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SESSÃO N.° 35 DE 3 DE JULHO DE 1908 13

trabalho sobre a bancarrota do moderno systema penal, a maneira por que se faz a visita do director de certa prisão da Silesia, onde elle tem de visitar algumas centenas de reclusos. Seria visivel se não se tratasse de cousa tão seria.

A disciplina é de ferro. As faltas disciplinares são castigadas com as cellas sem luz, a sepultura de um vivo, com o regime do pão e agua. E um homem pode viver numa cella d'estas e num regime destes até dez annos da sua vida! E peor do que a Inquisição. A Inquisição torturava o corpo, a Penitenciaria tortura o espirito; a Inquisição, em nome da salvação da alma na outra vida, fazia os horrores dos autos de fé, a Penitenciaria, em nome da salvação da alma na vida presente, que outra cousa não é a- tentada regeneração, faz outros horrores, que são o martyrio de um pobre espirito abandonado aos terrores da solidão, á desesperança absoluta de alguma cousa que o possa salvar; a Inquisição fazia mortos, a Penitenciaria faz doidos.

Mas deixemos o ponto de vista sentimental, por mais que seja humanitario. Olhemos estrictamente á logica das cousas e vejamos o que é o nosso regime penitenciario.

O nosso regime penitenciario é singelamente illegal. Não podia estar no espirito de quem o legislou que se castigassem os criminosos com a loucura. Marcou-se e delineou-se o isolamento em cella, mas nem na letra, nem no espirito da lei está que se enlouqueçam os criminosos - e como materia de facto os criminosos são enlouquecidos em largas proporções no nosso primeiro estabelecimento penal.

Não é para aqui alargar-me nas considerações scientificas que levam a essa conclusão. A minha convicção, tirada do estudo dos doidos, que das penitenciarias do país (Lisboa, Coimbra e Santarem), são recebidos em Rilhafolles, e que todos offerecem. exactamente a mesma forma de alienação mental, é que o regime penal português produz alienados em largas proporções.

Isto é dito e sabido por todos que teem estudado o regime cellular. E a prova é que não ha país algum, fora a Belgica, que tenha os seus doidos em cella por tanto tempo como em Portugal.

Em Franca são as penas correccionaes que se passam em cella, e aqui temos um maximo de 9 meses. Em Espanha, o maximo é de 9 meses. Na Grecia, 3 ou 6 meses. Na Dinamarca, 3 meses. Na Croacia, 7 meses. Na Suecia, 1 anno. Na Inglaterra, o máximo de hoje é de 9 meses, e chegou se a isto depois de uma experiencia de 30 annos, em que se começou por 18 meses successivamentc reduzidos ao periodo actual. Reconheceu-se que só assina não é lesado o espirito dos condemnados, lesão que principalmente se traduz pelo seu enfraquecimento. Na Prussia, e julgo que em toda a Allemanha hoje, o maximo é de 3 annos, mas o director da cadeia tem a faculdade de decidir se a pena deve ser passada em cella ou fora, e no primeiro caso de interromper o isolamento logo que haja perigo para a saude physica ou mental do condemnado. Na Austria, os directores das cadeias teem a mesma faculdade. Na Hungria, um terço da pena é passada em cella, mas o criminoso sae do isolamento logo que haja perigo para a sua saude ou para a sua razão.

Países que nos acompanhem no nosso rigor penal só temos a Hollanda, onde o maximo de isolamento é de 5 annos, e a Belgica com os seus classicos dez annos.

A Belgica é a patria do rigor penal que só na nossa terra encontra imitador; mas ainda assim o regime belga é hoje uma attenuação do regime português, porque, por mais que os interessados, diga-se entre parenthesis incomprehensivelmente interessados, o neguem, a acção nefasta do regime cellular rigoroso foi reconhecida na propria Belgica, a ponto de que em 1891 se tornou necessario instituir medicos alienistas para a inspecção das prisões. Isto já é uma attenuação, que entre nos não existe. Mas ha ainda outra, e é que a administração da prisão cellula tem a faculdade de transferir para Grand, uma prisão commum, qualquer recluso antes de findo o prazo da condemnação.

Tudo isto é já muito para se fazer ideia da acção do regime cellular. Mas ha muito mais, ha as provas directas produzidas pelas estatisticas.

Esta questão ainda hoje anda muito em debate, havendo opiniões pró e contra a loucura penitenciaria, porque os campos de observação não são os mesmos. Como é possivel comparar o regime penitenciario português com o allemão ? Nas prisões da Allemanha não se pode reconhecer a existencia de uma loucura penitenciaria, á uma porque o tempo de acção do isolamento é relativamente curto, á outra porque pode ser interrompido ao primeiro indicio de perturbação mental.

Em Portugal são dez annos e nem aos primeiros nem aos segundos indicios de loucura os condemnados, como havemos de ver, são reniettidos para onde estejam fora do isolamento.

Temos sobretudo a estatistica portuguesa. Em Rilhafolles, desde 2 de setembro de 188o a 30 de abril de 1908, entraram da Penitenciaria 132 doidos, numero das primeiras admissões exclusivamente. Por muito tempo estive sem saber a que percentagem corresponde estenumero. Pedi por differentes vias o movimento da Penitenciaria e das outras cadeias de Lisboa. Impossivel de obter. Mas em 1903, numa discussão importante que houve nesta Camara a proposito de uma proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro Campos Henriques, o Sr. Antonio Cabral deu essa nota em relação á data; era de 2:727 condemnados e a percentagem de internados em Rilhafolles vinha a ser de 3,2 por cento.

Nessa occasião o illustre Deputado pediu que se visse a insignificancia do numero de loucos, em contrario das afirmações que ahi se fazem.

Ora a verdade é que 3,2 por cento de alienados é um numero extraordinariamente alto. Se na. população de Portugal fosse essa a percentagem da loucura, haveria nada menos que 160:000 doidos em territorio português, e 160:000 doidos exigiam nada menos que 200 hospitaes de alienados como o de Rilhafolles.

Mas esse numero ainda está abaixo da verdade, porque a Penitenciaria não manda para Rilhafolles todos os doidos que faz.

Por muito tempo o soube de fonte certa, mas era impossivel affirmá-lo, porque não constava de quaesquer documentos officiaes.

Por muito tempo me pareceu vê-lo nos proprios autos levantados na Penitenciaria sobre os alienados enviados para Rilhafolles.

Mas tudo isso era muito incerto e mais uma vez oillustre Deputado Antonio Cabral veio trazer luz á questão. Com toda a sua, honestidade, clle no-lo declarou na discussão a que acima me referi, quando disse que os alienados da Penitenciaria ali se vão tratando "conforme se pode", quando elles não attentam gravemente contra o regime disciplinar da casa; mas os que não se podem supportar, pela gravidade que a sua loucura attingiu, teem de ir para o Hospital de Rilhafolles.

Isto quer dizer que o numero de alienados da Penitenciaria, incalculavel com os dados actuaes, é em todo o caso superior á percentagem 3,2 produzida pelo Sr. Cabral.

A calcular pelo que se passa em Rilhafolles, onde ha, quando muito, 10 por cento do doidos furiosos, teriamos de multiplicar por 10 a percentagem do Sr. Cabral, quer dizer, que um terço dos conderanados enlouquece na Penitenciaria.

Não o digo porem, porque reconheço a falsidade da base, visto que os alienados de Rilhafolles podem ser differentes, neste ponto de vista, dos alienados da Penitenciaria.

O que não tem duvida, porem, é que é excessivo o nu-