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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso pronunciado pelo sr. deputado Barros e Sá, na sessão de 22 do corrente mez de maio, e que devia ter sido publicado no Diario de Lisboa n.° 117, pag. 1122, col. 3.ª, lin. 90.

O sr. Barros e Sá: — Meus senhores, o facto de subir a esta tribuna não significa a intenção de fazer um discurso, nem mesmo a de entreter a attenção da camara por muito tempo. Sei quanto a concisão é util á defeza e concorre para o triumpho das causas justas. Eu defendo n'esta occasião a causa mais santa e justa que, em materia de eleições, aqui tem sido pleiteada; farei pois diligencia por ser conciso e breve.

Aqui, senhores, não ha dois candidatos a disputarem a eleição. Aqui ha um processo a julgar. A disputa foi ante a uma, e essa acabou. Nós somos os juizes da luta, estamos para decidir qual dos concorrentes ganhou, qual triumphou, e qual d'elles adquiriu direito a entrar e estar sentado entre nós.

Devo fazer uma resumida historia da eleição no circulo de Cabeceiras; mas antes d'isso seja-me permittido queixar-me da concisão demasiada que observou a commissão de verificação de poderes no seu relatorio, concisão que prejudica a clareza.

Diz a commissão que = tanto nas assembléas primarias como na do apuramento não houve protestos!! === Litteralmente, é isto verdade, mas realmente não. Não apparecem protestos inseridos nas actas, porque não foram admittidos, não foram aceitos, nem mesmo para só serem mencionados. Resultou d'aqui a necessidade de recorrerem os protestantes ao cartorio de um tabellião, mas existe nas actas a assignatura de «vencido», de quatro dos membros que compozeram a assembléa do apuramento contra outros quatro, e desempatando sempre a favor do candidato ministerial, o presidente da assembléa, que era seu irmão.

Estas assignaturas, com a nota de «vencidos», são um verdadeiro protesto, ou mais que isso, e a commissão não julgou esta circumstancia digna de ser mencionada no seu parecer e relatorio!!

Na assembléa do apuramento, os vogaes incumbidos de examinarem as actas relativas ás duas assembléas do Mosteiro e Pedraça foram de opinião que os votos ali obtidos não deviam ser contados a favor do candidato ministerial, não só porque as copias das actas não condiziam com as originaes, como porque dellas não constava que a identidade dos eleitores tivesse sido verificada pelos respectivos parochos ou regedores, e principalmente porque os cadernos que serviram para a eleição eram falsos, ou estavam falsificados, porque não eram extrahidos do recenseamento legal. Este parecer foi rejeitado e substituido por outro, no qual houve quatro vencidos, que como taes assignaram. Depois houve um protesto da parte dos vencidos, mas os vencedores, com o presidente á frente, não o admittiram, nem consentiram que d'elle ao menos se fizesse expressa menção na acta, pelo que os vencidos se viram na necessidade de irem protestar ante um tabellião, assignando, apesar d'isto, a acta com a declaração de vencidos.

Que prova tudo isto? Prova que os chamados vencedores não tinham a consciencia do bom direito e justiça, e que queria occultar as trapaças. Insisto n'esta idéa, e peço á camara que tome conta n'este facto, porque mais adiante ha do servir-me para tirar uma conclusão. E fique assentado que tudo quanto agora se diz contra esta eleição já se disse e já foi allegado, em tempo competente, na propria localidade.

Eu ponho de parte, como devo e convem á dignidade da camara, tudo quanto o sr. deputado eleito disse aqui contra a pessoa do seu contendor, e principalmente contra o pae d'este. O pae do antigo deputado Guilherme de Abreu tem vida publica e vida particular. A vida particular é sagrada, e não póde tocar-se-lhe; da vida publica não somos nós agora os juizes, e não póde tolerar-se que se lhe façam aqui accusações.

Não me encarrego da defeza do aggredido, porque recuso a accusação e vou tratar da eleição.

O circulo de Cabeceiras de Basto compõe-se de dois concelhos divididos em quatro assembléas. Duas d'estas pertencem ao concelho de Vieira e outras duas ao de Cabeceiras. Em Vieira havia recenseados 1:618 cidadãos, e em Cabeceiras 804, ao todo 2:412. Em Vieira entraram effectivamente na urna 994 listas, e em Cabeceiras não podiam em caso algum entrar mais que todos os recenseados, isto é, 804, ao todo 1:798. A maioria absoluta fica sendo pois de 900 votos; mas o cidadão Guilherme de Abreu só em Vieira teve 928 votos, teve portanto 28 votos acima da maioria absoluta. Pelo contrario o cidadão Paulino teve em Cabeceiras 1:256 votos, mas havendo só 804 recenseados segue-se que teve 452 votos mais que os recenseados.

Guilherme teve em Vieira 928 votos; Paulino não podia ter em Cabeceiras mais que 804, pois que tantos eram os recenseados, e teve em Vieira 24, ao todo 828; mas a maioria absoluta é de 900 votos, teve portanto menos 88 do que era necessario para obter maioria absoluta. Guilherme teve votos 928, Paulino não podia ter mais que 804 em Cabeceiras e os 24 de Vieira, isto é, 828; portanto Guilherme teve a maioria relativa de 100 votos sobre Paulino. Por todos os lados que se encare a questão, por todas as formas que se contem e comparem os votos, logo que se admitta que em Cabeceiras não podia haver mais votantes que recenseados, fica evidente que Guilherme de Abreu obteve a maioria absoluta e relativa, e portanto que é elle o deputado legitimamente eleito.

Mas qual é a rasão por que sendo os recenseados no concelho de Cabeceiras 804, obteve o candidato ministerial 1:256 votos? E aqui que começa a historia escandalosa da eleição. O orador que me precedeu, relator da commissão, disse que o precedente de 1858, havido com o sr. Telles de Vasconcellos, não aproveitava para o caso, pois que então havia-se verificado que a assembléa do apuramento tinha dolosamente dado o diploma a um e tirado a outro, e que a camara não fez mais do que restabelecer a verdade dos factos.

O sr. relator disse bem; disse a verdade. Mas permitta-me a camara que eu diga tambem que o diploma foi dolosamente dado a um e tirado a outro. A eleição de Cabeceiras foi feita por um recenseamento falso, feito de proposito nas vesperas do acto eleitoral, feito dolosamente com o fim de expulsar da camara o deputado que tinha por si a maioria dos eleitores legitimos. Fez-se isto dolosamente sob o duplicado calculo de — ou obter d'esta camara a approvação do acto escandaloso e doloso, ou de obter pelo menos a nullidade da eleição a fim de, quando se procedesse a outra, já o chamado recenseamento de 1868 estivesse legalisado, apesar de todas as trapaças. Os trapaceiros por este modo sempre triumphariam. Se o deputado ministerial é admittido, o triumpho é prompto; mas se a eleição é annullada, triumpham, ainda que mais devagar.

Repito que tudo foi praticado dolosamente, e sublinho esta asserção, para tomar toda a responsabilidade d'ella. A camara não póde, não póde querer premiar o dolo e calcar aos pés a justiça. Que houve dolo no procedimento dos trapaceiros de Cabeceiras de Basto prova-se com documentos authenticos que tenho presentes. Vejamos.

No dia 1 de março procedeu-se á eleição da camara municipal em Cabeceiras, e para ella serviu o recenseamento de 1867 com 804 eleitores. Então era valido o recenseamento de 1867. No dia 22 já havia outro recenseamento com mil seiscentos e tantos eleitores, dos quaes votaram pelo sr. Paulino 1:252; mas no dia 19 de abril procedeu-se no mesmo concelho ás eleições parochiaes, e então tornava a estar em vigor o recenseamento de 1867 com 804 eleitores!!! A camara estará admirada?! Deve parecer-lhe que esta asserção não é exacta!! Quer ouvir as provas?

Aqui estão. E uma certidão passada pelo presidente da camara e da commissão do recenseamento de Cabeceiras, que é e sempre o considerei um cavalheiro incapaz de faltar á verdade, o qual n'esta occasião e sempre não póde ser suspeito ao deputado eleito que esta na barra da camara. Esta certidão é passada pelo seu proprio irmão, que com elle vive na mesma casa em intima amisade e perfeita harmonia.

Este documento diz assim:

Ill.mo sr. presidente da camara. — Diz Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, do concelho de Vieira, que precisa que V. s.a lhe certifique o recenseamento d'onde foram extrahidos os cadernos dos eleitores, que serviram para as eleições parochiaes que tiveram logar nas diversas freguezias d'este concelho de Cabeceiras de Basto no dia 19 do corrente mez de abril, e se os mesmos cadernos foram extrahidos pela camara ou pela commissão do recenseamento.

E por isso — Pede a v. s.a se digne certificar-lhe o que for verdade. E receberá mercê.

«Vieira, 28 de abril de 1868. = Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu.»

Em face dos cadernos, a que allude o requerente, e actas da commissão de recenseamento, declaro que esses cadernos foram extrahidos do recenseamento em vigor em 14 de março ultimo, quando foram extrahidos, que era o do anno de 1867, e que se acham assignados pelo presidente da commissão de recenseamento.

Cabeceiras de Basto, 9 de maio de Francisco

Luiz da Silva Botelho.»

«Reconheço a letra e a assignatura supra ser do proprio de que dou fé. Vieira, 10 de maio de 1868. =Em testemunho de verdade, o tabellião, Joaquim José Pereira Leite.»

Mas alem d'este documento, que constitue prova clara, tenho aqui a declaração official do sr. conde de Avila, expressada em um officio remettido a esta camara, que diz assim:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de communicar a v. ex.ª que por officio do governador civil de Braga, de 18 do corrente mez, consta que as ultimas eleições parochiaes e municipaes do concelho de Cabeceiras de Basto foram feitas pelo recenseamento de 1867; ficando por este modo satisfeito o requerimento do sr. deputado Antonio José de Barros e Sá.

«Deus guarde a v. ex.ª — Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 20 de maio de 1868. — Ill.mo e ex.mo sr. José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario. = Conde d'Avila.»

Fica demonstrado que em Cabeceiras de Basto existem quantos recenseamentos se querem e são necessarios para cada eleição. No dia 1 de março um com 804 eleitores. No dia 22 outro com 1600. No dia 19 de abril outra vez o primeiro!!!

Será isto serio, senhores?!! Isto é grave?! A isto pertence outra qualificação que não seja a do dolo e da falsidade?! Podeis vós admittir n'esta camara um deputado com um diploma obtido por meios tão criminosos?! A camara poderá santificar uma tão grosseira trapaça?! Não póde ser. Mas acresce que nas antevésperas da eleição o candidato Guilherme de Abreu representou ao governador civil do districto, denunciando que no concelho de Cabeceiras se premeditava similhante trapaça; o governador civil, que é um perfeito e honrado cavalheiro, providenciou quanto podia para prevenir o crime, e ordenou que o administrador do concelho se oppozesse e providenciasse convenientemente. Que aconteceu porém apesar d'estas prevenções? O plano infernal foi por diante, o crime commetteu-se e a iniquidade consumou-se; resta agora saber se será santificada n'esta casa. Neguem os factos se podem; mas se não podem, admittam as consequencias...

Isto posto, quanto aos factos, examinemos o direito. A commissão não nega, antes admitte, a realidade dos factos que eu apresentei, mas d'elles tira a conclusão que deve ser annullada toda a eleição e proceder-se a outra. Permitta-me a commissão que eu accuse a falta de logica. Dos factos allegados resulta a nullidade dos votos ilegitimamente obtidos, mas não a dos votos legitimos. Resulta a nullidade dos votos obtidos em Cabeceiras, mas esta nullidade, esta falsidade não prejudica a votação real, verdadeira e legitimamente obtida pelo candidato que foi espoliado.

A eleição nas duas assembléas do concelho de Vieira esta valida e contra ella ninguem allega vicio algum. O candidato Guilherme obteve ahi uma maioria tal que não podia ser destruida, ainda que todos os votos de Cabeceiras fossem contra elle. A obrigação pois da camara é restabelecer a verdade legal dos factos, e proclamar deputado aquelle que obteve a maioria legitima e legal, e não aquelle