para o infeliz ser condemnado pelo fundamento de que o denunciante, que representa a Coroa, entrava com a sua intensão fundada sem nada ter a provar, transtornando-se por este modo todas as idéas de direito positivo, e natural que não consentem que alguem vença em Juizo, sem provar os factos em que se funda, nem que alguem seja condemnado só pelo livre dicto do seu adversario. De proximo tem-se um pouco emendado este systema gotico, porque a luz, que nada deixa estacionar, ao passo que vai destruindo os obstaculos, vai fazendo vêr, que o denunciante, ainda que se diga cessionario da Real Coroa, não tem a semelhantes acções

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mais direito que outro qualquer particular, e que a disposição da Lei de 22 de Dezembro de 1761 he só privativa para os devedores fiscaes. Mas que males se não tem produzido anteriormente! Que familias se não tem arruinado! Só porque vogava a doutrina de que o denunciante entrava sempre com a sua intensão fundada; por isso pois que esta Lei não tinha remediado o mal, proveniente das denúncias, veio a outra de 14 de Janeiro de 1807, pela qual se prohibio, que não se admittissem mais denúncias de vinculos, ou Capellas, que só achassem escripturadas nas Provedorias, pois que então o denunciante nenhuma noticia vinha a dar em Juizo, pela qual merecesse premio: já anteriormente tinha havido um Decreto, que se acha Registado no Desembargo do Paço, cuja data me não lembra agora, no qual se determinou que nunca se admittissem denúncias, se não passado um anno depois da morte do ultimo Administrador; mas que importárão todos estes remedios te o mal, em vez de diminuir, tem ido a peior? Não ha nada que se não denuncie, e até nesta Capital se tem levantado Sociedades, que tem por instituto unicamente = dar denúncias = pelas quaes, se não conseguem arruinar as familias, pelo menos incommodão-as com renhidos pleitos, e por largos annos. Se pois o mal continúa, em vez de diminuir, apezar dos remedios que se lhe tem applicado, que prova isto senão que o remedio he mais fraco do que mal, ou que aquelle não he o verdadeiro para extinguir este? Graças pois á Commissão que descobrio o verdadeiro remedio, de acabar de uma vez tão pernicioso mal! A posteridade lhes renderá eternos agradecimentos! Tudo estava em applicar o remedio á causa, e não aos effeitos, quero dizer, em restituir aos vinculos aquella Jurisprudencia, que já desde os Romanos estava instituida para os fidei-commisdos familiares (pois que os vinculos, depois da Lei de 3 de Agosto de 1770 ficárão perfeitos fidei-commissos familiares, por acabarem sempre que acaba a familia do Instituidor); isto he, que elles acabem no ultimo Administrador do sangue do Instituidor, ou do que pela Lei de 3 de Agosto de 1770 ficasse fazendo as vezes de Instituidor: e como esta doutrina he a mesma que a Commissão consagrou neste Artigo, a qual, uma vez approvada, estará acabada toda essa peste de denúncias, com que se atormentava o Reino, eu a approvo; mas em lugar das palavras = Ordem legitima da Successão = diria eu = quando em qualquer Vinculo, ou Capella acabar a ordem dos successores por legitimo Matrimonio, e na sua falta acabar tambem a ordem dos naturaes, ficarão livres os bens, etc. = pois que por direito consuctudinario, observado desde que em Portugal se conhecem vinculos, sempre os naturaes forão admittidos á successão dos Morgados, na falta dos successores por legitimo Matrimonio; mas como a este respeito o Senhor Borges Carneiro tinha feito um additamento, eu me reservo para desenvolver este direito, quando elle vier á discussão.

Tambem tiraria do Artigo as ultimas palavras = do cangue do Instituidor = para evitar a confusão que hão de produzir na prática, pois que como pela Lei de 3 de Agosto de 1770 todos os Vinculos de nomeação ficárão regulares na pessoa dos Administradores, que existião ao tempo da sua publicação, para si, seus parentes, e conjunctos; he claro que ha hoje Vinculos em familias, que nenhum sangue tem do Instituidor, e por consequencia se ficassem no Projecto as palavras = do sangue do Instituidor = podião produzir no futuro um sem número de demandas.

O Senhor Mozinho da Silveira: - Ainda sustento a Emenda do Senhor Borges Carneiro na parte, em que marca a pessoa, que ha de substituir-se á mencionada no Artigo. Estou convencido de que não procedem os argumentos do Illustre Deputado, que acaba de fallar, pois não pode admittir-se, tractando das pessoas em questão, que qualquer dellas posso um dia dispôr de uma cousa, e depois tornar a dispôr da mesma cousa: pode tambem haver direito a fazer uma determinação em um sentido, e não o haver, fazendo-se em diversa circumstancia; por exemplo, se eu for agora á Sé, e disser: facão ahi uma cova, e mettão-me dentro della, está visto que tal não se pode fazer; mas eu posso dizer: quando morrer enterrem-me na Sé, e isto já pode ter lugar. Quando pois morre qualquer Morgado, evidentemente deixa de o ser; e o unico, que lhe pode succeder, he o ultimo do sangue do Instituidor; quando este, porque não existe, não pode governar, nem ter mera vontade, he disposição juridica que a tenha por elle o que existe do seu sangue; mas se apparecerem parentes, e poderem dispôr destes bens como allodiaes, seguia-se disto que um homem reputado sem direito a uma cousa podia dispôr della; cousa absurda. O vinculo não pode deixar de acabar com o sangue do Instituidor. A Emenda do Senhor Borges Carneiro falla em Legatarios, e nesta parte advirto que a não opprovo, por ser contra o nosso Direito. Pelo Direito Romano he que poderia pôr-se em dúvida a validade, ou invalidade de tal disposição; mas pelo Direito Portuguez quem faz testamento pode deixar a herdeiros, quando os não haja forçados; e quem morre ao intestato competem os seus bens aos parentes, conforme a Lei.

O Senhor Aguiar: - Está muito bem concebido o Artigo, excepto nas ultimas palavras = do sangue do Instituidor, = os quaes devem omittir-se, porque, se elles se referem ao Administrador, são inuteis, visto que, segundo a Lei, o Administrador ha de ser em todo o caso do sangue do Instituidor; se ellas se referem aos herdeiros, apresentão a idêa da extincção do vinculo, havendo ainda pessoas do sangue do Instituidor, ás quaes, em quanto existirem, se defere o Morgado, segundo a Lei de 3 de Agosto de 1770, a qual a Commissão de certo não teve em vista alterar, contrahindo a duração dos Morgados, e restringindo a serie das pessoas chamadas para succederem nelles. O reparo, que um Senhor Deputado fez sobre as palavras = ordem legitima, = não tem lugar, porque ellas são sufficientemente claras, e não designão a ordem da Successão dos parentes de legitimo matrimonio, designão a ordem de succeder estabelecida na Lei, que he, alem daquella, a Ord. L. 4 Til. 100; e não definem qual he esta ordem, se a dos legitimos, e só esta, se tambem a dos bastardos, visto que este objecto he alheio da materia, que tractamos; e basta a respeito delle a referencia á Legislação existente.

O Senhor Deputado Camello Fortes quiz que se omittisse a palavra testamentarias, fundado no principio de que para qualquer dispôr válidamente por ultima vontade he necessario que sejão seus os bens, de

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que dispôe, e que os bens do vinculo não fôrão do vitimo Administrador em tempo algum da sua vida; mas este principio pode applicar-se tambem aos herdeiros legitimos, porque tambem a Successão legitima não tem lugar senão a respeito daquelles bens, que fôrão do defuncto ao ultimo momento da sua vida; e os bens vinculados só são allodiaes acabada a ordem da Successão; a ordem da Successão só acaba tendo morrido a ultima pessoa chamada pela Lei. He necessario advertir que as Successões são estabelecidas por Leis Civis, e que por isso não ha difficuldade alguma em que ellas dêm a qualquer a faculdade de dispôr dos bens vinculados, que administrou, e de os fazer transmissiveis a seus herdeiros depois da sua morte, em lugar de succeder nelles o fisco: a Lei não faz mais neste caso do que dizer: não succeda o fisco, succeda aquelle, que o ultimo Administrador designar; e, se não designar, succederá aquelle, que está designado para succeder na sua herança ab intestato.

Approvo por tanto o Artigo unicamente com a suppressão das palavras = do sangue do Instituidor. =

O Senhor Presidente propoz se a materia se achava sufficientemente discutida, e se vencêo que sim.

O Senhor Cordeiro: - Eu propuz que no Artigo se pozesse a palavra legitimo; e o Senhor Marcianno disse que era melhor escrever esta legal: deixo de sustentar a minha opinião sobre isto; ponha-se a que a Camara quizer, e melhor lhe parecer, porque sempre concordarei em cousas destas para que uma Lei saia mais clara, e expressa.

O Senhor Guerreiro: - A intenção da Commissão he que se guarde a ordem de Successão, que está marcada por Lei, entre nella quem entrar.

O Senhor Presidente. - Parece-me que tudo isto he objecto de redacção.

Fez o Senhor Secretario Paiva Pereira leitura dos duas Emendas apresentadas na Sessão antecedente; e bem assim das seguintes.

1.ª Do Senhor Deputado Cordeiro - Em lugar de - Administrador, do sangue do Instituidor - diga-se - do ultimo Administrador legitimo. -

2.ª Do Senhor Deputado Camello Fontes - Proponho que se supprimão as palavras - Herdeiros Testamentarios.-

Propoz o Senhor Presidente a primeira parte do Artigo até á palavra - encargo,- accrescentando-se a esta - proveniente da Instituição.- Foi opprovada. Propoz mais «se devião supprimir-se as palavras - Herdeiros Testamentarios? -» Vencêo-se que não por 51 votos contra 37. Propoz a Emolida do Senhor Deputado Borges Carneiro sobre a disposição por ultima vontade. Foi approvada por 53 votos contra 35. Propoz então a segunda parte do Artigo, e foi approvada. Seguio-se o Additamento do Senhor Deputado Mozinho da Silveira, e foi rejeitado por 47 votos contra 45.

Entrou em discussão o Artigo 2.°

«Nos Morgados, ou Capellas actualmente possuidos por Administradores Seculares a prescripção de trinta annos aproveitará contra qualquer denúncia por causa de devolução, ou de commisso.»

O Senhor Marciano d'Azevedo: - O Artigo diz (lêo) por consequencia estabelece-se aqui um principio contrario ao que até hoje tem existido, pois que pelo Alvará de 17 de Novembro de 1617 não se consente prescripção contra quaesquer direitos da Coroa: porem não he por existir este Alvará que eu deixo de approvar a doutrina do Artigo, mas sim pela considerar superflua, e prejudicial; superflua, porque se no Artigo antecedente se põe termo ás denúncias pela extincção da familia do instituidor, de que servirá agora estabelecer uma prescripção contra taes denúncias já extinctas? He doutrina prejudicial relativamente a denúncia por commisso, porque neste caso já a Ord. L. 2.º til. 18 § 8.º tinha concedido aos possuidores Seculares muito maior direito do que este da prescripção de trinta annos, pois que esta Ordenação julga sufficiente, paro acabar o commisso, o simples facto da cousa incursa nesta pena, ter sido alienada a pessoa Secular capaz de a possuir, antes de ser denunciada, e feita della mercê no denunciante; e accrescente a Lei que assim se deve sempre observar por ser costume do Reino: logo, declarar-se agora que só a prescripção de trinta annos acaba o commisso, he prejudicar um direito muito melhor, já existente por Lei muito mais liberal do que a doutrina do Artigo; eu por isso o rejeito todo.

O Senhor Borges Carneiro: - Não me conformo na suppressão deste Artigo proposta pelo Senhor Marciano d'Azevedo; e o Artigo me parece util. Supponhamos que ha cem annos, uma Capella, ou Morgado imitou na Administração de um Clerigo, ou de outra pessoa intrusa por qualquer titulo, e está hoje nos seus successores. Vem agora um denunciante, e diz: «Este Vinculo ha um seculo que entrou em pessoa intrusa; nesse momento adquirio a Corôa direito; e contra a Corôa em nenhum tempo se prescreve; eu venho pois hoje propor o direito da Corôa.» He ouvido, e a denúncia procede. He pois mui necessario o presente Artigo para firmar a paz, e o descanço das familias, e cumpre que chegue tempo, em que por amor do fisco se não atropellem as regras da justiça, e da humanidade. Quizerão levar tão longe o favor do fisco que não receião calcar todos os mais objectos, quando delle se tracta. Em regra: o Fisco deve usar do direito commum, á excepção de alguns privilegios razoaveis. Tractão de acarretar para a CorÔa e Fisco todos os bens que podem, e não reflectem que o Patrimonio seguro dos Estados são os Impostos, que pagão proporcionalmente todos os subditos, e que os bens em mãos de Administradores temporarios são sempre mal cultivados, e mal bemfeitorizados, em tempo que o dinheiro se vai acabando pela sua exportação para fora, e não importação da America; de que resultará que não tendo nós nem dinheiro, nem productos nacionaes para dar pelo que comemos, e vestimos do Estrangeiro, faremos bem depressa uma tristissima figura. Voltando á questão, desejo que se tome em consideração o pensamento do Senhor Marciano; porque no caso do Clerigo, que possue contra as Leis de Amortização, elle purifica o Comisso segundo a Ord. Liv. 2.° tit. 18 § ult. u E vez que largue o predio antes de ser citado, ainda que não tenha passado tempo algum de prescripção a e he preciso que este caso se ponha em harmonia com, o Artigo. Finalmente, onde o Artigo diz; «nos Morgados, ou Capellas actualmente possuidos,» parece-me dever tirar-se a palavra actualmente; porque faz referir a disposição ao tempo em que esta Lei se pu-

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dicar, quando deve comprehender qualquer tempo futuro.

O Senhor Guerreiro: - Quando eu tive a honra de pertencer á Commissão, que apresentou o Projecto, pareceo-me clara a redacção deste Artigo, porem agora vejo que ella o não está; e por isso um lugar de responder a cada um dos argumentos com que se impugna, direi qual foi o sentido da Commissão quando o estabeleceo.

A Commissão entendeu que com a providencia do Artigo 1.° ficavão prevenidos de futuro todos os casos, em que sem aquella providencia haverião lugar as denúncias; vio porem que as Leis nunca podem ter effeito retroactivo, e que a todo o tempo seria possivel inquietar quaesquer possuidores de Vinculos com o pretexto de Commisso, ou de devolução verificado antes da publicação da Lei, que estamos discutindo. Todos conhecemos a maxima, da nossa Jurisprudencia, do que contra Corôa nunca ha presçripção; e a outra, que a Corôa entra sempre com a sua intenção fundada em direito. Aqui teriamos uma origem fecunda dos moles, que se pertende evitar.

A Commissão pois propõe, que quando alguem quizer denunciar Vinculos por causa de devolução, eu de Commisso, que se diga verificada antes desta Lei, possa um tal denunciante ser repellido com a presvcipção de trinta annos. Por outra: apressem-se os denunciantes; porque: daqui a trinta annos não ha mais denúncias desta natureza. O interesse público exige, que cesse toda o incerteza sobre a propriedade; e o interesse particular assegura-nos de que, desde que este Projecto for convertido em Lei, nunca mais haverá Commissos, nem devoluções. Estou certo que a Camara adopta esta doutrina: a redacção a final se fará, ou lembre cada um dos Senhores Deputadas a que achar melhor.

Só accrescentarei, que a Commissão falla aqui de Administradores Seculares para dar a entender que as Leis de Amortisação para os Corporações ERcclesiasticos lição em inteiro vigor.

O Senhor Marciano d'Azevedo: - O que diz o Senhor Borges Carneiro, e a explicação que dêo o Senhor Guerreiro, ainda não sustenta o Artigo, que assim está concebido (lêo). A Lei, segundo a Carta, nunca he retroactiva, só pode ser para os factos futuros; e se no Artigo antecedente se põe termo a todas as denúncias, por faltar a familia do Instituidor, para que servira dar a prescripção de trinta annos contra denúncias, que mais não podem existir? O Commisso he uma pena importa a quem he indigno de possuir. O Clerigo não he digno de possuir e administrar bens vinculados, e por isso desde que succede, e possuio algum Vinculo, incorre no Commisso; mas se a Ord. Liv 8.º tit. 18 § 8 ° diz que, se elle antes de ser denunciado tiver já transmittido os bens para o Secular, não tenha lugar a pena do Commisso, de que servirá tambem neste caso ao Secular a prescripção de trinta annos, se o simples facto de adquirir os bens lhe basta para acabar o Commisso do Clerigo, e não ter lugar a denúncia? Por todos os lados pois que se considere a doutrina do Artigo, he sempre inutil, e Leis inuteis não se fazem.

O Senhor Soares d'Azevedo: - As razões, que acaba de expender o Senhor Marciano d'Azevedo, são na verdade muito attendiveis, mas he necessario que o Artigo se conceba de modo, que se evitem as Denuncias não só pelos Commissos passados, mas mesmo pelos que podem haver para o futuro. Nós acabámos de Decidir no § antecedente, ou, para melhor dizer, acabámos de extinguir as Denuncias, que se davão daquelles Vinculos a quem se tinha acabado a ordem da successão; e neste § pertende-se extinguir as Denuncias, que possão ter lugar por occasião da devolução, ou Commisso; o Artigo parece acautelar os Commissos passados, e não os futuros, e eu desejava que o Artigo fosse concebido de tal maneira, que tambrem acautelasse as Denuncias dos Commissos futuros. He bem verdade que a mim não me lembrão senão dous casos, em que se dava o Commisso nos Vinculos; a saber: o Crime de Lesa Magestade, e a Successão de algum Eccletiastico. He certo que hoje, segundo as nossas Instituições, não se poderia verificar o Commisso pelo Crime de Lesa Magestade, que seria um verdadeiro Confisco, o que está prohibido pela Carta; mas a successão de algum Ecclesiastico pode muito bem verificar-se no futuro, e por isso não me perece exacto o dizer-se que para o futuro nunca se poderá verificar o caso de Commisso, e por consequencia a Denuncia por este motivo, porque eu já mostrei que podia acontecer naquelle caso, assim conto poderá acontecer em outros, que me não lembrão neste momento; julgo portanto que uma vez que o razão, e a justiça dicta que se extingão as Denuncias, não só pela desmoralisação, que trazem comsigo, como pela perturbação, que causão nas familias, e outras razões, que se tem expendido, deve-se tambem acautelar as Denuncias, que possão para o futuro ter lugar por causa de algum Commisso futuro, a prudencia pede que não deixemos este caso em dúvida, e uma porta aberta aos denunciantes, que apezar de todas as cautelas elles sempre hão de procurar fazer brécha na Lei, por onde possão assalta-la, e dar pasto á sua ambição. Sou portanto de voto que volte o Artigo á Commissão para o redigir deste sentido, e sendo necessario mandarei um Additamento para a Mesa.

O Senhor Borges Carneiro: - Levanto-me para rectificar o que primeiro disse de se poder dar devolução á Corôa por se estabelecer Capella sem licença
Regia; pois nesse caso a Lei não devolve os bens á Corôa, mas ao parente mais chegado do Instituidor. E como me levantei torno a lembrar a necessidade de
se memorar no Artigo o caso da Ord. liv. 2. t. 13. §. ultimo que no caso de Commisso do Clerigo, que possue Capella contra a Lei da amortização, lhe permitte purgar o Commisso, desfazendo-se della antes de ser citado, segundo o antigo costume do Reino, o qual deve ficar salvo pelo presente Artigo.

O Senhor L. T. Cabral: - A Commissão teve em vista acabar com as Denuncias: todos os Senhores Deputados mostrão os mesmos desejos. A questão agora reduz-se a saber, se o Artigo 2.º está aqui bem consignado; eu concordo com os Senhoria Deputados que não convem no Artigo, porque pode dar occasião a questões; entretanto he necessario nesta Lei um Artigo, em que se determine a abolição das Denuncias .....com estas idéas parecia-me que o Artigo devia voltar á Commissão para o redigir nesta conformidade.

O Senhor Guerreiro disse que ainda não tinha podido perceber qual era o estado da questão; que com

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tudo faria algumas observações a respeito do que tinha ouvido. Mostrou que se não devia authorisar a usurpação, que podia haver, de um Vinculo, que esteja sendo disfructado por pessoa, a quem não possa competir, por não ser do sangue do Instituidor, e se tenha apoderado delle ha pouco tempo, e que por este motivo se devia conservar a disposição do Artigo 2.º em discussão. Igualmente mostrou o desnecessidade de se acautelarem os Commissos para o futuro, fazendo ver que daqui em diante se não devem esperar as irregularidades, que se tem comettido até aqui por differença de circunstancias, que mostrou, e que para o caso de devolução se achava providenciado pelo Artigo 1.°

O Senhor Cupertino: - Parece-me que o Artigo 2.° não preenche a mente da Commissão, e igualmente da Camara neste Projecto. A mente da Commissão, e da Camara he acabar com a peste das Denuncias, pôr termo aos males, ás perturbações, e aos escandalos, que ellas tem causado no Reino, tranquilisar os possuidores, dar estabilidade ás familias, e proteger os interesses, que existem, e aos quaes se acha ligada a conservação, e bem estar das mesmas familias. Mas o Artigo não me parece preencher estas vistas; porque, limitando a prescripção á posse de trinta annos, ainda deixa lugar ás Denuncias, e aos males, que ellas trazem comsigo em todos os casos, em que o tempo da posse não chegue a trinta annos, os quaes não hão de ser raros. Nós estâmos felizmente no caso de podermos livremente encurtar este prazo; e tanto mais, porque aqui se tem provado, e he geralmente reconhecido que o Estado nunca tirou verdadeiro proveito de semelhantes Denuncias. Pelo que, proponho que a prescripção em lugar de trinta annos se estabeleça de dez.

O Senhor Mozinho da Silveira: - O Artigo foi atacado por insufficiente para o fim importante de acabar com a peste das Denuncias, sustentando una Senhor Deputado que das Denuncias se não tira proveito nenhum; ás avessas, resultão o pagamento de Sisas, é pode-se estabelecer como verdade que o Estado interessa sempre que os Bens estejão.....

O Senhor Guerreiro: - Este he o caso, em que o Artigo tem sido impugnado, e em que todos estamos conformes em principios, mas com diversas palavras; por consequencia conformando-me com os Senhores, que querem que o Artigo volte á Commissão, peço a V. Exa. que proponha, se deve ir á Commissão, ou não; e, no caso de se decidir que sim, peço aos Senhores Deputados que apresentem as suas Emendas para se terem em consideração.

Lêrão-se as seguintes Emendas:

1.ª Do Senhor Deputado Soares d'Azevedo = Os Morgados, ou Capellas possuidos por Administradores Seculares nunca poderão ser objecto de denuncias por fim de devolução, ou commisso. =

2.ª Do Senhor Deputado Cupertino = Proponho que o prazo de 30 annos marcado no Artigo se reduza a 10 =

3.ª Do Senhor Deputado Tavares Cabral = Proponho que o Artigo volte á Commissão para o redigir de modo, que claramente fique consignada a extincção das denuncias, mas sem se alterarem as Leis da amortisação, e particularmente a Ord. L. 2. T. 18. §§. 1.°, e ultimo. =

A' vista deita ultima Emenda, e da opinião da Camara, propoz o Senhor Presidente, se devia voltar o Artigo á Commissão com todas as Emendas, que se lhe fizerão, e quaesquer outras, que lhe queirão enviar alguns Senhores? Decidio-se que sim.

Passou a discussão ao Artigo 3.º

«Os Bens possuidos como allodiaes estão sujeitos ás regras ordinarias da prescripção estabelecidas na Ord. do L. 4. T. 3.° e 79, ainda que se adegue serem de Morgado, ou de Capella.»

O Senhor Guerreiro: - Senhor Presidente, o materia deste Artigo, e do seguinte não pertence ás dos dons Artigos antecedentes, mas he indispensavel para se conseguir todo o fim, a que aquelles Artigos se dirigem, que he a certeza da propriedade, ou da administração dos bens vinculados. Já em outra occasião tive a honra de expôr como antigamente era opinião geral de que os Vinculos devião ser eternos, e que a vontade dos Instituidores devia ser guardada, e cumprida em quanto o Mundo durasse. D'aqui veio a maxima de Jurisprudencia, que nenhuma Lei adoptou, mas que, poucas vezes combatida, está geralmente approvada na praxe dos Juizos, de que contra vinculos não ha prescripção. Um dos argumentos, com que mais geralmente se pertende sustentar esta doutrina, reduz-se a que, não podendo os Administradores dos vinculos alienar os bens vinculados, tambem os não podem deixar prescrever. Facil he de v~er que os que assim argumentão considerão a prescripção somente como pena do descuido, e da negligencia, e não como providencia indispensavel para a tranquilidade pública, prevenindo os funestos resultados da continuada incerteza da propriedade. Quem poderá sem indignação ver uma familia honesta demandada pelos bens, que ha mais de cem annos fazem o patrimonio de seus Maiores, e isto com o pretexto de que ha dous seculos taes bens erão de um vinculo? Quem não vê quanto he difficultoso esclarecer transacções passadas em tanta antiguidade? Quem ha aqui, que não tenha noticia de mil demandas nascidas daquella maxima da nossa Jurisprudencia?

A Commissão, para prevenir a repetição destes males, propõe no Artigo 3.° que os bens de vinculo sejão sujeitos ás mesmas regras de prescripção, a que estão sujeitos outros bens quaesquer; e para esse fim citou os dons Titulos da Ordenação do Reino, em que se estabelece a Lei geral dos prescripções. Ha porem uma reflexão, que exige alguma mudança na redacção do Artigo, e he a seguinte.

A Ord. Liv. 4 tit. 3 tem por epigraphe que quando se vende a cousa, que he obrigada, sempre passa com seu encargo; e estabelece as regras de prescripção para este caso; e a Ord. do mesmo Liv. 4. tit. 79, que se inscreve = das prescripções, = estabelece geralmente outros prazos diversos. Admittio-se como certo que as regras dadas no Tit. 3.º não erão restrictas ao caso da hypotheca, mas sim comprehensivas, e applicaveis a todo o dominio, e direitos in re; e que só para os mais casos he que ficavão explicáveis as regras do Tit. 79. Tem havido todavia Juris Consultes, especialmente entre os Desembargadores da Relação do Porto, os quaes tem pertendido, fundando-se na letra da Ordenação, que as disposições do Titulo 3.° somente são applicaveis á hypotheca, e que todos os outros casos devem ser julgados pelo Tit. 79.

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Não he aqui o lugar proprio para entrar no exame desta importante questão ao nosso Direito; mas para remover toda a occasião de dúvida proponho a seguinte substituição ao Artigo 3.º do Projecto (lêo).

Aproveito esta occasião para dizer que o Artigo seguinte contém o remedio para os abusos, que deste poderão fazer Administradores mal intencionados, deixando acintemente proscrever certos bens por descuido culposo, ou por coloio com os acquirentes. O remedio he dar acção ao immediato successor para reivindicar os bens, tendo desde logo a administração delles. Assim dá-se a paga de sua diligencia, e previnem-se os abusos da prescripção.

O Senhor Pedro Paulo: - Pelo Artigo 3.° os bens de Morgado, ou Capella estão sujeitos as regras ordinarias da prescripção, estabelecidas na Ord. Liv. 4 Tit. 3, e 79; e o Illustre Relator da Commissão propoz trinta annos para a prescripção de bens, que tem esta natureza. He de toda a evidencia que o Artigo 3.º, mesmo com a Emenda, que lhe fez o Illustre Relator da Commissão, sem algum correctivo, que seja sufficiente para obviar aos gravissimos inconvenientes, que delle podem seguir-se, he injusto, e não deve ser approvado pela Camara; porque, estando os bens de Morgado, ou Capella sujeitas ás regras ordinarias de prescripção, os Administradores dolosos, ou desleixados poderião causar gravissimo damno aos seus successores. Um Administrador, por exemplo, vende certos bens do Morgado, ou Capella; pastados trinta annos, segunda a Emenda do Illustre Relator da Commissão, a prescripção está perfeita, e acabada, e o successor irremediavelmente perdêo lodo o direito, que tinha a estes bens. Digo, segundo a Emenda do Illustre Relator da Commissão, porque segundo o direito entre nós recebido bastão nesta hypothese dez annos entre presentes, e vinte entre ausentes. Outro Administrador desleixado deixa possuir por outrem certos bens do Morgado por trinta annos; se não só mostrar a má fé do possuidor, a prescripção está perfeita, e o successor irremediavelmente perdêo todo o direito, que tinha a estes bens. Os Illustres Membros da Commissão, conhecendo estes graves inconvenientes, que podem seguir-se do Artigo 3.°, pozerão lhe no 4.° um correctivo, o qual consiste em poder o immediato successor de qualquer Capella, ou Morgado, mesmo em vida do Administrador, reivindicar para o vinculo quaesquer bens injustamente alienados. Eu inteiramente rejeito este Artigo por duas razões: 1.ª porque o correctivo, que nelle propõe a Commissão, he insufficiente para obviar os inconvenientes, e males ponderados: 2.º porque he opposto ao bem geral da Sociedade. He insufficiente para obviar aos inconvenientes, e males ponderados, porque os immediatos successores dos Morgados, ou Capellas ordinariamente não tem conhecimento de todos os bens vinculados. O conhecimento de todos estes bens só se pode ter á vista da Escriptura da Instituição, que o Administrador tem fechada na sua gaveta: poderá por tanto o Succesaor ter conhecimento de alguns bens pertencentes ao vinculo, mas estará em uma total ignorancia, ou dúvida a respeito dos outros; e, se estes forem alienados, como os poderá reivindicar? Completo o tempo da prescripção, irremediavelmente perdêo o direito, que tinha, de nelles succeder. Accresce que muitos filhos, pelo respeito, que tem a seus pais, não se atrevêrão reivindicar os bens por elle alienados, porque, effectuada a reivindicação, o pai, que vendêo bens do Morgado, he obrigado a fazer a venda boa; por esta razão levará muito a mal que o filho intente esta acção; e, temendo incorrer na indignação do pai, perderá os bens. Mais: supponhamos que o Administrador do Morgado he a unica pessoa do sangue do Instituidor: elle pode vender todo o Morgado, e nenhuma pessoa ha, que possa reivindicar os bens alienados; e depois de acabado o tempo da prescripção teve filhos. Elles, chamados pelo Instituidor, e successão, poderião viver na opulencia; mas irão servir, ou pegar em uma enxada para ganhar a vida: he logo este correctivo insufficiente para obviar aos males, que podem seguir-se do Artigo. Este Artigo he opposto ao bem geral da Sociedade. Por certo que um dos grandes males, que affligem a Sociedade, he a multiplicidade das demandas. Ora: ha facil de ver que deste Artigo 4.° devem seguir-se infinitos litigios. E para qualquer se convencer desta verdade basta considerar que, intentando o immediato Successor a acção de reivindicação, o possuidor negará que são vinculadas os bens, por que he demandado; o immediato Successor ver-se-ha na necessidade de demandar o Administrador para exhibir a Escriptura da Instituição; e effectuada a reivindicação o Administrador será demandado pelo Comprador para lhe fazer a venda boa. O Artigo 4.° pois dará occasião a infinitas demandas, que o Legislador prudente deve prevenir, e evitar. Estas são as razões, por que inteiramente rejeito o Artigo 4.° Mas deverei eu tambem rejeitar a idêa, que a Commissão propõe no Artigo 3.°, quero dizer, serei eu de opinião que se não estabeleção regras fixas, e constantes sobre prescripção de bens de Morgado, ou Capellas? Não por certo. Eu quero, e desejo que se estabeleção regras certas, e constantes sobre este objecto, pois que reconheço que a incerteza, em que tem estado até agora os nossos Jurisconsultos sobre a prescripção dos bens de Morgado, e Capellas, tem dado occasião a uma infinidade de demandas, e á desgraça de muitas familias. Estabeleção-se regras fixas, e constantes sobre este objecto, porem sejão estabelecidas de maneira que dellas se não sigão os inconvenientes, e males, que ponderei. Sou pois de parecer que os Artigos 3.°, e 4.º voltem á Commissão, e que este tome em consideração um objecto, que he certamente da maior importancia.

O Senhor Borges Carneiro: - Duas questões encerra o Artigo: 1.ª se os bens de morgado devem admittir prescripção: 2.ª decidindo-se affirmativamente, em quanto tempo deve consistir essa prescripção. O Artigo diz que poderão prescrever nos prazos das ordenações nelle citadas, e vem a ser, de 10 20 30 e 40 annos. Ut quid perditto haec? Esta complicação de prazos he daquellas subtilezas, que recebemos dos Romanos: 10 annos he sempre pouco, 40 será talvez muito. Mas eu vou á 1.ª questão como preliminar que he, a saber, se os morgados sejão proscriptiveis? Alguns Senhores Deputados querem que a omissão do Administrador não possa prejudicar dos seus successores absolutamente: mas o direito de prescripção não se funda sómente na congruencia de se punir o senhor negligente; funda-se na necessidade de segurar a certeza dos dominios, e a paz das familias. Quando al-

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guem possue longamente em boa fé um predio, he necessario que adquira um direito certo, para si e seus herdeiros, e que cessem todas as demandas para o futuro sobre este dominio, porque assim imporia á ordem social, e á tranquilidade das familias. Suposto este principio convem certamente que a Legislação se fixe de uma vez sobre a presente questão, porque he um mal estar ella fluctuante como está. Ora: as razões que ponderou o Senhor Pedro Paulo são ponderosas: porem debilitão-se um pouco se reflectimos que o filho immediato successor do actual Administrador, que pelo respeito a seu Pai, por ser menor, ou por outros motivos não propoz acção para reivendicar os bens do morgado alienados pelo pai, não perde direito segundo a regra da restituição in integrum, eu a outra impedito non curril tempus. A minha opinião pois he, que nos morgados deve haver prescripção; mas consistente em um tempo assás longo para se prevenir que se não destruão facilmente, e remetterei para a Mesa uma emenda, no caso de se assentar que se tracte aqui dessa materia, a qual na verdade parece fugitiva desta Lei.

Q Senhor Mozinho da Silveira: - Este Artigo parece-me que estabelece um principio injusto, quando os Morgados na sua origem não são injustos. O Illustre Orador combatêo o Artigo com muitas razões, e argumentos, e conclui o dizendo que votava contra o Artigo, porque não prestava para nada; nem a proscripção podia ter lugar nos Morgados; e o Artigo tende a fazer com que o desleixo de bons, esmague o direito de outros: pelo que voto tambem contra o Artigo.

O Senhor Tavares de Carvalho: - O grande favor desta Lei está no primeiro paragrafo......Proponho por tanto a supressão deste Artigo, e que se tracte do Artigo 5.°

O Senhor L. T. Cabral: - O Senhor Deputado que acabou de fallar prevenio o que eu queria dizer; roas he fora de dúvida, que esta questão he melindrosa, e não pode tractar-se de leve; e em consequencia aprovo a reflexão do Senhor Deputado que acaba de fallar.

O Senhor Guerreiro: - Muito se tem abusado nestes ultimos tempos em certos Paizes das palavras acabadas em = ismo = para tornar odiosas certas opiniões, certos desejos, ou certas tendencias: nesta cathegoria devemos pôr o = sentimentalismo = que o Senhor Mozinho da Silveira tanto sem razão imputa á Commissão. A Cornara mais justa, do que o Senhor Deputado, está convencida de que a Commissão não teve em vista a abolição dos Morgados directa, nem indirectamente; sim evitar as desordens e multiplicados litigios, que sobre elles ou por causa delles se movem cada dia. Se a Commissão tivesse por fim a abolição dos vinculos, assim o annunciaria desde logo com a mesma franqueza, com que fallou contra as denuncias no Relatorio, que acompanhou o Projecto. Não seria difficil tarefa refutar os argumentos, que se tem produzido; porem tomo fui o primeiro que tive a honra de declararia Camara que estes dous Artigos não pertencião muito á materia dos antecedentes; por isso me não opponho, a que se supprimão, e quando a Camara decida que continue a discussão, então usarei da palavra para sustentar a Proposta da Commissão, e refutar os argumentos contrarios.

O Senhor Camello Fortes: - Levanto-me para apoiar a suppressão proposta pelo Senhor Tavares de Carvalho; porque se se adulassem estes Artigos estava destruida toda a Lei.

A questão de ordem de que tanto este Artigo como o 4.° não erão connexos com este Projecto, e que deverião pertencer a outra Lei, posta a votos foi vencido que se supprimissem.

Os Artigos 5.°, e 6.º forão approvados sem discussão.

Art. 5.º «Fica revogada toda a Legislação em contrario.»

Art. 6.º «As disposições desta Lei não comprehendem as denuncias já dadas, nem as demandas começadas ao tempo da sua publicação.»

Procedêo-se logo á nomeação da Commissão, que deve marcar as forças da Marinha; e, apuradas as Listas, sahírão eleitos com maioria absoluta os Senhores Deputados Pereira de Sá com 80 votos; Sarmento com 52; Chapuzet com 45; F. J. Maia com 44; Lima Leitão com 44; Travassos com 43. Procedêo-se a segundo Escrutinio pelo Membro, que faltava, e sahio eleito o Senhor Deputado Miranda com 40 votos.

O Senhor Deputado Sarmento lêo a seguinte

INDICAÇÃO.

Peço á Camara se requeirão do Governo as informações possiveis ácerca do estado das negociações, que existirem relativamente á abolição do trafico da Escravatura nos Portos d'Africa Portugueza. Lisboa 14 de Fevereiro de 1828. - Sarmento.

Foi approvada.

Dêo o Senhor Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão leituras de Pareceres das Commissões, a discussão do Projecto N.º 165, e em geral do N.º 143, e 148 B; e disse que estava fechada a Sessão ás duas horas e um quarto.

OFFICIOS.

Para o Ministro da Fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - A Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, tendo approvado em Sessão de hontem a Proposição do Senhor Deputado Francisco Xavier Soares d'Azevedo que remetta por copia conforme, sobre se pedir ao Governo copia da Ordem, ou Provisão, que do Conselho da Fazenda se expedio ao Provedor da Camara de Vianna em 8 de Julho de 1827, para cobrar dos Povos do Termo da Barca os direitos de fumage, assim como a Consulta, ou Papeis, que preparárão a expedição daquella Ordem, ou Provisão me encarrega de assim o communicar a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara em 14 de Fevereiro de 1828 - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Manoel Antonio de Carvalho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa, Deputado Secretario.

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Para o Ministro da Guerra.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - A Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, tendo approvado em Sessão de hontem a Proposição da sua Commissão de Guerra, que remetto por copia conforme, sobre se pedir ao Governo informações relativas á despeza de armamento, e equipamento, que faz em um mez um Soldado de Infanteria, Caçadores, e Artilheria, assim tenho a honra de o communicar a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara em 14 de Fevereiro de 1828. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Candido José Xavier, Ministro e Secretario d'Estado Encarregado interinamente do Ministerio dos Negocios da Guerra - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa, Deputado Secretario.

ERRATA.

Pag. 378 col. 1.ª lin. 57 = O Senhor Serpa Machado - leia-se = Machado d'Abreu =

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e meia da manhã, feita a chamada, achárão-se presentes 95 Senhores Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão, 19 a saber: os Senhores André Urbano - Mascarenhas Grade - Xavier da Silva - Sanctos - Costa Rebello - Ferreira de Moura - Botelho de Sampaio - Tavares Cabral - Sousa Cardoso - Vasconcellos Raivoso - Mozinho d'Albuquerque - J. J. Pinto - L. J. Ribeiro - Sarmento - Gerardo de Sampaio - com causa, e sem ella os Senhores Barão de Quintella - Alves Diniz, - e Mello Freire.

Diste então o Senhor Presidente que estava aberta a Sessão; e, lida a Acta da antecedente, foi approvada.

Dêo conta o Senhor Deputado Secretario Carvalho e Sousa de um Officio do Ministro dos Negocios da Guerra, remettendo os esclarecimentos pedidos pela Com missão de Infracções sobre os Conselheiros de Embaixada. Mandárão-se á sobredicta Commissão.

De outro do mesmo Ministro com esclarecimentos pedidos em 23 de Janeiro pela Commissão de Fazenda, á qual se mandárão remetter.

De outro do Ministro dos Negocios da Marinha com esclarecimentos pedidos pela mesma Commissão em igual data; seguio o mesmo destino.

De outro do Ministro da Fazenda, e he o seguinte:

Excellentissimo e Reverendissimo Senhor. - Tenho a honra da passar ás mãos de V. Exca. a inclusa Relação de todas as Dividas activas, que se achão no Juizo da Executoria, pertencentes á Contadoria Geral do Rio e Bahia do Thesouro Publico, a fim de que V. Exca. se sírva de a fazer juntar á Relação das Dividas activas do Estado, que se achão em execução, que acompanhou o Orçamento para o anno corrente, e da qual esta faz parte.

Deos guarde a V. Exca. Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda 14 de Fevereiro de 1828. - Excellentissimo o Reverendissimo Senhor Fr. Francisco de S. Luiz, Bispo Titular de Coimbra. - Manoel Antonio de Carvalho.

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