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Em virtude de resolução da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 23 do corrente, se publicam as seguintes propostas.

Senhores. — O estado dos recursos e dos encargos do thesouro não póde nem deve ser objecto de segredo n'um paiz regido por instituições liberaes. Das variadas manifestações do governo representativo, nem uma só escapa á condição impreterivel da publicidade. E mal poderia comprehender-se que a administração da fazenda, força e vida de toda a administração publica, estivesse em antagonismo com um dos dogmas fundamentaes do nosso systema politico.

Cresce todos os dias a impaciencia do paiz por conhecer ao certo o activo e o passivo do estado; e é tão natural essa anciedade, como é racional e facil o satisfaze-la. As instituições liberaes não podem florescer e prosperar senão á luz da verdade e da publicidade. E se o povo tem o direito de exigir a exposição fiel da receita e dos encargos do thesouro, os homens publicos, que se acham á frente da governação do estado, interessam em patentear as difficuldades da situação para justificarem os meios de as resolver.

Quando as situações se aggravam e tomam proporções difficeis, os poderes publicos não podem desempenhar-se com proveito da sua missão, sem o auxilio esclarecido e o concurso dedicado de todas as forças da sociedade; e a primeira condição para associar os povos a grandes reformas e a grandes melhoramentos é convence-los, pela exposição verdadeira dos factos, da necessidade dos sacrificios. O paiz quer saber a cifra dos encargos e a importancia dos recursos com que o thesouro póde contar para custear as despezas publicas, e o governo satisfaz a justa aspiração popular, revelando claramente a gravidade da situação, e propondo, franca e desassombradamente, os meios de a remediar. Todos têem deveres a cumprir, e só o concurso zeloso de todos poderá trazer ao estado normal as finanças do estado.

A situação da fazenda publica é extremamente grave e poderia tornar-se perigosa se não entrassemos de prompto em regras firmes de boa administração, e hesitássemos em encarar resolutamente o problema, que actualmente occupa mais vivamente a attenção do paiz.

A despeza do estado, tal como é computada para o futuro anno economico de 1868-1869, e se mostra das ultimas contas de gerencia, orça entre 22.000:000$000 e 23.000:000$000 réis, e a receita entre 16.000:000$000 e 17.000:000$000 réis. O deficit pois é approximadamente de 6.000:000$000 réis. E quando o orçamento ordinario mostra um desequilibrio, representado n'uma somma excedente a mais de um terço da receita ordinaria, esta feito na linguagem exacta e inequivoca dos algarismos o mais luminoso commentario á gravidade da situação.

Não entra no meu proposito o relatar as circumstancias e as causas do nascimento e progressivo desenvolvimento d'este desequilibrio financeiro. E certo que elle resulta de duas causas principaes, as tristes consequencias das nossas lutas internacionaes e dissensões intestinas, em que não havia tempo para pensar na administração da fazenda, e em que se procurava dinheiro, qualquer que fosse o preço, e os melhoramentos materiaes e reformas de serviços ultimamente emprehendidos, á custa do credito, sem que o appello a este recurso fosse sempre acompanhado das precauções indispensaveis para se não transformar n'um instrumento perigoso.

Depois de tão longo periodo de paz dentro e fóra do paiz, seria gravissima a nossa responsabilidade se deixassemos comprometter a situação financeira, e não procurassemos saír por meios energicos, mas prudentes, das circumstancias difficeis em que nos achâmos collocados. O enthusiasmo com que se pediam e votavam despendiosissimos melhoramentos materiaes, grandes reformas de serviços e augmento de vantagens para algumas classes de servidores do estado, sem crear ao mesmo tempo as novas receitas correspondentes á elevação do encargo, poderia lisonjear as paixões do momento e significar manifesta tendencia para os commettimentos civilisadores; mas, desacompanhado de todas as medidas de verdadeira prudencia, appressou ultimamente a crise financeira com que nos achâmos abraços. O peior é que as epochas de enthusiasmo são quasi sempre seguidas de periodos de desengano!

Não é porém o desequilibrio do orçamento ainda na somma de 6.000:000$000 réis a feição mais grave da situação do thesouro na actualidade. Muito grande era o deficit calculado para os annos economicos de 1866-1867 e 1867-1868, e todavia nem a inquietação popular se manifestava em tão larga escala como hoje, nem as difficuldades da situação tinham assumido tamanhas proporções.

O deficit no valor de 6.000:000$000 réis, n'um paiz de tantos recursos como o nosso, e em que ha fontes abundantes de receita a explorar, sem prejuizo do desenvolvimento das forças productivas da nação, póde attenuar-se o extinguir-se n'um periodo de tempo muito breve, se houver da parte dos poderes publicos a coragem sufficiente para se collocarem na altura da sua missão.

No deficit fixado no orçamento ha importantes attenuações a attender, que não vem mencionadas no relatorio que precede aquelle trabalho. As diminuições de despeza, resultantes de vacaturas que se não preenchem, e de numerosas accumulações, influem sensivelmente no equilibrio do orçamento. No entanto, para proceder com toda a Segurança e compensar deducções imprevistas na receita, que todavia não são para receiar, fixarei o deficit definitivamente em 6.000:000$000 réis.

Porém o mais grave na situação financeira não é, como digo, o desequilibrio que accusa o orçamento. Na actualidade ha serias complicações, filhas de circumstancias que já vos não são inteiramente estranhas depois da publicação do meu relatorio sobre o uso que o governo tem feito da lei de 1 de julho de 1867. O que deve inspirar-nos mais serios cuidados, e a que é preciso acudir de prompto com medidas energicas, é o estado actual do thesouro. A divida fluctuante era, em 30 de abril, no estrangeiro, 5.810:391$000 réis, e no paiz 6.695:631$676 réis. É necessario alem d'isso levantar meios para custear as despezas do estado até ao ultimo dia do actual anno economico, e é preciso occorrer ao deficit do futuro anno, no qual ainda será indispensavel, e especialmente no 1.° semestre, o recurso ao credito. Eis-aqui o estado da situação, encarado o presente nas suas relações indissolúveis com o futuro. A divida fluctuante é nas finanças de todos os paizes a principal causa de ruina, e sobretudo quando assume as enormes proporções que a nossa já tem. O thesouro esta sempre á mercê da vontade dos prestamistas ou da influencia imperiosa das circumstancias, que a todo o momento podem exigir o reembolso dos capitaes confiados ao governo. Por outro lado este facto anormal nos orçamentos de um paiz, depondo contra o estado do credito e da fazenda, obriga os governos a abonar juros elevados, a crear mercados artificiaes e a fazer concorrencia fatal ás industrias do paiz.

O modo regular de pôr termo a esta desorganisação financeira é a consolidação. Porém nas circumstancias actuaes de uma crise economica e commercial, com que lutâmos ha mezes, determinada por causas internas, e devida tambem ao estado geral da Europa e á situação politica do Brazil, a consolidação pelos modos ordinarios é impossivel. Os nossos fundos, comquanto não tenham descido a um preço tão baixo, como já têem estado por algumas vezes, resentem-se todavia da paralysação que ha no movimento economico e commercial dentro e fóra do paiz, e do estado peculiar do nosso credito.

Se ha pouco se effectuou uma negociação de titulos no valor de 4.750:000 libras esterlinas a 38 1/2 com o desconto de 1 1/8 por cento de commissão, porcento de juro, deducção pelo adiantamento das prestações, e despezas de remessa, ninguem póde calcular o preço por que nos ficaria agora a negociação de titulos em somma muito mais avultada, logo em seguida á celebração de um emprestimo, que não foi ainda recebido na sua totalidade.

E convem notar que o estado actual é insustentavel, e não póde prolongar-se sem gravissimo risco para o nosso credito, ainda obtida a reforma successiva das operações de thesouraria. Não ha fortuna particular que se não arruine, nem finanças do estado que resistam por muito tempo á desorganisação, preparada pelo systema de viver durante largos annos de juros accumulados e excessivos.

Os encargos da nossa divida fluctuante custam-nos no estrangeiro, termo medio, 9 1/2 por cento; e no paiz entre 7 e 7 1/2. E o systema de obtermos dinheiro para occorrer ás despezas publicas por meio de saques sobre Londres, supportando as despezas do cambio, não poucas vezes aggravadas com as do recambio, dão em cada anno uma somma enorme de encargos, para pagar os quaes recorremos de novo á mesma sorte de operações, complicando assim todos os dias a situação financeira; e vendo-se o governo na necessidade de negociar quasi sempre em condições sobremaneira desfavoraveis, porque tem encargos a saldar em dias certos o impreteriveis, sem a faculdade de apressar ou retardar a realisação das suas operações.

É urgente pôr termo a este estado, cuja prolongação poderia levar-nos a, consequencias fataes. E é preciso combate-lo com vigor. A força do mal deve corresponder a energia do remedio; mas applicado com as prudências e cautellas indispensaveis para, longe de prepararmos uma, situação prospera, não crearmos uma situação impossivel. E forçoso acabar com o recurso ao credito, como meio ordinario de saldar as despezas correntes, procurando por todos os modos rasoaveis restabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza. Os contribuintes agitam-se em presença de qualquer medida de augmento de imposto; e não se extremecem em vista do appello constante ao credito, porque se não lembram de que o mais inexoravel, o mais violento e o mais cruel de todos os impostos é o credito, que representa sempre um imposto multiplicado, e que cresce em progressões, tão largas, que não é facil calcular previamente o seu alcance e as suas consequencias.

O governo, se consultasse os seus desejos, e mesmo as forças collectaveis, ainda não exploradas, do paiz, poderia já propor-vos o plano desenvolvido para pôr termo completo ao estado difficil do thesouro. Porém a necessidade de uma revisão pausada nos serviços publicos, onde podem e devem fazer-se importantes reducções na despeza, a escassez das nossas colheitas no anno passado, o estado ainda duvidoso com relação ás d'este anno, o enfraquecimento em todos os ramos da nossa actividade social, o estado politico do paiz, e o perigo de cortar de repente males prolongados durante longos annos, detem-nos em realisar de uma só vez o nosso pensamento.

Enunciando-o agora em toda a sua extensão, pomos já em execução a parte mais importante e mais urgente, e que menos attritos e resistencias póde encontrar na presente quadra politica, e reservamos o complemento do nosso systema para a proxima sessão legislativa.

O desequilibrio nas nossas finanças não póde ser combatido vantajosamente senão pelo emprego simultaneo de tres meios combinados: a observancia de regras invariaveis de administração com a maior parcimonia na gerencia dos dinheiros publicos; a reducção nas despezas do estado; e o augmento do imposto. O paiz não mostra resistencia á aceitação de novos sacrificios, mas patenteia justa relutancia em aceitar a aggravação dos encargos, sem medidas de verdadeira reducção na despeza publica.

O paiz tem rasão. É preciso fazer todas as economias e todas as reducções possiveis nas despezas com os serviços, não só como medida financeira, mas ainda como medida economica e moral, porque ha verdadeira economia e moralidade em restringir o quadro do funccionalismo, e revelar ao paiz que o governo procede, no desempenho da sua missão, determinado unica e exclusivamente no intuito de servir a causa publica, e não movido pelo desejo de promover collocações partidarias.

No serviço activo podem operar-se reducções valiosas, e tudo o que póde conseguir-se desde já no ministerio a meu cargo consta das propostas n.ºs 2 a 4. Esta economia porém não é demasiadamente valiosa, comparada com a que poderá conseguir-se, devidamente reorganisadas as repartições publicas. A reconstituição dos serviços deve assentar sobre bases da mais larga descentralisação administrativa, e onde esta reforma é mais precisa é no serviço das secretarias d'estado. A base da organisação dos serviços n'estas repartições herdámo-la ainda do regimen absoluto, e estes vicios de origem têem sempre prejudicado as boas disposições que presidiram ás reformas posteriormente introduzidas no intuito de melhorar o mesmo serviço. D'aqui vem que ainda hoje se processam e expedem nas secretarias d'estado, e carecem da assignatura do ministro e até da do augusto chefe do poder executivo, negocios, que, pela sua natureza, deviam pertencer aos delegados do poder central ou ás administrações locaes.

As reformas nos serviços das secretarias d'estado, feitas depois do estabelecimento do governo representativo, têem sido sempre parciaes e isoladas, accommodadas especialmente ao serviço de cada uma, sem ligação com o das outras, predominando assim nas reformas mais o espirito de cada ministro organisando a sua secretaria do que a opinião do ministerio organisando os serviços publicos.

Tambem se nota nos differentes ministerios uma escripturação complicada e um processo moroso na solução dos negocios, seguindo longos tramites, que, sem inconveniente, poderia simplificar-se e melhorar-se.

E certo que em cada secretaria deve haver todos os serviços e só os serviços compativeis com a sua indole, e não