14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
tado de todas as condições de garantia de que nem mais um real do dinheiro do povo se desperdiçará!
Ainda o projecto tem outros defeitos, mas, pelo adeantado da hora, eu passo, sem me deter, por cima de alguns d'elles para ter tempo de me referir especialmente ao que chamo o alçapão final do projecto, aquelle que constituo o seu perigo máximo, aquelle que tem a nação em sobresalto, aquelle que, se não for riscado do projecto, constituo o Governo, que ora me ouve, em responsabilidade criminal por encobrimento de delictos anteriores, previstos e punidos pela nossa legislação criminal. Vou ler esse artigo, porque é conveniente que o tenhamos bem presente para contra elle podermos protestar energicamente, eximindo-nos assim á tremenda responsabilidade moral, que d'elle nos poderia provir, pelo simples facto de o votarmos.
Trata-se do artigo 48.°, que diz o seguinte:
"A conta da gerencia do anno economico de 1906-1907 e as dos exercidos findos até 31 de dezembro de 1906 entram em liquidação no dia 30 de junho de 1908. A liquidação destas contas será feita, abrindo-se os creditos necessarios para encerramento das respectivas operações.
§ 1.° Deverá opportunamente dar-se conta desenvolvida dessa liquidação em relatorio especial.
§ 2.° A liquidação de que trata este artigo deve. estar completa em 30 de junho de 1909";
Prevê-se por consequencia para a conta da gerencia de 1906-1907, e para todas as contas até 31 de dezembro de 1906 relativas aos exercicios findos, que seja preciso o longo prazo de dois annos, que começa em 30 de junho de 1907 e acaba em 30 de junho de 1909, para sua liquidação e final encerramento.
Dois annos, só para liquidar, sem conhecimento do país, o que illegalmente se tem feito na administração do Estado!
Já vê V. Exa., Sr. Presidente, que ha muitas despesas relativas a exercicios anteriores, para liquidar. Não se sabe a quanto montam, mas sabe se que ha necessidade de abrir creditos especiaes para encerrar as respectivas operações e que se destinam dois annos para essa lavagem de roupa suja, a occultas da nação!
Isto é a confissão do que teem feito as administrações monarchicas do Estado até a subida do Sr. João Franco ao poder. Confissão legislativa e por escrito, porque confissões oraes, autorizadissimas e insuspeitas, temo-las de muitos homens publicos, que teem servido o Rei, e especialmente do Sr. Presidente do Conselho, quer quando estava na oposição, quer agora, no Governo, em nome e com a autoridade da sua situação especial.
Essas confissões, porem, não são francas, e por isso, não são serias, nem moralizadoras. Veem encobertas por uma latitudinaria autorização, quasi mysteriosa, absolutamente enygmatica, á qual eu não quero dar o meu voto, nem nenhum homom de bem pode ligar o seu nome.
Que especie de contas são essas, que é preciso tanto tempo para as liquidar, e são precisos creditos especiaes para ás regularizar e encerrar?
A quem respeitam essas contas? Quando foram abertas? Que conhecimento se deu d'ellas á Camara? Onde está o relatorio do Sr. Ministro da Fazenda explicando que contas são essas? Que enygma ou guet apens é este, armado á ingenuidade da Camara, ou á desejada cumplicidade de uma parte d'ella, para lhe arrancar o voto de approvação, que constituirá o encobrimento de crimes, por isso que se dará poderes para, pelos creditos autorizados, se desviar dinheiro da sua legal applicação?
Não sei, Sr. Presidente, como não sei tambem a quem toca a pedra, que sinto envolvida nas dobras do artigo 48.° Mas não importa. Vá a pedra a quem toque, porque não sairá para fora do regime!
O Sr. Presidente do Conselho disse hontem na camara dos Pares, como que num grito de confissão, ou de remorso, que tinha pena de ter já um passado politico, que o prende aos erros agora denunciados; mas d'ahi não quer que tirem conclusão contra elle, porque traz sempre comsigo alguns sacos cheios de arrependimento, que atira ás mãos cheias, desordenadamente, cada ver. que lhe perguntam o que fez outr'ora como Ministro da Monarchia...
Assim, é muito fácil. Oxalá que os outros não façam o mesmo, para que o país, sobre estar defraudado, não fique tambem ludibriado e escarnecido.
E por isso insisto em perguntar:
Para quem foram esses dinheiros? Quem autorizou essas despesas illegaes? Por que razão sai precisos creditos especiaes para o encerramento das respectivas operações?
O Governo nada diz! Offerece á nação a esphynge do artigo 48.° e cala-se! Tambem os Srs. Luciano de Castro e Hintze Ribeiro, apesar de incitados a isso, nada teem dito do que se passou nos seus diversos consulados. A esse respeito - para me servir de uma frase muito do agrado do Sr. João Franco - os dois chefes rotativos teem guardado de Conrart o prudente silencio.
O Sr. Presidente do Conselho tambem guarda esse prudente silencio. Somente quando lhe perguntaram deste lado da Camara se neste artigo 48.° das bases do projecto estava envolvida a regularização de alguns adeantamentos á Casa Real, o Sr. João Franco levantou-se prontamente, e disse por uma forma positiva o seguinte: "Que, se mais cedo se tivesse falado n'este assunto, mais cedo teria confessado que realmente se haviam adeantado dinheiros á casa real; que declarava, porem do modo mais positivo e terminante, que esses adeantamentos não seriam liquidados d'este modo, pelo alçapão enigmático do projecto; que haviam de ser regularizados por outro meio, o qual constituiria no projecto de lei especial; que reserva, no entretanto cuidadosamente a sua iniciativa sobre a opportunidade da apresentação desse projecto á Camara".
No primeiro dia o Sr. João Franco chegou mesmo no calor da sua palavra incontinente, a fazer a affirmação - que aliás não foi mantida na sessão seguinte- de que nós os Deputados, não tinhamos o direito de interrogar o Governo sobre o assunto, porque - oómica razão! - esse assunto era objecto de um projecto de lei, tal como, por exemplo, o da contabilidade, o da reforma eleitoral, e o do Juizo de Instrucção, para o qual a Governo reservava a sua iniciativa liberrima para o apresentar ás Camarás quando entedesse, e na oportunidade que lhe parecesse, para só então ser discutido e apreciado!
Se realmente o pensamento do chefe do Governo foi dizer que os Deputados não tinham o direito de o interrogar sobre o assunto (sinaes de negativa do Sr. Presidente do Conselho), eu protesto energicamente contra essa affirmação, que envolvo a destruição completa da letra e do espirito da Carta, das leis que a completam e do regimento da Camara, ácerca da iniciativa parlamentar, dos direitos e deveres dos Deputados relativamente a fiscalização dos actos do Governo.
(Novos sinaes de negativa).
Mas se o seu pensamento não foi esse, eu não insisto mais no meu protesto.
Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Conselho fazendo referencia expressa aos adeantamentos á Casa Real, deixou o espirito publico numa situação de profundo e incontestavel alarme.
Não é que realmente as palavras de S. Exa. constituissem uma completa novidade para os politicos militantes, e sobretudo para os dirigentes do partido republicano; porquanto ha muito ora sabido que a Casa Real recebia, por todas as maneiras e sob todos os pretextos, ainda os mais inverosimeis e ridiculos, dinheiros do Estado, contra a lei expressa.
Sabiamos isso, e assim o diziamos. Mas todas as vezes que o pretendiamos espalhar pelo povo; todas as vezes