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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Alberto Carlos: — Disputou-se hontem n'esta casa com bastante calor, e com divergencia de opiniões e de principios, uma questão que me pareceu grave; e mais grave ainda, porque se referiu a uma questão pessoal, pois se tratou de applicar esses principios a um nosso collega, que faz parte d'esta mesma casa.

Eu tinha pedido a palavra (que não me chegou), porque desejava simplesmente declarar os motivos por que approvava o parecer da commissão.

O sr. Presidente: — Eu tenho a advertir ao illustre deputado, que tendo sido a votação do parecer por escrutinio secreto, na conformidade do regimento, não póde agora fazer declaração do seu voto (apoiados).

O Orador: — Acredito que talvez seja pouco regular declarar o voto...

O sr. Presidente: — Entretanto já deu a entender, me parece, como tinha votado (riso).

O Orador: — Como os votantes foram muitos, de certo não se revelam os votos dos outros pelas declarações de alguns, mas, se a camara entende que não posso fallar n'este negocio, explicando o meu modo de pensar n'esta questão, não fallarei...

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Eu entendo, que a garantia concedida pela carta constitucional nos artigos 26.° e 27.°, fazendo dependente das respectivas camaras a prisão dos seus membros ou a continuação dos respectivos processos, é rasoavel e deve manter-se; tem um fundamento sensato, e é ainda mais amplo do que aqui foi dito pelo sr. dr. Barjona...

O sr. Almeida Queiroz: — Pergunto a v. ex.ª se são permittidas hoje as explicações de voto, porque se o são peço a palavra para explicar o meu voto (apoiados). Apesar d'elle estar no parecer da commissão, que assignei, peço a palavra tambem para dizer alguma cousa (apoiados).

O sr. Presidente: — O regimento permitte dar-se a palavra para explicações, mas em hora de prorogação de sessão.

O sr. Almeida Queiroz: — Sei isso muito bem, assim como sei que ha outra tribuna onde se podem dar explicações; mas o que perguntei, e pergunto a v. ex.ª, é se hoje é permittido darem-se explicações de voto.

O sr. Presidente: — Para isso é preciso prorogar a sessão; mas ha uma circumstancia, e é, que antes da ordem do dia está admittido os srs. deputados fallarem em todas as materias em que o podem fazer; e por isso não chamei o sr. Alberto Carlos á ordem emquanto quiz explicar o modo como apreciára a questão.

O sr. Almeida Queiroz: — Foi por isso que eu fiz a pergunta a v. ex.ª; é apenas uma pergunta.

O Orador: — Dizia eu, sr. presidente, que a garantia concedida pela carta constitucional deve ser mantida, e que tem motivos plausiveis, por isso que ella tende a salvaguardar o exercicio das funcções de deputado, para que não possam ser perturbadas ou pelas machinações do governo, ou pelas machinações de quem quer que seja.

Alguem quer limitar essa garantia sómente aos processos derivados de suggestões politicas, etc. etc.; eu julgo que ella é para salvaguardar a camara, em quaesquer circumstancias, contra um procedimento qualquer que possa perturbar as funcções do poder legislativo.

Esta é a minha opinião, e digo a rasão d'ella.

Se a todos os magistrados, se a todas as auctoridades se concede uma especie de protecção, porque sem auctorisação do poder executivo não podem essas auctoridades ser processadas, que muito é que ao poder legislativo se conceda uma garantia similhante?

Alem d'isso parece-me que as funcções do poder legislativo são tão importantes, são tão especiaes, que nada ha mais rasoavel do que conceder aos seus membros uma garantia d'esta ordem.

Mas, diz-se, a falta de um, dois, ou tres deputados não póde fazer grande transtorno na marcha dos negocios legislativos. É certo, digo eu tambem, que a falta de um só deputado não transtornará tudo; mas póde uma manobra dos partidos, do governo, das paixões, e mesmo dos caprichos particulares, que nada tenham com as paixões politicas, introduzir aqui uma grande desordem, e fazer emfim com que um grande numero de deputados sejam perturbados no exercicio das suas funcções.

Para uma justa apreciação deve notar-se, que muitas vezes ha um ou outro deputado de tanta influencia n'uma questão de tal ou tal ordem, ou póde ser tão pouco numerosa a maioria na camara, que a falta de um, dois, ou tres deputados, embaraçados por qualquer processo, póde trazer grande transtorno aos negocios publicos, fazendo até com que uma minoria se converta em maioria!

Julgo, pois, que esta garantia se deve manter, e mesmo que não foi só por um favoritismo ou leviandade que ella se estabeleceu. É sabido de todos como ella se considerou necessaria pelas occorrencias e desordens a que se viu exposta em França a assembléa legislativa e a convenção nacional, e por fundamentos analogos se estabeleceu em Portugal e na Hespanha nossa vizinha. Com effeito eu referirei que esta disposição se acha quasi pelos mesmos termos na constituição de 1822, nos artigos 96.° e 97.°

Não eram pouco liberaes aquelles legisladores, e lá fixaram aquella disposição, que depois foi copiada na constituição de 1838, quasi pelas mesmas palavras no artigo 49.° A nossa actual carta constitucional sabemos todos o que diz nos artigos 26.° e 27.°

Mas eu noto ainda mais. A constituição hespanhola de 1812, que passa por ser um modelo de liberalismo, lá estabelece no artigo 128.° disposição analoga, não permittindo que os seus membros fossem julgados senão pelo tribunal das côrtes, no modo e fórma que fosse prescripto no regulamento do governo interior das mesmas côrtes.

Tambem a constituição hespanhola de 1837, no artigo 42.°, estabelece quasi os mesmos principios que estão na nossa constituição.

Eu tinha por acaso á mão todos estes codigos que aqui reuni n'este volume, e ainda conservo do tempo em que tratava de politica (riso); intitula se «viveiro de constituições» (riso); e esta multiplicidade de leis fundamentaes, sem observancia nem efficacia, foi uma das causas que me fez descrer da politica! N'este volume tenho reunido seis ou sete constituições, que a proposito d'este assumpto estive a ler por curiosidade. Todas ellas contêem este principio e garantia que se disputou. Agora, entendo eu tambem que, se é de conveniencia que se mantenham estas disposições, tambem será de conveniencia que ellas se entendam em termos rasoaveis; e isto comprehende-se. Quaes são os effeitos da resolução que a camara hontem adoptou? Não sei quaes elles serio. Entendo que não devo saber, nem nos devemos intrometter n'isso. (O sr. Beirão: — Apoiado, apoiado.)

Pôde admittir-se que a nossa legislação em alguns pontos, principalmente a reforma judiciaria, não seja bem harmonisada com a constituição, o que talvez se explique porque a reforma anterior, e as bases da actual reforma foram organisadas quando estava em vigor a constituição de 1822 e 1838; e talvez algumas referencias sobre suspensões, prisões, etc. se devam explicar por aquelle codigo fundamental que vigorava quando ella se organisou. Mas o que me parecia rasoavel é que a garantia da camara, consistente em poder suspender os processos, não produzisse a extincção da accusação, mas fosse sómente suspensiva quanto se considerasse necessario, para assegurar o exercicio das funcções legislativas, tal como a protecção que o governo dá ás suas auctoridades, consentindo ou não que sejam processadas emquanto se considera necessario o seu exercicio. Entretanto tambem sou de opinião, que se não deve dizer cousa alguma a tal respeito, como muito bem fez a commissão; e porque? Porque o poder judicial, que é um poder tão independente como o legislativo de que faz parte esta camara, tem a sua opinião livre e independente.