O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 521

521

SESSÃO DE 6 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de representações e requerimentos. — Ordem do dia: 1.ª parte, votação nominal julgando prejudicado um additamento offerecido pelo sr. visconde de Moreira de Rey ao parecer n.º 13 — 2.ª parte, continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.º 9 — Apresentação de duas propostas de lei do sr. ministro da justiça: 1.ª, para se estabelecer em Lisboa, no edificio onde esteve o convento das Monicas, uma casa de correcção e detenção; 2.ª, de reforma penal.

Chamada — 48 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Saraiva de Carvalho, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Beirão, Caldas Aulete, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Guilherme Quintino, Santos e Silva, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Almeida Queiroz, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Affonseca, Marques Pires, Paes Villas Boas, Lisboa, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs. Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Cau da Costa, Augusto de Faria, Bernardino Pinheiro, Francisco Mendes, Coelho do Amaral, Van-Zeller, Barros Gomes, Mártens Ferrão, Alves Matheus, Gusmão, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Lopo de Mello, Pedro Roberto, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór.

Não compareceram — os srs: Villaça, Arrobas, Pedroso dos Santos, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Pereira do Lago, Costa e Silva, Pinto Bessa, Silveira da Mota, Palma, Jayme Moniz, Augusto da Silva, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Dias Ferreira, Mello e Faro, Latino Coelho, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Nogueira, Mendes Leal, Julio Rainha, Camara Leme, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Sebastião Calheiros, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

Ácerca da proposta de lei de contribuição industrial:

1.ª Dos chocolateiros e torradores de café estabelecidos na cidade do Porto.

2.ª Dos proprietarios de estabelecimentos de bilhares e botequim, da cidade de Setubal.

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal:

Da camara municipal do concelho de Sant'Iago de Cacem.

Pedindo a revogação da lei de 22 de junho de 1867, relativamente aos circulos de jurados:

Da camara municipal do concelho de Tabuaço.

Ácerca de outros assumptos:

1.ª Do provedor e mesarios da santa casa da misericordia da cidade de Vizeu, pedindo dispensa do registo dos fóros, censos e pensões.

2.ª Da mesma corporação, reclamando contra a contribuição de registo pelos actos de transmissão de propriedade por titulo gratuito, feita em favor das misericordias e outros estabelecimentos de piedade.

Foram remettidas ás commissões competentes.

Communicaçâo

Participo á camara que não compareci ás duas ultimas sessões por motivo justificado.

Sala das sessões, 5 de maio de 1871. = Francisco Mendes.

Inteirada.

Requerimentos

1.° Estando affecta a esta camara uma petição do major reformado José Joaquim da Costa, em que elle se queixa de injustiça recebida; requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja mandada a esta camara uma nota demonstrativa dos motivos por que, tendo elle praça do dia 12 de dezembro de 1828, e sendo despachado segundo tenente de artilheria em 24 de julho de 1834, primeiro tenente em 26 de novembro de 1840 e capitão em 29 de abril de 1851; e tendo outrosim assentado praça em 30 de junho de 1833 José Antonio Pereira de Araujo Sequeira, sendo este despachado segundo tenente da mesma arma em 28 de julho de 1837, primeiro tenente em 26 de novembro de 1840 e capitão no mesmo dia em que o foi José Joaquim da Costa; e sendo ambos reformados em 7 de outubro de 1863: foi o mais moderno reformado em tenente coronel, e o mais antigo em major.

Sala das sessões, 5 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam enviados, com urgencia, a esta camara os seguintes esclarecimentos:

I. Relatorios ou pareceres dos engenheiros ácerca do estado de conservação das estradas a cargo da companhia viação portuense, e ácerca do modo como tem sido cobrado e administrado o rendimento das portagens.

II. Contas enviadas pela companhia ao ministerio das obras publicas, ácerca da conservação das mesmas estradas.

III. Nota dos rendimentos das barreiras e portagens em toda a estrada a cargo da companhia desde que começaram a ser cobrados e administrados por ella.

IV. Pareceres ou relatorios dos engenheiros ácerca da administração da companhia viação portuense.

V. Nota das despezas de administração da mesma companhia desde a sua instituição até o presente.

VI. Copia de quaesquer representações da companhia ácerca da manutenção do seu monopolio, bem como copia das respostas do governo e das providencias por elle tomadas a este respeito.

VII. Copia de quaesquer reclamações do governo á companhia ácerca do estado de conservação das estradas a cargo da companhia.

VIII. Nota do numero de diligencias, carros accelerados ou quaesquer outros vehiculos com que a companhia tem explorado em cada anno as estradas em relação ás quaes lhe foi concedido monopolio.

IX. Nota da parte do rendimento das portagens, que têem sido applicadas ao juro e amortisação dos capitaes da companhia.

X. Igual nota em relação ao producto das diligencias, carros accelerados, etc.

XI. Nota do preço medio que tem custado a conserva-

89

Página 522

522

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ção das estradas a cargo do estado nos districtos do Porto e Braga.

Sala das sessões, 5 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foram remettidos ao governo.

O sr. Visconde de Montariol: — Mando para a mesa, e peço que seja enviada para a respectiva commissão, uma representação, em que os barbeiros da cidade de Braga se queixam do gravame e injustiça que se lhes pretende fazer no projecto de lei apresentado pelo sr. ministro da fazenda, sobre a contribuição industrial, collectando-os em metade do que tem de pagar os artistas de igual profissão da cidade de Lisboa, em dois terços do imposto lançado sobre os da cidade do Porto.

Se os barbeiros e mais artistas da cidade de Braga tivessem o maximo do seu salario garantido tão vantajosamente como o tiveram os artistas romanos no edicto de Diocleciano em 303 da nossa era; se o imposto que se lhes exige estivesse em proporção com os das duas grandes cidades do reino, e com os seus tenues lucros, não viriam elles pedir a justa reducção que lhes é devida, porque são portuguezes de lei, e não duvidam concorrer para as despezas da protecção que recebem do estado; mas pela fórma que se pretende, e consta do projecto referido, é-lhes absolutamente impossivel deixar de reclamar, salvo se se quizerem privar e ás suas familias dos indispensaveis meios de subsistencia.

Os barbeiros de Lisboa e Porto recebem de uma população numerosa e opulenta, em que o commercio e a industria muito prosperam, em geral 40 réis por cada barba que fazem, e 60 réis por cada cabello que cortam, e os de Braga recebem apenas, geralmente, 30 réis por estes dois serviços, e os do campo andam avençados com os seus freguezes, e recebem pelo serviço de todo o anno um ou dois alqueires de milho, para servirem muitas vezes varias pessoas da mesma familia.

Os dias em que mais trabalham são os domingos, as quartas feiras e os sabbados, e nos outros da semana pouco ou nada fazem, pouco ou nada ganham.

A cidade de Braga, que não chega a ter 20:000 habitantes, não tem a quarta parte da população do Porto, que tem mais de 80:000 moradores, e a nona parte da de Lisboa que excede a 160:000, não fallando nas riquezas commerciaes e industriaes de uma e de outra, que lhes trazem as suas posições maritimas e relações locaes, bem como a prosperidade da sua industria.

Se a taxa não for reduzida na devida proporção, e em attenção a estas considerações de manifesta differença, o estado terá de receber, em logar da quantia taxada, insignificantes moveis e os utensilios da loja, que não perfazem esse valor, e no anno seguinte de ver fechar as lojas d'estes desgraçados.

Com os mais artistas de Braga, aliás de grande habilidade, dá-se a mesma desproporção e violencia pela pobreza e pequena população da terra, e pela paralysação e abatimento a que estão reduzidas muitas das artes, que em tempo muito ali prosperaram.

Os ferreiros de taxa e prego que d'antes tiravam do seu trabalho meios para subsistir, hoje pouco ou nada ganham, porque os prégos de arame ha pouco inventados lhes fazem uma concorrencia com que não podem competir, se não no acabado da obra, ao menos no preço d'ella, que os não deixa vir ao mercado (apoiados).

Os sombreiros, que no principio d'este seculo exerciam uma industria muito lucrativa, com que todas as outras muito prosperavam, porque as industrias são solidarias, e prestam mutuo auxilio umas ás outras, quasi que de todo desappareceu, porque apenas restam algumas pequenas officinas, que de dia para dia vão fallindo com a total ruina de seus donos, que ficam reduzidos á miseria.

Os outros artistas participam d'estas crises, e vivem em igual pobreza.

O commercio, que em geral está reduzido ao mesquinho consumo da terra, e no que respeita a mercearia só para as classes menos abastadas, que nem sempre estão habilitadas para pagar, porque as outras em grande numero por economia se abastecem dos portos de mar vizinhos, não póde prosperar n'estas apoucadas circumstancias. Raros são os estabelecimentos que podem subsistir, e rarissimos aquelles que atravessam de uma até outra geração.

Qualquer comparação que se queira fazer do commercio de Braga com o de Lisboa, seria mal cabida, e igual aquella que se fizesse do Tejo ou do Douro com a do rio Deste, que no tempo do estio não leva corrente com que apagar a sede a um pequeno rebanho.

Os caixeiros na sua quasi totalidade não ganham mais de dez libras, emquanto que um cozinheiro ou creado de mesa ganha uma libra por mez.

Até os miseraveis marçanos foram lembrados, não obstante nada mais receberem de seus patrões, nos primeiros cinco annos que os servem, senão parcos alimentos, em que ordinariamente se não comprehende o vestido que lhes é dado pelas respectivas familias, nem o calçado, porque até certo tempo andam descalços.

Por estes fundamentos mando tambem para a mesa, para que tenham igual destino, mais duas representações, uma dos artistas e outra do commercio de Braga, e quando, depois de serem devidamente apreciadas pela respectiva commissão, entrarem em discussão com o projecto, terei occasião de dar mais amplo desenvolvimento ás minhas considerações sobre este assumpto; mas desde já peço ao governo que mande proceder a um inquerito imparcial, desapaixonado e minucioso, e se instrua sobre as circumstancias que ficam indicadas com relação á cidade e districto de Braga.

O sr. Presidente: — Queira mandar para a mesa as representações.

Peço licença ao sr. deputado para lhe lembrar que é menos acertado, quando se apresenta uma representação ou outro qualquer papel, discutir com grande desenvolvimento o objecto a que esse papel se refere, porque não se tira resultado algum, privam se os outros srs. deputados do uso da palavra, e não podem proseguir convenientemente os trabalhos da camara.

Eu não censuro o illustre deputado.

Tem-se feito isso muitas vezes, e é preciso evitar que se repita.

O sr. Visconde de Montariol: — Eu limitei-me a fazer pequenas considerações.

O sr. Alcantara: — Mando para a mesa, por parte da commissão de marinha, um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo ácerca da pretensão de Manuel Leocadio de Almeida.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa dois requerimentos de dois officiaes de artilheria n.º 1, pedindo melhoria de vencimentos.

E mando igualmente um requerimento de Domingos Fernandes Braga, sachristão da capella de S. Julião da Barra, pedindo que o seu ordenado seja equiparado ao de um outro individuo em identicas circumstancias ás d'elle.

O sr. Bicudo Correia: — Tendo tomado a iniciativa em tres projectos de lei, que n'uma das sessões passadas tive a honra de submetter á apreciação da camara, os quaes tem por fim a reorganisação do imposto predial nas ilhas dos Açores, alterar a legislação que regula o lançamento e cobrança dos impostos municipaes indirectos sobre liquidos, e habilitar o governo com os meios indispensaveis para proseguir com as obras em construcção do porto artificial de Ponta Delgada; entendo dever chamar a attenção de v. ex.ª, da camara e do governo, para a necessidade que ha de que a camara, com a brevidade possivel, tome uma resolução (apoiados) ácerca dos differentes assumptos a que se referem os projectos que acabei de mencionar.

Considero urgente a approvação d'estas medidas, e se a camara na sua alta sabedoria entender dever prestar-lhes o

Página 523

523

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

seu assentimento, seria da maior conveniencia publica que estes negocios fossem resolvidos de modo, que ainda n'este mez de maio (O sr. Candido de Moraes: — Apoiado.) possa ir a resolução d'elles para as ilhas.

Afigura-se-me que o adiamento d'estas questões aggrava a situação das ilhas (apoiados), com manifesto prejuizo dos povos, e sem vantagem alguma para o estado.

Não desejo cansar agora a attenção da camara com a exposição dos motivos que nas ilhas tem produzido a animadversão publica contra o actual systema de contribuições.

No relatorio que fiz ao projecto de lei sobre a contribuição predial menciono as causas de indisposição dos povos contra o actual systema tributario.

Mas o que é verdade é que esta indisposição de nenhum modo é filha da vontade, que porventura tenham os povos de se subtrahirem a contribuir, conforme as suas posses, para as despezas do estado (apoiados).

Em abono d'esta asserção esta a eloquencia dos factos, pois nos primeiros tempos de iniciação das actuaes contribuições foi pontual o seu pagamento.

No entretanto o systema actual, pela maneira por que foi estabelecido, pela intensidade do imposto e a fórma por que é exigido, tem causado uma certa preoccupação no espirito publico, pela impossibilidade que os povos sentem de poderem continuar a satisfazer devidamente os encargos tributarios (apoiados) a que estão sujeitos.

No districto de Angra do Heroismo os contingentes de contribuição predial respectivos a dois annos estão em atrazo e ainda por pagar.

A respeito mesmo do contingente do presente anno houve difficuldades em se fazer a sua distribuição. A junta geral do districto recusou-se a fazer a distribuição, e creio que o conselho de districto tambem depois teve repugnancia de fazer a distribuição do contingente, porque reconheciam que os contribuintes não podiam satisfazer o imposto pelo modo por que era exigido, e n'este sentido representaram ao governo (apoiados) mostrando a impossibilidade da parte dos povos em satisfazer o imposto.

O sr. ministro da fazenda, com a intelligencia que lhe é propria, e com a solicitude pelas cousas publicas que todos lhe reconhecem, mandou um empregado de sua confiança inquirir das circumstancias excepcionaes que se davam n'aquelle districto, com respeito ás difficuldades que ali estava encontrando na sua execução o actual systema tributario.

Este digno funccionario, que desempenhou com todo o zêlo e intelligencia a missão de que foi encarregado, entendeu, segundo me consta, que eram justos e fundados os motivos que levaram os povos a reclamar contra o systema em que ali se achavam estabelecidas as contribuições.

O sr. ministro da fazenda, informado do estado das cousas, tanto reconheceu a justiça das reclamações d'aquelles povos, que tomou a respeito d'ellas certas medidas extraordinarias, que foram bem aceitas pela opinião, e no que s. ex.ª deu mais uma prova da sua justiça e tacto governativo.

No districto da Horta existem as mesmas indisposições dos povos contra o systema actual de contribuições.

No districto de Ponta Delgada nos primeiros tempos foi pontual e exemplar o pagamento das contribuições, mas posteriormente as circumstancias têem levado o governo a adiar o pagamento das contribuições. Por mais de uma vez o governo tem-se visto na necessidade do adiar o praso do pagamento das contribuições. N'este districto nota-se tambem uma grande desigualdade na distribuição do imposto.

Torno a repetir, os povos das ilhas não se recusam a pagar as contribuições (apoiados), pelo contrario, ha n'elles a maior disposição de contribuirem conforme as suas forças para as despezas do estado, do mesmo modo que os seus irmãos do continente, mas elles têem direito a serem attendidos emquanto desejam que o imposto seja distribuido com igualdade, e exigido sem vexames e por uma fórma exequivel (apoiados).

Em occasião opportuna espero demonstrar á camara até á evidencia, que no districto de Ponta Delgada o imposto sobre a propriedade está distribuido de maneira, que a quarta parte da propriedade rustica paga um imposto na rasão de 25 a 30 por cento sobre o seu rendimento liquido.

As circumstancias, pois, apresentam uma certa gravidade, e eu espero que a camara tomará estas observações na consideração que ellas merecerem.

Sr. presidente, eu partilho a idéa das economias e o proposito de não augmentarmos o imposto emquanto não mostrarmos ao contribuinte que temos cortado todas as sobejidões que figuram no orçamento (apoiados). Não ha nada mais justo, e eu abraço do coração esta idéa.

Mas é tambem uma grande injustiça e uma iniquidade não procedermos com actividade e com certa efficacia á regularisação do imposto (apoiados), alem de que estou certo que a regularisação do imposto ha de concorrer muito para a solução da nossa questão de fazenda.

Não ha necessidade de augmentar a percentagem, parece-me mesmo que se poderá reduzir; basta a igualdade do imposto para haver um grande augmento de receita publica.

Adiarmos a regularisação do imposto é para o presente uma grande iniquidade. É concorrer para que muitos contribuintes continuem sobrecarregados com o peso de contribuições demasiadas, emquanto que outros pouco concorrem para as despezas do estado (apoiados). E a regularisação do imposto ha de fazer com que sejam alliviados os que injustamente estão sobrecarregados, e obrigar os que pouco ou nada contribuem a concorrer como devem para as despezas do estado.

Nos projectos que tive a honra de apresentar á camara tenho em vista distribuir o imposto com mais igualdade, garantir ao thesouro uma fonte importante de receita publica e estabelecer uma fórma de pagamento mais suave e com menor vexame para os contribuintes.

Basta ler-se o projecto para se ver logo que é elevada a quota que estabeleço; 6 por cento sobre o rendimento bruto não é menos de 12 por cento sobre o rendimento liquido. Se nós estabelecessemos para o continente do reino uma quota de 3 por cento sobre o rendimento bruto, a receita publica procedente d'este imposto seria mais do duplo da actual.

A regularisação do imposto é tão necessaria e é tão manifesta esta necessidade, quanto é verdade que todos os dias os illustres deputados aqui estão a reclamar contra os vicios das matrizes prediaes e contra a má distribuição do imposto (apoiados).

Ainda ha pouco tempo foi distribuido n'esta camara um relatorio de um illustrado cavalheiro, que foi encarregado de uma missão agricola na provincia do Minho. Não tenho a honra de conhecer pessoalmente este cavalheiro, mas dizem-me ser muito conhecedor e muito competente n'estes assumptos (apoiados), como bem o mostra no interessante trabalho que fez. N'esse relatorio calcula elle o rendimento bruto da propriedade rustica do paiz em 118.000:000$000 réis. Pergunto eu a v. ex.ª e á camara se 118.000:000$000 réis de rendimento bruto não representam approximadamente, pelo menos, 50.000:000$000 réis de rendimento liquido?

As matrizes prediaes apresentam uma cifra, me parece, de 22.000:000$000 réis de rendimento collectavel; n'este algarismo estão comprehendidos creio que 5.000:000$000 réis de propriedade urbana, de maneira que a propriedade rustica não apresenta nas matrizes prediaes uma cifra superior de 17.000:000$000 a 18.000:000$000 réis, e entretanto julgam pessoas muito competentes que o rendimento liquido da propriedade rustica do paiz é de 50.000:000$000 réis. É por isso que são muito justas e muito rasoaveis as reclamações que todos os dias estão fazendo aqui os illustres deputados contra os vicios das matrizes prediaes.

Página 524

524

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não é necessario elevar a contribuição, basta iguala-la para duplicar a receita.

Vou passar a outro assumpto, que diz respeito ao imposto do consumo que propuz.

Tive a honra de apresentar á camara um projecto de lei regulando nas ilhas os impostos municipaes indirectos sobre liquidos.

Seria tambem da maior conveniencia que este negocio se resolvesse com a maior brevidade possivel (O sr. Candido de Moraes: — Apoiado), e vou dar a rasão.

Os impostos de consumo sobre os liquidos constituem a principal fonte de receita dos municipios nas ilhas, mas pela legislação vigente a cobrança é muito deficiente e o seu rendimento muito defraudado.

Pelo projecto, que apresentei á camara, dá-se um grande alivio para os contribuintes pela reducção das taxas, a cobrança é efficaz e feita sem vexame, e garanta-se aos municipios uma receita superior ao duplo da que auferem pela legislação em vigor.

As camaras têem de fazer os seus orçamentos em junho, precisam portanto saber os meios e a receita com que podem contar para regular as suas despezas. Será muito prejudicial para os municipios das ilhas (apoiados), se se demorar a resolução d'esta medida e a recepção da receita proveniente d'este imposto.

Todos os objectos tributados no projecto são importados pelas alfandegas das ilhas, e o imposto de importação que proponho evita os muitos vexames que se dão na cobrança d'este imposto, e evita tambem que se subtraia indevidamente á acção do imposto uma parte muito importante de materia collectavel. Pedia, pois, á illustre commissão, a cujo exame foi submettido este projecto, desse sobre elle o seu parecer com a maior brevidade possivel.

O outro projecto que apresentei, e que tem por fim habilitar o governo com os meios necessarios para a continuação das obras do porto artificial de Ponta Delgada, é tambem da maior urgencia a sua approvação (apoiados).

N'este projecto proponho que o governo seja auctorisado a levantar um emprestimo de 500:000$000 réis com applicação ás obras do porto artificial de Ponta Delgada.

Este emprestimo não traz novos encargos para o estado, como espero demonstrar ao illustre deputado (dirigindo-se ao sr. Eduardo Tavares) que julgo ser o relator d'este projecto.

Estou prompto a dar pela minha parte os esclarecimentos necessarios sobre este assumpto, e melhor do que eu os poderá dar o illustre ministro respectivo.

Se se não conceder esta auctorisação ao governo, a junta administrativa da doca de Ponta Delgada fica sem meios para poder continuar as obras, e tem necessariamente de parar com ellas. (O sr. Candido de Moraes: — Apoiado). O resultado será continuar o imposto e a junta administrativa das obras do porto ver-se na necessidade de despedir centenares de operarios, que ficam sem emprego, o que é de certo de alguma gravidade (apoiados).

Dá-se ainda mais outra circumstancia. A consequencia de pararem as obras por falta de meios, que os não ha já senão até ao fim do corrente mez de maio, é tambem não se aproveitar a estação competente, de que resultará um grave prejuizo, pois todos reconhecem que estas obras não continuando na estação propria são muito mais despendiosas (apoiados) do que terão de ser se se aproveitar a estação competente.

A este respeito nada mais tenho a dizer; por isso termino chamando a attenção do governo, especialmente do illustre ministro da fazenda que vejo presente, e da camara, sobre este assumpto, e confio no patriotismo de s. ex.ª como no do parlamento que serão tomadas na consideração que merecerem as breves reflexões que acabo de apresentar.

O sr. Pequito: — No Diario da camara, em que vem transcripta a sessão do dia 3 do corrente, encontra-se, na parte que comprehende as palavras, que eu aqui pronunciei sobre o parecer da commissão, relativo ao processe do sr. Pinto Bessa, uma inexactidão importante, se não é um erro typographico tambem grave.

Não tive occasião de fazer-lhe a correcção devida, porque as notas tachygraphicas não me foram remettidas; desejo, porém, que se faça, porque, sem ella, o meu pensamento fica completamente transtornado.

Termino a parte do meu discurso d'esta maneira (leu).

Ha n'este periodo grave inexactidão e manifesta incoherencia. Eu não disse que desejava a continuação do processo, porque n'esse caso assignaria o parecer como vencido; disse que denegava a licença para a continuação do processo, porque essa denegação, a meu ver, não implicava a extincção por uma vez do mesmo processo.

Peço que se rectifique isto que ou é uma inexactidão importante ou um grave erro de imprensa.

Ha ali outras incorrecções menos importantes de que não me faço cargo; mas peço que esta seja rectificada no Diario da camara, porque não desejo que appareçam ali cousas que eu não disse, e que estão em contradicção manifesta com o meu pensamento.

O sr. Santos e Silva: — Como é possivel que no principio da semana que vem entre já em discussão na commissão de fazenda o orçamento do ministerio das obras publicas, de que eu tenho a honra de ser relator, peço a v. ex.ª que convide a commissão de obras publicas para que haja de nomear o seu delegado perante a commissão de fazenda. Talvez lhe seja preciso assistir ás reuniões da commissão de fazenda já de segunda feira que vem em diante.

O sr. Presidente; — Queira mandar para a mesa a sua proposta por escripto.

O sr. Candido de Moraes: — V. ex.ª ha pouco dirigiu á camara uma advertencia, de que quando um sr. deputado manda para a mesa representações, ou outros quaesquer papeis, não deve justificar as suas allegações com largas considerações, para não privar do uso da palavra os seus collegas que estão inscriptos e não preterir outros negocios.

Parece-me que é conveniente adoptar-se o alvitre lembrado por v. ex.ª; mas tambem me parece que, se nós viessemos mais cedo para a camara, já os negocios se não preteriam.

O facto é que a hora da abertura tem-se ido retardando por uma fórma tal, que, conservando-se fixa a hora da saída, eu receio que, dentro em pouco tempo, tenha de se encerrar a sessão muito antes de se abrir. Permitta-se-me a phrase.

Como quer que seja, v. ex.ª providenciará como entender.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa um requerimento de Joaquim Pedro Salgado, alferes picador do regimento de artilheria n.º 1, pedindo que se lhe mande dar um cavallo praça.

Note a camara este singular facto de um official picador estar apeado!

Mando tambem para a mesa uma representação da junta de parochia de S. José, da freguezia de Fajam Grande, na ilha das Flores.

Esta junta de parochia pede que a camara auctorise a despeza a fazer com um thesoureiro ecclesiastico para a respectiva igreja.

Eu peço á commissão, á qual v. ex.ª ha de enviar esta representação, que examine com attenção as condições que se dão n'aquella localidade.

É fundamentado o pedido da junta de parochia no estado de incommunicabilidade que aquelles povos estão com as freguezias limitrophes, em consequencia de não haver um palmo de estrada feito. Na occasião das chuvas é impossivel communicar com as outras freguezias.

Parece-me que é de inteira justiça o que a junta de parochia reclama; e a commissão ha de convencer-se d'isto. Basta olhar para a carta topographica d'aquella ilha.

Página 525

525

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mando igualmente para a mesa um requerimento de José Martiniano Ferreira Machado Flambó, sargento quartel mestre do batalhão de caçadores n.º 11, pedindo que seja posto em execução o artigo 24.º do decreto de 10 de dezembro de 1868, que determina que os sargentos quarteis mestres entrem em concorrencia com os sargentos ajudantes e primeiros sargentos na promoção a alferes.

Já foi apresentado parecer sobre a mesa a respeito da pretensão d'este individuo.

Por esta occasião peço licença para fazer algumas reflexões ácerca do que acaba de dizer o meu illustre collega e particular amigo, o sr. deputado Bicudo Correia.

S. ex.ª apresentou considerações muito judiciosas sobre a organisação do systema tributario applicado aos Açores.

Eu, ha dias, quando se discutiu na generalidade o projecto da contribuição pessoal, cuja discussão na especialidade ainda está pendente, dirigi ao sr. ministro da fazenda algumas perguntas, a que s. ex.ª se dignou responder, posto que não pela fórma por que eu desejava que s. ex.ª respondesse. Disse s. ex.ª que não eram de certo em relação ao projecto que se discutia as minhas observações.

De certo, não eram sómente em referencia a esse projecto, porque eu perguntei a s. ex.ª que relação tinha o projecto com o systema tributario que s. ex.ª pretendia adoptar com respeito ao paiz, e perguntei-lhe ainda quaes as modificações que s. ex.ª desejava fazer n'esse projecto na parte que era applicavel aos districtos dos Açores.

O sr. ministro não attendeu ás minhas perguntas, aliás teria respondido de maneira que me satisfizesse.

S. ex.ª presta a isto toda a attenção, e se não está habilitado, ha de habilitar-se para em breve apresentar na camara as propostas convenientes.

Estou persuadido de que s. ex.ª ha de reconhecer a justiça das observações feitas pelos deputados dos Açores; e ha de destruir, como deve, desde que reconheça essa justiça, as circumstancias excepcionaes que se dão n'aquellas ilhas.

Peço licença a v. ex.ª para ter um trecho de uma carta, que recebi ha dias, de um cavalheiro da ilha das Flores. É um facto singular o que vou referir, e diz respeito á fórma por que se organisaram as matrizes da contribuição predial, e á fórma por que estão divididos os contingentes em cada districto; porque elles são divididos entre os diversos concelhos, e entre os diversos contribuintes dos mesmos concelhos (leu).

Ora isto é um facto singularissimo, e realmente é para deplorar, que se não tivesse procedido em relação á confecção das matrizes com as devidas cautelas, e se não tivessem feito n'essas matrizes as devidas correcções.

Julgo que este facto não será o unico, porque este cavalheiro que me escreveu tem relações particulares comigo, e refere-me este facto porque conhece a minha posição no parlamento. Mas estou persuadido de que, se muitas pessoas da localidade tivessem comigo as mesmas relações, haveria occasião de revelar á camara muitos factos como este.

É pois muito para desejar que sejam attendidas as instancias sempre reiteradas, mas infelizmente ineficazes, dos deputados pelos diversos circulos, que todos tendem a instar com o governo, para que adopte as necessarias providencias, a fim de que se corrijam esses erros.

Aproveito esta occasião, para lembrar ao sr. ministro da fazenda um ponto que me parece importante.

Adoptou-se como base para a avaliação do rendimento collectavel das diversas propriedades o preço medio das estivas das camaras municipaes dos Açores.

Ora, contra este systema tambem tenho eu justas aprehensões; e digo justas porque mesmo s. ex.ª o sr. ministro da fazenda prestando attenção a este assumpto, quando particularmente se dedicou ao estudo das providencias necessarias para a resolução de uma crise, que se deu na ilha Terceira, por causa da distribuição do contingente predial, disse que não podia ser esta liquidação adoptada como base para as avaliações dos preços dos differentes generos da producção das terras; e estabeleceu n'uma medida, que foi publicada no Diario do governo, com relação ao districto de Angra, que esta fixação de preço fosse estabelecida por accordo entre o governador civil do districto e o delegado do thesouro, tendo em vista todos os esclarecimentos que podesse receber a este respeito.

Eu desejaria que s. ex.ª procedesse pela mesma fórma em relação aos outros districtos, porque estou convencido de que aquellas avaliações das camaras municipaes não poderão ser reputadas como um indicador, que não careça de correcção, para a fixação d'aquelle preço.

Convem muito, entendo eu, ter em vista as avaliações feitas pelas municipalidades; mas não convem menos ter em vista que essas avaliações podem ser incorrectas; e seria o mais conveniente generalisar aos outros districtos dos Açores uma medida que foi bem recebida, e que me parece muito judiciosa, qual é aquella que foi proposta pelo sr. ministro, em relação ao districto de Angra.

Chamo a attenção de s. ex.ª para este ponto, e estou convencido de que elle ha de annuir ao meu pedido, e que ha de dar uma solução prudente e rasoavel, como é de esperar da competencia de s. ex.ª, em relação a este assumpto.

O sr. Presidente: — Devo dizer ao sr. deputado que emquanto a abrir-se a sessão mais cedo, a mesa não a póde abrir sem que os srs. deputados estejam presentes (apoiados).

Portanto novamente peço aos srs. deputados que se reunam a tempo, para a sessão se poder abrir mais cedo (apoiados).

O sr. Candido de Moraes - V. ex.ª já adoptou uma medida que produziu excellentes resultados; e foi declarar que não havia sessão por falta de numero de srs. deputados para a poder abrir á hora marcada no regimento.

Portanto pedia a v. ex.ª que continuasse a applicar este correctivo, que naturalmente dará em resultado poder a sessão, abrir-se mais cedo.

É para isto que chamei a attenção de v. ex.ª

O sr. Presidente: — Já convidei, e de novo convido, os srs. deputados a reunirem-se mais cedo.

Mas alem d'isto seria bom cumprir o regimento, que se não tem cumprido apesar de algumas advertencias que já tenho feito.

Os srs. deputados não devem apresentar na camara requerimentos de particulares, e sim deita-los na caixa como o regimento manda; e do mesmo modo não devem fazer discursos para explicar e justificar as pretensões, porque se consome assim muito tempo inutilmente contra a disposição do regimento (apoiados).

O sr. Candido de Moraes: — A reflexão de v. ex.ª não póde dizer-me respeito, porque eu não fiz mais do que apresentar uns requerimentos.

O sr. Falcão da Fonseca: — Mando para a mesa o seguinte requerimento, pedindo informações ao governo ácerca da testamentaria do conde de Ferreira e do cumprimento dado á disposição testamentaria relativa á fundação de um hospital para alienados na cidade do Porto (leu).

Já v. ex.ª vê que este objecto é de bastante importancia e interesse publico.

Tenciono occupar-me d'elle opportunamente.

O sr. Almeida Queiroz: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Angra, na qual pede que seja revogado o decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal.

Obedecendo ás advertencias que v. ex.ª acabou de fazer não tomarei tempo á camara; e limito-me a enviar para a mesa a representação sem fazer reflexões a respeito do objecto d'ella.

O sr. Julio do Carvalhal: - Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa de um projecto de lei (leu).

Página 526

526

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Alberto Carlos: — Disputou-se hontem n'esta casa com bastante calor, e com divergencia de opiniões e de principios, uma questão que me pareceu grave; e mais grave ainda, porque se referiu a uma questão pessoal, pois se tratou de applicar esses principios a um nosso collega, que faz parte d'esta mesma casa.

Eu tinha pedido a palavra (que não me chegou), porque desejava simplesmente declarar os motivos por que approvava o parecer da commissão.

O sr. Presidente: — Eu tenho a advertir ao illustre deputado, que tendo sido a votação do parecer por escrutinio secreto, na conformidade do regimento, não póde agora fazer declaração do seu voto (apoiados).

O Orador: — Acredito que talvez seja pouco regular declarar o voto...

O sr. Presidente: — Entretanto já deu a entender, me parece, como tinha votado (riso).

O Orador: — Como os votantes foram muitos, de certo não se revelam os votos dos outros pelas declarações de alguns, mas, se a camara entende que não posso fallar n'este negocio, explicando o meu modo de pensar n'esta questão, não fallarei...

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Eu entendo, que a garantia concedida pela carta constitucional nos artigos 26.° e 27.°, fazendo dependente das respectivas camaras a prisão dos seus membros ou a continuação dos respectivos processos, é rasoavel e deve manter-se; tem um fundamento sensato, e é ainda mais amplo do que aqui foi dito pelo sr. dr. Barjona...

O sr. Almeida Queiroz: — Pergunto a v. ex.ª se são permittidas hoje as explicações de voto, porque se o são peço a palavra para explicar o meu voto (apoiados). Apesar d'elle estar no parecer da commissão, que assignei, peço a palavra tambem para dizer alguma cousa (apoiados).

O sr. Presidente: — O regimento permitte dar-se a palavra para explicações, mas em hora de prorogação de sessão.

O sr. Almeida Queiroz: — Sei isso muito bem, assim como sei que ha outra tribuna onde se podem dar explicações; mas o que perguntei, e pergunto a v. ex.ª, é se hoje é permittido darem-se explicações de voto.

O sr. Presidente: — Para isso é preciso prorogar a sessão; mas ha uma circumstancia, e é, que antes da ordem do dia está admittido os srs. deputados fallarem em todas as materias em que o podem fazer; e por isso não chamei o sr. Alberto Carlos á ordem emquanto quiz explicar o modo como apreciára a questão.

O sr. Almeida Queiroz: — Foi por isso que eu fiz a pergunta a v. ex.ª; é apenas uma pergunta.

O Orador: — Dizia eu, sr. presidente, que a garantia concedida pela carta constitucional deve ser mantida, e que tem motivos plausiveis, por isso que ella tende a salvaguardar o exercicio das funcções de deputado, para que não possam ser perturbadas ou pelas machinações do governo, ou pelas machinações de quem quer que seja.

Alguem quer limitar essa garantia sómente aos processos derivados de suggestões politicas, etc. etc.; eu julgo que ella é para salvaguardar a camara, em quaesquer circumstancias, contra um procedimento qualquer que possa perturbar as funcções do poder legislativo.

Esta é a minha opinião, e digo a rasão d'ella.

Se a todos os magistrados, se a todas as auctoridades se concede uma especie de protecção, porque sem auctorisação do poder executivo não podem essas auctoridades ser processadas, que muito é que ao poder legislativo se conceda uma garantia similhante?

Alem d'isso parece-me que as funcções do poder legislativo são tão importantes, são tão especiaes, que nada ha mais rasoavel do que conceder aos seus membros uma garantia d'esta ordem.

Mas, diz-se, a falta de um, dois, ou tres deputados não póde fazer grande transtorno na marcha dos negocios legislativos. É certo, digo eu tambem, que a falta de um só deputado não transtornará tudo; mas póde uma manobra dos partidos, do governo, das paixões, e mesmo dos caprichos particulares, que nada tenham com as paixões politicas, introduzir aqui uma grande desordem, e fazer emfim com que um grande numero de deputados sejam perturbados no exercicio das suas funcções.

Para uma justa apreciação deve notar-se, que muitas vezes ha um ou outro deputado de tanta influencia n'uma questão de tal ou tal ordem, ou póde ser tão pouco numerosa a maioria na camara, que a falta de um, dois, ou tres deputados, embaraçados por qualquer processo, póde trazer grande transtorno aos negocios publicos, fazendo até com que uma minoria se converta em maioria!

Julgo, pois, que esta garantia se deve manter, e mesmo que não foi só por um favoritismo ou leviandade que ella se estabeleceu. É sabido de todos como ella se considerou necessaria pelas occorrencias e desordens a que se viu exposta em França a assembléa legislativa e a convenção nacional, e por fundamentos analogos se estabeleceu em Portugal e na Hespanha nossa vizinha. Com effeito eu referirei que esta disposição se acha quasi pelos mesmos termos na constituição de 1822, nos artigos 96.° e 97.°

Não eram pouco liberaes aquelles legisladores, e lá fixaram aquella disposição, que depois foi copiada na constituição de 1838, quasi pelas mesmas palavras no artigo 49.° A nossa actual carta constitucional sabemos todos o que diz nos artigos 26.° e 27.°

Mas eu noto ainda mais. A constituição hespanhola de 1812, que passa por ser um modelo de liberalismo, lá estabelece no artigo 128.° disposição analoga, não permittindo que os seus membros fossem julgados senão pelo tribunal das côrtes, no modo e fórma que fosse prescripto no regulamento do governo interior das mesmas côrtes.

Tambem a constituição hespanhola de 1837, no artigo 42.°, estabelece quasi os mesmos principios que estão na nossa constituição.

Eu tinha por acaso á mão todos estes codigos que aqui reuni n'este volume, e ainda conservo do tempo em que tratava de politica (riso); intitula se «viveiro de constituições» (riso); e esta multiplicidade de leis fundamentaes, sem observancia nem efficacia, foi uma das causas que me fez descrer da politica! N'este volume tenho reunido seis ou sete constituições, que a proposito d'este assumpto estive a ler por curiosidade. Todas ellas contêem este principio e garantia que se disputou. Agora, entendo eu tambem que, se é de conveniencia que se mantenham estas disposições, tambem será de conveniencia que ellas se entendam em termos rasoaveis; e isto comprehende-se. Quaes são os effeitos da resolução que a camara hontem adoptou? Não sei quaes elles serio. Entendo que não devo saber, nem nos devemos intrometter n'isso. (O sr. Beirão: — Apoiado, apoiado.)

Pôde admittir-se que a nossa legislação em alguns pontos, principalmente a reforma judiciaria, não seja bem harmonisada com a constituição, o que talvez se explique porque a reforma anterior, e as bases da actual reforma foram organisadas quando estava em vigor a constituição de 1822 e 1838; e talvez algumas referencias sobre suspensões, prisões, etc. se devam explicar por aquelle codigo fundamental que vigorava quando ella se organisou. Mas o que me parecia rasoavel é que a garantia da camara, consistente em poder suspender os processos, não produzisse a extincção da accusação, mas fosse sómente suspensiva quanto se considerasse necessario, para assegurar o exercicio das funcções legislativas, tal como a protecção que o governo dá ás suas auctoridades, consentindo ou não que sejam processadas emquanto se considera necessario o seu exercicio. Entretanto tambem sou de opinião, que se não deve dizer cousa alguma a tal respeito, como muito bem fez a commissão; e porque? Porque o poder judicial, que é um poder tão independente como o legislativo de que faz parte esta camara, tem a sua opinião livre e independente.

Página 527

527

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Por alguns processos occorridos parece que essa opinião é contraria ao que digo, porque julgou extincto um processo, para cuja continuação esta camara não havia dado licença; mas por isso mesmo não nos devemos intrometter com os effeitos da negação, e considero até que isso não só seria inconstitucional, mas até muito imprudente; porquanto sabe-se que o poder judicial já negou revista a um processo em que se tinha decidido, que pela negação da licença da camara se considerava extincto o procedimento criminal. Declarou-se por esta fórma qual a interpretação que se dá á lei.

Se nós agora fossemos dizer ao poder judicial, que a recusa da licença tinha um effeito suspensivo, e o poder judicial declarasse que era o contrario, porque assim o tinha já assentado, nós ficariamos desairados, e seriamos taxados de imprudentes, por termos querido metter a fouce em ceara alheia; e fazendo parte do poder legislativo, pareceria que queriamos invadir a independencia do poder judicial.

Não deve, pois, a camara resolver cousa alguma sobre os effeitos da recusa da licença pedida, sem embargo que sou de opinião particular, como disse o sr. Pequito, que a negação da licença devia ser só suspensiva; mas visto que o poder judicial tomou uma direcção diversa, e para que elle fizesse o contrario, seria precisa uma lei, que contivesse a interpretação authentica; nada devemos dizer emquanto essa lei não existir. Mas póde essa lei saír d'este processo? O sr. Beirão indicou uma rasão, que me parece não póde ter resposta. Esta questão, negada a licença, não vae á camara dos pares; e não indo, sem accordo d'ella não póde haver uma interpretação authentica sobre esta negocio. Portanto é absolutamente impossivel que nos intromettamos em fazer quaesquer declarações sobre os effeitos da negativa; seria isso difficil; não é politico nem airoso, nem conveniente.

Pelo exposto, a minha opinião, como já disse, diverge um pouco, creio, da do sr. deputado Barjona de Freitas, que respeito como um talento extraordinario e conhecido no paiz (apoiados).

Parece-me que s. ex.ª quiz limitar a garantia ao caso do processo ser manobrado ou motivado por questões politicas. Eu julgo que a garantia não deve ser limitada a isto. O que se trata é de garantir o exercicio do poder legislativo. Não se deve tratar só da origem do processo; deve sim considerar-se se uma circumstancia qualquer, ou provenha do governo, ou de occorrencias, ou de paixões partidarias de qualquer individuo, ainda que não tenha nada com a politica, vem transtornar essa acção. Se o crime, em que se pretende basear o transtorno fosse de tal ordem, que a sociedade ficaria gravemente offendida, se fosse um crime odioso, entendo que a camara devia sempre conceder a licença; mas quando é um crime simples, ou, pela causa por que foi originado, se conhece que não tem grande importancia, ou mesmo que procede de uma cousa ridicula, e filha de paixões de certa ordem, ou de altercações para defeza de certas convicções, etc. não julgo rasoavel que o poder judicial fizesse interromper o exercicio regular das funcções de deputado, para attender aquillo que muito bem se póde espaçar e examinar mais tarde.

No caso presente, não vi o processo, não sei d'elle se não do que consta pela imprensa, por um folheto que se distribuiu, e que tem um certo merecimento, em rasão dos esclarecimentos importantes que apresenta, e pelo que disseram os membros da commissão de legislação que examinaram o processo; mas notei que não ha testemunhas nenhumas, e que toda a questão se firma nas declarações dos dois contendores, as quaes se neutralisam. Se assim é (seja-me permittido dizer isto, como opinião particular) não devia haver pronuncia, porque aprendi na universidade — mas seriam talvez doutrinas velhas e sediças as que me ensinaram — que não se devia pronunciar ninguem, sempre que do processo não constasse alguma prova que podesse servir para condemnação (apoiados). Se não ha mais provas do que aquellas, por força hão de ser absolvidos os accusados (apoiados).

Isto hoje não é tão restricto, porque o jury tem uma certa liberdade de julgar, e honro-me de a ter exercitado algumas vezes como jurado. Mas é certo que o bom senso pede que o juiz poupe incommodos ás partes, e não lhes faça soffrer as delongas e vexames dos processos, quando d'esses processos resulta, segundo os termos juridicos, o conhecimento de que não póde haver condemnação (apoiados).

N'esta questão figuram duas auctoridades. (Expresso-me d'este modo, porque considero auctoridade o presidente da camara do Porto n'um certo sentido, e ainda que o codigo penal não o chamasse assim, não o deixava de considerar auctoridade.) Figuram duas auctoridades, que n'um gabinete se desacataram, não digamos outra cousa. Ambos soffreram algum tanto, e tenho uma opinião particular, segundo a qual me inclino a crer que um provocou de palavras, e que o outro foi o provocador dos factos.

Segundo o que se vê do folheto, e o que consta publicamente, foi uma questão travada entre as duas pessoas de quem se trata, talvez resultante das convicções, e zêlo publico de ambos. O presidente da camara do Porto, cheio de zêlo e fogo (porque ás vezes os negocios publicos excitam a quem se occupa d'elles com zêlo (apoiados), e eu já sei d'isso alguma, cousa, porque, quando fui fiscal da camara municipal de Coimbra, em 1835, fui ameaçado de ser preso por fazer cortar umas abobadas que atravessavam a rua da Calçada, que eu fiz canalisar, e embaraçavam a passagem da obra) (apoiados); o presidente da camara do Porto, que era o sr. Bessa, queria o que? Que houvesse uma certa abundancia de agua para uma fonte publica, creio que na Foz.

O sr. Presidente: — Peço licença para lembrar ao sr. deputado que esta materia não está em discussão; estamos perdendo o tempo.

O Orador: — Agradeço a v. ex.ª a observação, e vou terminar. (Vozes: — Falle, falle.)

Na minha opinião, os principios pedem que a camara dos deputados n'esta questão seja animada, e se regule por um principio serio e salutar. Quero dizer, se ella entende que o processo que se apresenta, ou pela sua insignificancia ou pelos motivos que o produziram, ou pelo modo por que está organisado, não póde ter consequencias de certa transcendencia, parece-me que deve negar a auctorisação para se proseguir n'esse processo. Se o caso de que se trata fosse negocio de gravidade, se o crime fosse d'aquelles que offendem gravemente a sociedade, eu havia de votar, e desejava que a camara votasse, pela concessão da licença para o processo continuar. Mas ninguem póde nem deve ser regulador n'este negocio senão a propria camara e o seu bom senso, em presença do respectivo artigo da nossa constituição actual, onde se providencia melhor a este respeito do que na constituição de 1822 e na de 1838 (apoiados).

Resta me fazer só uma reflexão. Disse se que foi um escandalo a remoção do governador civil do Porto, por motivo da occorrencia que occasionou este processo. Não tenho o gosto de o conhecer, e o sr. Bessa só o conheço de aqui e nunca tratei com elle em negocios particulares. Mas acho que era uma grande imprudencia conservar ali o governador civil, no estado de excitação em que se achava a população d'aquella cidade (apoiados). Longe de julgar que foi escandalo, julguei que fôra um acto muito acertado; porque não entendo que os governos devam mostrar excesso de rigor em se opporem sempre ás exigencias das populações. O Porto tinha ali o presidente da sua municipalidade, a quem de alguma maneira considerava offendido (se com rasão ou sem ella, não me intrometto n'isso) pelo governador civil e havia de resentir-se, se julgasse que se dava algum apoiou favor ao magistrado do governo que insultava o seu magistrado municipal (apoiados).

Página 528

528

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Se eu fosse ministro do reino não hesitaria um momento em praticar o mesmo que se fez (apoiados). Antes julgaria uma grande imprudencia o contrario, porque entendo que governar não é resistir á opinião dos povos, ainda que não seja inteiramente rasoavel; mas conduzi-la, illustra-la e guia-la, sem desenvolver os attritos e difficuldades que muitas vezes se apresentam e que produzem consequencias muito lamentaveis (apoiados).

Considerando legal e justo o parecer da commissão, acharia melhor que se não fundamentasse, como se fundamentou, e diria simplesmente, que não parecendo conveniente nem pelos motivos do crime, nem pelas circumstancias que se apresentavam, que se concedesse a licença pedida, a camara a negava. Não apresentaria outras rasões. Entretanto a maior parte d'ellas não me parecem que merecessem as impugnações que se fizeram (apoiados).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Mando para a mesa o seguinte requerimento, para que sejam impressas e distribuidas com o Diario da camara as contas de Tancos (leu).

Estas contas são assas grandes, e não seria muito facil examina-las sobre a mesa; portanto julgo conveniente que sejam impressas o distribuidas pelos srs. deputados.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae ler-se o additamento que o sr. visconde de Moreira de Rey mandou para a mesa ao parecer da commissão de legislação que hontem se votou. A camara tem de resolver se está ou não prejudicado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Requeiro que v. ex.ª tenha a bondade de consultar a camara sobre se quer que esta votação seja nominal.

O sr. Francisco Beirão (sobre o modo de propor): — Já declarei em nome da commissão que ella não podia aceitar o additamento proposto pelo sr. visconde de Moreira de Rey, porque entende que não está nas suas attribuições, nem da camara, pronunciar-se sobre o effeito que deve ter a denegação da licença.

Portanto o meu voto, e de todos aquelles que votarem como eu, significa que não está nas attribuições da camara tomar qualquer deliberação a este respeito.

O sr. Presidente: — A primeira cousa que ha a resolver é se está ou não prejudicado o additamento (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu requeri que a votação fosse nominal.

O sr. Presidente: — Vou pôr á votação o requerimento do sr. deputado. Os srs. deputados que concedem que a votação seja nominal, queiram ter a bondade de se levantar.

Levantam-se alguns srs. deputados. Faz-se a contagem dos votos.

O sr. Secretario (Adriano Machado): —- Está resolvido que a votação seja nominal, porque, para se vencer um requerimento pedindo votação nominal, basta que o approvem um terço dos srs. deputados presentes.

O sr. Agostinho de Ornellas: — Parece-me que o additamento está exactamente no mesmo caso em que estava o parecer, porque recáe sobre pessoa certa; em tal caso, para que a votação seja nominal, é necessario que se dispense o regimento, e a dispensa do regimento só póde ter logar por maioria de votos.

Por consequencia, entendo que foi rejeitado o requerimento do sr. deputado.

O sr. Presidente: — Peço licença ao sr. deputado para lhe dizer que não se trata agora de votar o additamento, mas unicamente se está ou não prejudicado pela votação que hontem houve.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Tomo a palavra para explicar á camara, e especialmente ao sr. Ornellas, que o meu additamento nada tem com a questão pessoal.

Hontem usei duas vezes da palavra sobre o assumpto, e nunca alludi á questão pessoal; essa questão está terminada.

Se a camara quer tomar em consideração as reflexões do meu illustre collega o sr. Ornellas, se quer manifestar segunda vez ou a sua invencivel repugnancia pelas votações nominaes ou o deliberadissimo proposito de me recusar a votação nominal sobre qualquer ponto, logo que eu seja vencido n'esta parte, pedirei a v. ex.ª para retirar o meu additamento.

O sr. Agostinho de Ornellas: — Eu não tinha em vista, nas observações que fiz ha pouco, senão conseguir que as decisões da camara se conformassem com o regimento e com os precedentes, e não violassem inconsideradamente as disposições do nosso regimento interno, que só por motivos graves e fortes devem ser alteradas.

A minha questão é esta. O regimento manda que, quando qualquer parecer recáia sobre pessoa certa, a votação tenha logar por espheras.

Tratou hontem a camara de decidir se devia ou não continuar um processo em que é réu um deputado, hoje vem este additamento que modifica a doutrina do parecer, e que declara que finda a legislatura deve continuar o processo suspenso por decisão da camara.

Já se vê que o additamento recáe sobre o mesmo caso de que hontem nos occupámos. E então é um d'aquelles casos em que a votação deve ser feita por escrutinio secreto, e que só póde ser dispensada em virtude de uma resolução da camara tomada pela maioria, e não por uma terça parte de votos.

Por consequencia, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a votação nominal proposta pelo sr. visconde de Moreira de Rey envolve a dispensa do regimento.

O sr. Presidente: — Não é necessario consultar a camara, porque não se vae votar a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey; vae decidir se se ella está ou não prejudicada.

Se a camara entender que está prejudicada acabou a questão, se entender que não está prejudicada tem então logar haver votação sobre ella, e n'essa votação é necessario que haja maioria.

O sr. Agostinho de Ornellas: — Explicado o caso por v. ex.ª, cedo, porque vejo que a votação não recáe sobre a materia do additamento.

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á votação. Os srs. deputados que entendem que o additamento do sr. visconde de Moreira de Rey está prejudicado com a votação que hontem teve logar, dizem approvo, os que entendem que não está prejudicado dizem rejeito.

Fez-se a chamada.

Disseram approvo os srs.: Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Freire Falcão, Sousa de Menezes, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Bernardino Pinheiro, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Zuzarte, Alves Matheus, Gusmão, Bandeira de Mello, Elias Garcia, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Marques Pires, Lisboa, Thomás Bastos, visconde de Montariol.

Disseram rejeito os srs. Adriano Machado, Braamcamp, Antonio Augusto, Sá Nogueira, Pequito, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, F. M. de Cunha, Van-Zeller, Barros Gomes, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Luciano de Castro, Teixeira de Queiroz, Mexia Salema, Moraes Sarmento, Tiberio, Julio do Carvalhal, Pedro Roberto, visconde de Moreira de Rey, visconde de Valmór.

Julgou-se portanto prejudicado o additamento por 31 votos contra 30.

O sr. Ministro da Justiça (Sá Vargas): — Vou ter a honra de mandar para a mesa duas propostas de lei, A pri-

Página 529

529

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

meira é para se estabelecer em Lisboa, no edificio onde esteve o convento das Monicas, uma casa de correcção e detenção (leu).

A outra proposta diz respeito á reforma penal. Lerei apenas o relatorio, visto ser muito extensa (leu).

Tenho ainda outra proposta que não apresento hoje, porque falta ser assignada por mais alguns dos meus collegas, e diz respeito á prorogação do decreto de 14 de fevereiro, que prorogou os prasos para o registo dos onus reaes e hypothecas, e eu proponho a dilatação d'este praso até março de 1873. Como não está assignada, na segunda feira a apresentarei.

Tenho ainda outras propostas, que virei trazendo successivamente.

As propostas são as seguintes:

Proposta de lei

Senhores. — Venho hoje ter a honra de submetter ao vosso exame uma proposta, que, attento o seu objecto, não duvido esperar mereça a vossa solicitude e approvação.

Tem por fim esta proposta estabelecer no edificio do extincto convento das religiosas de Santo Agostinho descalças denominado «das Monicas» uma casa de detenção e correcção para os menores de dezoito annos do sexo masculino, condemnados, ou em processo crime, na comarca de Lisboa.

Quando, ha pouco tempo, entrei no ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, encontrei já sobre este assumpto trabalhos devidos á esclarecida iniciativa do meu antecessor, o sr. Saraiva de Carvalho, que sobre elles tinha ouvido a commissão permanente, creada pelo decreto de 13 de janeiro de 1870, para consultar o que conviesse ácerca da legislação penal e respectivo processo.

Adoptando uma idéa, manifestamente civilisadora e que no publico tem sido geralmente applaudida, ouvi de novo sobre aquelles trabalhos a commissão consultiva, a que acabo de referir-me, e tenho particular satisfação em poder dar aqui o testemunho de que á sua illustrada cooperação se deve o melhoramento de alguns pontos da proposta, que me pareceu deverem ser novamente considerados.

Não reputo necessario referir aqui o que todos conhecem, o estado das nossas cadeias, onde não é possivel a completa e absoluta separação entre os grandes delinquentes, já callejados no crime e arrastados a commette-lo por força de habito e instinctos perversos, e aquelles que mais por inconsideração devida á pouca idade, por ignorancia ou indigencia, do que por depravação, encetam apenas tão desgraçada carreira.

O mal que da reunião de todos resulta para os segundos, fica bem patente, se se considera que ella não póde deixar de difficultar, quasi que de tolher de todo, o principal e mais nobre fim das penas, a regeneração dos culpados.

A excellencia da pena de prisão sobre todas as que a sociedade impõe aos criminosos não é facil de contestar. Se o estado da fazenda publica não permitte ainda fazer as grandes despezas, que exigem as cadeias centraes, e se os municipios ainda se não compenetraram da necessidade absoluta de construir cadeias, que não sejam verdadeiros focos de infecção physica e moral, procuremos dar um primeiro passo no verdadeiro caminho, e principiemos por acudir aquelles que, pela sua pouca idade, estão ainda aptos para, ao mesmo tempo que expiam o seu crime, receberem a educação moral ou industrial, que lhes falta, e que os póde salvar de novos crimes.

A proposta, que tenho a honra de submetter á vossa approvação, apresenta os meios de se dar esse primeiro passo.

Aproveitando um edificio do estado nas melhores circumstancias hygienicas, com pequena despeza em obras indispensaveis, e modesta dotação para limitado pessoal de empregados e custeamento, podemos obter uma casa de detenção e correcção, onde cerca de duzentos criminosos recebam com o castigo, que a lei lhes impozer, a educação de que carecerem.

A casa de correcção, porém, não será um collegio, onde se ensinem os principios de todas as sciencias, nem uma escola onde se alcancem os rudimentos de todas as artes, e onde os criminosos, embora se possam regenerar e habilitar para obterem meios honestos de subsistencia, se habituem a commodidades, que não hão de encontrar de futuro, e que, não sendo satisfeitas, os possam de novo conduzir ao crime.

A educação religiosa, os primeiros rudimentos de instrucção primaria, o ensino de alguns dos officios mais indispensaveis, hão de formar o quadro da educação moral e industrial para os que d'ella carecerem. O asseio necessario á saude e prescripto pela hygiene, o alimento e vestuario indispensaveis serão as commodidades que ali se encontrem.

Prevenirei, por ultimo, um reparo, que se poderia fazer, de ficar a cargo do estado uma cadeia privativa da comarca de Lisboa.

Ás camaras municipaes pertence, na verdade, por lei a construcção e manutenção dos edificios das respectivas cadeias, para o que tem de applicar parte dos seus rendimentos.

A camara municipal de Lisboa está, porém, em circumstancias especiaes. Impor-lhe esta nova obrigação não alliviaria o estado, que tinha necessariamente de lhe augmentar a subvenção, acrescendo que n'um primeiro ensaio será talvez de grande conveniencia a acção mais immediata do governo.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 6 de maio 1871. = José Marcellino de Sá Vargas.

Casa de detenção e correcção

Art. 1.° É creada para a comarca de Lisboa uma cadeia civil denominada casa de detenção e correcção, a qual é destinada a recolher os individuos do sexo masculino:

1.º Menores de dezoito annos, que se acharem em processo e não afiançados;

2.° Menores de dezoito annos, que estiverem condemnados a prisão correccional;

3.° Menores de quatorze annos, que estiverem condemnados a qualquer pena;

4.° Menores, que forem presos á ordem da auctoridade administrativa;

5.º Menores, que deverem ser detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.°, n.º 12.º do codigo civil.

§ unico. Os menores, que completarem dezoito annos antes de cumprida a pena, continuarão até seu inteiro cumprimento na casa de detenção e correcção.

Art. 2.° A casa de detenção e correcção fica dependente do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, o qual nomeará os respectivos empregados.

§ unico. A administração d'esta cadeia será immediatamente sujeita ao procurador regio junto da relação de Lisboa, sendo lhe applicavel o que se acha determinado com relação ás outras cadeias civis da comarca, nos pontos em que esta lei não providenciar especialmente.

Art. 3.° O pessoal empregado na casa de detenção e correcção compõe-se:

1.° De um director;

2.º De um sub-director;

3.° De um capellão;

4.° De cinco guardas.

§ 1.º Os empregados, de que trata este artigo, receberão os vencimentos declarados na tabella, que faz parte da presente lei.

§ 2.° O serviço de saude da casa de detenção e correcção será feito pelos facultativos da cadeia central.

Art. 4.º São obrigados a trabalho:

1.° Os individuos indicados nos n.ºs 2.°, 3.º e 5.º e § unico do artigo 1.°;

2.° Os individuos indicados nos n.ºs 1.º e 4.º do mesmo artigo, que não tenham meios de subsistencia e forem alimentados pela casa de detenção e correcção.

Art. 5.° O trabalho na casa de detenção e correcção será

39*

Página 530

530

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

regulado conforme a idade, forças e capacidade dos individuos.

Art. 6.° A todos os recolhidos n'esta cadeia será ministrada diariamente pelo capellão a instrucção moral e religiosa, do modo por que se determinar no regulamento.

Art. 7.º Uma terça parte do producto do trabalho dos presos será applicada ás despezas da casa; outra á retribuição dos presos, que, pelo seu bom procedimento e zêlo pelo trabalho, merecerem esse premio; e a ultima terça parte constituirá o fundo de reserva dos presos, o qual lhes será entregue ao saírem da cadeia.

Art. 8.º Serão empregados, como meios para estimular o bom procedimento dos presos e o seu zêlo pelo trabalho:

1.° Louvor em reunião publica dos presos;

2.° Retribuição pecuniaria nos termos do artigo anterior;

3.° Liberdade provisoria sob vigilancia da policia.

Art. 9.° Serão empregados como meios para corrigir o mau procedimento dos presos ou coagir ao trabalho:

1.º Advertencia particular;

2.° Reprehensão publica;

3.° Prisão com isolamento, que não poderá exceder cinco dias.

Art. 10.° O procurador regio junto da relação de Lisboa fará, quando julgar conveniente, promover perante o juizo respectivo a liberdade provisoria dos individuos indicados nos numeros 2.º e 3.° e § unico do artigo 1.°, nos termos do artigo seguinte.

Art. 11.º Ao condemnado, que tiver cumprido duas terças partes da pena, poderá ser concedida liberdade provisoria, quando no livro do registo tenha nota de irreprehensivel comportamento.

Art. 12.º Quando o condemnado, a quem se tiver concedido a liberdade provisoria, abusar d'ella, procedendo de um modo reprehensivel, será reintegrado na casa de detenção e correcção, e não se lhe levará em conta, para o cumprimento da pena, o tempo que tiver gosado da liberdade provisoria.

§ unico. A reintegração será determinada pelo juizo competente, a requerimento do ministerio publico, em vista da informação da auctoridade administrativa.

Art. 13.° Os presos serão distribuidos por classes ou categorias inteiramente distinctos e separadas, tomando-se por base para essa divisão a idade, e a gravidade das causas, porque se acham na casa de detenção e correcção.

Art. 14.° A casa de detenção e correcção é considerada como qualquer asylo de mendicidade, e estabelecimento pio e de beneficencia ou educação gratuita, a fim de ter parte no beneficio das doações, legados ou heranças, que forem deixados aos estabelecimentos d'essa ordem.

Art. 15.° É auctorisada a despeza de 6:000$000 réis para accommodar aos fins da casa de detenção e correcção o edificio do extincto convento das religiosas de Santo Agostinho descalças, denominado das Monicas.

Art. 16.° Para satisfazer ás despezas ordinarias da casa de detenção e correcção, é auctorisada a verba annual de 2:000$000 réis, que será inserida no orçamento do ministerio dos negocios eclesiasticos e de justiça, e com elle annualmente votada.

Art. 17.° Fica o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a cabal execução da presente lei.

Art. 18.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 6 de maio de 1871. = José Marcellino de Sá Vargas.

Tabella a que se refere o § 1.° do artigo 3.° d'esta lei

Artigo unico. Terão de vencimentos annuaes:

Um director............................ 200$000

Um sub-director........................ 150$000

Um capellão............................ 200$000

Cinco guardas a 300 réis diarios............ 547$500

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 6 de maio de 1871. = José Marcellino de Sá Vargas.

Proposta de lei

Senhores. — Nas epochas de adiantada civilisação é rapido o caminhar da sciencia. Assim o actual codigo penal, que sô em 1852 veiu substituir o livro 5.° das velhas ordenações filippinas, já desde longo tempo reclama reformas importantes e radicaes na maxima parte das suas prescripções. Para sanar esses males, foi apresentado ha alguns annos ao exame do parlamento um projecto de um novo codigo penal, feito em conformidade com as idéas e tendencias do seculo, com a indole e costumes da nação; e attendendo ao mesmo fim, promulgou-se em 1 de julho de 1867 a lei de reforma penal e de prisões. Nem essa lei, nem o projecto poderam ainda saír das regiões da theoria, porque as difficuldades financeiras que assoberbam o paiz têem impedido os poderes publicos de destinar para a construcção de cadeias as importantes verbas necessarias.

Movido por essas ponderosas rasões, um dos meus illustres antecessores na gerencia dos negocios da justiça, o sr. José Luciano de Castro, apresentou á camara transacta uma proposta de lei, na qual se procurou attender ao que na legislação criminal carecia de mais urgente remedio.

Essa proposta, addicionada aliás com algumas disposições novas, que julguei conveniente acrescentar, é a que tenho a honra de offerecer á respeitavel apreciação da camara, persuadido de que ahi vão emendados os principaes defeitos e lacunas do codigo vigente.

A diminuição na severidade das penas é o capital pensamento da reforma. As exageradas penalidades, ao passo que não augmentam a intimidação, porque o que dá alento ao delinquente é a esperança da impunidade, assustam a consciencia dos jurados, que muitas vezes, receiando condemnações injustas, dão como não provada a existencia dos factos criminosos. Mantem-se, pois, n'esta proposta a suppressão da pena de morte e de trabalhos publicos, restringem-se a poucos casos as penas perpetuas reduzem-se as penas maiores ás de degredo e de prisão, minora-se o maximo das penas temporarias, e estabelece-se, emfim, a sã doutrina de que, na ausencia de circumstancias aggravantes e attenuantes, será applicada ao crime a pena temporaria correspondente no termo medio da sua totalidade.

De tudo isto provém, como é facil de suppor, uma transformação profunda no systema de penalidade. Alem d'essas disposições geraes, apparece, porém, a modificação de muitos artigos que mais precisavam de emenda. Nos capitulos e secções que dizem respeito ás circumstancias aggravantes e attenuantes, aos effeitos das penas, ás injurias e violencias contra as auctoridades publicas, ás falsificações de moeda e de escriptos, ás offensas corporaes, aos attentados ao pudor, ás diffamações, injurias e calumnias, aos furtos, aos roubos, ás burlas, ás fraudes, vem inseridas importantes alterações, que a lição da experiencia tem mostrado necessarias.

No trabalho que submetto á vossa apreciação, proponho sómente a suspensão da lei de 1 de julho de 1867, porque entendo que não devemos deixar de executa-la, logo que o estado da fazenda publica nos permittir a construcção de cadeias em harmonia com as exigencias da boa administração da justiça.

Peço, finalmente, auctorisação para introduzir em nova edição do codigo penal as alterações e emendas que derivam da approvação da presente proposta, de sorte que continue n'um só codigo a legislação criminal, e não surjam ambiguidades, que de algum modo dêem origem á variedade das interpretações e á incoherencia dos julgamentos.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticas e de justiça, em 6 de maio de 1871. = José Marcellino de Sá Vargas.

Página 531

531

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Reforma penal

Titulo I

Disposições geraes

Artigo 1.º Emquanto de facto não vigorar o systema de prisão cellular, estabelecido na lei de 1 de julho de 1867, são unicamente applicaveis as penas do codigo penal com as modificações declaradas nos seguintes artigos.

Art. 2.º A pena de morte é substituida pela de degredo perpetuo para as possessões orientaes de Africa com prisão no logar do degredo pelo tempo que parecer aos juizes.

Art. 3.º A pena de trabalhos publicos por toda a vida é substituida pela de degredo perpetuo para as possessões occidentaes de Africa.

Art. 4.° A pena de prisão perpetua é substituida pela pena fixa de degredo por vinte annos para as possessões occidentaes de Africa.

Art. 5.° A pena de degredo perpetuo estabelecida no codigo penal é substituida pela pena fixa de degredo por quinze annos para as possessões occidentaes de Africa.

Art. 6.º A pena de trabalhos publicos temporarios é substituida pela de degredo temporario com prisão no logar do degredo até tres mezes.

Art. 7.° A pena de degredo para a India é substituida pela de degredo para as possessões occidentaes de Africa.

Art. 8.° O maximo das penas temporarias de prisão maior e de degredo fica reduzido a doze annos.

Art. 9.° As penas perpetuas não se aggravam.

Art. 10.° As penas fixas de degredo por quinze e vinte annos podem aggravar-se com prisão até seis mezes no logar do degredo.

Art. 11.° As penas temporarias só podem aggravar-se até ao maximo das mesmas penas.

Art. 12.° A pena de degredo perpetuo na Africa oriental com prisão attenua-se, applicando-se a mesma pena sem prisão, a pena de degredo perpetuo para a Africa occidental, ou alguma das penas fixas de degredo.

Art. 13.° A pena de degredo perpetuo na Africa occidental e as penas fixas attenuam-se, applicando-se as immediatamente inferiores, podendo descer-se até ao minimo das penas maiores temporarias, segundo o numero e importancia das circumstancias attenuantes.

Art. 14.º As penas maiores temporarias poderão ser reduzidas ao minimo e descer até á prisão correccional não inferior a dois annos, segundo o numero e importancia das circumstancias attenuantes.

Art. 15.° Quando não concorrerem circumstancias attenuantes nem aggravantes, será applicada ao crime a pena temporaria correspondente no termo medio da sua totalidade.

Art. 16.° A maioridade estabelecida no artigo 311.° do codigo civil produzirá todos os seus effeitos nas relações do direito penal, quando a menoridade for a base para a determinação do crime.

TITULO II

Disposições especiaes

Art. 17.° Os artigos 19.°, 20.°, 27.°, 54.º e §, 55.°, 57.°, 181.° e seus §§, 182.°, 183.° e §§, 184.°, 186.° e §§, 189.º e §§, 206.° e §, 207.°, 208.° e §§, 209.°, 210.°, 211.°, 212.°, 213.° e §, 214.°, 215.°, 216.°, 217.°, 218.°, 219.°, 220.° e §, 221.º, 222.° e §, 223.°, 224.° e §, 225.° e §, 226.° e §, 255.°, 310. e §§, 311.° e §, 312.° e §, 359.°, 360.°, 361.º e §§, 363.°, 365.°, 367.° e §, 380.º e §§, 391.° e §, 392.°, 393.°, 394.º e §, 395.º e §§, 396.° e §, 398.º, 399.°, 401.º e §§, 408.°, 410.° e §, 417.°, 418.°, 421.° e §§, 424.° e §§, 425.° e §, 426.°, 427.°, 428.°, 430.° e §§, 431.° e §, 432.°, 433.°, 434.°, 435.°, 436.°, 437.°, 438.°, 441.°, 442.° e §§, 443.°, 451.º e §, 452.º, 453.°, 454.°, 455.°, 456.° e §§, 457.° e §§, 458.°, 459.°, 475.° e §, 476.º, 477.°, 478.°, 479.° e §§, 480.°, 481.°, 482.° e §, 483.°, 484.° e §§, serão substituidos pelos seguintes:

Art. 19.° São circumstancias aggravantes:

1.ª A premeditação;

2.ª A embuscada, traição, aleivosia, surpreza, abuso de confiança ou qualquer fraude;

3.ª A convocação ou seducção de outros individuos para commetter o crime;

4.ª A perpetração do crime por dinheiro, ou por qualquer recompensa ou promessa;

5.ª A obrigação especial, que o criminoso tinha, de obstar a que se commettesse o crime, ou de concorrer para a sua punição;

6.ª A perpetração do crime em occasião de incendio, naufragio, terremoto, ou outra calamidade publica ou desgraça particular do offendido;

7.ª O emprego de actos de crueldade, espoliação ou destruição desnecessarios á consummação do crime;

8.ª O emprego de meios, que impossibilitem ou debilitem a defeza;

9.ª O casamento, ascendencia, descendencia, parentesco ou affinidade até segundo grau por direito civil com o offendido; e o ser este, ou ter sido, seu mestre, tutor, amo, ou por qualquer maneira seu superior;

10.ª O beneficio recebido do offendido ou a falta de respeito, que por sua dignidade, posição, idade ou sexo elle merecer;

11.ª Ser o crime commettido por um preso ou contra um preso, ou contra o que está sob a immediata e especial protecção da auctoridade publica;

12.ª O prevalecer-se o criminoso da sua posição official ou caracter publico para commetter o crime;

13.ª A usurpação de titulo, uniforme ou insignia de algum empregado publico civil ou militar, ou allegação de ordem falsa de qualquer auctoridade publica;

14.ª A privação ou inhabilitação de algum membro ou orgão do corpo para as suas funcções, ou lesão de algum orgão essencial á vida do offendido;

15.ª A invenção e instrucção do plano de execução do crime, quando este for commettido conjunctamente com outros individuos;

16.ª O concurso ou cooperação de outras pessoas, ou manifesta vantagem sobre o offendido;

17.ª O auxilio de pessoas, que facilitem a impunidade;

18.ª O emprego do veneno, fogo, inundação, arrombamento, escalamento, chaves falsas, ou de instrumento ou arma, cujo uso for prohibido;

19.ª O emprego simultaneo de diversos meios para commetter o crime, ou insistencia nos esforços para o consummar, depois de mallogradas as primeiras tentativas;

20.ª A perpetração do crime em estrada ou logar ermo, e bem assim em casa destinada a habitação, ou em logar sagrado ou edificio destinado ao culto religioso, ou em acto publico do culto religioso, ou nos paços reaes e nas repartições publicas, ou na presença de qualquer auctoridade no exercicio das suas funcções;

21.ª A perpetração do crime de noite, excepto d'aquelles, cuja gravidade augmenta em rasão do escandalo resultante da publicidade;

22.ª A extensão ou gravidade do prejuizo ou do damno, que do facto resultar ao offendido ou á sua familia;

23.ª A frequencia dos crimes;

24.ª A existencia de qualquer crime anterior;

25.ª A accumulação dos crimes;

26.ª A reincidencia;

27.ª O perigo que resulta á causa publica.

Art. 26.° São circumstancias attenuantes:

1.ª A menoridade até aos dezoito annos;

2.ª A embriaguez não completa, quando for casual, e não for posterior ao projecto de commetter o crime;

3.ª A ignorancia de que o facto é criminoso;

4.ª A falta de pleno conhecimento do mal que deve causar o crime;

5.ª A intenção e necessidade de evitar um mal imminente;

Página 532

532

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

6.ª O subito arrebatamento por motivo que excite a justa indignação publica, a consideração ou affeição de familia, de parentesco ou de amisade;

7.ª A violencia ou ameaça;

8.ª A provocação;

9.ª A obediencia ao superior na ordem hierarchica, nos casos em que o inferior não ficar, segundo a lei, isento de pena pela obediencia;

10.ª A espontanea reparação do damno;

11.ª A apresentação voluntaria ás auctoridades;

12.ª A espontanea confissão da culpabilidade, logo que proceda do arrependimento;

13.ª O descobrimento dos instrumentos ou resultados do crime, sendo a revelação verdadeira e profiram á acção da justiça;

14.ª A pequena extensão do damno;

15.ª Quaesquer circumstancias que precedam, acompanhem ou sigam o crime, e enfraqueçam a culpabilidade do criminoso, ou diminuam por qualquer modo o damno.

Art. 27.º As disposições d'este codigo são applicaveis, não havendo tratado ou lei especial em contrario:

1.º Aos crimes commettidos em territorios ou dominios portuguezes, seja qual for a nacionalidade do criminoso;

2.° Aos crimes praticados a bordo de navio portuguez em mar alto, de navio de guerra portuguez surto em porto estrangeiro, ou de navio mercante portuguez surto em porto estrangeiro, quando os delictos tiverem logar entre gente de tripulação sómente, e não houverem perturbado a tranquillidade do porto;

3.° Aos crimes commettidos por portuguez em paiz estrangeiro contra a segurança interior ou exterior do estado de falsificação de sellos publicos, de moedas portuguezas, de papeis de credito publico ou de notas de qualquer banco nacional, companhia ou estabelecimento legalmente auctorisado para as emittir, não tendo os criminosos sido julgados no paiz em que delinquiram;

4.° A qualquer outro crime commettido por portuguez em paiz estrangeiro, verificando-se os seguintes requisitos;

a) Sendo o criminoso encontrado em Portugal;

b) Sendo o facto qualificado de crime tambem pela legislação do paiz onde foi praticado;

c) Não tendo o criminoso sido julgado no paiz em que commetteu o crime.

§ 1.° Exceptuam-se da regra estabelecida no n.º 1.° d'este artigo os crimes praticados a bordo de navio de guerra estrangeiro em porto ou mar territorial portuguez, ou a bordo de navio mercante estrangeiro, quando tiverem logar entre gente da tripulação sómente e não perturbarem a tranquillidade do porto.

§ 2.° Quando aos delictos de que trata o n.º 4.° só forem applicaveis penas correccionaes, o ministerio publico não promoverá a formação e julgamento do respectivo processo, sem que haja queixa da parte offendida ou participação official da auctoridade do paiz onde se commetteram os mencionados delictos.

§ 3.° Se nos casos dos n.ºs 3.° e 4.° o criminoso, havendo sido condemnado no logar do crime, se tiver subtrahido ao cumprimento de toda a pena, ou de parte d'ella, formar-se-ha novo processo perante os tribunaes portuguezes, que, se julgarem provado o crime, lhe applicarâo a pena correspondente pela nossa legislação, levando em conta ao réu a parte que já tiver cumprido.

Art. 54.° O condemado a qualquer das penas maiores, que não seja perpetua, perde todos os direitos politicos durante o cumprimento da pena, e os seus bens serão regidos, como o são os dos incapazes de administrar sua fazenda, observando-se as regras que, a respeito da curadoria, em taes casos as leis estabelecem.

Art. 55.° O condemnado á pena de expulsão do reino perde todos os direitos politicos.

Art. 57.° A perda dos direitos politicos, ou como pena principal, ou como effeito de outra pena, priva o condemnado das honras e distincções da nobreza, de qualquer condecoração, do direito de trazer armas, do de ensinar, ou dirigir ou concorrer na direcção de qualquer estabelecimento de instrucção, e produz a incapacidade de exercer qualquer emprego publico, de ser tutor, curador ou membro de conselho de familia, de ser advogado, procurador ou perito em juizo, e de ser testemunha em qualquer acto solemne e authentico.

Art. 181.° Aquelle que directamente offender por palavras a pessoa de algum ministro da corôa, membro das camaras legislativas, magistrado judicial ou administrativo, jurado ou algum commandante da força publica, em sua presença publicamente no exercicio das suas funcções, posto que a estas se não refira a offensa, ou fóra das suas funcções, mas por causa d'ellas, será punido com a pena de prisão até dois annos e multa até seis mezes.

§ 1.° A pena de prisão até seis mezes e multa até um mez será imposta aquelle que offender qualquer das pessoas mencionadas n'este artigo, em escripto ou desenho não publicado, e a ellas directamente remettido, ou seja no exercicio das suas funcções, posto que a estas se não refira a offensa, ou seja fóra, mas por causa d'ellas.

§ 2.° A pena de prisão até tres annos e multa até seis mezes será imposta aquelle que commetter o crime enunciado n'este artigo, em sessão publica de alguma das camaras legislativas contra algum dos seus membros ou dos ministros d'estado, posto que não esteja presente; e bem assim em sessão publica de algum tribunal judicial ou administrativo, ou corporação administrativa contra algum de seus membros, posto que não esteja presente, ou contra o mesmo tribunal ou corporação.

§ 3.° A offensa que consistir unicamente em gestos injuriosos será punida com prisão até seis mezes e multa até um mez, e no caso declarado no § antecedente, estando presente o offendido, será punida com a pena de prisão até um anno e multa até tres mezes.

Art. 182.° Se o crime declarado no artigo antecedente e no seu § 2.° for commettido contra qualquer outro empregado publico, agente da auctoridade ou força publica, ou contra alguma testemunha ou perito, será punido com prisão até seis mezes e multa até um mez.

O crime declarado no § 3.° será punido com prisão até tres mezes e multa até quinze dias.

Art. 183.° A offensa corporal contra se pessoas designadas no artigo 181.°, no exercicio das suas funcções ou por causa d'estas, ainda que não produza ferimento ou contusão, será punida com prisão até tres annos e multa até seis mezes.

§ 1.° Se a offensa consistir em ameaça com arma, ou for feita por uma reunião de mais de tres individuos em disposição de causar mal immediato, a pena será de prisão até um anno e multa até tres mezes.

§ 2.° Se resultar algum dos effeitos especificados no artigo 360.°, a pena será de degredo temporario e multa até um anno.

§ 3.° Em qualquer dos casos indicados no artigo 361.°, a pena será de degredo por quinze annos e multa até dois annos.

§ 4.° A tentativa de homicidio, no caso d'este artigo e nos termos declarados no artigo 350.°, será punida com degredo por vinte annos.

Art. 184.° Os crimes declarados no artigo antecedente, commettidos contra as pessoas designadas no artigo 182.º, serão punidos com a pena de prisão até um anno e multa até tres mezes. O crime declarado no § 1.° d'esse artigo será punido com prisão até seis mezes e multa até um mez. Os crimes declarados nos §§ 2.°, 3.° e 4.° do mesmo artigo serão punidos com as penas immediatamente inferiores ás que n'elles se estabelecem.

Art. 186.º Aquelle que, por qualquer meio de violencia, se oppozer a que a auctoridade publica exerça suas funcções, ou a que seus mandados, a ellas respectivos, se cum-

Página 533

533

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

pram, quer tenha logar a opposição immediatamente contra a mesma auctoridade, quer tenha logar contra qualquer dos seus subalternos ou agentes, conhecido por tal, e exercendo suas funcções para a execução das leis, ou dos ditos mandados, se for feita sem armas, será condemnado na pena de prisão até tres annos e multa até seis mezes.

§ 1.° Se for feita com armas ou por uma reunião de mais de tres individuos, a pena será o degredo temporario.

§ 2.º Se n'esta resistencia se commetter crime, que mereça pena mais grave, será imposta a pena correspondente, segundo as regras estabelecidas na lei.

Art. 189.º O jurado ou testemunha, que sem escusa legitima, não comparecer em juizo, tendo-se lhe feito a necessaria intimação, terá a pena de prisão e multa até um mez.

§ 1.° Se para não comparecer mandou escusa, que depois se conheceu ser falsa, terá a pena de prisão até seis mezes e multa até um mez.

§ 2.º Ser-lhes-ha imposta a pena mais grave em que tenha incorrido, se fizer uso de documento falso para prova da escusa.

§ 3.° A testemunha, que recusar responder ás perguntas que lhe forem feitas, será punida com prisão até seis mezes e multa até um mez.

Art. 206.° Aquelle que falsificar moeda e a passar, usando d'ella por qualquer maneira, ou a expozer á venda; e bem assim aquelle que, por combinação ou cumplicidade com o fabricador, praticar algum d'esses actos ou n'elles tiver parte, será condemnado a degredo perpetuo nas possessões occidentaes de Africa.

§ unico. Se houver sómente a fabricação, a pena será a de degredo temporario com prisão no logar do degredo até tres mezes.

Art. 207.° Considera-se moeda, para os effeitos d'esta secção:

1.° A moeda metallica ou de papel, nacional ou estrangeira, com curso legal no reino;

2.º A moeda estrangeira, metallica ou de papel, ainda mesmo sem curso legal no reino, comtanto que o tenha no paiz que representa;

3.° Os papeis de credito publico e as notas de qualquer banco nacional ou estrangeiro, companhia ou estabelecimento auctorisado para os emittir.

Art. 208.º A pena de degredo temporario com prisão até tres mezes no logar do degredo será imposta:

1.° Ao que sem combinação nem complicidade com o fabricador passar qualquer moeda falsificada, metallica ou de papel, nacional ou estrangeira;

2.º Ao que sem auctorisação legal fabricar e passar ou expozer á venda qualquer moeda metallica nacional ou estrangeira, que tenha o mesmo valor intrinseco que as legitimas;

3.° Ao que cercear ou por qualquer modo diminuir o valor intrinseco de alguma moeda metallica, nacional ou estrangeira, e passar ou exposer á venda a moeda assim falsificada;

4.º Ao que, por combinação ou complicidade com o fabricador, praticar algum dos actos declarados nos numeros 2.° e 3.° d'este artigo, ou tiver parte n'esses actos.

Art. 209.° Se a moeda assim falsificada não for exposta á venda, nem chegar a passar-se, a pena será de prisão até tres annos e multa até seis mezes.

§ unico. Aquelle que sem combinação nem complicidade com o fabricador, passar ou expozer á venda, como boa, qualquer moeda falsificada nos termos dos n.ºs 2.º e 3.º do artigo antecedente, será condemnado no maximo da prisão correccional e no maximo da multa.

Art. 210.° Se em qualquer dos casos declarados nos artigos antecedentes, o passador teve conhecimento da falsidade só depois de ter recebido a moeda como verdadeira, a pena será a de multa conforme a sua renda até um anno, mas nunca inferior ao dobro do valor representado pelas peças de moeda falsa que passou.

Art. 211.° As penas determinadas nos artigos d'esta secção para os passadores de moeda falsificada, applicam-se aos que a introduzem no territorio portuguez.

Art. 212.º A pena de prisão até tres annos é de multa até seis mezes será imposta.

1.° Áquelle que falsificar, importar, expozer á venda, vender, dividir, subministrar, possuir ou retiver cunho para moeda e chapa ou fôrmas com letras de agua para notas, que sirvam exclusivamente para fabricação ou falsificação de moeda nacional ou estrangeira, metallica ou de papel;

2.° Áquelle que, sem licença do governo, fabricar, importar, expozer á venda, vender, distribuir subministrar, possuir ou retiver balancés ou prensas de cunhar e serrilhas, que sirvam, posto que não exclusivamente, para a fabricação especificada no numero antecedente.

§ unico. A prohibição estabelecida n'este artigo e seus numeros não comprehende os bancos, companhias ou estabelecimentos em relação á fabricação de moeda, papeis de credito publico ou notas, que por leis especiaes lhes estiver commettida ou permittida, nem tambem os individuos que para o mesmo fim contratarem com o governo ou com os referidos bancos, companhias ou estabelecimentos.

Art. 213.° Em todos os casos d'esta secção, é sempre punivel a tentativa.

Art. 214.° Será isento de pena o co-réu que antes, de consummado qualquer dos crimes enunciados nos artigos antecedentes, e antes de se instaurar o processo, der á auctoridade publica conhecimento do mesmo crime e das suas circumstancias, e dos outros co-réus. Poderá comtudo determinar-se a sujeição á especial vigilancia da policia pelo tempo que parecer aos juizes.

§ unico. Em todos os casos declarados n'esta secção, o comprador será punido como complice do passador.

Art. 215.° Será condemnado a degredo temporario com multa até um anno aquelle que commetter, por qualquer dos modos abaixo declarados, falsificação, a qual cause ou possa por sua natureza causar prejuizo a outra pessoa ou ao estado:

1.° Fabricando disposições, obrigações ou desobrigações em qualquer escriptura, titulo, diploma, auto ou escripto, que pela lei deva ter a mesma fé que as escripturas publicas;

2.° Fazendo nos ditos documentos alguma falsa assignatura ou supposição de pessoa;

3.° Fazendo falsa declaração de qualquer facto, que os mesmos documentos tem por objecto certificar e authenticar, ou que é essencial para a validade d'esses documentos;

4.° Acrescentando, mudando ou minguando em alguma parte os ditos documentos, depois de concluidos, de modo que se altere a substancia ou tenção d'elles;

5.° Fabricando alguns dos ditos documentos inteiramente falsos.

Art. 216.° Na mesma pena será condemnado aquelle que, por qualquer dos modos enunciados no artigo antecedente, commetter falsificação em letras de cambio ou em qualquer escripto commercial, transmissivel por indosso ou ao portador.

Art. 217.° Será condemnado a degredo por quinze annos com multa até dois annos todo o empregado publico que no exercicio das suas funcções commetter, por qualquer dos modos abaixo declarados, falsificação que cause ou possa por sua natureza causar prejuizo, em escriptura publica, titulo, diploma, auto ou escripto de igual força.

1.º Fabricando actos do seu ministerio inteiramente falsos;

2.° Escrevendo, como ajustadas ou declaradas pelas partes, convenções, disposições ou quaesquer clausulas differentes das que as mesmas partes lhes declarem;

3.° Certificando, como verdadeiros, factos falsos;

Página 534

534

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

4.° Fazendo qualquer dos ditos autos ou documentos com falsa assignatura ou supposição de pessoa;

5.° Acrescentando, mudando ou minguando em alguma parte os ditos documentos, depois de concluidos, de modo que se altere a substancia ou tenção d'elles.

Art. 218.° Aquelle que por qualquer dos modos declarados no artigo 215.° falsificar qualquer escripto não comprehendido nos artigos antecedentes, será condemnado a prisão até tres annos, e multa até seis mezes.

Art. 219.° Será punida com as mesmas penas a falsificação commettida por qualquer dos modos declarados nos artigos antecedentes por cima de uma assignatura em branco, ainda que voluntariamente entregue pelo signatario.

Art. 220.° Serão impostas as penas de complicidade ás testemunhas que ao fazer da escriptura, ou publica ou particular, intervierem, sabendo que se faz falsa.

Art. 221.º Aquelle que fizer uso de qualquer dos documentos falsos declarados nos artigos antecedentes, tendo conhecimento da sua falsificação, será punido com as mesmas penas impostas ao falsificador.

Art. 222.° As regras estabelecidas nos artigos antecedentes têem, relativamente aos certificados, passaportes, guias ou itinerarios, as excepções declaradas nos artigos seguintes.

Art. 223.° Serão punidos com prisão até dois annos e multa até seis mezes:

1.° O facultativo ou pessoa competentemente auctorisada pela lei para passar certificados de molestia ou lesão que, com intenção de que alguem seja isento ou dispensado de qualquer serviço publico, certificar falsamente molestia ou lesão que deva ter esse effeito;

2.° Aquelle que com o nome de algum facultativo ou pessoa competentemente auctorisada pela lei, fabricar algum certificado da mesma natureza;

3.º Aquelle que fabricar em nome de um empregado publico algum certificado de recommendação, attestando qualquer circumstancia em favor da pessoa n'elle designada, e bem assim aquelle que alterar com a mudança de nome da pessoa designada o attestado de um empregado publico originariamente verdadeiro;

4.° Aquelle que fizer uso de qualquer d'estes certificados falsos, sabendo que o são.

Art. 224.° O empregado publico encarregado de dar passaportes que, com o fim de subtrahir alguem á vigilancia legal da auctoridade, der algum passaporte com supposição de nome, será condemnado a prisão até tres annos e multa até seis mezes.

§ unico. Aquelle que, não conhecendo a pessoa a quem deu passaporte, não exigir a abonação que as leis e os regulamentos requerem, será condemnado em multa até um anno.

Art. 225.° A pessoa que ou tomar nome supposto ou fabricar passaporte falso, ou substancialmente alterar o verdadeiro ou fizer uso de passaporte falsificado por qualquer d'estes modos, será condemnada a prisão até dois annos e multa até seis mezes.

Art. 226.º As testemunhas que tiverem concorrido para se dar passaporte com nome supposto, serão punidas como complices.

Art. 255.° Será punido com as mesmas penas:

1.° O que pescar nos mezes defezos pelas posturas municipaes ou regulamentos de administração;

2.° O que pescar com rede varredoura, ou de malha mais estreita que a que for limitada pela camara municipal, ou pescar por qualquer outro modo prohibido pelas mesmas posturas ou regulamentos.

§ unico. O que lançar nos rios ou lagoas, em qualquer tempo do anno, trovisco, barbasco, côca, cal ou outro algum material, com que se mata o peixe, será punido com prisão até um anno e multa até tres mezes.

Art. 310.° Os empregados publicos encarregados da guarda de papeis, titulos ou outros objectos sellados por ordem da auctoridade competente, que abrirem ou romperem os sellos, serão punidos com prisão maior temporaria, e multa até um anno.

§ 1.° O furto com rompimento dos sellos commettido pelos mesmos empregados publicos será punido com degredo por quinze annos e multa até dois annos.

§ 2.° Se alguma outra pessoa commetter os crimes declarados n'este artigo e no § 1.°, será, no primeiro caso, punida com prisão até tres annos e multa até seis mezes, e, no segundo, com degredo temporario e multa até um anno.

Art. 311.° Será punido com degredo temporario e multa até um anno, todo o empregado publico encarregado da guarda e conservação dos documentos e papeis existentes nos archivos, cartorios ou quaesquer depositos publicos, que subtrahir, supprimir ou desencaminhar alguns d'esses documentos ou papeis, ou parte de qualquer d'elles.

§ unico. Se aos empregados, de que tratam este artigo e o antecedente, se imputar unicamente e provar negligencia nos casos, em que os crimes declarados nos mesmos artigos forem commettidos por outra pessoa, a pena de negligencia será a suspensão até seis mezes.

Art. 312.° O empregado publico que voluntariamente desencaminhar, destruir ou subtrahir quaesquer documentos ou titulos, ou parte de qualquer d'elles, cuja perda ou descaminho possa ser prejudicial a outra pessoa ou ao estado, e que lhe tiverem sido confiados em rasão do seu officio, será punido com degredo temporario e multa até dois annos.

§ unico. A pena de degredo temporario será applicada no caso d'este artigo a qualquer pessoa encarregada da guarda de documentos ou titulos, n'elle referidos, pela auctoridade legitima ou por commissão do empregado publico, a quem houverem sido confiados.

Art. 359.° Aquelle que voluntariamente com alguma offensa corporal maltratar alguma pessoa, não concorrendo qualquer das circumstancias enunciadas nos artigos seguintes, será punido com prisão até tres mezes.

Art. 360. A offensa corporal voluntaria que produzir doença ou impossibilidade de trabalho profissional ou de qualquer outro, quando uma ou outra durar por mais de cinco e menos de quinze dias, será punida com prisão até um anno.

§ 1.° Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais tempo até trinta dias, ou produzir deformidade pouco notavel, a pena será de prisão até dois annos.

§ 2.º Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de trinta dias, ou produzir deformidade notavel, a pena será de prisão até tres annos.

§ 3.° Se da offensa resultar cortamento, privação, aleijão ou inhabilitação de algum membro ou orgão do corpo, a pena será de degredo temporario.

§ 4.° Não será attendida, para os effeitos d'este artigo e seus §§, a prolongação da doença ou impossibilidade de trabalhar, que não for classificada como resultado necessario da offensa.

Art. 361.° Se, por effeito necessario da offensa, ficar o offendido privado da rasão, ou impossibilitado por toda a vida de trabalhar, a pena será de degredo temporario com prisão no logar do degredo até tres mezes.

§ unico. Se o ferimento, espancamento ou offensa for commettido voluntariamente, mas sem intenção de matar, e comtudo occasionar a morte, a pena será a de degredo temporario com prisão no logar do degredo até tres mezes.

Art. 363.º O tiro de arma de fogo contra qualquer pessoa, posto que d'elle não resulte ferimento ou contusão, nem seja classificado como tentativa de homicidio, será punido com prisão até um anno. A ameaça com arma de fogo, em disposição de offender, será punida com prisão até seis mezes.

§ unico. O emprego de qualquer arma de arremesso contra alguma pessoa, embora não resulte ferimento ou contu-

Página 535

535

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

são, será punido com prisão até tres mezes. A ameaça com qualquer d'essas armas, em disposição de offender, ou feita por mais de tres individuos, em disposição de causar mal immediato, será punida com prisão até um mez.

Art. 365.° Aquelle que voluntariamente com alguma offensa corporal maltratar seu pae ou mãe legitimos ou naturaes, ou algum dos ascendentes legitimos, será punido com prisão até tres annos.

§ 1.° Se da offensa resultar algum dos damnos mencionados no artigo 360.º e seus §§, a pena será a de degredo temporario.

§ 2.° Se por effeito necessario da offensa ficar o offendido privado da rasão ou impossibilitado por toda a vida de trabalhar, a pena será a de degredo por quinze annos.

§ 3.º Se o ferimento, espancamento ou offensa for commettido voluntariamente, mas sem intenção de matar, e comtudo occasionar a morte, a pena será a de degredo por vinte annos.

Art. 367.° Aquelle que se mutilar voluntariamente, a fim de se tornar improprio para o serviço militar, será condemnado em prisão até tres annos.

§ unico. Se tiver por complice medico, cirurgião ou pharmaceutico, será este condemnado na mesma pena e multa até seis mezes.

Art. 380.° Aquelle que, fóra dos casos em que a lei o permitte, se introduzir ou persistir em ficar na casa de habitação de alguma pessoa, contra vontade d'ella, será punido com prisão até seis mezes.

§ 1.° Se houver violencia ou ameaça, ou se, para a introducção na casa, se tiver empregado escalamento, arrombamento ou chaves falsas, a pena será de prisão até tres annos

§ 2.° No caso do § antecedente, é punivel a tentativa, segundo as regras geraes.

Art. 391.º O attentado contra o pudor de alguma pessoa de um ou outro sexo, que for commettido com violencia, quer seja para satisfazer paixões lascivas, quer seja por outro qualquer motivo, será punido com prisão até tres annos, conforme a gravidade do attentado.

§ unico. Se a pessoa for menor de doze annos, a pena será a mesma, posto que não se prove violencia.

Art. 392.° Aquelle que por meio de seducção estuprar mulher virgem, maior de doze e menor de dezesete annos, terá a pena de degredo temporario.

Art. 393.° Aquelle que tiver copula illicita com qualquer mulher contra sua vontade, por meio de violencia physica, de vehemente intimidação ou de qualquer fraude, que não constitua seducção, ou achando-se a mulher privada do uso da rasão ou dos sentidos, terá a pena de degredo por quinze annos.

Art. 394.° Aquelle que violar menor de doze annos e maior de sete, posto que não se prove nenhuma das circumstancias declaradas no artigo antecedente, será punido com degredo por quinze annos.

§ unico. Se a pessoa violada for menor de sete annos, a pena será de degredo por vinte annos.

Art. 395.° O rapto de qualquer mulher com fim desho-nesto por meio de violencia physica, de vehemente intimidação, ou de qualquer fraude que não constitua seducção, ou achando-se a mulher privada do uso da rasão ou dos sentidos, será punido como attentado ao pudor com violencia, se não se consumou o estupro ou violação, e será considerado como circumstancia aggravante do crime consummado.

§ 1.° O rapto de menor de doze annos com fim deshonesto considera-se sempre como sendo feito com violencia.

§ 2.° Se, por crime de carcere privado ou outro, se deverem impor ao criminoso penas mais graves, serão estas applicadas.

Art. 396.° Será considerado como circumstancia aggravante do estupro o rapto de qualquer mulher virgem, maior de doze e menor de dezesete annos, da casa ou logar, em que com a devida auctorisação ella estiver, quando for commettido com o seu consentimento; se o estupro, porém, se não consummar, será punido o rapto por seducção com prisão até tres annos.

Art. 398.º Nos crimes, de que trata este titulo, as penas serão substituidas pelas immediatamente superiores:

1.º Se o criminoso for ascendente, ou irmão da pessoa offendida;

2.° Se for tutor, curador ou mestre d'essa pessoa, ou por qualquer titulo tiver auctoridade sobre ella, ou for encarregado da sua educação, direcção ou guarda;

3.° Se for empregado publico, de cujas funcções dependa negocio ou pretensão da mesma pessoa offendida, ou se for ecclesiastico ou ministro de qualquer culto;

4.° Se for creado ou domestico da pessoa offendida ou de sua familia, ou em rasão de profissão, que exija titulo, tiver influencia sobre a mesma pessoa offendida;

5.° Se tiver communicado á pessoa offendida affecção siphilitica.

Art. 399.º Nos crimes especificados n'este titulo não tem logar a accusação do ministerio publico sem queixa do offendido ou de seus paes, avós, marido, irmãos, tutores ou curadores, excepto:

1.° Havendo effectivo emprego de violencia na execução do crime;

2.° Sendo o offendido menor de doze annos;

3.º Sendo pessoa miseravel, ou achando-se a cargo de estabelecimento de beneficencia ou educação.

§ unico. Depois de dada a queixa em juizo não cessará o procedimento criminal, ainda que o queixoso desista.

Art. 401.° O adulterio da mulher será punido com degredo temporario.

§ 1.° O co-réu adultero, sabedor de que a mulher é casada, será punido com a mesma pena.

§ 2.° Não poderá impor se pena por crime de adulterio senão em virtude de querela e accusação do marido offendido.

§ 3.° O marido não poderá querelar senão contra ambos os co-réus, se ambos forem vivos.

Art. 408.° Não é admissivel prova alguma sobre a verdade dos factos imputados, salvo nos casos seguintes:

1.° Quando os factos imputados aos empregados publicos, por elles responsaveis, forem relativos ás suas funcções;

2.° Quando for imputado a pessoa particular, ou empregado publico fóra do exercicio das suas funcções, um facto criminoso sobre que houver condemnação ainda não cumprida, ou accusação pendente em juizo; mas em um e outro caso será unicamente admissivel a prova resultante da sentença em juizo criminal passada em julgado. No caso de estar pendente em juizo a accusação, sobreestar-se-ha no processo por diffamação até final decisão sobre o facto criminoso.

Art. 410.° O crime de injuria, não se imputando facto algum determinado, se for commettido contra qualquer pessoa publicamente de viva voz ou por escripto publicado, ou por qualquer meio de publicação, será punido com prisão até tres mezes, e multa até quinze dias.

§ unico. Na accusação por injuria não se admitte prova sobre a verdade de facto algum a que a injuria se possa referir.

Art. 417.° O crime de diffamação ou de injuria commettido contra uma pessoa já fallecida será punido se accusar o ascendente, filho, neto, conjuge, irmão ou herdeiro d'essa pessoa.

Art. 418.° Será isento da pena aquelle que em juizo der explicação satisfactoria da diffamação ou injuria de que for accusado, se o offendido aceitar essa satisfação.

Art. 421.° Aquelle que commetter o crime de furto, subtrahindo fraudulentamente uma cousa que lhe não pertença, terá a pena de degredo temporario, com multa até um anno, se o valor da cousa furtada exceder 200$000 réis.

§ 1.° Se não exceder esta quantia, mas for superior a

Página 536

536

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

50$000 réis, a pena será a de prisão até tres annos, e multa até seis mezes.

§ 2.° Se o furto for inferior a 50$000 réis, e superior a 10$000 réis, a pena será a de prisão até um anno, e multa até tres mezes.

§ 3.° Se o furto for inferior a 10$000 réis, a pena será a de prisão até seis mezes, e multa até um mez.

§ 4.º A tentativa de furto será sempre punida, applicando-se as regras geraes.

§ 5.° A segunda reincidencia será punida com degredo por quinze annos, se a pena correspondente for de degredo temporario; e com o degredo temporario, se a pena for de prisão correccional. Em qualquer dos casos a multa será até dois annos.

Art. 424.° Aquelle que furtar algum processo, ou parte d'elle, livro de registo, ou parte d'elle, ou qualquer documento será punido com degredo temporario e multa até um anno.

§ 1.° A mesma disposição se applica ao que subtrahir um titulo, ou documento ou peça do processo que tiver produzido em juizo em qualquer causa.

§ 2.° Se o processo for criminal, e n'elle se tratar de crime a que a lei imponha alguma das penas maiores, será punido o furto com o degredo temporario e multa até um anno, e se a pena não for alguma das penas maiores será punido o furto com a prisão até tres annos e multa até tres mezes.

§ 3.° Se o furto for de papeis ou quaesquer objectos depositados em depositos publicos ou estabelecimentos encarregados pela lei de guardar estes objectos será aggravada a pena, segundo as regras geraes.

§ 4.° As disposições d'este artigo e seus §§ serão applicaveis ao que desencaminhar, ou destruir os referidos papeis ou objectos.

Art. 425.° Serão punidos com degredo temporario e multa até um anno quando o furto exceder a 10$000 réis:

1.° Os creados que furtarem alguma cousa pertencente a seus amos;

2.° Os creados que furtarem alguma cousa pertencente a qualquer pessoa na casa de seus amos, ou na casa em que os acompanharem ao tempo do furto;

3.° Qualquer servidor assalariado, ou qualquer individuo trabalhando habitualmente na habitação, officina ou estabelecimento em que commetter o furto;

4.° Os estalajadeiros ou quaesquer pessoas que recolhem e agasalham outros por dinheiro ou seus propostos, os barqueiros, os recoveiros, ou quaesquer conductores ou seus propostos que furtarem todo ou parte do que n'esta qualidade lhes era confiado.

§ 1.° Quando o valor do furto for inferior a 10$000 réis, a pena será a de prisão até dois annos e multa até seis mezes.

§ 2.° No caso do furto de objectos confiados para transporte, se estes se alterarem com substancias prejudiciaes á saude, será tambem imposta a prisão no logar do degredo pelo tempo que parecer aos juizes.

Art. 426.° O furto será punido nos termos dos artigos seguintes quando for qualificado, segundo as regras n'elles estabelecidas, pelo concurso de alguma ou algumas das seguintes circumstancias:

1.° Trazendo o criminoso ou algum dos criminosos, no momento do crime, armas apparentes ou occultas;

2.° Sendo commettido de noite ou em logar ermo;

3.° Por duas ou mais pessoas;

4.° Em casa habitada ou destinada a habitação, e em edificio publico, ou destinado ao culto religioso, ou em cemiterio;

6.° Na estrada ou caminho publico, sendo de objectos que n'elle forem transportados;

6.º Com usurpação de titulo, uniforme ou insignia de algum empregado publico civil ou militar, ou allegação de ordem falsa de qualquer auctoridade publica;

7.° Com arrombamento, escalamento ou chaves falsas em casa não habitada.

Art. 427.° Será punido com degredo temporario e multa até um anno de furto de valor excedente a 10$000 réis, quando for commettido com qualquer das circumstancias declaradas nos n.ºs 1.°, 6.° e 7.º do artigo antecedente.

§ unico. Quando o valor do furto for inferior a 10$000 réis, a pena será a de prisão até dois annos e multa até seis mezes.

Art. 428.º Será punido com o maximo do degredo temporario e multa até dois annos:

1.° O furto commettido de noite em casa habitada ou destinada a habitação, ou em edificio publico ou destinado ao culto religioso, ou em cemiterio ou em estrada, ou caminho publico, sendo de objectos, que por elle forem transportados, se for acompanhado de qualquer das outras circumstancias enumeradas no artigo 426.°;

2.° O furto commettido de dia por duas ou mais pessoas com o concurso de duas ou mais circumstancias enumeradas no mesmo artigo 426.°

§ unico. Quando o valor do furto for inferior a 10$000 réis, a pena será a de prisão até dois annos e multa até seis mezes;

Art. 430.° Em todos os casos declarados n'esta secção, não excedendo o furto a quantia de 500 réis, nem sendo habitual, só terá logar a pena, queixando-se o offendido.

§ 1.° O que entrar em terreno alheio para colher fructos e come-los no mesmo logar, será punido, queixando-se o offendido, com a pena de reprehensão.

§ 2.° O que do mesmo modo entrar em terreno alheio para rebuscar ou respigar, não estando ainda recolhidos os fructos, será preso até seis dias, queixando-se o offendido.

§ 3.º Nos casos dos dois §§ antecedentes, a pena será a de prisão correccional, se for segundo reincidencia, ou se forem habituaes os crimes ahi declarados.

Art. 431.° A acção criminal de furto não tem logar pelas subtracções commettidas:

1.° Pelo conjuge em prejuizo do outro; salvo havendo separação judicial de pessoas e bens;

2.° Pelo ascendente em prejuizo do descendente.

§ 1.° Outra qualquer pessoa, que n'estes casos participar no facto, fica sujeita á responsabilidade penal, segundo a natureza da participação.

§ 2.° A acção da justiça não tem logar, sem queixa do offendido, sendo o furto praticado pelo criminoso contra seus ascendentes, irmãos, cunhados, sogros ou genros, padrasto, madrasta ou enteados; e cessará qualquer procedimento, logo que os prejudicados o requererem.

Art. 432.° É qualificada como roubo a subtracção da cousa alheia, se commette com violencia ou ameaça contra as pessoas.

§ unico. A entrada em casa habitada com arrombamento, escalamento ou chaves falsas é considerada como violencia contra as pessoas, se ellas effectivamente estavam dentro n'esse occasião.

Art. 433.° Quando o roubo for commettido ou tentado, concorrendo o crime de homicidio, será applicada a pena de degredo perpetuo para as possessões orientaes de Africa com prisão no logar do degredo pelo tempo que parecer aos juizes e multa até dois annos.

Art. 434.° A pena de degredo perpetuo para as possessões occidentaes de Africa e multa até dois annos, será applicada nos casos seguintes:

1.° Quando o roubo for commettido ou tentado, concorrendo o crime de carcere privado ou de violação, ou alguma das offensas corporaes declaradas no artigo 361.°;

2.° Quando o roubo for commettido ou tentado em logar ermo por duas ou mais pessoas, trazendo armas apparentes ou occultas qualquer dos criminosos, se da violencia resultou ferimento ou contusão ou vestigio de qualquer soffrimento corporal.

Art. 435.° A pena de degredo temporario, com prisão no

Página 537

537

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

logar do degredo até tres mezes e multa até um anno, será applicada:

1.° Quando o roubo for commettido por uma só pessoa com armas, em logar ermo;

2.° Quando o roubo for commettido por duas ou mais pessoas fóra dos casos declarados no artigo antecedente.

§ unico. No caso do n.º 2.° d'este artigo, o co-réu que tiver convocado ou seduzido os outros, ou dado as instrucções para o roubo, ou dirigido a sua execução, incorrerá na pena de degredo perpetuo para as possessões occidentaes de Africa e multa até dois annos.

Art. 436.° Fóra dos casos declarados nos artigos ante cedentes d'esta secção, o roubo será punido com degredo temporario e multa até um anno.

Art. 437.° É extensiva aos crimes de roubo a disposição do artigo 431.°, seus numeros e §§, na parte applicavel.

Art. 438.° O roubo com arrombamento ou escalamento ou chaves falsas commettido por uma só pessoa, sem violencia ou ameaça contra as pessoas e sem porte de armas, será punido como furto aggravado, applicando-se as regras geraes.

Art. 441.° Se as cousas furtadas ou roubadas em edificio destinado ao culto religioso ou em acto religioso, forem objectos sagrados, o criminoso será punido com degredo por vinte annos e multa até dois annos.

Art. 442.° Verifica-se o arrombamento exterior, todas as vezes que póde haver introducção em qualquer logar pelo rompimento de parede ou tecto, ou fractura de porta ou janella, ou damnificação, ou remoção por força de qualquer objecto, ou construcção que serve a fechar ou impedir a passagem.

§ 1.° É arrombamento interior aquelle que, depois da introducção em qualquer casa ou edificio, se faz em porta, parede ou construcção interior, ou em qualquer movel fechado destinado á guarda ou segurança de quaesquer objectos.

§ 2.° A subtracção de movel fechado, que sirva para segurança dos objectos que contém, commettida dentro da casa ou edificio, considera-se feita com arrombamento, ainda que o movel seja aberto ou arrombado em outro logar.

§ 3.° É escalamento a entrada em qualquer logar fechado, executada por cima de porta ou parede ou de qualquer construcção que sirva para defender a entrada ou passagem, e bem assim por qualquer abertura subterranea não destinada para servir de entrada.

§ 4.° São consideradas chaves falsas todas as chaves imitadas, contrafeitas, alteradas, subtrahidas ou perdidas, as gazuas ou outros artificios empregados para abrir quaesquer fechaduras.

Art. 443.° Aquelle a que for achada gazua ou outros artificios para abrir quaesquer fechaduras, ou que d'elles tiver feito uso em prejuizo de alguem, será punido com prisão até dois annos, e multa até seis mezes, salvo quando houver logar pena mais grave pelo crime commettido.

Art. 451.° Será punido com as penas de furto, segundo o valor da cousa furtada ou do prejuizo causado, aquelle que defraudar outrem, fazendo que se lhe entregue dinheiro ou moveis ou quaesquer fundos ou titulos por algum dos seguintes meios:

1.º Usando de falso nome ou de falsa qualidade;

2.° Empregando alguma falsificação de escripto;

3.° Empregando artificio fraudulento para persuadir a existencia de alguma falsa empreza ou de bens ou de credito, ou de poderes suppostos, ou para produzir a esperança de qualquer accidente.

§ unico. A pena mais grave de falsidade, se houver logar, será applicada.

Art. 452.° Será punido com degredo temporario aquelle que, por meio de ameaça verbal ou escripta de fazer revelações ou imputações diffamatorias, ou a pretexto de as não fazer, extorquir ou tentar extorquir a outrem quaesquer valores, ou coagir ou tentar coagir a escrever, assignar, entregar, ou destruir escripto ou titulo em que constitua ou produza obrigação ou quitação,

§ unico. Em qualquer dos casos indicados n'este artigo, o ministerio publico só intervirá havendo queixa do offendido.

Art. 453.° Aquelle que com o pretexto de credito, ou influencia sua ou alheia para com alguma auctoridade publica, receber de outrem alguma cousa, ou aceitar promessa pelo despacho de qualquer negocio ou pretensão, e bem assim o que receber de outrem alguma cousa, ou aceitar promessa com o pretexto de remuneração ou presente a algum empregado publico, será punido com o maximo da prisão correccional e a multa que aos juizes parecer, sem prejuizo da acção que compete ao empregado publico pela injuria.

Art. 454.º Aquelle que desencaminhar ou dissipar, em prejuizo do proprietario ou possuidor ou detentor, dinheiro ou cousa movel, ou titulo ou quaesquer escriptos, que lhe tenham sido entregues por deposito, locação, mandato, commissão, administração, commodato, ou que haja recebido para um trabalho, ou para uso ou emprego determinado, ou por qualquer outro titulo que produza obrigação de restituir ou apresentar a mesma cousa recebida, será punido com as penas de furto.

Art. 455.° Aquelle que abusar da impericia, necessidade ou paixões de menor não emancipado, ou de individuo interdito em rasão de affecção mental ou de prodigalidade, levando-o a contrabir em seu prejuizo obrigação verbal ou escripta ou a subscrever desobrigação ou transmissão de direitos por emprestimo de dinheiro ou bens mobilarios, ainda que encoberto debaixo de outra fórma, será punido com prisão até tres annos e multa até seis mezes.

§ unico. Sendo o facto commettido por meio de letra aceita pelo menor ou interdicto com a data em branco, para ser enchida quando chegar á sua maioridade ou emancipação, ou quando cessar a interdicção, será punida com as penas da falsidade.

Art. 456.º Aquelles que fizerem algum contrato simulado em prejuizo de terceira pessoa ou do estado, serão punidos com prisão até tres annos e multa até 300$000 réis, dividida pelos co-réus.

Art. 457.° Será punido com um mez a um anno de prisão:

1.° O que enganar o comprador sobre a natureza da cousa vendida;

2.º O que enganar o comprador, vendendo-lhe mercadoria falsificada ou generos alterados com alguma substancia, posto que não nociva á saude, para augmentar o peso ou volume;

3.° O que, usando de pesos falsos ou medidas falsas, enganar o comprador.

§ 1.° Se for ourives de oiro ou de prata, que commetta a falsificação, mettendo nas obras que fizer para vender alguma liga, porque a lei, bondade e valia do oiro ou prata seja alterada, ou engastando ou pondo pedra falsa ou contrafeita, ou que engane o comprador sobre o peso ou toque do oiro ou prata, ou sobre a qualidade de alguma pedra, a pena será a de prisão até tres annos e multa até seis mezes.

§ 2.° A simples detenção de falsos pesos ou de falsas medidas nos armazens, fabricas, casas de commercio, ou em qualquer logar em que as mercadorias estão expostas á venda, será punida com multa até 5$000 réis.

§ 3.° Consideram-se como falsos os pesos e medidas que a lei não auctorisa.

§ 4.º Os objectos do crime, se pertencerem ainda ao vendedor, serão perdidos a favor do estado, e bem assim serão perdidos e inutilisados os pesos e medidas falsas.

Art. 458.° Aquelle que commetter o crime de contrafeição, reproduzindo, em todo ou em parte, fraudulentamente e com violação das leis e regulamentos relativos á propriedade dos auctores, alguma obra escripta ou de musica, de desenho, de pintura, de esculptura ou qualquer outra pro-

Página 538

538

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ducção, será punido com multa até 300$000 réis, e perda dos exemplares da obra contrafeita e de todos os objectos que serviram para a execução da contrafeição.

§ 1.° A mesma multa com a perda dos exemplares da obra será applicada ao que introduzir em territorio portuguez uma obra produzida em Portugal, que tiver sido contrafeita em paiz estrangeiro.

§ 2.º O que vender ou expozer á venda a obra assim contrafeita será condemnado em multa até 100$000 réis e na perda dos exemplares da obra contrafeita.

§ 3.° O emprezario ou director de espectaculo ou associação de artistas, que fizer representar no seu theatro alguma obra dramatica ou executar composição musical com violação das leis e regulamentos relativos á propriedade dos auctores, será punido com multa até 100$000 réis e com a perda do producto da recita.

Art. 459.º Qualquer defraudaçâo dos direitos dos proprietarios dos novos inventos, com violação das leis e regulamentos que lhes respeitarem, será punida com multa até 300$000 réis, e perdas dos objectos que serviram para a execução do crime.

Art. 475.° Aquelle que voluntariamente destruir ou desarranjar em todo ou em parte qualquer via ferrea, ou collocar sobre ella algum objecto que embarace a circulação ou que tenha por fim fazer saír os comboios dos carris, será punido com a pena de degredo temporario.

§ 1.° Se de qualquer dos factos indicados resultar a morte de alguma pessoa, a pena será de degredo por toda a vida para as possessões occidentaes de Africa.

§ 2.° Se de qualquer d'esses factos resultarem algumas das offensas corporaes indicadas no artigo 360.°, a pena será o maximo do degredo temporario; se resultarem algumas das offensas especificadas no artigo 361.º, a pena será de degredo por quinze annos.

Art. 476.° A destruição de telegrapho, poste ou linha telegraphica, a destruição ou corte de fios, postes ou apparelhos telegraphicos ou a opposição com violencia ou ameaça ao seu restabelecimento, será punida com prisão até tres annos e multa até seis mezes.

Art. 477.° Aquelle que, por qualquer meio, derrubar ou destruir voluntariamente, em todo ou em parte, edificio ou qualquer construcção concluida ou sómente começada, seara, vinha, horta, plantação, viveiro ou sementeira, pertencente a outrem ou ao estado, será punido:

1.° Com prisão até tres annos e multa até seis mezes, quando o valor do prejuizo causado exceder a 200$000 réis;

2.° Com prisão até um anno e multa até tres mezes, se não exceder esta quantia, mas for superior a 50$000 réis;

3.° Com prisão até seis mezes e multa até um mez, se o prejuizo for inferior a 50$000 réis e superior a 10$000 réis;

4.° Com prisão até tres mezes e multa até quinze dias, se o prejuizo for inferior a 10$000 réis e superior a 500 réis;

5.° Com prisão até quinze dias e multa até tres dias, se o prejuizo for inferior a 500 réis.

§ 1.° Se o valor do damno não exceder 500 réis, só terá logar a pena, queixando se o offendido.

§ 2.° A segunda reincidencia será punida com a pena immediatamente superior.

Art. 478.º São eomprehendidos nas disposições do artigo antecedente e seus §§:

1.° O que arrombar porta ou janella, tecto ou parede de qualquer casa ou edificio;

2.° O que destruir, em tsdo ou em parte, parede, fosse, valia ou qualquer cercado.

Art. 479.° Aquelle que destruir ou de qualquer modo damnificar estatua ou outro objecto destinado á utilidade ou á decoração publica, e collocado pela auctoridade publica ou com sua auctorisação, será punido com a prisão até dois annos e multa até seis mezes.

Art. 480.° Será punido com as mesmas penas do artigo antecedente, e salvas as penas de resistencia, se houverem logar:

1.° O que, por meio de violencia, se oppozer á execução de trabalhos auctorisados pelo governo;

2.° O que causar damno com o fim de impedir o livre exercicio da auctoridade publica, ou por vingança contra os que tiverem contribuido para a execução das leis.

Art. 481.° Aquelle que cortar ou destruir qualquer arvore fructifera ou não fructifera, ou enxerto pertencente á outrem, ou a mutilar ou a damnificar de modo que a faça perecer, será condemnado na prisão de tres a trinta dias e multa até um mez.

§ 1.º Se for mais do que uma arvore ou enxerto, a pena será imposta multiplicada pelo numero das arvores ou enxertos destruidos, comtanto que não exceda ao maximo da prisão correccional e multa até seis mezes.

§ 2.º Se a arvore ou as arvores eram plantadas em logar publico, em estrada, caminho publico ou concelhio, as penas serão em dobro, sem nunca excederem ao maximo da prisão correccional e multa até seis mezes.

Art. 482.° A destruição ou damnificação de effeitos ou propriedades moveis, ou de quaesquer animaes pertencentes a outra pessoa ou ao estado, que se commetter voluntariamente:

1.º Em assuada;

2.° Empregando substancias venenosas ou corrosivas;

3.° Com violencia para com as pessoas, será punida com o degredo temporario.

Art. 483.° Aquelle que voluntariamente matar ou ferir alguma besta cavallar de tiro ou de carga, ou alguma cabeça de gado vaccum ou de rebanho, fato ou vara, ou qualquer animal domestico pertencente a outra pessoa, será condemnado em prisão até seis mezes e multa até um mez.

§ unico. Se este crime for commettido em terreno de que seja proprietario, rendeiro ou colono o dono do animal, a pena será aggravada e impor-se-ha o maximo da mesma pena no caso em que concorra escalamento.

Art. 484.º Fóra dos casos especificados n'este capitulo, todos os damnos causados voluntariamente em propriedade alheia movel, immovel ou semovente, serão punidos com prisão até seis mezes e multa até um mez.

§ unico. Não concorrendo circumstancia aggravante a pena será de multa até um mez, a qual será imposta accusando o offendido, e salva a pena de contravenção, se houver logar.

TITULO III

Disposições transitorias

Art. 18.° As disposições da presente lei ácerca da reforma penal, terão plena observancia logo que a mesma lei for promulgada, guardando-se, para sua melhor execução, as seguintes regras:

§ 1.° Nos processos ainda pendentes de julgamento, quer em primeira, quer em segunda instancia, os juizes farão em suas sentenças a devida applicação das mencionadas disposições.

§ 2.° Quando houver sentença proferida em segunda instancia, mas ainda não passada em julgado, os juizes da sentença, embora da mesma sentença se tenha já interposto recurso, farão, a requerimento do ministerio publico, igual applicação por accordão declaratorio em conferencia, expedindo-se depois o recurso.

§ 3.° Se, porém, o recurso se achar já expedido, o supremo tribunal de justiça, não encontrando fundamento de nullidade sobre que prover, mandará igualmente, por accordão em conferencia e a requerimento do ministerio publico, que os autos baixem á relação respectiva, para ahi se proceder nos termos do § antecedente.

§ 4.° Dos accordâos declaratorios, de que se trata n'este artigo, cabe sempre recurso de revista nos termos da lei geral.

Art. 19.° É auctorisado o governo a fazer uma nova

Página 539

539

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

publicação official do codigo penal, na qual deverão inserir se as disposições da presente lei.

Art. 20.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 6 de maio de 1871. = José Marcellino de Sá Vargas.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9, na especialidade

O sr. Presidente: — Tinha sido apresentado pelo sr. Barros e Cunha durante a discussão um additamento, do qual o sr. deputado tinha retirado a primeira parte.

Agora o que temos a fazer é votar e discutir as partes restantes do mesmo additamento.

Tem a palavra o sr. Barros Gomes.

O sr. Barros Gomes: — Na sessão anterior tinha declarado a v. ex.ª e á camara, em nome da commissão de fazenda, que esta se havia pronunciado, por unanimidade, no sentido da conveniencia que haveria em adoptar o principio da maxima publicidade em tudo que dissesse respeito a materia tributaria. Apenas divergiamos do sr. Barros e Cunha em relação a algumas das disposições propriamente regulamentares da sua proposta, sobre as quaes não nos consideravamos habilitados para responder desde já.

Pareceu por isso á commissão que seria mais conveniente reservar esta materia para um projecto de lei, que podesse applicar-se a todas as contribuições directas, e que viria á discussão n'esta camara, quando se tratasse da multiplicação dos prasos de cobrança em harmonia com os desejos manifestados n'esta casa, por alguns dos nossos collegas, que n'esse ponto eram interpretes das aspirações de muitos contribuintes, manifestadas pela imprensa, e por todas as maneiras por que se faz conhecer a opinião publica.

Comtudo, tendo novamente consultado a commissão a este respeito, a maioria dos membros d'ella não duvidou, em attenção ás rasões allegadas pelo sr. Barros e Cunha, aceitar que se consignasse desde já no projecto de lei, que estamos discutindo, o principio da publicidade sem descer porém a inserir n'elle nenhuma disposição de natureza propriamente regulamentar, deixando assim ao governo o providenciar sobre o modo por que em harmonia com a actual organisação das repartições de fazenda se poderia levar á pratica esta idéa de s. ex.ª

O principio da publicidade não é novo entre nós; acha-se já garantido pela legislação vigente de 1852 e 1860. Comtudo, como muito bem disse o meu illustre collega o sr. Barros e Cunha, não é possivel, pela simples exposição da matriz durante um certo praso de tempo nas repartições de fazenda concelhias, que os contribuintes tenham completo conhecimento, como era conveniente que tivessem, do que diz respeito ao imposto que elles têem de pagar.

Reconhecendo isso s. ex.ª o sr. ministro da fazenda no decreto, pelo qual ordenou que se procedesse á revisão das matrizes prediaes, providenciou tambem a este respeito, mandando fazer um mappa, no qual se designassem por freguezias os nomes dos proprietarios, e o valor collectavel, total dos predios de cada um. Este mappa deve effectivamente na minha opinião dar resultados importantes; parece-me todavia que melhor se teria alcançado o que se desejava se, em vez de designar n'elle o valor collectavel, que é para o maior numero de contribuintes um dado muito difficil de apreciar, se tivesse indicado a importancia do imposto que correspondeu, por exemplo, no anno preterito a cada uma d'ellas. É difficil de apreciar, ainda mesmo para gente com um certo grau de illustração, qual seja o rendimento liquido de um predio; o que todos porém n'uma aldeia sabem dizer é, por exemplo, de um olival quantos almudes de azeite poderá produzir, de uma vinha quantas pipas, e de uma terra de pão quantos moios de cereaes poderá dar um anno por outro.

Mas calcular para estas differentes culturas os gastos de producção, e deduzir do producto bruto esses gastos, para ter o rendimento liquido sobre que deve recaír o imposto, é essa uma operação delicada, a que muito poucos se acham no caso de proceder.

Não basta por isso fixar no mappa o rendimento collectavel; seria mesmo talvez mais conveniente que se indicasse n'elle a importancia do imposto. É essa uma circumstancia que mais facilmente se torna apreciavel, porque todos sabem, comparando a contribuição que pagam com a que é exigida de um vizinho, se estão, ou não, sobrecarregados em relação a este.

E não foi só o sr. ministro da fazenda actual que procurou alcançar por esta fórma a maxima publicidade da parte mais importante da matriz predial; muito antes d'isso, se me não engano, pelas instrucções de 28 de setembro de 1842 já se tinha estabelecido que se afixassem mappas impressos ás portas das igrejas, designando-se n'elles o nome dos contribuintes e a importancia das collectas que se exigiam pelo lançamento da decima e impostos annexos.

Esses mappas chegaram em Lisboa effectivamente a ser affixados ás portas das igrejas, mas estas apesar de grandes não bastaram para satisfazer aos preceitos da lei, foi necessario, segundo me contam, cubrir os differentes muros das mesmas igrejas com os mappas em questão, e algumas das suas folhas ficaram ainda assim enllocadas a tão grande altura que só com o auxilio de uma escada podia o contribuinte ir verificar qual a collecta que lhe tinha sido lançada (riso); e passados alguns dias, esses mappas que representavam um grande trabalho e despeza estavam rasgados.

E eu receio muito que o mesmo haja de acontecer hoje aquelles que o sr. Carlos Bento mandou coordenar, porque o contribuinte favorecido ha de ter todo o empenho em que o favor de que se achava gosando não seja conhecido do pequeno contribuinte, e que este não tenha occasião de comparar os encargos muito pesados a que está sujeito, por não dispor dos mesmos meios de acção perante as auctoridades fiscaes de que dispõe os poderosos, os ricos, os influentes, com as quotas relativamente muito modicas que d'estes ultimos se exigem para acudir ás despezas geraes da nação.

N'estas condições ha de acontecer com os mappas actuaes o que aconteceu com os de 1842, com os do recenseamento e com tantos outros que se mandam tornar publicos nas differentes freguezias, e que desapparecem em pouco tempo.

Já vê s. ex.ª, pelos factos que tenho citado, que a publicidade tem sido ensaiada entre nós; tem-se feito varias tentativas, e nem sempre estas foram coroadas de exito feliz; convem por isso que seja estudada maduramente para que as disposições regulamentares que se refiram á sua realisação, sejam de natureza a permittir que o beneficio, que se deve esperar para o contribuinte, da publicidade, não seja perdido.

Ha ainda, pelo que diz respeito aos mappas, outras difficuldades; nós temos freguezias muito extensas e dispersas; citarei entre centos d'ellas uma, que hoje me era apontada por um cavalheiro muito competente n'esta questão tributaria, e com o qual largamente conversei sobre os meios praticos de alcançar no nosso paiz a maxima publicidade em materia de imposto, a freguezia de Pomares, no concelho de Arganil, districto de Coimbra.

Tem esta freguezia quatro ou cinco leguas de extensão, e os differentes logares que a compõem acham-se tão dispersos, que de alguns d'elles á igreja matriz ha uma distancia de duas e mais leguas, as quaes tem de ser percorridas por sendas quasi intransitaveis, perdidas,no meio de inhospitas serranias; em taes condições o mappa affixado na igreja parochial tambem de certo não poderá aproveitar muito.

Será portanto muito mais facil de admittir, como meio para alcançar uma publicidade real, o seguinte, que está estabelecido, creio eu, em França; mandar um aviso individual a cada contribuinte, designando a importancia da

Página 540

540

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

collecta que tem de pagar, e os differentes factos sobre que recáe o imposto, e abrir então um novo praso para reclamações, não limitando estas á epocha immediatamente posterior á formação da matriz.

Os nossos contribuintes em regra geral só curam do imposto que lhes é exigido quando o recebedor os procura em casa com o conhecimento da contribuição a que têem de satisfazer, só então se queixam da grandeza e injustiça do imposto; só então, quando já é tarde para o fazerem com vantagem, levantam clamores, ás vezes muito justificados, contra as leis que não garantem, pela maneira por que são applicadas, o principio que todos respeitâmos, de um sacrificio proporcional distribuido por todos os contribuintes.

Não pretendo n'este momento dizer se com a organisação das nossas repartições de fazenda este systema que proponho possa ser adoptado, comtudo n'este momento afigura-se-me elle mais vantajoso e melhor que o proposto por s. ex.ª

O sr. Barros e Cunha: — Eu proponho tambem o aviso individual.

O Orador: — De accordo; mas eu, alem d'isso, indicava n'este momento como garantia muito importante que as reclamações se possam fazer no momento em que esse aviso é enviado a cada um dos contribuintes.

E n'este sentido já existem algumas disposições na nossa legislação.

O decreto de 7 de abril de 1869, firmado pelo ministerio presidido pelo sr. marquez de Sá, decreto cuja iniciativa mais particularmente pertence ao sr. conde de Samodães, então ministro da fazenda, diz no artigo 10.° o seguinte:

«Por erro ou duplicação de collectas da contribuição predial, ou pela cessação de rendas dos predios urbanos em que a mesma contribuição tenha recaído, poderão os collectados reclamar perante a junta dos repartidores no praso de tres mezes, contados do primeiro dia da abertura dos cofres para a cobrança das mesmas collectas, com recursos para o conselho de districto e conselho d'estado. Fóra d'este praso não poderão por estes motivos, ser admittidas taes reclamações.»

Citando estes factos e expendendo á camara estas idéas, não pretendo por fórma alguma substituir um systema ao do sr. Barros e Cunha; quero simplesmente dizer que esta questão da publicidade é uma questão difficil, que precisa maduramente estudada e que o governo tem necessidade de ouvir sobre ella as opiniões dos homens competentes, para determinar qual dos systemas a adoptar será o mais conveniente para o contribuinte, garantindo a maxima publicidade compativel com as circumstancias do paiz.

N'estas condições, e em harmonia com as considerações que já na sessão anterior tive a honra de fazer á camara, novamente declaro em nome da commissão de fazenda que aceitando completamente o principio fundamental da proposta do sr. Barros e Cunha, não duvidando mesmo inseri-lo desde já no projecto de lei que estamos discutindo, não podemos por emquanto prescindir de deixar ao governo uma auctorisação para regulamentar essa materia pelo modo como entender mais conveniente.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que mande para a mesa a sua proposta.

(Pausa.)

O sr. Barros Gomes: — Dizem-me alguns dos meus illustres collegas, mais habituados do que eu ás lides parlamentares, que não é pratica d'esta casa enviar o relator de uma commissão qualquer proposta para a mesa em nome d'essa mesma commissão (apoiados).

Se isto assim é, e para evitar tambem uma redacção precipitada, e por isso talvez menos conveniente, eu pediria que se votasse o artigo, ficando entendido que a commissão está de accordo em que se consigne no projecto que estamos discutindo o principio da publicidade, deixando porém ao governo o formular em regulamentos subsequentes os meios por que ella haja de realisar se, de modo a dar a maior somma de garantias ao contribuinte.

Se v. ex.ª, portanto, me dispensa, não mando proposta para a mesa.

O sr. Barros e Cunha: — Eu tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: — O sr. deputado já por tres vezes pediu a palavra sobre a materia, e o regimento não permitte fallar mais do que duas vezes.

O sr. Barros e Cunha: — Nesse caso peço a v. ex.ª consulte a camara sobre se me dá a palavra (muitos apoiados).

O sr. Presidente: — Á vista da manifestação da camara, dou a palavra ao sr. deputado.

O sr. Barros e Cunha: — Desejo muito não tirar a questão do terreno placido em que deve ser collocada, porque se trata principalmente de remediar um dos maiores gravames que soffrem os contribuintes d'este paiz em não poderem absolutamente conhecer a maneira por que são collectados, os prasos em que devem pagar, nem as penalidades que estão estabelecidas na nossa legislação para quando, por ignorancia, deixam de usar dos seus direitos, ou de satisfazerem os impostos nas epochas marcadas na lei.

Dei todas as provas á camara, desde o primeiro dia, de que não era outro o meu intuito; até mesmo fui o mais resumido que podia ser da primeira vez que usei da palavra. Infelizmente não sei porque, apesar da grande benevolencia com que a camara acolhe as observações que tenho a honra de lhe fazer, é, exactissimamente, n'este ponto capital, em que não posso transigir com pessoa alguma, que apparecem difficuldades! Considero-me agora bastante feliz depois do calor com que correu a ultima discussão, porque vejo que o negocio se encaminha outra vez para o curso que desejo que tenha e em que espero poder mante lo. O sr. ministro da fazenda declarou já, que aceitava que fosse inserido na lei o principio da publicidade que proponho em relação ás matrizes; igual declaração acaba de fazer o digno relator da commissão em relação aos avisos: ha porém umas taes distincções entre o que deve ser principio legislativo inserido na lei e o que é regulamentar, ha uma certa elasticidade em relação a este principio, e ao mesmo tempo uma certa restricção, que não posso comprehender o accordo ou desaccordo em que está o sr. ministro da fazenda com o sr. relator da commissão; por consequencia, farei todo o possivel para que a minha idéa possa ser franca e claramente exposta ao parlamento, e para que o governo, e especialmente o sr. ministro da fazenda, diga se effectivamente não entende que deve aceitar, tão completamente como desejo, o principio da publicidade das contribuições, que deve abranger o levar o conhecimento a casa de cada contribuinte (antes de poder ser coagido a qualquer acto), de que está ou não devidamente collectado, a fim de que a sua reclamação possa ser presente ao tribunal que deve tomar conhecimento d'ella.

Tem-se querido trazer para a publicidade da contribuição pessoal a difficuldade da publicação da matriz com relação ás contribuições predial e industrial. Não trato de nada d'isso; desejo muito que o principio seja estabelecido em todas as contribuições; quando ellas vierem, se cá vierem, direi o que entendo a esse respeito.

O sr. Barros Gomes: — Eu declarei que em relação á contribuição pessoal a difficuldade era ainda maior que nas outras duas contribuições.

O Orador: — Bem, o digno relator da commissão fez essa declaração, mas eu não estou de accordo com a sua opinião.

E digo a rasão porque.

Não ha duvida, que é muito menor o numero dos concontribuintes e o numero das inscripções da contribuição pessoal, por consequencia não sei como a difficuldade possa ser maior.

Creio que é muito mais simples collectar um cavallo, uma carruagem e a renda das casas, do que estar a fazer a in-

Página 541

541

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

scripção da propriedade, porque o contribuinte morando em uma freguezia póde ter propriedades em duas ou mais freguezias, em dois ou mais concelhos e muitas vezes em dois districtos; ha exemplos d'isto.

Mas voltando á questão. Eu não trato por consequencia da lei geral nem trato de principios regulamentares, trato de collocar na lei uma disposição identica á que se acha no artigo 13.°; proposta pela commissão; diz-se assim:

«Artigo l3.° Nas terras aonde pelos regulamentos, que o governo fizer em virtude da auctorisação, que lhe é conferida no artigo antecedente, forem obrigatorias as declarações verbaes ou por escripto, que os contribuintes tenham de prestar ao escrivão de fazenda para a formação das matriz, não poderá haver reclamação ordinaria nem extraordinaria contra as collectas lançadas aquelles contribuintes, que deixarem de prestar essas declarações.»

O sr. ministro da fazenda propoz no artigo 11.° do seu projecto as declarações obrigatorias.

No meu additamento vae o principio identico ao que propoz o sr. ministro da fazenda, combinado com o que propõe e assigna o sr. relator da commissão, porque digo ali que o contribuinte que for avisado pela maneira por que ali se estabelece e que, depois de avisado, não reclamar; ou se, reclamando, for attendido, se confessa por esse facto devedor á fazenda nacional, e póde ser obrigado a pagar as suas contribuições sem necessidade de novo aviso; e se não for citado para reclamar, ha de ser citado para pagar, porque não se póde dispensar a citação, faz-se actualmente, e não póde deixar de se fazer, e fazendo-se primeiro, não tem de se fazer depois, fazendo-se para a reclamação, dispensa de se fazer depois para o fim de ser coagido a pagar executivamente.

Eu proponho que seja avisado dos artigos sobre que deve pagar, e quanto deve pagar, porque assim tem o contribuinte muito a tempo conhecimento em sua casa, pelo qual póde saber se está ou não devidamente collectado, ou se tem ou não direito a reclamar.

Emquanto ao alargamento do praso para a reclamação, é necessario com o systema actual; mas pela maneira por que eu desejo que os contribuintes sejam informados, não me parece necessario.

Ha outro ponto que me parece que está debaixo de certa obscuridade, e é o seguinte. Objectou-se que o meu additamento pedia grandes despezas, e essa seria realmente uma séria objecção. Eu disse ao governo que havia despeza a fazer, e que essa despeza ficava a cargo do contribuinte, por uma percentagem lançada sobre a contribuição pessoal, e offereci propor que se juntem 2 por cento, tanto para a copia das matrizes como para os avisos levados aos domicilios.

Segundo os calculos feitos pelo meu amigo o sr. Cortez, em que eu confio plenamente em cousas d'esta natureza, esta percentagem é exagerada; porém na proxima sessão, depois de se ter executado esta parte da lei, que é um estudo muito proveitoso para as decisões que havemos de tomar mais tarde a respeito da contribuição predial e industrial, entendo que se não deve regatsar o preço, para que depois se não diga que não havia meios para executar esta prescripção da lei. Entendo que 40 ou 50 réis por cada conhecimento, para copiar a matriz de cada parochia e mandar a cada individuo um aviso de contribuição pessoal, é rasoavel, e o remanescente, se ficar, não deve ser grande.

Por consequencia a não ir na lei o meu artigo, e a não ter de se executar em virtude de uma disposição legislativa, não tenho que mandar para a mesa o additamento a que me refiro sobre a verba que deve fazer face á despeza a que elle se obriga. Ora, bem vê a camara que o meu additamento não foi, não é, nem póde ser materia secundaria e regulamentar. Devemos vota-lo, para votarmos depois a verba que devo fazer face á despeza que se contém na sua natureza, na sua applicação.

Eu felicito o sr. ministro da fazenda pela sua grande resistencia em querer aceitar um augmento de imposto, declarando que aceita do meu additamento a despeza a que elle obriga. Realmente é o primeiro ministro de fazenda que aceita o onus e rejeita os meios que lhe offereço de tão boa vontade, com a minha responsabilidade, e pelos quaes eu, como auctor da proposta, e a camara, votando-a, podemos incorrer no desagrado do contribuinte. Muito zeloso está o sr. ministro da fazenda pela nossa popularidade!

Não percebo esta resistencia!

E para isto tem-se fallado em tudo.

Fallou-se aqui até na legislação de 1842. Eu conheço-a, e conheço todas as outras disposições posteriores.

Mas uma prova de que d'este povo portuguez se póde fazer tudo quanto ha, é que se estabelecem nas leis garantias que lhe devem aproveitar, e não se lhe dão meios de poder usar d'ellas; accusando-o ainda pela sua extrema docilidade, mas tratando de lhe apanhar as pequenas economias por meio de execuções fiscaes, que importam em mais do que as contribuições que entram nos cofres do estado.

A camara dos deputados não póde deixar de se pronunciar sobre este ponto, ou ha de rejeitar o meu additamento ou ha de admitti-lo na lei.

Em qualquer dos casos a minha responsabilidade fica salva.

E eu estou compromettido com o paiz em não abrir mão d'este negocio. Hei de fazê-lo reviver tantas vezes quantas se me offereça ensejo para isso.

A legislação em Marrocos é mais favoravel; ao menos é sincera e leal.

Em Marrocos o sultão vende aos kadis uns certos governos, e elles fazem com que os contribuintes lhes paguem o que hão de dar ao sultão e o que ha de ficar para seu beneficio. E da mesma maneira acontece com os pachás.

Mas eu entendo que devemos collocar-nos a uma grande distancia da civilisação do imperio marroquino. Se porém o não entendem assim, poupem ao menos o escarneo da velha legislação.

Lá tambem andam uns grandes senhores para fazerem justiça aos povos. A justiça é expoliarem os contribuintes. Mas tambem acontece ás vezes, em compensação, que os que têem a facilidade de tirar alguma cousa alem d'aquillo que pagam ao imperador, pagam com a cabeça a sua grande habilidade financeira. E o excesso dos impostos entra tambem por confisco para os cofres do imperio, para a origem commum.

A minha opinião é que o unico meio de vencer as grandes difficuldades financeiras está em tornar o povo collaborador n'esta grande obra (apoiados).

Ha uma tendencia em toda a parte para queimar as matrizes; mas, se se mostrar ao contribuinte o que são as matrizes, elle ha de comprehender que tem n'ellas a maior garantia de não ser injustamente collectado; de não pagar o pequeno e o pobre pelo rico e pelo poderoso.

É isto que eu peço ao governo que faça.

E não me distingam entre theoria e pratica; porque aqui a pratica e a theoria dão-se perfeitamente as mãos. Mau sophisma este, quando alguem argumenta com a pratica, respondem vamos á theoria; quando se appella para a theoria, vamos á pratica; isto com relação a finanças, a principios economicos, a administração, a principios constitucionaes, a tudo.

Eu não tenho senão uma pratica, consequencia da theoria, na questão presente, e com isto peço licença para me sentar.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que vinha para hoje.

Peço aos srs. deputados que compareçam mais cedo.

Está levantada a sessão.

Eram mais de quatro horas da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×