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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

portantes me obrigam a tomar parte n'este debate, a primeira é o ter assignado vencido o parecer da commissão de legislação, d'onde resulta para mim a obrigação de dar conta á camara das rasões que me determinaram a assignar d'esse modo o parecer; a segunda, é a singularidade d'este processo, e digo singularidade porque effectivamente elle se acha revestido de taes e tão excepcionaes circumstancias, que me parece não póde passar desapercebido para a camara e para o paiz (apoiados).

Sou liberal. Professo o maior respeito pelos principios da liberdade, mas não quero nem posso ver a sangue frio, desacatado e abatido o principio da auctoridade.

Todos sabem a historia d'este processo. Todos sabem que entre o deputado de que se trata, e o governador civil do Porto, houve no mez de setembro de 1870 um deploravel conflicto.

Não é o conflicto pessoal que me obriga a tomar a palavra n'este momento. A questão que me occupa, é superior a quaesquer questões pessoaes.

O governador civil do districto do Porto, o representante do governo n'aquella cidade, foi, segundo consta do processo, injuriado e offendido corporalmente pelo deputado de que se trata, ao qual voto o maior respeito e consideração. Ha aqui uma questão de principios (apoiados). Essa é a que me obriga a tomar a palavra n'esta occasião.

Sou deputado ha muitos annos e não me recordo de ter visto aqui uma questão inteiramente analoga a esta. Processos de pouco valor, de ordinario, têem provocado em differentes occasiões a attenção da camara, mas um facto analogo, no qual se involva um desacato e uma grave offensa á auctoridade publica, declaro a v. ex.ª que não me recordo de que haja sido discutido n'esta camara (apoiados).

Nenhuma intenção pessoal me obriga a tomar a palavra n'esta questão. Mas entendo que não póde ser indifferente á camara nem ao paiz, que o principio da auctoridade seja desconsiderado e offendido (apoiados).

É necessario que cada um no systema constitucional comprehenda os seus deveres e aceite a sua responsabilidade. É necessario que quem pratica um delicto aceite francamente a situação que as leis lhe apontam perante os tribunaes (apoiados). Respeito aos individuos; mas respeito á auctoridade constituida. É assim que comprehendo a pratica do systema que nos rege.

Estas rasões é que me levaram a dar a explicação do meu voto. Aliás, e de bom grado, me conservaria silencioso. V. ex.ª e a camara sabem que as questões pessoaes são sempre desagradaveis, e que não podem carear sympathias aquelles que as discutem. Mas em vista das considerações que acabo de apresentar, não podia, segundo penso, deixar de dar explicitamente a rasão do meu voto.

Entrando na questão, eu peço ao digno relator da commissão que, por parte d'ella, declare francamente qual é a sua opinião sobre as attribuições d'esta camara no assumpto de que se trata. A camara precisa saber qual é o alcance da sua deliberação, e a largueza e a extensão da sua competencia.

Pergunto: é a camara, n'este caso, tribunal de ratificação de pronuncia? Ou exerce apenas uma attribuição politica destinada a salvaguardar o livre exercicio dos direitos, que pertencem aos seus membros? Se a camara n'este momento é tribunal de ratificação de pronuncia, tem de exercer funcções judiciarias e ha de por consequencia julgar da existencia do facto de que se trata, e da sua criminalidade. Se a camara exerce apenas uma funcção politica destinada a evitar que por um ardil, proposito ou intenção politica, qualquer dos seus membros seja desviado do exercicio das suas funcções, então não tem n'este momento senão a julgar em vista do processo e das provas que d'elle resultam, se o mesmo processo foi intentado com intenção politica e com o fim de afastar o deputado da camara (apoiados).

Se a camara julga como tribunal de ratificação de pronuncia, n'este caso o julgamento extingue a accusação, a sua deliberação é a ultima palavra pronunciada sobre o processo, os tribunaes não podem mais intervir n'este pleito, e a justiça tem de curvar-se resignada diante da nossa suprema resolução (apoiados). Se a camara exerce apenas uma funcção politica destinada a procatar e defender o livre exercicio dos direitos dos membros d'esta casa, a sua deliberação interrompe apenas o julgamento dos tribunaes, mas não mata a acção da justiça. Acabada a funcção, reassume a accusação os seus direitos, e o processo continua.

Eu aceito a questão em qualquer das hypotheses; mas o que a camara não deve permittir é que a commissão fundamente o seu parecer em dois considerandos que parecem aceitar a primeira hypothese, e n'outros dois que se me affigura supporem a doutrina estabelecida na segunda hypothese, a que ha pouco me referi. Esta hesitação deve acabar.

A commissão arreda do debate parlamentar a questão do alcance ou significação que possa ter a deliberação da camara. Não diz que está convencida de que a negação da licença importa a extincção do processo. A commissão hesita, duvida, não formula a sua opinião clara e inequivoca.

Os dois primeiros considerandos da commissão são tendentes a mostrar que o facto de que se trata não é crime, que não lhe cabe responsabilidade penal, que não está provado, e por consequencia levam á conclusão de que a negação da licença extingue o processo. Os dois ultimos levam-nos a concluir n'um sentido inteiramente opposto, isto é, que a licença não extingue, mas apenas interrompo o processo. É necessario pois que a commissão diga francamente a sua opinião a similhante respeito.

Qualquer porém que seja a opinião da commissão, o que nem ella nem a camara podem destruir é o poder dos factos, é a força dos arestos e casos julgados, é a jurisprudencia estabelecida pelo supremo tribunal de justiça n'um accordão notavel ha pouco proferido.

Segundo essa jurisprudencia, a camara julga como tribunal de notificação de pronuncia. A minha opinião não é essa. A minha opinião é que a camara não tem aqui a exercer senão uma funcção politica; isto é, a camara não tem outra attribuição n'este caso senão a de averiguar se o processo foi intentado contra o deputado, de que se trata, com o intuito de o desviar do exercicio das suas funcções. A camara tem n'este assumpto attribuições analogas ás do governo, com relação á licença para a continuação dos processos contra os empregados administrativos.

O governo, quando qualquer empregado administrativo é pronunciado, tem o direito de examinar se o processo foi intentado contra esse empregado sob qualquer pretexto, com o proposito de vingança pessoal, ou por influxo de paixões politicas.

A camara está no mesmo caso. A camara examina o processo para verificar se foi intentado com proposito e intenção de privar o deputado do exercicio das suas funcções. Nada mais. Esta é a attribuição da camara, pelo menos é a minha opinião.

Mas o que importa a minha opinião, a do illustre relator da commissão ou a de todos os seus membros, perante a inflexivel verdade dos factos, perante a praxe seguida constantemente, e perante os precedentes dos tribunaes? A praxe e os precedentes affirmam que a deliberação d'esta camara, quando recusa a licença para o andamento da acção, extingue o processo (apoiados). Portanto não nos illudamos. Esta é a pratica seguida e aceite. Póde não ser boa, póde a jurisprudencia soffrer contestação, mas é incontestavel que segundo ella, a recusa da licença n'estes processos extingue a acção criminal, e que portanto a camara julga como tribunal de ratificação de pronuncia.

Assentemos portanto a questão n'este terreno. E sondo assim, peço á commissão que me diga quaes foram as rasões que a determinaram a denegar a licença.