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SESSÃO N.° 35 DE 3 DE JULHO DE 1908 9

Com respeito ao que o illustre Deputado disse sobre irregularidades praticadas por empregados da Empresa Nacional na occasião da partida dos vapores para a Africa, devo confessar que tenho ido varias vezes a bordo desses paquetes á hora da partida ou pelo menos meia hora antes e que não observei ainda qualquer irregularidade da parte dos empregados da empresa, e, pelo contrario, é mesmo muito notavel que em Portugal, onde em geral não somos muito rigorosos na questão de pontualidade, exista uma empresa que cumpre rigorosamente e perfeitamente á risca o seu programma partindo do caes acostavel de Santa Apolonia ao meio dia em ponto. Ha uma cousa que é natural, e é que com a grande quantidade de pessoas que afflue á partida dos paquetes haja uma certa confusão e tumulto na saída do navio; o que seria bom, e isso tenho tido ideia de o lembrar ao gerente da empresa, era que houvesse duas pontes, uma para entrada e outra para saída, para evitar a confusão.

O Sr. Antonio José de Almeida: - Do que eu me queixei imo foi de irregularidades dessa natureza, foi do facto de meia hora antes da saia do vapor se impedir a entrada no navio aos individuos que vão de fora.

O Orador: - É natural; ha tanta gente a bordo que para o navio sair ao meio dia em ponto era melhor que os visitantes tomassem as suas precauções para chegarem mais cedo.

Emquanto ás perguntas que S. Exa. fez para serem transmittidas ao Sr. Presidente do Conselho, eu as transmittirei e S. Exa. virá á Camara responder ao illustre Deputado.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para responder ás considerações que o illustre Deputado e meu camarada, o Sr. Ernesto de Vilhena, fez ha dias nesta casa a respeito da questão colonial e especialmente a respeito do commercio do alcool e da industria do açucar nas provincias ultramarinas dos dois lados de Africa.

Antes de entrar em materia, desejo felicitar muito cordialmente S. Exa. que tão bem se estreou e tão auspiciosamente mostrou os seus dotes oratorios de estudioso e de parlamentar. (Apoiados).

Eu tive a fortuna de conhecer este official ha doze annos, quando elle era apenas guarda-marinha, na sua primeira viagem; tenho, pois, o prazer de dizer que fui eu quem lhe deu o baptismo da agua salgada, e sempre disse que o rapaz que tão bem se estreava como alumno da Escola Naval havia de por força continuar a illustrar o nome que tem em primeiro logar e a arma que abraça.

Este meu camarada esteve exercendo varias commissões, como governador do districto de Quelimane e como governador dos territorios da Companhia do Niassa e nessas commissões mostrou largas vistas, e grandissimo estudo.

É conhecido de todos mais de um livro publicado por elle em que mostra á saciedade o seu amor ao estudo, a sua inexcedivel dedicação pelas colonias e a sua competencia já grande em assuntos ultramarinos. (Apoiados). Eu, como velho africanista e muito amigo sempre de todos esses estudos e apreciador d'aquelles que os cultivam e a elles se dedicam, não posso deixar de fazer esta minha apreciação modesta, mas sincera, e com a qual supponho que conseguirei estimular o selo de quem, aliás, não precisa d'esse estimulo.

Sr. Presidente: a nossa missão em Africa é muito complexa, e nos temos não só de cumprir deveres philanthropicos e civilizadores naquelle país, em grande parto ainda por abrir á civilização e ao emprego dos meios europeus, mas temos tambem de proteger e acautelar o commercio que nelle se aventura um pouco desordenadamente sem se saber até que ponto as leis e as nossas forças poderão protegê-lo.

Essa nossa missão é, pois, bastante complexa e difficil de conciliar nos seus diversos meios.

Entretanto, Portugal vae gradualmente cumprindo esse dever ha muitos annos e até ha muitos seculos, e não me parece que se tenha feito menos do que fazem outras nações com outros meios e com outros recursos.

Um dos defeitos da nossa organização em Africa provem de querermos adaptar as mesmas leis que regem no continente. Devo dizer que o Codigo Administrativo que rege ainda hoje a maior parte das provincias ultramarinas é o codigo de 1842, quando em Portugal já está substituido por um codigo mais moderno.

Ora, se em Portugal se reconheceu a necessidade de alterar esse codigo, não é para admirar que nas provincias ultramarinas, onde o meio é diverso, onde a civilização é mais rudimentar e onde o numero dos que podem comprehender esse codigo é resumidissimo, se reconheça a necessidade do alterar a nossa legislação.

Neste ponto, Sr. Presidente, a Inglaterra que nos tomamos muitas vezes como mesma, mas que nem sempre seguimos, procede de maneira differente. A Inglaterra possue tambem vastissimas colonias em toda a parte do mundo, com todos os climas, e ella modifica a sua legislação e a sua maneira de reger os povos em conformidade com esses climas e com os recursos dos diversos países. Nos países onde a raça branca pode propagar se, a Grã-Bretanha prescinde do auxilio do indigena, e assim é que ha menos de um século ainda, quando começou a ser civilizado o grande continente australiano, a maior parte dos indigenas tiveram de fugir deante da civilização para a parte norte d'aquelle continente, habitando ainda hoje alguns restos d'essas tribus selvagens o cabo York.

Nos países onde o clima não é tão bom, em que ainda assim o branco pode viver, mas não trabalhar, os ingleses tiveram que transigir um pouco, por não poderem prescindir do trabalho do indigena; porem não concederam todas as prerogativas e privilégios que concederam ao branco.

Nos países onde o clima é mau e onde o europeu não pode viver, senão alguns meses, sem a sua saude se deteriorar, os ingleses tiveram que permittir que os indigenas subissem até ao nivel dos brancos e occupassem os mais altos cargos da administração.

É assim que ao passo que nas colonias que considero. de segunda ordem, como o Cabo da Boa Esperança e outras, onde a raça branca pode viver, mas não trabalhar, por estar sujeita ás intemperies, ainda vemos os indigenas sujeitos a urnas regras que os conservam a uma certa distancia dos brancos; na Serra Leoa, onde o clima é pessimo, onde os europeus não vivem mais de meses, sem precisarem retemperar a saude, vemos que o indigena pode subir na consideração social, até o mais alto cargo.

Citarei a V. Exa. um exemplo frisante occorrido commigo.

Disse-me o commandantede um navio que estacionava naquella colonia que me convidava para um jantar official, mas que me prevenia, de que, não havendo senhoras brancas, ia convidar para o jantar senhoras pretas.

Achei novidade e respondi ao commandante que não perdia esse jantar por cousa nenhuma d'este mundo, pois desejaria ver como os ingleses, tão arrogantes e orgulhosos em assuntos coloniaes, faziam cumprimentos a uma senhora preta.

Compareceram a esse jantar o chefe de serviço de saude, que era preto, casado com uma senhora preta e a filha, afilhada da Rainha Victoria.

Vieram outras senhoras pretas que assistiram na maior etiqueta e sobriedade ao jantar de gala.

Por consequencia nos que não adaptamos a nossa legislação ao ultramar, como os ingleses fazem, praticamente, de forma a poder tirar todo o partido d'essa adaptação,