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N.º 11. Sessão em 14 de Fevereiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 67 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

Não houve correspondencia, porém mencionou-se na Mesa o seguinte:

Representações: — 1.ª De alguns Professores de Instrucção Publica de Lisboa, classificados para Examinadores nos concursos para o provimento das Cadeiras de Instrucção Primaria, apresentada pelo Sr. Mexia, na qual pedem se exija do Governo um Projecto de Lei elaborado pelo Conselho Superior de Instrucção Publica. — Á Commissão de Instrucção Publica.

2.ª De alguns Cidadãos da Villa de Angeja, apresentada pelo Sr. Rebello da Silva, queixando-se do Tenente Coronel do Batalhão Nacional de Agueda, por obrigar os Signatarios a alistar-se no referido Batalhão. — Á Commissão d'Administração Publica.

O Sr. Oliveira Borges: — Sr. Presidente, parece-me, que na Acta está o meu nome, como faltando á Sessão de hontem; mas eu estive presente; entrei depois de aberta a Sessão.

O Sr. Ferreira da Motta: — É para mandar para a Mesa o seguinte Requerimento. (Leu) Requeiro a urgencia.

Não foi approvada a urgencia. (Transcrever-se-ha, quando tiver segunda Leitura).

O Sr. J. Lourenço da Luz: — Quando hontem o Sr. Relator da Commissão de Saude Publica apresentou á Camara a requisição de mais tres Membros para a dicta Commissão, eu não estava presente, estava na Commissão de Fazenda; entretanto, vindo incluido na requisição, agradeço á Camara o tel-a approvado; mas declaro, que não posso pertencer áquella Commissão, porque estou muito sobrecarregado de trabalhos: bem basta os que já pesam sobre mim, pelo que pertence á Commissão de Fazenda.

O Sr. Assis de Carvalho: — Pelas mesmas razões, com que o illustre Deputado, que acaba de fallar, pediu a escusa da Commissão de Saude Publica, a

VOL. 2.º — FEVEREIRO — 1849.

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peço eu tambem. Eu pertenço á Commissão de Contabilidade, d'Instrucção Publica, das Estradas, e do Codigo Florestal: já V. Ex.ª vê, que não posso bem desempenhar os trabalhos de todas estas Commissões, se fôr nomeado para mais uma. Por tanto, peço a V. Ex.ª que consulte a Camara, se me dispensa de pertencer á Commissão de Saude Publica. A Camara negou a dispensa.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se á eleição de dois Membros, que hão de fazer parte da Commissão de Inquerito da gerencia do Banco de Portugal.

Entraram na urna 74 listas, das quaes sendo inefficazes 10, ficaram uteis 64; maioria absoluta 33. Saíram eleitos

Os Srs. Carlos Bento com............. 50 votos.

Palmeirim................... 45 «

Ordem do dia.

Continua a discussão do Projecto n.º 48. (Vide Sessão de 9 de Fevereiro).

O Sr. Avila: — Sr. Presidente, quando hontem fui obrigado a interromper o meu Discurso por ter dado a hora, procurava eu demonstrar que não era a Commissão que tinha interesse em trazer o Governo a votar em favor do art. 1.º, e a collocar-se á frente da Commissão para fazer triunfar as eleições directas: era sim o proprio interesse do Governo que o devia fazer tomar essa posição: e procurei demonstrar isto não só pelas declarações solemnes do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, mas, ao mesmo tempo, com o Discurso que tinha feito, nessa occasião, é Sr. Ministro da Fazenda, então nosso Collega, quando se tinha altamente pronunciado a favor do methodo directo para as eleições de Deputados. Eu sinto muito ter de continuar o meu Discurso vendo despovoados os bancos dos Srs. Ministros; mas a Camara reconhecerá que não é culpa minha que se dê tal acontecimento, não me póde ficar a palavra reservada para quando os Srs. Ministros estiverem presentes; repugna-me fallar na sua ausencia, tanto mais quando tenho de referir-me a dois Cavalheiros, que fazem parte da Administração que se tinham altamente pronunciado nesta Casa a favor das eleições directas. Ora parece-me que das observações que eu fiz hontem a respeito do Sr. Ministro da Fazenda, se entendeu que eu queria notar da parte de S. Ex.ª uma contradicção neste assumpto; não era essa a minha intenção, nem o podia ser, porque não ha acto algum de S. Ex.ª até hoje, que manifeste essa contradicção; da parte de S. Ex.ª, como Ministro, não ha acto nenhum subsequente que prove que está em contradicção com o que disse como Deputado; S. Ex.ª como Ministro está collocado n'um bello terreno, porque tendo declarado que entendia, quando nosso Collega, que não podia haver duvida quanto a preferencia que o methodo directo tinha sobre o indirecto; havendo de mais a circumstancia de ter S. Ex.ª posteriormente a esta declaração, apresentado uma Proposta para a reforma d'alguns artigos da Carta Constitucional, um dos quaes era o do methodo indirecto, que S. Ex.ª substituia pelo directo; tendo S. Ex.ª tambem como Membro da Commissão Eleitoral sollicitado desta Camara que resolvesse se o art. 63 da Carta era ou não constitucional, entendia eu, que S. Ex.ª estava n'um bello terreno, no melhor terreno possivel para votar, se podesse votar pela eleição directa; e que só poderia haver contradicção se S. Ex.ª sustentasse agora o contrario do que já defendeu: o que espero das luzes e recta razão de S. Ex.ª, que S. Ex.ª não fará.

Sr. Presidente, eu sinto que n'um debate de tanta importancia como este, estejam vasios os bancos dos Srs. Ministros (Apoiados) isto tira a vontade de discutir (Apoiados); realmente eu não estou habituado a isto: na presença d'uma questão desta gravidade não comparecer nenhum dos Srs. Ministros não sei como qualificar um tal preceder. E como posso eu tractar da materia devidamente? Como posso eu fallar, se eu tenho de fazer allusões a actos dos Srs. Ministros? Isto penalisa-me. Tenho estado a olhar constantemente para as portas desta Sala para ver se vejo entrar algum Sr. Ministro, mas tenho olhado em vão (Riso)...

Sr. Presidente, não ha remedio, continúo a fallar, apesar da ausencia do Ministerio. — Sr. Presidente, fez-se aqui uma allusão aos Membros da Commissão Eleitoral, que eu reputo altamente immerecida; disse-se aqui que os Membros da Commissão eram anarchistas, que haviam acceitado o credo dos anarchistas. Eu podia dizer ao nobre Deputado que usou desta frase, que eu não precisava rebater esta allusão, porque ella cae por si mesma, e que basta enuncia-la para a refutar (Apoiados): mas a minha posição especial de Membro da Commissão obriga-me a dizer alguma cousa mais.

Sr. Presidente, quando a questão do art. 63.º da Carta foi resolvida nesta Casa, dois Membros da Commissão Eleitoral pediram a sua demissão: a Commissão reorganisou-se de novo, e o primeiro acto que practicou, foi convidar o Ministerio para que viesse assistir ás nossas conferencias: disse aos Srs. Ministros, que as intenções da Commissão eram trazer á Camara um trabalho, que não apresentasse grandes difficuldades, e que portanto era preciso combinar com o Governo os principios fundamentaes, que serviram de base á Lei Eleitoral, porque o que se queria era applacar as difficuldades, que essa discussão havia de apresentar: houve differentes conferencias, discutiu-se largamente o assumpto, e o resultado foi que a Administração concordou inteiramente com todo o pensamento da Commissão, com os principios que ella entendeu, que deviam servir de base á Lei Eleitoral: os Srs. Ministros então... (Entrou o Sr. Ministro da Fazenda). Sr. Presidente, eu estimo muito que entrasse agora um Membro do Gabinete, a fim de repetir na sua presença a declaração que ha pouco fiz, e por isso peço licença á Camara para repetir o que já tinha dicto.

Sr. Presidente, eu hontem tinha sido forçado, por uma allusão feita á Commissão, a sustentar que a Commissão não tinha interesse em que o Ministerio se collocasse á frente della para fazer passar o art. 1.º, que determina, que a eleição para Deputados seja directa; e sim que era o proprio Ministerio que tinha interesse em collocar-se nessa situação; eu expuz então as razões que tinha para provar esta minha asserção, disse que, além disso, havia as declarações solemnissimas feitas aqui pelo Sr. Presidente do Conselho de Ministros, e havia as idéas emittidas pelo Sr. Ministro da Fazenda tanto na occasião da discussão da constitucionalidade do art. 63.º da

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Carta, como quando apresentou o Projecto de reforma de alguns artigos da Carta, um dos quaes era o que estabelecia a eleição directa; por este facto, e pelo Discurso provava-se evidentemente, que o Sr. Ministro reconhecia, que a eleição directa era a unica admissivel: quando eu apresentei estas considerações, pareceu-me que se entendeu, que eu as fazia para provar, que o nosso Collega, que se senta hoje no banco dos Ministros, estava em contradicção comsigo mesmo; eu disse, e repito agora, que não era intenção minha dizer, que S. Ex.ª estava em contradicção, S. Ex.ª não tinha practicado um só acto pelo qual se visse que estava em contradicção; porém que entendia, que se S. Ex.ª na qualidade de Ministro, não seguisse a douctrina que tinha seguido na de Deputado, admittindo o methodo directo, S. Ex.ª estaria então em contradicção com os suas proprias douctrinas; porém que S. Ex.ª estava em muito melhor terreno para sustentar o methodo directo, do que para sustentar o indirecto, e que só preferindo agora este áquelle se collocava em muito máo terreno, á vista do que havia dicto nesta Casa: mas o que é certo é que até aqui S. Ex.ª não está em contradicção, nenhum acto foi practicado por S. Ex.ª que o demonstre, espero que o não será, porque reconheço a inteireza de S. Ex.ª, e o quanto deseja acertar; e acredito, que S. Ex.ª não deixará de reconhecer agora, como já reconheceu, que a eleição directa é a unica, que póde dar em resultado a verdadeira manifestação da vontade nacional. (Apoiados)

Sr. Presidente, começava eu ha pouco a rebater uma allusão feita á Commissão Eleitoral, e estimo que o Sr. Ministro esteja presente, porque estou mais á minha vontade: de certo, questões de tamanha gravidade não se podem discutir na ausencia do Gabinete, (Apoiados) ou o Gabinete as declare questões Ministeriaes, ou não, o Governo deve pôr-se á frente de todas as questões suscitadas no Parlamento, que versem sobre objectos da importancia daquelle, que nos occupa. E note-se, que qualquer que seja a maneira porque o Governo queira encarar esta questão, será difficil, que ella não entenda com altas questões Ministeriaes.

Disse o illustre Deputado — Que a Commissão composta na maior parte de Membros da Opposição, tinha desposado o credo dos anarchistas. — Sr. Presidente, eu tenho obrigação de dizer á Camara o que houve a este respeito; e não se diga que são revelações do que se passa nas Commissões, são esclarecimentos, que são absolutamente indispensaveis para responder a esta arguição.

A Commissão tractou de ter uma conferencia com os Membros do Gabinete, como lhe cumpria; nessa conferencia o Sr. Presidente do Conselho tomou nota dos pontos principaes, sobre que nós redigimos o Projecto — eleição directa, incompatibilidades, circulos pequenos, formação das Mesas, organisação das Commissões de recenseamento, recursos, penalidades, todos os principios fundamentaes do Projecto; de todos os principios fundamentaes tomou nota S. Ex.ª O nobre Ministro disse á Commissão com aquella franqueza que todos lhe conhecem, que pela sua parte dava ornais pleno assentimento a todas as idéas liberaes, que a Commissão acabava de apresentar ao seu exame; mas que tinha necessidade de consultar os seus Collegas; e passados dias S. Ex.ª fez-me a honra de me participar, que eu podia convocar a Commissão, para que S. Ex.ª désse uma resposta cathegorica áquelle respeito; e esta resposta foi que concordava plenamente com tudo. Redigiu-se o Projecto; e direi quem o redigiu, foi o Secretario da Commissão, o illustre Deputado que não vejo no seu banco, o Sr. Lacerda. É preciso tambem apresentar esta circumstancia para se vêr quaes eram as tendencias anarchicas da Commissão. Este Projecto foi discutido na Commissão, e como? Appello para os Collegas que assistiram a esse debate, alguns dos quaes não podem ser suspeitos á Maioria, nunca em occasião nenhuma o podiam ser, porém menos agora, porque com admiração os vi inscriptos para fallarem contra o artigo, que elles assignaram sem declaração na Commissão! Uma larga discussão teve logar m Commissão na presença de todos os seus Membros: a maior harmonia reina na Commissão durante essa discussão: não appareceu divergencia nenhuma, todos nós tinhamos um unico pensamento, o de fazer a melhor Lei, o de apresentar o melhor Projecto de Lei Eleitoral. Esse trabalho depois de acabado, deu-se ao illustre Presidente do Conselho, que o leve algum tempo em seu poder, e veio depois declarar á Commissão que lhe dava o seu assentimento; e n'uma questão das mais vitaes, que é a da circumscripção dos circulos dos Collegios Eleitoraes, a Lei foi feita sobre dados que nos forneceu o illustre Ministro do Reino. Por consequencia, Sr. Presidente, o Gabinete deu o seu pleno assentimento a este Projecto, o Gabinete por consequencia desposou as idéas dos anarchistas: é sobre elle que vem a recair esse systema injusto, e immerecido, que o nobre Deputado lançou sobre a Commissão. (Apoiados)

Foi o illustre Presidente do Conselho que veio dar o seu assentimento ás idéas anarchicas, que estão consignadas no Projecto!.. Fallo das idéas fundamentaes, não fallo de outras, a Commissão póde mesmo acceitar alguma Emendas aqui apresentadas a essas idéas menos importantes, porque todos nós queremos entrar nesta discussão com a maior lealdade possivel; e tanto que o meu illustre Amigo e Collega, peço licença para pronunciar o seu nome, porque não póde agora nesta occasião estar isso proscripto pelo Regimento, o Sr. Jeronymo José de Mello, Membro da Commissão, que não póde assistir ás nossas discussões todas, quando aqui chegou, examinou o Projecto de Lei Eleitoral, e veio elle mesmo lembrar-me algumas correcções que era preciso fazer, e eu disse-lhe que tudo acceitava a Commissão, e acceita do melhor grado possivel, que contribuir para melhorar o Projecto.

Mas, Sr. Presidente, quaes serão os principios anarchicos que ha no Projecto? Confesso francamente, meditei muito, o muito a sangue frio para vêr que motivo poderia ter o illustre Deputado para estygmatisar assim este trabalho da Commissão. Viu o illustre Deputado aí a eleição directa.... Pois, Sr. Presidente, é um principio anarchico estabelecido desde longo tempo em Inglaterra, desde longo tempo em Hespanha, desde longo tempo na Belgica, e desde longo tempo em França, (Apoiados) não na França de Fevereiro de 48, não mesmo na França em mas na França da Restauração, na França em 1817. (Apoiados) Sr. Presidente, uma das primeiras Camaras Francezas depois do Imperio, votou pela eleição directa; a Camara que succedeu á Camara in-

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trouvable, eleita quando as paixões não estavam acalmadas em França, quando o furor da reacção ainda não estava extincto, quando ainda estava fresco o sangue dos martyres, que tinha sido derramado depois dos cem dias, essa Camara votou as eleições dilectas. Anarchica a Camara que veio consolidar o principio monarchico em França!.. (Muito bem)

Quaes são os outros principios anarchico»? O illustre Deputado viu no Projecto incompatibilidades, a circumscripção dos circulos Pois, Sr. Presidente, póde conceber-se uma verdadeira, uma pura Representação Nacional n'uns circulos que dão 30, ou que dão 34 Deputados? Pois não sabe o illustre Deputado, que os interesses geraes não podem ser senão resultado dos interesses particulares das localidades? Se nenhum dos Deputados conhece as necessidades «lo circulo que o elegeu, como ha verdadeira Representação? Se o Eleitor que o elegeu, conhece o Deputado, se o Eleitor de Provincia o conhece, não o conhece o Eleitor primario, o Collegio Eleitoral que o elegeu foram os Eleitores de 100$000 almas, foram os Eleitores de Provincia, não foram os Eleitores primarios que o não conhecem. (Apoiados)

Hoje e principio corrente em Direito Constitucional, que não ha Representação senão quando se chega ao desideratum de eleger cada circulo o seu Deputado. A Commissão não adoptou este principio ainda, porque é preciso attender ás circumstancias: mas o principio é este; e entre o inconveniente de haver Deputados, que não conhecem os interesses das localidades que os elegem: e o inconveniente de haver Deputados, que só venham aqui representar os interesses da sua aldêa, é menor inconveniente o ultimo, porque pelo menos todos os interesses estão representados, e os Deputados vêem-se obrigados a ouvirem-se reciprocamente, a consultarem-se, e a transigirem uns com os outros; e é daqui que vem o interesse geral, o conhecimento do que convem a todo o Paiz. Peço perdão, eu agora tratei do principio. Ora é anarchico o principio da circumscripção dos circulos? Se é anarchico, é anarchia que a Belgica, a Hespanha, e a mesma França em 1817 adoptou.

É as incompatibilidades?....

O Sr. Presidente: — O que está em discussão e o art. 1.º (Apoiados)

O Orador: — Mas V. Ex.ª não fez essa observação ao illustre Deputado.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado fallou em relação ao art. 1.º V. Ex.ª, que fallou sobre o art. 1.º, combata a doutrina do Sr. Deputado, restrictamente ao art. e não falle em toda a extensão do Projecto; porque assim não ha discussão. (Muitos Apoiados)

O Orador: — Peço perdão a V. Ex.ª, a sua observação devia ter sido feita antes.

O Sr. Presidente: — Tenho direito de chamal-o á Ordem, e á questão, e é mesmo minha obrigação chamal-o, quando entenda que está fóra da Ordem, e da questão.

O Orador: — Eu estou no meu direito, e hei de usar delle com placidez e sangue frio; quando tenho razão estou sempre a sangue frio.

O Sr. Presidente: — O art. 1.º é o que está em discussão.

O Orador: — Sei-o tão bem como V. Ex.ª, até o redigi.

O Sr. Presidente: — Queira continuar a fallar o

Sr. Deputado sobre a materia do art. 1.º; e espero que se contenha.

O Orador: — Sr. Presidente, eu peço a V. Ex.ª que se lembre, que não ha grande distancia desta Cadeira á sua. (Ordem! Ordem!)

O Sr. Presidente: — É verdade, apoiado; mas eu desejo que o Sr. Deputado diga a rasão, porque diz isso? A minha obrigação é chamar a questão aos seus termos; e para que o Sr. Deputado se mantenha na Ordem, tômo a dizer-lhe, que se limite a questão do art. 1.º

O Orador: — Não me limito, não, Senhor, porque o Sr. Deputado que eu combato, não se restringiu a essa questão, e V. Ex.ª não o chamou á Ordem. O art. 63.º não estava em discussão....

O Sr. Presidente: — O art. 63.º está em discussão como argumento; e os Srs. Deputados, que combaterem a eleição dilecta, podem servir-se do art. 63.º; e o Sr. Deputado não tem direito nenhum para regular por si só a discussão: eu já fixei muito precisamente os termos da discussão, e se não eram os proprios, podia sobre a Ordem reclamar, e pedir a votação da Camara.

O Orador: — Pois então cumprisse esses termos.

O Sr. Presidente: — Os termos estão cumpridos. V. Ex.ª observe-os tambem, e por isso queira fallar na materia.

O Orador: — V. Ex.ª deve-me deixar fallar, co-mo deixou fallar o Sr. Deputado — A Mesa, Sr. Presidente, não conhece affeição.

O Sr. Presidente: — E exactamente o que faz a Mesa, nem admitte, que V. Ex.ª lhe usurpe a sua competencia, e menos, que lhe faça censura immerecida, ou lhe supponha motivos maos. (Numerosos Apoiados)

O Orador: — A Mesa fica em Minoria no art. 63.º, conheça a Mesa esta situação, e resigne-se.

O Sr. Presidente: — isso o que quer dizer, Sr. Deputado? Não, tem direito de tal modo fazer censuras á Mesa. A Mesa cumpre regular a discussão. (Apoiados, Apoiados)

O Orador: — O Sr. Deputado hontem fallou em tudo, inclusivè, veio dizer aqui, que o dia de hoje não era o de hontem; isto tinha alguma cousa com o art. 1.º?

O Sr. Presidente: — Tinha do modo como fallou, e V. Ex.ª queira fallar no artigo, como cumpre. E a ultima observação que lhe faço, para não recorrer aos outros meios do Regimento. (Repetidos Apoiados)

O Orador — V. Ex.ª já reconheceu que eu tenho razão. Pois tambem hei de responder, porque o Sr. Deputado disse tambem cousas que nada tinham com o art. 1

Sr. Presidente, aonde estão por tanto os principios anarchicos do Projecto? Quer V. Ex.ª que eu diga quaes são? São dois principios que lá estão: a não serem os que mencionei, são estes os unicos a que o illustre Deputado podia ter chamado principios anarchicos; é a garantia para que se guarde lealmente o segredo do escrutinio, é a provisão terminante que nós estabelecemos para que a Auctoridade não troque a opinião do Eleitor pela sua. O nobre Deputado tem talvez saudades desses tempos abençoados, em que nenhum Eleitor tinha direito a deitar o seu voto na urna sem se saber em quem votava, ou ficando exposto ás consequencias desse voto, porque nes-

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se tempo não se admittia a neutralidade. O illustre Deputado talvez tenha saudados da época em que os Prefeitos, os Governadores Civis, o os Administradores de Concelho eram machinas eleitoraes, unicamente machinas eleitoraes, e mandavam até processar os individuos da Opposição, que commettessem o grande crime de trocar listas Ministeriaes pelas da Opposição, mas isto era só para os da Opposição, os outros tinham direito para o fazerem. Não fallarei, Sr. Presidente, de outras gentilezas que se praticavam, e que o Projecto que está em discussão prohibe mui terminantemente. Eis-aqui os principios anarchicos, que elle contém!

Não se póde vir chamar aqui aos Membros de uma Commissão anarchistas, e V. Ex.ª, Sr. Presidente, não tinha direito para consentir que isto se dissesse, V. Ex.ª não o devia consentir, V. Ex.ª ha de convir que eu estou no campo da defeza como Membro de uma Commissão atacada, e injuriada, e que devo tambem defender o Ministerio dessa época, os Cavalheiros que se sentam hoje, e os que já se não sentam, mas que se sentavam então, no banco do Ministerio, pelo que se passou na Commissão: porque nem o Sr. Duque de Saldanha, nem o Sr. João Elias, nem o Sr. Falcão, nem o Sr. Barão de Francos, nem o Sr. Ministro da Guerra, o Sr. Barão de Ourem, nem o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros são anarchistas; e com tudo foram aqui alcunhados de anarchistas todos....

O Sr. Presidente: — Eu devo observar ao Sr. Deputado, que não percebi que o Sr. Deputado alludido fizesse essa arguição; nem me parece que a fizesse. (Apoiados) O Sr. Deputado disse que havia no artigo em discussão algumas idéas professadas por anarchistas; mas não chamou aos Membros da Commissão anarchistas, (Muitos apoiados) se o fizesse, eu o teria chamado á Ordem; e se o Sr. Deputado, e mais Senhores o perceberam de outro modo, e não chamaram á Ordem o Sr. Deputado, commetteram uma falta segundo o Regimento. (Numerosos apoiados)

O Orador: — Pois se o Sr. Deputado não me chamou anarchista, disse que eu sustentava as idéas dos anarchistas; é a mesma cousa, fazemos fogo contra os homens da Ordem nas fileiras dos anarchistas. (O Sr. Corrêa Caldeira. — Peço ao illustre Deputado que tome nota do que está dizendo para se não queixar, quando lhe responder).

O Sr. Presidente: — Peço Ordem.

O Orador: — Não sou eu que o digo, foi o nobre Deputado, eu estou dizendo o que o illustre Deputado disse... (O Sr. Corrêa Caldeira — Pois eu digo-lhe que está enganado, porque não disse tal, e appello para o testemunho da Camara). O Orador: — Bom; se o illustre Deputado quer rectificar as suas expressões, eu consinto com muito gósto, porque desejo mesmo não proseguir nesta questão.

O Sr. Corrêa Caldeira — Sr. Presidente, eu já hoje dei esta Explicação a alguns dos illustres Deputados, que se sentam daquelle lado, e não tenho duvida de a repetir.

Eu não disse nesta Camara, e appello para o testimunho de todos os illustres Deputados, que me ouviram bem; eu não disse que eram absurdas, nem anarchicas as douctrinas do Projecto em discussão, nem tão pouco chamei aos illustres Membros da Commissão annarchistas, nem revolucionarios, e custa-me que o illustre Deputado continue no systema de fazer castellos no ar para os combater, do desfigurar todas as minhas palavras para lançar sobre mim um odioso, que não mereço, porque eu não disse nem uma só palavra, que podesse injuriar os Membros da Commissão, nem o Governo, como o nobre Deputado me attribue. O que eu disse, foi que o Projecto da Commissão me parecia filho legitimo désse Decreto de 27 de Julho de 1846, e que os illustres Membros da Commissão, que tinham adoptado esses principios, tinham abraçado, nesta parte, o credo revolucionario; ora isto é muito differente. A base do Decreto ora a eleição directa contra a Carla, este é o principio fundamental do Projecto da Commissão, e eis porque ou disse, que os illustre Deputados tinham abraçado os principios do Decreto de 27 de Julho de 1810. Isto não é chamar revolucionarios aos Membros da Commissão, nem contradictorio ao Governo; e o illustre Deputado que sabe a minha especial posição, tem sido no seu modo de argumentar nesta parte, não sei se de proposito, constantemente injusto para comigo, procurando, por todos os modos ao seu alcance, fazer acreditai, que eu injuriei o Governo, os Membros da Commissão, e até a Maioria da Camara.

Aproveito pois esta occasião para protestar, na presença de toda a Camara, contra as expressões, contra as palavras, que o illustre Deputado quiz suppôr que eu dirigi á Commissão, e ao Governo, por que são inexactas; não disse tal. (Apoiados)

O Sr. Avila: — (Continuando seu Discurso.) Eu acceito com muito prazer as Explicações do illustre Deputado, e como S. Ex.ª diz, que não pronunciou nenhuma das frazes que lhe attribui, eu, pela minha parto, retiro tudo o que disse, que podesse ter offendido, ou desgostado o illustre Deputado. Sr. Presidente, esta questão é uma questão muito grave, não temos precisão de fallar ás paixões, não o devemos fazer, porque dahi nunca resulta bem, mas sim mal. Eu devo dizer ao illustre Deputado, que se tenho algum sentimento a seu respeito, é o da sympathia, porque respeito muito os seus talentos, e já hoje, fallando aqui com alguns dos meus Collegas, eu deplorei que o illustre Deputado se tivesse collocado em similhante terreno: felizmente tinha-me enganado, não tinha bem percebido o illustre Deputado, e estimo deveras que fosse eu que me tivesse enganado, e que o nobre Deputado tivesse dado a Explicação que deu. S. Ex.ª tem talento bastante, póde desempenhar um grande papel no Parlamento, póde fazer grande figura, porque tem conhecimentos para isso, o eu o desejo sinceramente.

Sr. Presidente, eu estava fazendo declarações á Camara na presença de imputações, que me pareceu que o illustre Deputado tinha dirigido á Commissão; assim o entendeu toda a Commissão; mas com muito gósto acceito as declarações do illustre Deputado, e felicito-o por ellas, e a mim. Não volto portanto mais a este assumpto.

Sr. Presidente, responderei a um unico argumento, que apresentou o illustre Deputado. Disse o illustre Deputado, que se tinha procurado sustentar, que a Camara, quando votára pela não constitucionalidade do art. 63.º, votára pelas eleições directas; e o illustre Deputado, procurando responder a este argumento, disse que não era exacto, e até leu a Acta para o mostrai: é verdade que a Camara não havia

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de responder a uma pergunta que se lhe não fez; ninguem perguntou á Camara se adoptava o methodo directo, ou indirecto; perguntou-se á Camara se o art. 63.º era ou não constitucional, e effectivamente a resolução que a Camara tomou, não foi se a eleição devia ser directa, ou indirecta; mas implicitamente foi esse o pensamento que dirigiu a Camara, e a discussão o mostrou, e era esse exactamente o pensamento tanto da maioria, como da minoria da Commissão, e do Governo. Sr. Presidente, a que proposito vinha a Commissão perguntar á Camara, se o art. 63.º era constitucional? Para votar as eleições indirectas? De certo que não; veiu perguntar porque queria saber, se tinha a liberdade de adoptar outro methodo, que não fosse o indirecto. (Apoiados) E o que está no Parecer; a Commissão quiz saber da Camara, se lhe era livre adoptar outro methodo, que não fosse o das eleições indirectas, e tanto se entendeu isto, que todos fallaram das eleições directas; até os mesmos illustres Deputados, que sustentaram a constitucionalidade do artigo, sustentaram que as eleições directas eram as melhores. Não era possivel, que discutindo-se um e outro methodo, se adoptasse o indirecto.

Agora duas palavras a respeito do — Hoje não é hontem — de que fallou o nobre Deputado. Não foi assim, que eu pronunciei essa frase. Eu disse — O dia de hoje não o dia de hontem: — daqui se fez o — Hoje não é hontem — que serviu de titulo a uma brochura, que por ahi corre, e de que a Camara sabe, que eu não sou Auctor. Quando eu aqui pronunciei essa frase, não quiz, como se pertendeu então, dirigir á Camara a menor ameaça; era necessario que eu tivesse esquecido todas as conveniencias, para vir aqui aggredir todos os meus Collegas.

Sr. Presidente, eu alludi a uma grave e desgraçadissima lição que ha sido dada aos homens, que oppunham a resistencia da inercia a todos os melhoramentos que as luzes do seculo, e as necessidades da época, exigiam. Em 1847 estava eu em França, e vi a opposição tenaz, que o Governo fez á reforma eleitoral, reforma que se limitava a pedir, que aos duzentos mil Eleitores, que tinha aquelle Paiz, se juntassem as Capacidades do Jury, os Professores, os Advogados, e o Medicos! O Ministerio venceu, mas uma espantosa revolução veio logo, não proclamar aquella reforma, mas estabelecer o Suffragio Universal, e provar pelo resultados que elle offereceu, que a França estava mais que muito madura para aquella reforma, e tinha direito de a pedir; porque o facto é que o Suffragio Universal, que foi muito além do que então se queria, tem muito contribuido para o estabelecimento da ordem em França. O seu primeiro resultado foi a actual Assembléa Constituinte, e o segundo a eleição do Presidente da Republica, e nenhum amante da Ordem se póde, com justiça, queixar destes resultados (Apoiados).

Foi a essa lição tremenda que alludi, e o meu fim era o fazer sentir quão mal aconselhados andam aquelles que repellem tenazmente o que»e lhes pi de com razão, porque não póde estar longe o momento, em que sejam forçados a conceder muito mais do que aquillo que se lhes pedia Não julgo conveniente dar agora maior desenvolvimento a esta idéa.

Mas eu entendo que este debate não devia versar sobre os ponto que tem versado, não devia versar sobre outra coisa que não fosse se as eleições deviam ser directas ou indirecta, e os illustres Deputados que tem fallado até hoje, tem mostrado evidentemente que o art. 1.º não póde ser atacado no seu verdadeiro ponto de douctrina, e digo mais, ainda até hoje só dois argumentos aqui foram apresentados, um por um illustre Deputado pelo Minho, e outro por um illustre Deputado pelo Douro.

Disse o illustre Deputado que as eleições mais livres, e mais nacionaes, que tem havido no Paiz, foram as de 1820, e que tinham sido feitas pelo methodo indirecto; é verdade; mas, Sr. Presidente, então muitas coisas concorreram para esse fim; havia, é verdade, a gloria immensa de ser Representante da Nação, mas havia tambem muita modestia nos homens eminentes para não aspirarem a esse cargo: não houve por tanto as intrigas, que se viram mais tarde, e effectivamente a eleição foi a mais nacional e a mais livre que tem havido; mas o illustre Deputado esqueceu, que essa Assemblea fez uma Lei Eleitoral, e qual foi o methodo que adoptou? Foi o methodo directo, e permitta-me a Camara que lhe diga, que sempre que no Parlamento Portuguez se tem tractado da Lei Eleitoral, nunca o methodo directo deixou de ser adoptado (Apoiados) Peço a Camara de 1849 que veja o que se tem feito: ha 28 annos fez-se uma Lei Eleitoral no Paiz; estabeleceu- o methodo directo: ha 12 annos fez-se uma Lei Eleitoral, e estabeleceu-se o mesmo methodo! (Apoiados).

Mas disse o illustre Deputado pelo Douro — Que horrores tiveram logar nas eleições de 1838! — O illustre Deputado é uma das pessoas bem competentes para fallar dos horrores que tiveram logar nessas eleições, não só pelo cuidado que presta a todas as questões que interessam ao Paiz, mas porque as combateu aqui: eu combati tambem ao lado de S. Ex.ª essas eleições, e peço licença ao illustre Deputado para lhe oppôr ás eleições de 1838 as de 1840. S. Ex.ª póde tambem dizer alguma cousa sobre estas eleições, porque era Membro do Parlamento, e eu fui Relator da Commissão de Poderes. Sr. Presidente, sem atacar outras eleições, posso dizer que não é possivel fazerem-se eleições mais livres e mais regulares que as de 1810, que foram feitas tambem pelo methodo directo. Não imputaremos pois ao methodo o que só é filho das paixões dos homens.? Porque methodo foram feitas as eleições da Camara introuvable, que era mais realista do que o proprio Rei? Foram feitas pelo methodo indirecto. Quem fez a eleição da actual Assembléa Franceza no meio das paixões de todos os partidos que se combatiam na França, quando acabava de se destruir um Throno, quando a sociedade estava mui proxima da sua desorganisação, quando se escrevia que a propriedade era um roubo, idéas, que estiveram quasi triunfando, quem produziu a Camara Constituinte? O Suffragio Universal, a eleição directa. Não attribuamos aos methodos aquillo que não é senão filho de circumstancias, e circumstancias cujas influencias ninguem póde contestar.

Ora, Sr. Presidente, ainda que o artigo não foi combatido, eu sempre direi alguma cousa a respeito delle para ver, pelo menos, se posso cooperar para que a discussão venha a esse terreno, e para explicar tambem o pensamento que teve a Commissão, por que a Commissão não examinou a disposição do Projecto simplesmente em relação á constituciona-

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lidade do artigo; tambem a examinou em theoria: mas antes disso quererei dizer ao nobre Deputado meu Amigo, em muito boa paz, e digo-lho na maior sinceridade do meu coração, que estou convencido de que os illustres Cavalheiros, que sustentam a eleição indirecta encarnando-a na Carta, assassinam a Carta. (Sensação) Não se imagine que eu quero dizer, que os nobres Deputados querem assassinar a Carta; os nobres Deputados desejam tanto a sua manutenção como eu; mas digo que as consequencias da sua opinião são estas. Pensem bem os nobres Deputados; (e chamo para aqui toda a attenção dos Srs. Ministros; por isso e que eu desejava que o debate não corresse na ausencia do Gabinete) se as eleições indirectas são viciosas a ponto, que ninguem aqui se atreve a sustenta-las; se ellas não podem dar em resultado a verdadeira Representação Nacional, e não podem por consequencia dar em resultado o Systema Representativo, o que se segue? Segue-se que a Carta estabeleceu uma disposição que se não póde manter, e por tanto a primeira cousa que temos a fazer, é propor já, a correr, em Sessão permanente, para assim dizer, a reforma do artigo da Carta. (Apoiados) Feito isto, e sendo necessario que os Deputados venham revestidos de plenos poderes para reformar esse artigo, os Srs. Ministros devem dissolver a Camara immediatamente, porque a primeira necessidade do Paiz é que o Systema Representativo seja uma realidade. Vem a Camara nova, e esta Camara reforma o artigo, e faz uma Lei Eleitoral sobre o methodo directo; e os Srs. Ministros immediatamente devem dissolver essa nova Camara, para que então venha uma Camara que represente effectivamente o Paiz, e todos os seus interesses, estão os Srs. Ministros preparados para duas dissoluções uma depois da outra? Estão SS. Ex.ªs convencidos de que isto é possivel e conveniente? Não se diga pois, Sr. Presidente, que esta questão não é Ministerial; e a questão a mais Ministerial de todas as questões Ministeriaes, por que é a questão de ser ou não ser para o Systema Representativo. (Apoiados) Por tanto além da obrigação rigorosa em que se collocam de reconhecer a necessidade de duas dissolucções uma apoz da outra, os nobres Deputados querem estabelecer, que a Carta, que esse Codigo que todos nos veneramos =, que esse Codigo que tanto bem fez a este Paiz, e tanta gloria da ao seu Immortal Dador, estabelece effectivamente em si mesmo o principio da sua destruição; nós, entendendo que o artigo não é constitucional, respeitamos mais a Carta, fazemos mais justiça ao espirito illustrado do Principe Liberal, que a concedeu a este Paiz. (Apoiados)

Agora, Si Presidente, vou satisfazer á promessa que fiz ha pouco, de dizer alguma cousa a respeito da eleição directa, e o melhor meio de chegarmos a um resultado, isto é, de reconhecer as vantagens da eleição dilecta, e a necessidade de a estabelecei, e ver qual a situação do Paiz a respeito de eleição. Nós temos oito Collegios Eleitoraes (Grande vicio!.. Apoiados) temos 600 a 700 Eleitores de Provincia, e temos no Continente do Reino 119 Deputados, quer dizei, temos para cada Deputado cinco a seis Eleitores!.. Ora os nobres Deputados que reconhecem que o artigo é constitucional, como hão de explicar o facto de que, estabelecendo a Carta unicamente seis Collegios Eleitoraes, nós tenhamos estabelecido oito?!. (Apoiados) Eu não dou importancia a este argumento, porque reconheço que o artigo não é constitucional; mas visto que os nobres Deputados querem que seja constitucional, deviam seguir todas as suas consequencias. (Apoiados) Os Eleitores de Provincia são os das Provincias, cuja designação se acha no rosto da Carta, e segundo essa designação, as Provincias são seis, e não oito. Torno a dizei, não dou grande importancia a este argumento, porque estou em outro terreno; mas se os nobres Deputados confessam e reconhecem, que um grande vicio da eleição indirecta são os glandes circulos, pergunto eu aos illustres Deputados, como se póde remediar este vicio? Fazendo-os pequenos, diz o illustre Deputado que esta á minha direita; sim, fazendo-os pequenos, mas até que ponto quer o nobre Deputado que sejam elevados O principio é que cada circulo deve dar um Deputado. Aqui tenho o Mappa dos Eleitores do Reino que votaram na eleição, que produziu esta Camara. A Provincia do Alemtejo com 67 Eleitores de Provincia deu 10 Deputados: a Provincia do Douro com 157 Eleitores deu 30 Deputados; a Provincia de Traz-os-Montes com 63 Eleitores deu 11 Deputados etc: — 675 Eleitores produziram 119 Deputados; isto é, cinco a seis Eleitores produziram um Deputado, e diz o nobre Deputado — Se os circulos são grandes, façam-se pequenos!.. Vamos ao principio; qual é o principio? É que cada circulo deve dar um Deputado: haveria uma Camara que tivesse a coragem de votar uma Lei com a eleição indirecta, por virtude da qual houvesse um circulo para cada Deputado, e por consequencia que houvessem cinco Eleitores para cada Deputado? Quem diria que cinco Eleitores formavam um Collegio Eleitoral? Nem se podia constituir a mesa do apuramento!.. (Apoiados) Peço á Camara toda a attenção para isto; — se os nobres Deputados querem sustentar, e estabelecer em principio as eleições indirectas, os grandes circulos são uma necessidade; para podér dar-se a fantasmago na da eleição: e qual é o resultado? O circulo Eleitoral do Algarve, que é o mais pequeno, dá 28 Eleitores; 14 podem ficar em casa, e não comparecer ao Collegio Eleitoral, como já tem acontecido, e 14 elegem Deputados; e veem para aqui cinco Deputados com o voto de 14 homens, e dizem «Nós Representantes da Nação Portugueza pela Provincia do Algarve»!.. Quem dirá que isto é Representação? Appello para a consciencia dos nobres Deputados. (Uma voz: — E os Eleitores de Parochia que elegem os de Provincia?) Sr. Presidente, o Corpo Eleitoral da Carta são os Eleitores que teem 100$000 réis de renda, é verdade; mas o facto é que os verdadeiros Eleitores são os Eleitores de Provincia. Eu já contei aqui um facto acontecido em 1842, e tornarei a repeti-lo. Houve um Collegio Eleitoral que tinha 68 Eleitores de Provincia; 34 Eleitores eram do Partido Ministerial, e 34 da Opposição; a consequencia que se devia daqui tirar, era, que a eleição devia comprehender metade de Deputados da Opposição, e metade de Deputados Ministeriaes, e é o que queriam fazer os Eleitores mais influentes; mas occorreu uma idéa mais feliz; comprou-se, corrompeu-se um Eleitor da Opposição; ficou o Partido Ministerial com 35 Eleitores, e a Opposição com 33, e vieram aqui 10 Deputados representar aquella Provincia approvando a Politica do Minis-

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terio, quando só notado da Provincia queria essa Politica!.. (Apoiados.)

Dir-me-hão os illustres Deputados que isto tambem póde acontecer nas eleições directas; mas eu digo que não; vamos á hypothese. Supponhamos que os 68 Eleitores de Provincia o eram de Parochia; no momento em que um Eleitor de Parochia se deixou corromper, mudou d'opinião, e a maioria mudou effectivamente; mas neste caso não é assim; os Eleitores de Parochia ficaram com a sua opinião, e mudou o seu mandatario; a eleição por consequencia foi sofismada e adulterada: (Apoiados) eis-aqui como a Carta estabelecendo o Corpo Eleitoral de 100$000 réis de renda, não podia querer que os Eleitores de Provincia, uma vez que os factos viessem a provar que elles adulteravam, sacrificavam, assassinavam completamente o principio da Representação, não podia querer, digo, que os Eleitores de Provincia fossem os verdadeiros Eleitores; mas elles é que são os verdadeiros Eleitores, porque não recebem mandato para eleger segundo as opiniões dos que os elegeram; elles votam em quem querem. Ora, Sr. Presidente, permitta-me a Camara que eu tire deste argumento ainda mais algumas consequencias.

Em 1849, quando o Suffragio Universal bate a todas as portas... e eu tambem não quero o Suffragio Universal, o que quero é a eleição directa com censo; o Suffragio Universal é consequencia forçosa do estabelecimento da eleição indirecta, e não como disse o illustre Deputado que se senta á minha esquerda — que era consequencia forçosa da eleição directa o Suffragio Universal, e vice-versa, que era consequencia forçosa da eleição indirecta o censo; — peço perdão a S. Ex.ª para lhe dizer, que é precisamente o contrario; consulte o illustre Deputado todos os Publicistas, consulte a sua esclarecida razão, e verá, que aonde ha maior illustração, menor necessidade ha de censo, e onde ha menos illustração, mais necessidade ha de censo; ora a eleição directa está neste segundo caso, porque são as massas que votam; logo é necessario estabelecer censo: mas na eleição indirecta não ha inconveniente nenhum em não haver censo, porque os Collegios Eleitoraes são compostos de um pequeno numero de Eleitores. Foi esta a alternativa que se offereceu á Commissão; a Commissão não tinha que hesitar devia escolher ou eleição directa com censo, ou então Suffragio Universal para os Eleitores de Parochia, e um alargamento consideravel no numero dos Eleitores de Provincia para podermos estabelecer Collegios Eleitoraes mais amplos; mas podemos nós fazer isto? Não podemos, porque a Carta nos veda faze-lo. (O Sr. Faria Barbosa proferiu algumas palavras que não se perceberam). Porque a Carta estabelece Direitos Politicos, segue-se que tudo que vem na Carta é Direito Politico? Ora o nobre Deputado com o seu áparte faz uma injuria a si mesmo! Porque na Carta ha artigos Constitucionaes, segue-se que todos os artigos da Carta são Constitucionaes? Sr. Presidente, o artigo que estabelece o censo, é eminentemente constitucional, porque a Carta diz, que é constitucional tudo que diz respeito aos Direitos Civís e Politicos dos Cidadãos Portuguezes; Direito Politico do Cidadão Portuguez é o Direito de fazer parte da Assembléa Legislativa, ou de cooperar para a eleição de seus Membros; nós sustentamos que o art. 63 não era constitucional, porque nelle se tracta do methodo de exercer o Direito: mas o Direito é constitucional tanto quanto é possivel se-lo. Por tanto, Sr. Presidente, a Commissão não podia proceder de outra maneira, e peço ao illustre Deputado que mandou uma Proposta para a Mesa, (a qual com o meu voto ajudei a admittir á discussão, porque eu quero discussão larga e franca sobre todos os pontos) que reflicta bem, que não fez nada em apresentar uma Substituição ao art. 1.º (é uma verdadeira Substituição) para que as eleições dilectas sejam trocadas pelas indirectas; era preciso que o illustre Deputado provasse que pelo seu meio se destruiam todos os inconvenientes das eleições indirectas, e isso é que não fez o nobre Deputado; talvez o faça mais tarde, mas seria melhor que o tivesse feito na occasião em que apresentou a Substituição; o nobre Deputado sabe perfeitamente, que desde o momento em que se estabeleça que as eleições hão de ser indirectas, o Projecto ha de voltar á Commissão, porque a Commissão tem de o reconsiderar em pontos essencialissimos e fundamentalissimos.

Dizia eu, Sr. Presidente, que hoje o Suffragio Universal bate ás portas de todos os paizes, em que ha Systema Representativo, nós temos em Portugal um Corpo Eleitoral de seiscentos a setecentos Eleitores, com tres milhões e meio de habitantes!... Eu farei alguns parallelos á Camara. A revolução de Fevereiro, essa revolução que produziu o Suffragio Universal, diga-se o que se disser, foi resultado em grande parte da tenacidade com que o Governo Francez se oppoz á reforma eleitoral, e á reforma parlamentar. (Apoiados) Eu estava em França (já o disse á Camara) na occasião em que se ventilaram essas questões; segui esses debates, e podia appellar para o testemunho de alguns de meus Collegas que me ouvem, se eu não lhes annunciei á minha chegada a Portugal para ter a honra de tomar assento nesta Camara, e antes que a revolução tivesse rebentado, (Apoiados) que uma revolução estava eminente em França, e que não me parecia possivel já atalhal-a, ao ponto que as cousas tinham chegado. A indisposição era immensa contra o Governo, e muitas causas a produziam: por um lado a Politica Estacionaria, e mesmo Retrograda do Ministerio; por outro lado a corrupção que tresbordava por toda a parte; Ministros mettidos em processo por concussionarios e delapidadores da Fazenda Publica, Altos Funccionarios prostituindo vergonhosamente as funcções dos seus cargos: n'uma palavra uma especie de vertigem se tinha apoderado de todas as cabeças; o que fazia crer a todos os homens que viam as cousas desapaixonadamente, que uma revolução era invencivel. (Apoiados) Aqui tenho uma pequena brochura de Duvergier de l'Hauranne, sobre a reforma eleitoral, e a reforma parlamentar, impressa em 1847, onde este distincto Escriptor diz expressamente — A Monarchia de Julho approxima-se d'uma destas crises supremas, em que segundo o uso que se faz da Prerogativa, se triunfa, ou se succumbe. Mas uma das cousas que mais irritou os homens illustrados de França, foi a opposição do Governo á reforma eleitoral, foi ver que apezar de não estar o numero dos Eleitores em harmonia com a população de França, montando apenas os Eleitores a duzentos mil para uma população de trinta e cinco milhões de habitantes, apezar de se não pedir senão a adjuncção ás listas eleitoraes dos Professores, dos Advogados, dos Medicos, n'uma palavra, das Capacidades que constituiam a

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lista do jury: esta mesma reforma foi combatida pelo Governo, e não passou!

Pergunto qual é a nossa situação a este respeito? Se em França a existencia de duzentos mil Eleitores era reputada muito abaixo dos que devia dar aquelle Paiz, em vista da sua população, e provocou uma revolução, que proclamou o Suffragio Universal: admittindo aquella mesma base, que a França achou muito diminuta, e repelliu, devia dar o nosso Continente, cuja população é dez vezes inferior á da França, vinte mil Eleitores: pois temos apenas oitocentos! Estão os Srs. Ministros contentes com a Lei, que dá taes resultados! Entendem os Srs. Ministros que esta Lei dá o Systema Representativo tal qual foi concebido pelo illustre Dador da Carta Constitucional? Não certamente. O Systema actual de eleições é defeituosissimo; (Apoiados) é necessario sairmos delle, e para isso ou havemos de declarar que o art. 63 da Carta é constitucional, expondo o Governo e a Camara á mais flagrante contradicção, e tornando necessarias, como já demonstrei, duas dissoluções da Camara Electiva; ou havemos de declarar que o artigo não é constitucional, e fazermos Lei Eleitoral, que tenha por base o methodo directo. (Numerosos apoiados)

Sr. Presidente, eu estou fatigado, e não quero abusar por mais tempo da benevolencia da Camara: acabo pedindo a V. Ex.ª me inscreva para fallar segunda vez: não quero privar os nobres Deputados que têem a palavra, de emittir as suas opiniões á Camara: o meu fim foi vêr se por estas leves considerações que fiz a respeito de alguns dos motivos que levaram a Commissão a adoptar a Eleição directa, se chamava a discussão a este terreno. (Vozes: — Muito bem).

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, se eu não quizesse evitar parecer indiferente á importancia da questão, de que se tracta; se eu não quizesse atalhar, que alguem lançasse a mais leve suspeita sobre o meu silencio, eu desistiria da palavra.

O meu voto nesta questão deve ser muito conhecido, porque não póde ser senão uma consequencia immediata, e directa daquelle que já dei na Sessão de 17 de Abril do anno preterito. Está consignado em caracteres indeleveis na Acta da Sessão desse mesmo dia. O que então disse, é o que hoje repito. Eu não sei vacillar no meio da carreira, que uma vez encetei. Não sou aulico, mas em compensação procuro ser coherente para ter por mim a força da razão. (Apoiados)

N'uma das Sessões precedentes, o illustre Orador, que encetou está discussão, entoou o — Cantabo Domino canticum novum, elevando ao Throno do Altissimo louvores por se haver entrado na discussão da especialidade do Projecto eleitoral. (Hilaridade geral.) Não são nunca superabundantes os louvores da creatura para com o seu Creador!... Mas se eu nem levemente posso duvidar da sinceridade das intenções do illustre offerente, permitta-se-me que duvide muito da opportunidade da offerta. Eu intendo que foi muito extemporaneo o — Te Deum que se entoou; porque se eu ajuizo da falta absoluta de pensamento governativo, que existe naquellas Cadeiras (Apontando para as do Ministerio), se eu comparo este facto com a epidemia dos Adiamentos, que se tem succedido sem interrupção... eu devo receiar muito, que ainda não tenhamos Lei Eleitoral; e que outro subterfugiosito, como aquelle, que se apresentou em fórma de Adiamento, venha impedir que esta obra seja levada ao seu termo. (Apoiados) É por esta razão que eu pediria a esse mesmo illustre Deputado, a quem me refiro, que unindo aos meus os seus rogos (pois que os reputo mais valiosos) levantemos preces ao Altissimo, para que illumine o nosso intendimento, e robusteça a nossa vontade em ordem a evitar a tentação de novo peccado contra a Lei Eleitoral. (Riso)

Sr. Presidente, a questão está intacta; de nenhum dos lados da Camara, apezar da vastidão de conhecimentos, que possuem os illustres Deputados, que tem entrado neste debate, se tem passado além do patamar; é forçoso confessar que dentro do templo dos principios (sem injuria o digo) ainda nenhum entrou; e apenas se tem rastejado pelos factos: como se os abusos, que se tem feito d'um ou outro methodo de eleição, podessem dar motivo, ou ser razão sufficiente para o Legislador se decidir sem mais consideração sobre a preferencia dos mesmos methodos; ou se, conhecidos os abusos, não incumbisse antes ao Legislador o estabelecer as devidas precauções! (Apoiados)

A questão é do artigo 1.º, e ainda não é do artigo 1.º em toda a sua extensão? versa sobre o pensamento, que comprehendem as cinco primeiras palavras do mesmo artigo, quando diz — A eleição dos Deputados é directa. — É sobre este ponto unico, que tem versado, ou pelo menos devia versar toda a discussão. (Vozes: — É verdade.)

Esta proposição tem um pensamento complexo, porque não sómente envolve em si a grande controversia agitada, de ha muito tempo, entre os Politicos; Se a eleição directa é preferivel á indirecta; mas porque para nós Portuguezes, que temos diante de nós a Carta Constitucional, é precizo de mais a mais considerar, se em presença da mesma Carta Constitucional, e ainda, concedida a vantagem de um sobre o outro methodo, podemos admittir a sua preferencia sem offensa da Lei Fundamental, e por outros tramites, que não sejam os marcados no artigo 140 e seguintes da Carta Constitucional? (Apoiados. — Vozes: — Essa é que é a questão.)

Tudo que fôr tirar a questão destes dois pontos, é não ter adiantado cousa alguma: verei pois se posso desenvolver, segundo as minhas fôrças, estas duas thezes; e se me é dado chegar com a luz da analyse a estabelecer a unica conclusão que desejo, e é que o meu Paiz alcance a maior liberdade, mas liberdade com ordem. (Apoiados)

Sr. Presidente, se eu estivesse no exercicio pleno de um Poder Constituinte, se eu estivesse livre da influencia de um poder superior, e legitimo, qual é a Carta Constitucional, confesso, que talvez me determinasse a votar pela eleição directa; e havia de me determinar a votar por esta, porque em theoria poderia dizer demonstrado; que ella só póde constituir a verdadeira liberdade. (Muitos apoiados) E porque? Porque ella exprime em toda a sinceridade, e verdade, a natureza do mandato. (Apoiados)

É preciso que entre mais de espaço neste debate, para que as nossas convicções, e as do Publico, sejam devidamente formadas. (Vozes: — Muito bem.) O mandato, por sua natureza, decresce da sua efficacia na proporção das delegações, que delle se fazem: e a razão disto é porque por effeito destas delegações,

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que não são senão as auctorisações para obrar em nome daquelles, que as concedem, diminuem de força, até desapparecer inteiramente, os motivos, que ligam o mandante, e o mandatario. Os dois agentes poderosos, que estabelecem as relações mutuas entre estes individuos, enfraquecem naturalmente pela existencia do corpos intermedios, porque nem o conhecimento da maior capacidade, e probidade do mandatario, que deviam influir no anímo do mandante, nem o zêlo daquelle para corresponder a essa preferencia, podem jámais considerar-se com a mesma efficacia no segundo, e muito menos nos graos subsequentes. (Apoiados)

Sr. Presidente, isto que é da natureza de todo o mandato, e muito mais applicavel ao mandato eleitoral; e porque? Porque no mandato eleitoral não havendo o mesmo interesse directo e immediato, por isso que se tracta, não do interesse individual, mas do da communidade; o que não communica decerto gráo de igual zêlo, e diligencia, resulta, que a sua efficacia deve necessariamente diminuir na proporção da existencia de corpos intermedios, entre o que escolhe, e o que é escolhido, conseguintemente quanto o Eleitor estiver mais perto do que tem de eleger, muito mais se satisfaz a natureza do mandato.

Accresce ainda, que a eleição indirecta é fundada n'uma verdadeira ficção, e a liberdade não assenta bem senão na realidade. A ficção de direito que aquillo que qualquer póde fazer por si, póde praticar por outrem, é a que sustenta a auctoridade da delegação dos poderes aos Eleitores, e destes aos Deputados, mas esta ficção que é indispensavel no tracto dos negocios civis, porque e necessario que estes, marchem, e se resolvam no interesse geral da sociedade, não póde ter a mesma applicação aos negocios eleitoraes, nos quaes se verifica exactamente o contrario. (Apoiados geraes) No exercicio dos direitos civis, sendo impossivel, que o mesmo homem, que tem negocios em differentes partes do Mundo, V. g. em Lisboa, París, e Londres, possa estar ao mesmo tempo em todas as partes pessoalmente e da primeira necessidade, que a ficção suppra essa falta de comparecimento pessoal, e esse cidadão possa ser representado nestes pontos por uma outra pessoa, que ou esteja munida de poderes, caso em que temos o verdadeiro procurador; ou que obre por virtude de um presumido consentimento, e então teremos o agente, cujos actos para terem o devido effeito, carecem da ratificação posterior, mas isto não se pode dar nos Eleitores, porque elles não teem de praticar o acto eleitoral ao mesmo tempo, em differentes partes e numa só, e pessoalmente, porque são as eleições actos, que senão admittem por procurador, logo toda a delegação do direito eleitoral, em regra, poderá considerar-se contra a natureza do mandato.

E isto, que eu deduzo da natureza do mandato, em virtude das profundas meditações, que tenho feito sobre o direito politico, é igualmente attestado pela historia, e pelos differente escriptores sobre a materia.

Effectivamente, se nós consultarmos a historia, vemos, que Xenofonte, que não póde ser suspeito, fallando da eleição directa, com relação ao povo de Athenas, diz, que nunca tinha visto, que o povo se enganasse a respeito da escolha, que se propunha fazer, nas vistas da maior capacidade, dos seus Magistrados. Se passarmos da Grecia a Roma, Tito Livio, mostra que as eleições feitas nos Comicios Romanos, deram sempre um bom resultado. Se da historia dirigirmos nossas vistas para os politicos, aí temos Machiavel, e Montesquieu, os quaes apresentam razões, que não podem considerar se de pouco pêso, (attento o seu saber, e experiencia), a favor da eleição directa, mas todos estes argumentos, que os politicos apresentam a favor das eleições directas, todas essas razões que deixo mencionadas, e que talvez moveriam minha vontade a adoptar a eleição directa, se se tractasse de constituir direito, (Apoiados repetidos) podem deixar o arbitrio de seguir qualquer opinião; e podem mover a Camara a seguir este caminho em presença da Carta, que é o nosso direito Constituinte?... (Apoiados) Suppondo se em argumento que as eleições indirectas não tivessem por si, como teem, razões, e motivos tambem fortes, deveriamos nós atrever-nos a alterar de leve a forma das eleições, que estão na Carta!... (Apoiados) Devemos nós correr o risco de altera-la com perigo de a offender, quando considerada sómente a questão da constitucionalidade, ou não constitucionalidade do art. 63 º, apparece uma tão grande divergencia de opiniões?

Não se persuadam os illustres Deputados, que se pronunciam contra as eleições indirectas, que estas não teem nem razões, nem escriptores pela sua parte; tem muitos politicos, e muito fortes razões, (Muitos apoiados) e tantas, que podem por ventura parecer ainda de maior auctoridade, e de maior valor para alguns espiritos.

Sr. Presidente, os factos, e a experiencia, que alguem conceitua, como a razão das razões, não podem deixar de offerecer grande argumento áquelles que se pronunciaram, ou pronunciam pela eleição indirecta, porque as grandes mascas, vista a maneira porque as sociedades hoje se acham constituidas, não podem considerar-se com as habilitações sufficientes para poderem ajuizar da capacidade individual e respectiva de cada um dos que teem a eleger. (Apoiados) Devem logo ser movidas por impulso, ou acção estranha a sua vontade, e por isso contraria á liberdade do voto. (Repetidos apoiados) Neste caso a eleição não fica sendo um acto espontaneo, e a expressão da vontade do povo, mas um resultado dessa causa estranha, ou seja o suborno, ou a violencia, ou o dólo, que influam. E neste sentido, que se entende mais conforme com os principios da razão, e verdadeira illustração a eleição em dois graos. (Apoiados prolongados)

Ha ainda uma razão não menos poderosa, qual e a de que pelo meio das eleições directas, a parte mais ignorante, ou menos illustrada da sociedade ha de ter necessariamente a superioridade sobre a parte mais illustrada, e por isso se estabelecêra o predominio da materia sobre a intelligencia, o que é diametramente opposto ao progresso das idéas, e da liberdade. (Vozes: — Apoiados) D'ahi provem, que não sómente ellas são censuradas por alguns politicos, mas que outros as declaram altamente retrogradas. (Vozes. — Muito bem) Cabanis, e Sysmondi são desta opinião. (Vozes — Ouçam, ouçam) além de outros

Mas a nós Deputados, Representantes da Nação Portugueza, não deve importar aquillo que dizem Machiavel, Montesquieu, nem Cabanis, ou Sysmondi?... Deve consultar cada um a sua propria consciencia, e observar os costumes do Povo que repre-

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senta; e a sua instrucção. Deve querer, não aquillo, que é melhor, porque a Lei melhor, conforme as theorias, não é aquella, que muitas vezes convém mais ao Povo; mas aquella que fôr mais adaptada aos seus costumes, á sua intelligencia, e aos seus habitos. (Apoiados geraes)

Se nos trouxessem uma Lei das mais sabias, feita debaixo da influencia das maiores Illustrações para ser applicada a um Paiz igualmente adiantado em civilisação; porque essa Lei era boa para esse Paiz, deveriamos desde logo reputal-a boa para um Povo, que apenas tivesse dado os primeiros passos no caminho da liberdade?... Como seriamos nós taxados, se assim procedessemos?... (Vozes: — E sabido.) Pois eu não pronuncio o nome, porque todos, creio eu, já o adivinham, e pronunciariam sem necessidade de o declarar. (Vozes: — É verdade, muito bem.)

Transportar-me-hei depois disto com os illustres Deputados ás differentes localidades, e peço que me digam, que é o que elles têem visto, e observado nas eleições parochiaes, por exemplo, de Juiz Eleito, ou de Paz; e nas eleições municipaes?... Como é que o Povo opera nestas eleições, não obstante respeitarem ellas, para assim dizer, ao seu governo domestico? E nas eleições geraes, directas ou indirectas, é por ventura outro o fogo, que anima as massas, e differente a atmosfera que respiram? Não e sempre o mesmo fogo, a mesma atmosfera, e os mesmos agentes, que influem na vontade popular. (Apoiados) O Povo move-se mais ou menos activamente, segundo o impulso, que lhe communica o choque das ambições que se agitam; o seu voto as mais das vezes não exprime a sua vontade, mas a dos interessados, que o impellem, e movem: recebe a lista, que aquelles teem formado, muitas vezes impressa; algumas vezes nem a abrem, e eis-aqui a liberdade, e vontade do Povo. (Apoiados repetidos) Na presença deste espectaculo, que todos os Srs. Deputados têem presenciado, que a Nação toda observa, todas as vezes, que as eleições de qualquer ordem se repetem, em vista da instrucção do nosso Povo, e do seu adiantamento no caminho da liberdade; em face de seus habitos, de suas tendencias, e seus costumes, é que deve a Camara considerar, não a questão da maior ou menor perfeição da eleição directa, ou indirecta como principio; mas a da sua maior conveniencia para o Povo Portuguez; e da sua maior adaptidão á sua instrucção, usos, e costumes. (Apoiados geraes)

Vê-se pelo que tenho dicto, que no fim a que me propuz, eu não preciso, nem devo recorrer á historia da legalidade ou illegalidade, dos actos legitimos, ou não legitimos, que têem acompanhado as nossas eleições. E para que tractar disso, Sr. Presidente! Para que trazel-os á collação? Por ventura o abuso da Lei póde nunca influir na bondade, ou malicia da mesma Lei! Para que havemos de confundir sempre a Lei com o seu executor?... Se assim discorrermos, que instituição humana ou divina por verdadeira, illustrada e respeitavel que seja, póde escapar ao anathema da proscripção? (Apoiados) Não sabemos nós que a mesma Religião Catholica tem sido, nos pontos mais obvios do seu Dogma, atacada differentes vezes, e em differentes tempos, dando-se occasião a scismas, e heresias, que têem affligido a Igreja de Christo! (Apoiados) Pois porque se abusa da Religião, havemos concluir, que a Religião é má, e não havemos de dizer antes que são os homens que são

máos?!... (Apoiados) Mas o que dizemos da Religião na sua vasta comprehensão, podemos e devemos applical-o, em ponto menos extenso, á Lei Eleitoral. Não nos queixemos que tal, ou tal methodo é máo em si, ou por si; não attribuamos á Lei, o que é só dos homens? (Apoiados)

Sr. Presidente, as eleições directas podem ser muito boas, se por ventura o Povo estiver para ellas preparado, e forem dirigidas com toda a legalidade, mas as eleições indirectas não serão peiores, dadas as mesmas circumstancias. (Apoiados) E não é admissivel, em vista dos factos, a proposição, que um dos methodos dá resultado contrario; se a respeito delle se verificar a mesma legalidade de eleição e processo. (Apoiados)

Não é por consequencia com os abusos, que devemos argumentar, por que para estes ha remedio, o de providenciar nos differentes artigos da lei contra a sua repetição. Mas por que uma vez existiram, não tiremos a consequencia, que o methodo é máo. (Muito bem)

A versatilidade é um grande inimigo de todas as instituições humanas, e de todas as Leis, e desgraçadamente ella se tem tornado uma grande mania, desde que o Governo Representativo foi estabelecido no nosso Paiz. Ternos andado sempre n'um circulo vicioso de reformas, que não teem produzido bem algum real, e teem lançado a opinião da instabilidade em todas as cousas. (Apoiados) Tem-se levantado em principio o interesse, ou capricho dos Partidos, em vez de deixar-se a demonstração da bondade desta ou daquella medida á experiencia, e ao tempo, unicos reformadores naturaes das instituições.

E, Sr. Presidente, que se me diga, com que fundamento póde alguem asseverar, que o Povo quer antes a eleição directa, que a indirecta?.... Aonde estão os titulos legitimos, e authenticos para provar essa sua vontade?.... Esta por ventura sobre essa Mesa alguma Representação de qualquer Corporação de Cidadãos, e de alguma das Camaras Municipaes pedindo este, ou aquelle methodo de eleição?.... Pertendeis pois, que, em objectos tão transcendentes, sejam a opinião individua! deste, ou daquelle; o interesse desta ou daquella Parcialidade; os artigos de um ou outro Jornal, inspirados ás vezes por vistas bem differentes, que a do bem publico, os motivos, que unicamente nos dirijam? Esse silencio do Paiz não é nada? (Apoiados estrondosos)

Para onde fica a opinião publica — E essa como se póde conhecer? Será pelo dizer de tal ou tal individuo, pelo que tal ou tal Partido proclama?.. —.. Vê de, que contrariais todos Os principios da Sciencia Governativa. (Apoiados)

Já se vê pois a razão, porque eu, marchando em linha recta ao fim da Lei, devo divergir um pouco na apreciação desta questão do illustre Deputado, meu Amigo, que se senta ao meu lado esquerdo, em quanto intendeu dever «consideral-a, fazendo a historia das eleições directas, e indirectas, para se decidir por umas, ou outras. Eu intendo, que ao Legislador não devem escapar factos, ou circumstancias algumas, que possam devidamente habilital-o para a boa feitura das Leis; mas na questão que se agita, certamente a consideração dos abusos não póde vir em contemplação senão para o fim do remedio, e não para prova da maior, ou menor utilidade. (Apoiados)

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Igualmente apparece a razão, porque eu, marchando no mesmo caminho, devo inteiramente apartar-me da opinião do outro illustre Orador, que se assenta na frente daquelle, a quem ha pouco me referi; por que, em verdade, este illustre Deputado para sustentar a preferencia das eleições directas, recorreu a dois argumentos, cada qual mais infeccionado do erro, e mais inconsequente.

O nobre Deputado disse-nos, que votava pela eleição directa; porque ella era, primeiramente mais conforme ao espirito da Carta Constitucional, e em segundo logar, mais conforme aos habitos dos Povos. Em outro qualquer não me admiraria este equivoco; mas no illustre Deputado tive razão para admiral-o?

A eleição directa mais conforme ao espirito da Carta Constitucional!.... Pois que! Póde haver espirito de Lei contrario á sua letra obvia, e clara?... Pois que! Quando a Carta Constitucional claramente diz, que a eleição é indirecta, e não contente com este enunciado accrescenta a maneira, porque a eleição indirecta ha de ter logar, isto é, elegendo a massa dos Cidadãos os Eleitores de Provincia — e estes os Deputados da Nação — quando a Carta diz isto, repito, havemos nós ordenar de nosso moto-proprio não, a Carta não diz o que aqui está, não se intende assim, mas de uma outra sorte, que o nosso capricho inventa?! (Apoiados geraes) Não nos ensinam o contrario as réguas d'Hermeneutica, conforme ás quaes, quando a letra de uma Lei é obvia e clara, não póde, nem deve pessoa alguma excitar a duvida contra a sua intelligencia?.... Tal Lei póde, e verdade, ser impracticavel, póde ser inconveniente, póde ser injusta.... póde em virtude disso vir pedir-se a sua reforma, mas dizer-se que é obscura para se lhe dar a intelligencia a arbitrio, isto não é dado a ninguem. (Apoiados)

A eleição directa mais conforme ao habito dos Povos!.... Estaremos nós por ventura nos desertos da Arábia para avançar similhante proposição!?... Ou o illustre Deputado, a que respondo, ha de intender por habito, o que até hoje ainda nenhum Filosofo, ou Politico intendera, ou ha de ver-se obrigado a confessar, que esqueceu todos os factos da Historia contemporanea, quando avançou similhante inexactidão. (Apoiados)

Sr. Presidente, todos sabem, que classes de eleições teem havido no Paiz desde 1820. E quantas teem tido logar pelo methodo indirecto, e quantas pelo methodo directo. Seis ternos tido pelo primeiro, e sómente quatro pelo segundo. Logo ainda temos um terço doados contra asserção do nobre Deputado (Apoiados), e por isso demonstrado, que errou de facto a respeito d'este ponto, e que por consequencia o seu argumento cae inteiramente. (Apoiados)

Da mesma maneira não posso concordar com o nobre Deputado, que se senta no banco superior, sobre a preferencia absoluta, que dá á eleição directa sobre a indirecta, porque a argumentação do nobre Deputado não provaria senão a favor das eleições indirectas. O nobre Deputado admittindo a base do censo, com relação á propriedade, propôz a necessidade de procurar tambem a base da illustração... Pois bem! Isto não faz senão condemnar o juizo das massas, reconhecendo se a sua inefficacia, e a necessidade de as preparar pela illustração; ora é esta justamente a causa principal das eleições indirectas. (Apoiados) Ninguem devia querer dar, ou pertender dar, por uma Lei, vista aos cegos, ou ouvidos aos surdos, e por isso não deve tambem dar-se o direito eleitoral, a quem não estivesse, por falla de illustração, habilitado para o exercer. O illustre Deputado esqueceu-se, que as Leis providenceiam sobre o mais commum, e não podem descer a todas as hypotheses; mas eu accrescentarei mais, que o argumento de analogia, que o nobre Deputado adduziu, não póde ter a mais pequena applicação. O nobre Deputado sabe, que aqui estamos tractando de Direitos Civis, e Politicos, e que os Direitos Naturaes estão inteiramente fóra do alcance das Leis, que regnlam uns e outros. Nós não podemos dar vista aos cegos, nem ouvidos aos surdos, porque pertence a outro poder sobrehumano tão alta attribuição. Não é a creatura, é sim o Creador, a quem unicamente pertence poder para tanto. As Leis humanas não podem chegar até esse ponto. Logo é inteiramente inapplicavel o argumento. (Apoiados)

Sr. Presidente, a discussão igualmente se adiantou pouco no terreno, em que deve ser considerada, com os argumentos produzidos por dois illustres Deputados por Vizeu. O primeiro que fallou sobre este ponto, permitta-me dize-lo, não entrou na questão, apezar do talento, com que costuma entrar nos debates Parlamentares. O illustre Deputado fez versar toda a sua argumentação n'uma supposição inexacta, por isso que para demonstrar, que a Camara não podia deixar de votar pela eleição directa, leve de dar como facto incontroverso, que a Camara se tinha pronunciado explicitamente a respeito da forma de eleição, que havia de acceitar, ou adoptar, quando se pronunciava sobre a não constitucionalidade do art. 63.º da Carta; e isto não é exacto. (Apoiados)

Eu sei que o illustre Deputado habil, como é, separando por um pouco os factos, insistiu principalmente no argumento das intenções, ou de cogitação, vede Maioria, (repetiu elle) que não podes deixar de votar pelas eleições directas, porque a intenção com que votastes, se o artigo era ou não constitucional, foi a da preferencia da eleição directa sobre a indirecta. E porque? (Continuou o illustre Deputado) Porque o Governo se tinha explicado pelo seu Presidente do Conselho de uma maneira explicita a este respeito, declarando, que Governo optava pela eleição directa: e que se por ventura a Camara a não adoptasse, elle Governo veria o que tinha afazer. Mas o illustre Deputado, fazendo todas estas supposições, devia collocar ao ledo dellas Os factos, moralisa-los, e depois disto é que lhe era licito tirar uma conclusão, que de certo não seria aquella, que deduziu.

O nobre Deputado devia ver, que não podia julgar a Maioria pelas intenções, quando esta tinha feito uma declaração expressa, que votando o artigo, não se entendia, que optava desde logo por um, ou outro modo de eleição. E quando ao lado de uma intenção, arbitrariamente presumida, está um facto claro, como, póde o nobre Deputado, ou alguem, asseverar que a Maioria se comprometteu a este respeito? Muito bem póde dizer o nobre Deputado, que a opinião do Sr. Presidente do Conselho era aquella; mas pertender levar o seu argumento mais adiante, é deixar o campo dos factos para entrar no risco das supposições; parece-me, que esse modo de

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argumentar não é muito favoravel á causa da verdade... Nem me parece igualmente, que fosse feliz o illustre Deputado em lembrar o. incongruentissima ameaça do nobre Presidente do Conselho, concebida nas palavras supra-citadas, porque entendo, (e póde ser, que esteja em êrro), que essa ameaça não influiu, ou pelo menos não devia influir, no espirito da Maioria; e se influisse, ahi está evidenciado outro vicio contra a liberdade do voto a respeito daquelles, que se pronunciavam pela não constitucionalidade do art. 63.º? Qual a Camara, que sem se desvirtuar podia recuar diante dos seus deveres com uma ameaça de similhante natureza? Nem ao Ministerio, apoiando-o, poderia uma tal Camara fazer algum bem; nem as suas deliberações teriam a menor auctoridade para com o Paiz, porque não eram acompanhadas de dignidade. (Apoiados) Não quero suppôr que a Maioria esteja despida destes sentimentos. (Apoiados)

Outro nobre Deputado que hoje fallou, disse-nos — Vede que vos expondes a assassinar a Carta, senão votais pela eleição directa, porque confessais, que a eleição indirecta não tem por si a razão; além disso (accrescentou elle) reparai, que votada a Lei, vai a Camara ser dissolvida. — É facil de ver, que nenhuma das razões procede, e se provam alguma cousa, é contra: 1.º a eleição indirecta tem por si boas razões, e boas auctoridades, como já disse. (Apoiados) 2.º Nunca foi julgada consequencia necessaria, e immediata da approvação da Lei eleitoral a dissolução da Camara, que a vota; (Apoiados) quando é o mesmo principio de eleição, que prevalece, e ahi temos, entre outros, os exemplos de França em 1831, e do Brazil. Agora quando a reforma eleitoral versa sobre o principio, então é mui differente. A declaração do vicio radical, não póde deixar de trazer a innovação dos Corpos Politicos. De donde se vê, que não é de se votar a eleição pelo methodo indirecto, systema reconhecido na Carta, que ha de resultar a dissolução; mas de se votar o contrario, isto é, a eleição directa, porque ena tal caso é a Camara, que tem reconhecido o seu proprio vicio. (Apoiados prolongados) Veja pois o nobre Deputado, que o argumento ad-terrorem, ou ad-verecundiam, que apresentou, ou pelo menos pareceu querer fazer valer, se víra contra as suas proprias intenções, e fins.

A parte a intelligencia elevada do nobre Deputado, de que aqui não tractamos; á parte as suas outras qualidade., que eu sei respeitar, a sua argumentação ressentiu-se visivelmente do caminho falso, que pertende percorrer, pondo as suas idéas, ou para melhor dizer as idéas da Commissão estão em contradicção com as proprias idéas de Commissão. Presentido bem o illustre Deputado, e por isso, repetindo a historia do seu Discurso, evitou proferir o argumento, que a mesma Commissão offerece contra si mesma na appreciação da constitucionalidade do art. 65.º da Carta sobre o censo; mas já não era tempo de fazer retirada, sem cair nas mãos do adversario, que o observava. (Muito bem, muito bem) A contradicção é visivel, e clara; nenhum sofisma, nenhum subterfugio por mais habilmente combinado, que fosse, a poderiam attenuar, quanto mais destruir.

Sr. Presidente, a Commissão fallando, ou explicando-se no seu Relatorio sobre as incompatibilidades, e sobre o censo lançou alli as seguintes expressões:

«A Commissão portanto absteve-se de elevar o censo, chamando pelo contrario ao exercicio dos Direitos Politicos tudo o que dá vida, e força á Sociedade, ao trabalho industrial, e agricola, á propriedade, e á intelligencia; e practicando isto, não fez mais do que executar o pensamento da Carta, onde esta idéa nobre e fecunda transluz de todos os preceitos.

«A Commissão havia de ser mesmo mais severa, se a Carta não parecesse vedar-lh'o. Os ordenados, ou. salarios dos Empregados amoviveis nunca teriam sido considerados como censo (verdadeiro), se a Lei Fundamental não designasse o rendimento do emprego como habilitação de capacidade eleitoral.

«A experiencia prova o abuso que se fez do voto «destes Eleitores, salariados pelo Estado, e de ordinario coegidos, e intimidados, sem livre opção de «suffragio; e torna de certo evidente a necessidade «de interpretar, ou reformar o art. 65.º da Carta, «para a urna só receber votos, filhos da plena independencia da escolha, e da inteira liberdade moral «e física do Eleitor.»

O que mostram estes differentes periodos, lançados no Parecer da Commissão? Mostram claramente que a Commissão intendeu, que a disposição do art. 65.º era constitucional, e se ainda restasse alguma duvida, não obstante tão claras expressões, o mesmo illustre Presidente da Commissão acabava de resolvel-a pela sua bôca, não ha muitos momentos. (O Sr. Avila — Apoiado) É direito constitucional a materia do art. 65.º que tracta de um requesito para o exercicio do direito eleitoral, e não póde por consequencia revogar-se, senão pelos tramites marcados no art. 140.º e seguintes da Carta... Isto reconhece-o a Commissão, e ao mesmo tempo nega, que o proprio direito estabelecido formalmente no art. 63.º seja constitucional!!! (Apoiados repetidos e numerosos) Que modo é este de ser coherente? Podemos nós discriminar com tal arbitrariedade os pontos constitucionaes sobre o mesmo objecto da eleição?.... Pois o censo, que carece por sua propria natureza, pelo estado de irregularidade de nossos conhecimentos estatisticos de uma norma adaptada ás circumstancias, não póde tocar-se, porque é objecto constitucional, e deve por isso ser emendado nos termos previstos na Carta; e a fórma da eleição, que é aqui o mesmo direito, não é constitucional?......Que contradicção é esta?....

Sr. Presidente, eis as contradicções, em que cahem os homens, que em vez de seguirem o lume da razão, seguem as impressões do momento: Legisladores consultem embora essas impressões, para avaliarem a sua importancia; mas dirigirem-se só por ellas, será sempre fatal para o bem publico. (Apoiados).

O illustre Deputado a quem me refiro, que apesar dos seus conhecimentos, não podia subtrahir-se á acção irresistivel da razão, offerecida nos seus proprios argumentos, teve a infelicissima lembrança de pôr em paralello a materia do art. 63.º com a divisão do Reino em Provincias. Em parte nenhuma da Carta se mostrára nem annunciada essa divisão no sentido, em que se diz. O art. 2.º § 1.º da Car-

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ia refere as provincias, mas como partes componentes do Reino, e no sentido geografico. A divisão Administrativa e toda da acção da Lei ordinaria nos termos do art. 132.º da Carta, e sómente subsiste, ou subsistirá, em quanto por outra Lei não fôr alterada (Apoiados). Similhante lembrança pois não póde nem merece o nome de razão (Apoiados).

É á lei, que compete definir a divisão Administrativa sob qualquer respeito, e é essa Lei, que nós estamos a fazer, é essa Lei que nos podemos fazer na plenitude, em toda a plenitude do exercicio do Poder Legislativo, que a Carta confere ás Côrtes. Logo argumentar por tal fórma é realmente mostrar, que estamos longe de conhecer as prescripções da Carta Constitucional (Vozes: — Muito bem.)

O illustre Deputado quiz tambem corroborar a sua opinião a favor da eleição directa, dizendo que o actual illustre Ministro da Fazenda se tinha declarado por essa fórma de eleição, e que não havendo entre esta declaração, e a epocha actual outro facto da parte de S. Ex.ª o qual estivesse em opposição com o primeiro, estava re integra a sua primeira declaração. O illustre Deputado foi o proprio, que apresentou a resposta a este argumento em algumas palavras que lhe escaparam. Primeiramente devo restabelecer os factos como em verdade se passaram: a Commissão trouxe aqui a questão da constitucionalidade, ou não constitucionalidade do art. 63.º sem decisão alguma definitiva pela sua parte, dizendo que a offerecia a elevada illustração da Camara para resolver o melhor. Logo não decidiu nada, e se decidiu no seu interior, foi a favor da constitucionalidade do artigo...

Fallando especialmente a respeito do illustre Ministro da Fazenda, direi que S. Ex.ª tem um facto muito significativo entre aquelle, que o illustre Deputado referiu, e a época actual o illustre Ministro da Fazenda declarou, que votaria em principio pela eleição directa, fez o mesmo que eu hoje muito explicitamente declarei, mas apresentou logo, que entendia que o artigo era constitucional. (O Sr. Lopes Branco: — Apoiado, apoiado). Fez mais alguma cousa, veio trazer á Camara um Projecto para que o artigo se reformasse pelos tramites da Carta (O Sr. Lopes Branco: — Apoiado.) e a Camara admittiu esse Projecto, com a excepção unica de tres ou quatro Deputados. (Apoiados geraes) Como ha de pois hoje a Camara ser incoherente, pronunciando-se em sentido inteiramente differente, como ha de admittir a eleição directa, se admittiu já que o art. 63 se ha de reformar, e que essa reforma se devia verificar pelos tramites marcados na Carta? (Apoiados)

«Mas as incompatibilidades? (Continuou o illustre Deputado) Mas o segredo do escrutinio? Que são providencias, que esta Lei estabelece para a regularidade eleitoral, e para se evitarem os excessos e demazias, que se praticaram nas differentes eleições.» Por ventura as incompatibilidades, e o segredo do escrutinio não são cousa commum para as eleições directas, e para as indirectas? Pois nós, que votamos pela eleição indirecta, não queremos as incompatibilidades nos devidos termos, não queremos tambem o segredo do escrutinio, não havemos de augmentar até as providencias a este respeito, porque a Lei vem neste sentido muito deficiente, e bem se resente da immensa precipitação, com que foi feita?... (Apoiados)

Sr. Presidente, eu tenho aproveitado a opportunidade da occasião, e até da memoria, para ir respondendo aos illustres Deputados, defensores da eleição directa, mas em verdade no ponto restricto da questão, ainda não entrei: (Hilaridade) é agora, que nella vou entrar pela fórma, e nos termos precisos, em que deve ser considerada: a minha missão é sem duvída mui difficil, attenta a posição, que procurei occupar nesta Camara, mas não desesperarei dessa difficuldade, senão poder cumpril-a conforme o meu desejo, hei de fazel-o de certo com a maior sinceridade, e com aquella franqueza, e lealdade, que costumam acompanhar os meus actos. (Apoiados) Não receie com tudo a Camara, que, propondo-mo a desempenhar este capitulo da minha tarefa tenha a Camara que lamentar abuso da sua paciencia por muito tempo, não o farei, ainda que me pareçam graves, gravissimas as considerações, que vou fazer. Eu não as lançarei na Camara, e no Paiz, como Membro da Opposição, mas como soldado do Partido Cartista, (Apoiados) porque desejo que esta Camara marche congruentemente no caminho da liberdade sem todavia se esquecer, que representa o grande principio da Carta. (Apoiados geraes)

A questão para a Camara deve ser considerada debaixo deste ponto de vista: «Tem a Camara faculdade, tem attribuições, tem competencia para poder decidir-se pela eleição directa, existindo em vigor o art. 63 da Carta Constitucional?» Ainda que toda a Camara reconhecesse, que a eleição directa era a melhor, existe ou não existe entre este seu desejo louvavel, e o seu dever sacrosancto, uma barreira insuperavel, que não admittiria, que se chegasse ao ponto desejado pelo erro do rumo, que se adoptava? (Vozes: — Muito bem, muito bem)

No primeiro caso digo que sim, e no segundo que não, o vou demonstrar

Sr. Presidente, o art. 13 § 6.º da Carta determina em geral, que compete ás Côrtes fazer e interpretar as Leis, etc. Mas pergunto eu agora, esta disposição da Carta é absoluta para todos os casos, não terá limitações na mesma Carta? Se eu demonstrar, que tem limitações na mesma Carta, não sómente na hypothese, que pertendeu decidir-se, mas nesta propria especie da Lei Eleitoral, a consequencia deve ser, que todas as vezes, que a Camara sair das limitações, que a Carta em si mesma consagra, e estatue, infringe a mesma Carta (Apoiados.)

A faculdade, que as Cortes têem de fazer Leis, é limitada, primeiramente quando essas Leis têem por objecto artigos constitucionaes, e artigos constitucionaes são todos, os que dizem relação aos Direitos Politicos, e Individuaes dos cidadãos, e aos limites, e attribuições dos differentes Poderes Politicos. Mas eu já demonstrei, memo pelas proprias palavras da Commissão (não querendo accrescentar, nem produzir os argumentos que offereci á Camara, quando se tractou do debate sobre o art. 63) que o artigo de que se tracta é constitucional, por consequencia não podia, nem póde, de maneira alguma seguir-se outro caminho que não seja o que legitima a limitação da regra geral. (Muitos apoiados)

Ma mais alguma cousa. Para que havemos de fechar os olhos á luz da evidencia, porque não havemos de procurar na Lei a razão da mesma Lei. Que é o que diz o art. 70? Em que termos é que o Legislador, ou o Dador da Carta nos concede, que fa-

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çamos a Lei Eleitoral? A Carta estabelecendo o direito eleitoral, não nos deixou liberdade para o regular em toda a sua extensão, disse no art. 70: — «Vós, Côrtes, (que são quem póde fazer a Lei) não podereis regular senão o modo pratico de fazer a eleição, e fixar o numero dos Deputados; logo tudo aquillo que fôr levar a Lei adiante desta limitação da propria Carta, dá em resultado um excesso de attribuição, uma infracção da mesma Carta. (Apoiados)

Supponhamos que em vez da Carta nos mandar regular o modo pratico das eleições, e fixar o numero dos Deputados, ella o tinha feito, nós não podiamos fazer nada em materia de eleições, haviamos de nos sujeitar ao modo prescripto, porque a Carta o tinha estabelecido, e nós não podiamos revogar a Carta sem seguir os tramites propostos no art. 140, e seguintes. Logo da mesma fórma na questão proposta. Modo practico das eleições, e fixação do numero de Deputados, é o que nos cumpre, e nada mais, e tudo o que fôr sair desta limitação é manifestamente um excesso das nossas attribuições, nós podemos de facto fazel-o, mas a mente do Legislador, do Dador da Carta não foi essa. (Apoiados)

De mais a mais nós teriamos na hypothese de votar pela eleição directa de passar á face do Paiz, não direi por falsos mandatarios, mas de certo por mandatarios rebeldes, e quer a Camara, e V. Ex.ª saber a razão? É porque nós recebemos uma procuração, em que se nos dão, é verdade, poderes amplissimos para tudo aquillo que fôr a bem do Estado, mas sómente nos termos, e pelo modo, que a Carta determina, e os termos da Carta, com relação ás eleições, quaes são elles? São modo practico de eleições, e fixar o numero dos Deputados. Por consequencia se nós fizermos outra cousa, que não seja aquillo, que está expresso nas nossas procurações, a nossa consciencia, e nosso dever nos accusarão perpetuamente de termos traido o nosso mandato. (Apoiados)

Accresce, além de tudo o que fica ponderado, a fortissima rasão, que resulta da propria historia das eleições indirectas, conforme a qual consta, que não sómente fôra sempre, e constantemente este o pensamento dos homens notaveis, que principiaram a executar a Carta, mas tambem o do proprio Augusto Dador d'ella, quando tractou de a fazer cumprir praticamente entre nós. A idéa das eleições directas, pela maneira, que se querem estabelecer, envolve demais a mais uma gravissima injuria á Memoria do grande Principe, porque não é possivel admittir, que se o Immortal Libertador intendesse, que as eleições pelo methodo directo eram mais liberaes, e mais conformes com a indole do Povo Portuguez, o quizesse privar deste beneficio. Elle, que por conservar intacta a independencia de seu caracter tinha abdicado a corôa de um imperio. (Apoiados) Elle, que transportado á Europa, não tivera outros cuidados, que os de restaurar a favor do Povo a liberdade, que lhe tinha sido usurpada; Elle, que apressára seus dias de angustia nas fadigas, e guerras da mesma liberdade; (Apoiados) Elle, em fim, que sabia que em Hespanha, Inglaterra e França não era outro methodo, que o directo, o que alli se practicava, e que não podia ignorar nem a Lei de 19 de Abril de 1834, que se tinha publicado em França na maior amplitude da liberdade, nem o Bill de 7 de Junho de 1832, que constituiu a ultima reforma eleitoral em Inglaterra. (Muitos apoiados)

Mas, Sr. Presidente, que fez o Senhor Dom Pedro d'Alcantara? Ahi temos o Decreto de 3 de Junho de 1834, assignado por seu Real Punho, aonde, como se tinha feito nas primeiras eleições pela Carta em 1826, se inseriram, palavra por palavra, os artigos respectivos da Carta Constitucional. (Apoiados) De tudo isto já se vê com a maior evidencia, que não é possivel, que uma Camara, que tem recebido um mandato como aquelle, que esta Camara recebeu, que uma Camara, que tem diante de si não sómente o preceito positivo da Carta, mas o seu espirito no facto do proprio Dador da Carta Constitucional, não é possivel, digo, que uma tal Camara, mesmo quando o caso fosse sómente de duvída quizesse apartar-se da estrada, que tantos factos tem justificado de unica verdadeira, e constitucional, para se lançar n'uma estrada perigosa, illegal, e altamente opposta aos proprios termos do seu mandato. (Apoiado)

Aristoteles dizia, que a garantia da maior duração do Governo estava, em que todas as ordens do Estado o quizessem tal qual estava, e que não reclamassem a sua reforma: ora eu ainda não vi, que legalmente se tenha pedido a reforma da Lei Eleitoral, ainda não observei empregado para tal fim esse meio legitimo, estabelecido na Carta, o Direito de Petição, para fazer chegar ao Corpo Legislativo, ou ao mesmo Throno as supplicas das differentes classes do Estado, e esses mesmos argumentos, que os illustres Deputados foram procurar tão incompetentemente aos differentes povos, são os primeiros, que os condemnam, porque nas differentes Nações aonde se tem pedido a reforma da Lei Eleitoral, não é n'um, dois, nem em tres annos, que ella se verifica, mas depois de muito meditada, reflectida, e desenvolvida a opinião geral, e quanto entre nós ha uma absoluta e inteira falta de elementos, que authenticamente a signifiquem, póde dizer-se que estamos auctorisados com a opinião publica para pedir tal? (Apoiados)

Eu não sou, nem quero ser tenaz a respeito de refórmas como os Barões Inglezes, que tinham adoptado por divisa da sua Politica o — Nolumus leges Angliae mutari — se bem que reconheço, que a certos respeito é mui rasoavel o principio n'aquella Nação adoptado, que todas as reformas, que não são amadurecidas pela opinião publica, são sempre prejudiciaes ao Estado, mas em todo o caso, não desejo que uma Camara de Deputados, que são Cartistas, que teem obrigação de velar pela exacta observancia da Carta, como deposito sagrado entregue ao seu zêlo, sejam os proprios que venham, não digo a rasgar, mas só pôr em duvída qualquer dos seus artigos. (Muitos apoiados)

Ainda mais duas observações: se o art. 63 se podesse reformar pela maneira, que vos estabeleceis, como podeis evitar, que ámanhã venha propor-se, que se reforme o art. 5.º? E sabeis de que se tracta no art. 5.º?... (Movimento geral de attenção) Da Familia Real, e sua Dynastia!... Quem é que pode evitar, segundo as theorias perigosas, que aqui se tem avançado, e á vista das cerebrinas idéas de constitucionalidade, com que se tem argumentado, que nesta Camara se podesse vir por em duvida, o que para nós todos, e para a Nação deve ser um Dogma Politico? (Muitos apoiados)

Não se fez já d'aquelle lado (Apontando para a

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Esquerda) um argumento similhante n'uma questão alias inteiramente differente? (Apoiados) Não respondi eu a esse argumento insidioso? Havemos de dar, ou convem que demos occasião a que se reproduza com mais plausibilidade, se assim formos procedendo na interpretação da Carta?... (Apoiados)

Se ámanhã vos vierem dizer — Não queremos a Religião Catholica, que aliás é a Religião do Estado conforme o art. 6.º da Carta, admittireis essa proposição, como objecto de Lei ordinaria, e sem consultar a Nação, só porque a Religião não é Poder Politico, ou attribuição delle, ou Direito Individual ou Politico do Cidadão? Sr. Presidente, não é possivel tolerar-se, que os guardas de uma Lei sejam os mesmos, que estejam a pôr em duvida os preceitos da Religião, de que são Sacerdotes. (Apoiados) Observai, Senhores, que a decadencia da Republica Romana proveio de erros iguaes aquelles, a que actualmente nos querem induzir. (Apoiados) Por duas vezes suspendeu o Senado Romano a Constituição, e as Leis contra os Cracchos, pelo perigo, que coma a Republica. O Senado invocou a Lei da Salvação Publica, e foi então muito applaudido por esta medida de vigor, mal se diria, que os effeitos haviam e ser efémeros O Povo tinha pedido liberdade, e foi a injustiça com que se correspondeu: o Povo jurou vingança, e foi Mario, que veiu ser o executor dessa vingança. (Muito bem)

Tambem Cicero, esse Sabio, que tinha por tantas vezes ensinado, que se não podia governar bem, sem observar-se uma restricta justiça, quebrou todos os vinculos da Lei com respeito aos cumplices de Catilina, intendeu que a Salvação Publica exigia delle, que fossem mortos, e com receio, que os seus cumplices os viessem tirar do carcere, mandou-os matar sem juizo (Indicta Causa)!... Mas sabe a Camara qual foi o resultado? A Republica, cuja salvação se tinha invocado, caíu primeiro que o Consul; Cezar aproveitou-se das circumstancias, e unindo a si os cumplices de Catilina, a Republica desappareceu para dar logar ao imperio. (Muito bem, excellente) Veja a Camara, quaes são as consequencias, que se devem esperar de pôr a mão sacrilega na Lei Fundamental d'um Estado; quem uma vez inceta esta carreira, está habilitado para continuar, e depois de incetada não se sabe aonde acabará.

E sómente neste sentido, Sr. Presidente, que um illustre Deputado, que hontem fallou, podia chamar revolucionarias ás idéas da eleição directa, e eu justifico esta expressão, porque ella é verdadeira no sentido dos principios.

Todos sabem, que as reformas das Constituições se podem fazer por tres modos, lentamente, ou pelos costumes; legalmente, ou pelo Parlamento, quando na Lei Fundamental está auctorisado, ou previsto o modo da reforma; e revolucionariamente, pelos meias tumultuarios, ou extra-legaes. Desde logo que despresados os dois primeiros modos, se appella, ou recorre ao terceiro, procede-se revolucionariamente no rigor dos principios, embora as pessoas não sejam nem anarchistas, nem revolucionarias, porque o mesmo é proceder revolucionariamente, que proceder inconstitucionalmente, logo o illustre Deputado pelo Minho foi exacto, quando, invocando, ou lembrando o Decreto de 27 de Julho de 1846 disse, que as idéas, que delle se transplantaram, eram revolucionarias, e extra-legaes, e não o serão ellas?... Vejam o Relatorio desse mesmo Decreto; e aí se convencerão de que não ha subterfugio nenhum a oppor á propria, e insuspeita declaração alli explicitamente escripta. (Apoiados) A eleição dilecta não é conforme com a Carta (declararam os Auctores daquelle Decreto), e sómente um Poder illimitado, e ultra-dictactorial poderá substituir as eleições da Carta. Que argumento mais convincente contra os argumentadores da constitucionalidade da eleição direcfa? E que se pertende actualmente senão restabelecer o principio revolucionario, que presidiu á feitura do Decreto de 27 de Julho?!.... Logo o illustre Deputado pelo Minho foi exactissimo na sua asserção em face dos principios, e neste ponto, perdôe-me o illustre Deputado por Vizeu, não havia motivo para tão acremente se dirigir, como se dirigiu, contra aquelle!....

Sr. Presidente, justo com os meus inimigos, não o serei menos com os meus amigos. Eu não posso deixar neste momento solemne de me dirigir a um illustre Amigo meu, que se senta nos bancos daquelle lado (Apontando para a Esquerda), não para lhe dizer palavras de censor, porque bem sabe elle, que o meu caracter repelle similhante procedimento, mas só para lhe dar conselhos de verdadeiro Amigo O illustre Deputado, a quem me dirijo, tem-se collocado nesta Casa n'uma posição inteiramente excepcional, que não cabe, nem á illustração das suas idéas, nem póde convir a Partido algum, nem mesmo á individualidade respeitavel do meu illustre Amigo. Não é possivel admittir, que um Cidadão, que tem a honra de ser Representante do Povo, possa vir convenientemente dizer ao Parlamento — Que todas as vezes que a Maioria votar de uma maneira, elle votará de outra, e que todas as vezes que o Governo propuzer uma medida, a ha de impugnar sem o exame da sua utilidade ou conveniencia. — Eu admittiria, que o illustre Deputado podesse dizer isto a respeito d um Systema de Governo, porque em geral neste sentido póde admittir-se esta significação do voto; mas fallar por egual maneira a respeito da Maioria, a respeito de qualquer lado da Camara, é inconvenientissimo, porque a pronunciação de uma tal proposição traria comsigo desde logo o caracter do exclusivismo, ou da anarchia, que não póde ser do espirito do illustre Deputado. A sua posição, explicada como a apresentou, significaria a negação absoluta de toda a idéa governamental, e de toda a justiça, porque importaria o mesmo que dizer, que as idéas de justiça e de governo não tem nenhuma influencia no seu espirito; e o cavalheirismo do nobre Deputado, as suas nobres qualidades e conhecimentos são uma garantia segura contra uma proposição tal, que seria summamente injuriosa para todo o homem, que desempenha funcções publicas. (Apoiados). O illustre Deputado tem direito a dizer — Eu hei de approvar sómente as medidas, que forem a bem do meu Paiz, que concorrerem para o maximo bem do maior numero, porque é este o juramento que dei, e eu sou incapaz de faltar a minha palavra e ao meu juramento; e por consequencia estou na forçosa obrigação de reprovai, e negar o meu apoio a todas as outras — mas fóra d'ahi não póde haver Opposição legitima; e da Opposição premeditada, dirigida a lançar o transtôrno em todas as molas da Sociedade não supponho o illustre Deputado capaz.

Não posso pois deixar de lhe dizer como Amigo,

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que não póde na qualidade de Deputado da Nação Portugueza, como ligado a uma parcialidade qualquer, seguir opiniões tão desvairadas, porque seria o mesmo que tornar talvez suspeitas as opiniões de outros seus Collegas, com quem está unido; e eu intendo que o illustre Deputado é incapaz de querer similhante cousa (Muito bem).

IV]as, Sr. Presidente, se ainda sendo preferivel a eleição directa, não podémos admitti-la, como Corpo Constituido, que somos, e não Constituinte, qual e o meio que temos a seguir? Illustres defensores da eleição directa, se por ventura quereis alcançar o vosso fim, fazei com que seja approvada a Proposta do nobre Ministro da Fazenda, sendo desmembrada para maior brevidade da universalidade do Projecto, a parte respectiva ao art. 63.º Illustres defensores da eleição indirecta; Cartistas inabalaveis. Vós podeis sustentar tambem para a vossa Religião; podeis fazer com que nem os presentes vos accusem, nem os vindoiros vos amaldiçoem, seguindo a letra da Carta, facilitando todavia o caminho para sem offensa da mesma Carta se alcançar o melhor, no sentido do verdadeiro Progresso.

Dotemos todos o nosso Paiz com uma Lei de eleições indirectas, que são as que a Carta reconhece, sem prejuizo do que melhor se poder fazer no caminho da mais ampla e verdadeira liberdade do Povo. É sómente assim que a Sociedade não soffrerá abalo em suas bases (Apoiados).

Eu não mando sobre este ponto Requerimento algum para a Mesa; porque tenho-me abstido sempre dessas formalidades, e porque creio que está na mente de todos o marchar por um similhante caminho, por offerecer a conciliação de todas as opiniões.

Bacon dizia, que aquelle que repellia o remedio, se preparasse para novas calamidades; não direi á Camara, que admitta esta divisa, como norma de suas acções, mas eu tenho-a como bandeira da minha politica, hei de admittir todo o remedio sendo verdadeiro e congruente; mas farei sempre por não confundir o remedio com o veneno, o que eu vos proponho está no primeiro caso, o bem do Paiz o reclama; o que se vos propõe ex adverso está no segundo; escolhei entre o remedio e o veneno. (Apoiados. — Prolongadas vozes: — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Presidente: — Segundo o Regimento o dia d'amanha é destinado para Commissões; mas não sei se a Camara quer que amanhã continue a discussão para vêr se se acaba este artigo... (Vozes: — Não, não, Commissões.) Então a Ordem do Dia para amanhã são trabalhos de Commissões depois do Expediente; convido os Srs. Deputados a comparecerem. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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