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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mero de alienados da Penitenciaria e que esses alienados são produzidos pelo regime de rigor a que são submettidos os criminosos neste país.

Mas ainda mais ha que aggrava a situação.

A lei castiga com uma certa percentagem de loucura os condemnados dos tribunaes.

E ainda peor, castiga-os sem remissão, sem qualquer esperança de salvação, castiga-os para a vida inteira!

Dá-se, com effeito, este facto extraordinario com a nossa lei penal; e é que o tempo que o criminoso passa em Rilhafolles não é contado na pena.

Isto obedece a preocupações de outra idade, a metaphysicismos que já não são do nosso tempo, a pena considerada como devendo ser sentida pelo criminoso para a expiação d'este, como se a pena devesse ser mais do que intimidação e prevenção, e pudesse ser elevada á altura de um castigo!

Isto vem do tempo em que se constituiram as sociedades com todas as mentiras de uma philosophia falsa, com todos os convencionalismos que ainda hoje sobrenadam á verdade scientifica e as envolvem em redes de artificios. Isto vem do tempo em que se torciam os factos ás philosophias, em que se philosophava primeiro e depois se observava, em que as imaginações se entregavam a este trabalho facil que é sonhar theorias do mundo e não se arcava com a observação, que essa é que é difficil. É preciso que o criminoso sinta a pena, está nisso a base mesma da sua regeneração, e o criminoso que enlouquece não sente a pena. O que não haverá de pasmo no campo dessas especulações quando se disser que o alienado chega até, e com frequencia não pequena, a ter a consciencia da sua propria loucura.

Assim temos o criminoso que a Penitenciaria endoideceu transferido para Rilhafolles e como em regra elle aqui não se cura, porque á uma vem tarde e á outra o meio, igualmente um encarceramento, é incompativel com a cura, o resultado é que o alienado que da Penitenciaria se transfere para Rilhafolles vem aqui acabar os seus dias, vem aqui soffrer uma pena para a vida inteira. Se taes alienados pudessem entrar na vida commum, elles acabariam por se curar. A loucura penitenciaria é um facto, mas a par de tudo que a affirma como forma especial ha este pormenor notavel: que os delirios ou allucinações de que os penitenciarios soffrem são alguma cousa de muito sobreposto ao espirito do doente para. que se não despegue á primeira aragem de liberdade. Não é uma loucura enraizada, é uma loucura apenas adherente e que se solta facilmente logo que cesse a causa que principalmente a produziu.

É preciso revogar o artigo 114.° do Codigo Penal e por isso tenho a honra de mandar para a mesa o seguinte:

Projecto de lei

Artigo l.° O artigo 114.° do Codigo Penal fica assim substituido:

"Art. 1.14.° Nos criminosos que enlouquecerem depois de commottido o crime, se sobreestará no processo de accusação até que elles recuperem o uso normal das suas funcções mentaes".

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = M. Bombarda.

Mas é preciso tambem modificar o nosso regime penitenciario e para isso mando para a mesa a seguinte proposta de inquerito:

Proposta

Proponho que se nomeie uma commissão de inquerito que estude os effeitos do regime penitenciario tal como é applicado em Portugal e a necessidade de o modificar no sentido do systema de Auburn ou do systema progressivo. = Bombarda.

Torna-se urgente esta obra de humanidade. Acabaram as torturas da Inquisição, ai com que pena para tantos, como acabaram os castigos corporaes na nossa legislação - e parece que se pode viver isento desse temor da dor physica, que, por mais cruciante que seja, se desenrola num tempo limitado.

Pois é preciso expurgar da legislação portuguesa essa tortura mil vezes mais affrontosa, porque é perpetua e porque mata o que no homem ha de mais nobre - que é a loucura penitenciaria.

A Providencia Divina, aquella mesma que enleva em rasgos oratorios o illustre Deputado Pinheiro Torres, aquella mesma que vela com tanto carinho, com tanto amor, pelo miseravel que vive na immunda alfurja, pela criancinha que se perde por essas das na corrupção das cidades, pela desamparada viuva que vê os fillios com fome e não tem pão para lhes dar, a Divina Providencia esqueceu-se dos desgraçados da Penitenciaria e d'elles se não condoe. É muito pedir que o Parlamento Português se substitua á Providencia naquillo em que a vemos impotente?

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Justiça pediu a palavra, mas eu não lh'a posso conceder sem consular a Camara.

Consultada a Camara, resolve affirmativamente.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques):- Sr. Presidente: o illustre Deputado e notavel homem de sciencia que acaba de falar trouxe ao debate uma questão de alta importancia, e empenhou nella todos os recursos da sua intelligencia, que é muita, e da sua erudição, que é vastissima.

Mas, Sr. Presidente, prestando como presto a devida homenagem, ás altas qualidades do illustre Deputado, e á justiça das suas intenções, eu como homem publico, que tenho, em cumprimento do meu dever, falar com sinceridade e franqueza apresentando as minhas opiniões, devo dizer que não concordo com o illustre Deputado, e pelo contrario, entendo que o nosso regime penitenciario é dos mais perfeitos, e que o regime penitenciario não é fabrica de loucos.

Nem o adeantado da hora, nem o momento são adequados para que faça largas divagações sobre o assunto, nem sobre a historia da criminalidade desde os mais remotos tempos até os nossos dias.

Certifico só um facto: é que os criminosos foram sempre perseguidos, mais grave, mais brandamente, segundo a civilização dos povos.

Não quero fazer a historia da criminalidade desde da mais remota antiguidade, até os nossos dias, mas notarei que no nosso país o regime penal é o mais suave.

Pela lei de 1 de julho de 1896, devida á iniciativa de um dos mais illustres estadistas da nossa terra, ficou apenas existindo isso no Codigo de Justiça Militar, mas até hoje só uma vez ainda se pôs em execução.

Pela lei de 1884, devida ao espirito lucido de Lopo Vaz, foi extincta a pena de trabalhos publicos.

Hoje as penas em toda a parte do mundo são apenas duas, que se podem classificar de prisão e degredo.

Vamos á prisão commum ou singular.

Qual das duas é preferivel?

Na vida em commum os bons sentimentos morrem no contacto com o vicio, ao passo que o regime penitenciario evita esses graves inconvenientes.

Demonstra mais a experiencia que nessa convivencia de todos os dias se fazem as confidencias dos crimes passados e se tramam os futuros.

A experiencia da vida em commum torna-os viciosos e demonstra bem que a maioria dos crimes são derivados