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SESSÃO N.° 35 DE 3 DE JULHO DE 1908 11

Foi um periodo em que todos nos sentimos ferver dentro do peito impulsos de criminoso. Eu tambem fui criminoso, Sr. Presidenta!

E, ainda mais, foi um periodo de vilipendio, em que os proprios que nos deviam defender andavam a envergonhar-nos por essa Europa fora. (Apoiados). E hoje ainda ousam defrontar-nos, ousam ainda, inconscientes dos seus crimes, despidos de remorso, couraçados de indifferença, ousam sentar-se entre nos, verdugos entre as suas victimas como se fossem criminosos entre homens de bem.

Mas essa fase da nossa historia, que nunca será assaz recordada, nem assaz execrada, trouxe rios seus flancos uma virtude inesperada, e foi o resurgir da alma popular. (Apoiados). Essa hora de terror branco que vivemos é que apenas se não ensanguentou porque foi violentamente interrompida encontrou o povo de Lisboa de cabeça levantada e teve de defrontar-se com o heroismo historico da população desta cidade, o heroismo que fez a acclamação de D. João I e a restauração de 1640.

Foi como se pontas de fogo lhe tivessem acordado as energias adormecidas de outras eras. E essa vibração das horas de desgraça não se acalmou ainda. Sente-se o país numa agitação surda. (Apoiados). E como o estremecimento muscular que o medico sente sob a pelle do doente, uma pelle banal, que nada diz, nada denuncia.

Não ha gritarias, não ha atoardas, não r ha correrias, nem atropelos. Tanto peor ou tanto melhor. E que as Energias latentes "ao mais conscientes e mais disciplinadas, e por isso mesmo mais vigorosas. O país inteiro tem hoje a consciencia da sua força e dos seus direitos. Desgraçados d'aquelles que o não cornprehendam! E a reacção de dezenas de annos de indifferença e de indolencia. E a reacção de meio seculo de corrupção - diga-se a palavra - em que da alto abaixo não houve senão fraquezas, senão desfallecimentos de civismo. O egoismo dominava em todos. Cada um governa-se, era a frase corrente. E com o egoismo a absoluta indifferença pela cousa publica. A liberdade chegou a não ser apreciada. Pelos cafes, pelos jornaos, em todos os centros de conversação, não se ouvia senão exigirem-se actos de força. Fechem isso, quer dizer o Parlamento, ousava-se escrever nos jornaes. Foi a situação que permittiu a resurreição do absolutismo. Vinha já de 1895, 1896, e quem viu o que então se passou não teve surpresas em 1907. Desde 1894 vinha se urdindo o periodo absolutista, com actos cada dia mais audaciosos, até chegarmos ás atrocidades que tiveram o seu termo, em 1 de fevereiro. E todo esse passado de inercia, em que o abandono era dos Governos, mas tambem era do povo, hoje pagamo-lo bem caro, que oitenta annos se deixaram passar sem que ao menos as condições materiaes do povo experimentassem um melhoramento. (Apoiados).

Facilidades de communicação, desenvolvimento commercial e industrial, teem-se conseguido e, todavia, por essas provincias fora não ha senão miseria e ignorancia. Fala-se de crises, de fome e de miseria. O que ha é uma endemia de miseria e fome, que se alastra por uma larga extensão do país. (Apoiados).

E ver o lavrador do Minho a alimentar-se com um bocado de broa e um magro caldo ou o aldeão de Castello Branco a viver nas tocas escavadas no sopé das montanhas, em vergonhosa promiscuidade com os mais immundos animaes.

Por tudo isto, pelas dificuldades praticas da hora presente, que são a sequencia natural de um largo periodo de inercia, de indifferença, de falta de virilidade, de ausencia de dignidade civica - uma forma apenas da dignidade pessoal - por tudo isso, a hora presente é cheia de difficuldades, e as questões politicas a tudo se sobrepõem.

Mas é preciso salvam a nossa patria. É preciso que todos nós, juntemos para uma redempção.

É preciso que nos absorvamos por completo em estudar o meio de moralizar os nossos costumes politicos e sociaes.

Para a reconstrucção da sociedade portuguesa urge fazer uma politica toda de brio, de dignidade, de austeridade, dando direito á vida ao povo português. A hora é solemne. E é uma politica de austeridade que ella exige.

Entremos em vida nova, franca e lealmente, e parta d'aqui o exemplo. Unamo-nos todos, os que aqui estão na defesa da Monarchia, os que lutam pelos ideaes republicanos, os que só aqui entraram em nome da acalmação, unamo-nos todos num esforço sincero para libertar o povo português do jugo de vergonhas que o opprime, para o alliviar das miserias que o esmagam, para o soltar da atmosfera de descredito em que o envolveram perante o estrangeiro. E ao estudo das reformas de costumes e das reformas de administração, associemos estas outras reformas que são a vida mesma de um povo. Porque a vida sem prosperidade, material e moral - e uma importa a outra-o mesmo é que a morte.

A esta ntfssa terra, hoje tão infeliz, muito dificilmente chega a repercussão das transformações sociaes que lá por fora se fazem. Pode-se dizer que hoje se está realizando uma renovação da face do mundo. A piedade penetrou nos codigos, o sentimento de justiça independente de convencionalismos invadiu os espiritos, o direito dos fracos, dos pobres, dos miseraveis, está sendo escutado, e prevê-se o momento em. que a sciencia abrigue em toda a amplitude da sua envergadura as relações sociaes do homem.

Faz se a liberdade condicional e inscreve-se na lei o direito de greve, legislam-se pensões de velhice e o accidente de trabalho impõe se como elemento inseparavel da prosperidade industrial, e por fim já se pode calcular a hora em que o criminoso seja visto á sua verdadeira luz, a luz da sciencia.

Em Portugal, porem, não ha senão os ecos apagados d'essa renovação.

Muito teria a dizer do que falta na nossa terra de conquistas sociaes e de simples organizações administrativas, e das razões por que tanto e tanto nos fallecem. O tempo porem escasseia-me para estudar agora esse assunto tão fecundo para a nossa terra e para a nossa gente.

O que é verdade é que o nosso atraso na Europa é extraordinario.

Diz-se muitas vezes, disseram-no congressistas do ultimo congresso de medicina que se realizou em Lisboa, que, passados os Pyreneus, vindos do centro da Europa) nos afundamos num mar de trevas para só resurgirmos á luz quando attingimos a fronteira portuguesa.

Só em Portugal se voltaria a estar na Europa. Virtualmente, a peninsula iberica rodou de 180. Isto não é verdade.

A Espanha, numa multidão de factos sociaes, está num avanço consideravel em relação a nós. (Apoiados).

E é a Espanha, com todo o seu chauvinismo, com toda a sua repulsão pelas cousas estrangeiras, com os seus costumes quasi immutaveis, é a Espanha que se deixa penetrar do bafo da civilização, a contrapor-se a nos, o povo maleavel por excellencia, o povo que está sempre de braços abertos para tudo o que é progresso e adeantamento.

E ver, por exemplo, o registo civil obrigatorio, que neste país só nos ultimos tempos conseguiu agitar a opinião da capital, e apenas da capital, e que em Espanha está de ha muito em pleno funccionamento.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que faltam cinco minutos para se passar á ordem do dia.

O Orador: - E que o registo civil obrigatorio não é uma questão de religião, por mais que a isso a queiram reduzir espiritos obcecados.

No amago d'este movimento não ha nenhumas aggressões ás religiões que portugueses possam professar.

As crenças religiosas, ninguem, em nome da liberdade, as pode desrespeitar.