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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

putar-se fixada é a opinião seguida pelo conselho da direcção geral das contribuições directas; mas essa doutrina, que só uma vez foi confirmada pelo supremo tribunal administrativo, e que de todas as outras vezes tem sido justamente corrigida e revogada, é tão injusta e a meu ver tão extravagante, que basta conhece-la para a condemnar.

Como a lei de 1862 diz: «Sem fundamento algum para o serem pelas contribuições de que se trata», duvidou-se, n'esta terra feliz em que de tudo se duvida, se contribuições eram as collectas de que se reclamava, ou as leis que as estabeleciam. Entre nós as duvidas nascem e crescem ás vezes na rasão directa da clareza das leis e da justiça das suas disposições. Quanto mais claras e mais justas são as leis, maiores e mais frequentes surgem as duvidas e as difficuldades.

A duvida pratica é — se póde reclamar e usar do recurso extraordinario o individuo, ao qual é lançada uma contribuição sem fundamento algum em relação ao objecto a que se refere, por não possuir nem representar o individuo collectado a materia collectavel em que a contribuição assenta, ou se não basta isso e é indispensavel que concorram simultaneamente duas circumstancias; isto é, que não só não haja fundamento algum para a collecta em relação aquelle objecto, mas tambem que não haja fundamento algum para o individuo poder ser collectado por outros objectos em virtude da lei da mesma contribuição.

Não sei se me explico bem, desde já respondo aqui ao meu amigo e collega, o sr. Cortez, cuja illustração aprecio e muito respeito, que me diz que esta questão está decidida pela lei na sua opinião.

Eu faço notar a s. ex.ª, que esta questão que levanto não é minha, porque para mim tambem a lei não offerece duvida alguma; más levanto-a em virtude da experiencia e da pratica do fôro, onde vejo casos julgados em sentido opposto, e decisões encontradas nos tribunaes superiores. Importa pouco que nós não duvidemos quando os tribunaes duvidam, e quando d'ahi tem resultado e resulta a incerteza da applicação da lei.

Para me explicar com mais clareza, e para que todos apreciem as duvidas existentes, recorro eu a uma hypothese pratica.

Um individuo é, por exemplo, sujeito á contribuição predial, porque tem em Lisboa um pequeno predio. O escrivão de fazenda lança a este individuo a decima correspondente não só aquelle predio, mas a todos os predios de qualquer outro individuo.

O collectado, sem fundamento algum para o ser em relação a esses predios que não são seus, vem interpor o re curso extraordinario pela direcção geral das contribuições directas, e o respectivo conselho resolve que o recurso é illegal e incompetente, e que o recorrente não póde usar d'aquelle meio extraordinario, porque, ainda que não ha fundamento algum pará as conectas que lhe lançaram e que são as unicas contra as quaes elle reclama, todavia ha fundamento para ser collectado pela contribuição predial, que é a de que se trata; e portanto não é licito nem póde ser admittido recurso extraordinario, o qual a lei só permitte quando não haja fundamento algum para a contribuição predial, isto é, quando o individuo não tenha materia alguma collectavel sujeita a essa contribuição.

Isto custa a crer, mas não ë só um, são muitos os casos julgados peto respeitavel concelho da direcção geral das contribuições directas. Este conselho superior diz invariavelmente:

«É verdade que não ha fundamento algum para essa collecta predial ou industrial, porque o collectado não possue nem nunca possuiu esse predio, não exerce, nunca exerceu, ou mesmo não póde exercer essa industria, mas ha fundamento para a contribuição de que se trata porque possue outro predio ou exerce outra industria, e é tributado com fundamento na contribuição predial ou industrial.»

Esta doutrina é singularissima, excede mesmo os justos limites que o juizo impõe a credibilidade das cousas. Eu concordo que o conselho dá á lei uma interpretação que ninguem lhe dá nem póde dar, mas o facto é que lh'a dá e que a applica por esta fórma aos contribuintes.

Ora o conselho da direcção geral das contribuições directas, como todos os conselhos superiores n'este paiz, é uma potencia contra a qual luta debalde o governo, contra a qual na pratica tem sido quasi inutil o parlamento, e contra a qual portanto nada póde, nem mesmo ousa erguer vistas sacrilegas o simples contribuinte, que se não paga logo a collecta, para que não ha fundamento algum, pagará em tempo perdido, trabalho inutil e despezas do recurso extraordinario dez vezes a collecta injustissima de que teve a audacia de recorrer. É esta a garantia de que gosam os contribuintes.

Apontarei um caso, e podia referir muitos, eu chamo para elle a attenção da camara, se por acaso ella a quer prestar a factos que demonstrem a rigorosa verdade e inteira exactidão do que eu hontem aqui affirmei.

Um individuo foi collectado como solicitador de causas com a quota distribuida pelo gremio dos solicitadores e com os respectivos addicionaes. A camara sabe que para ser solicitador de causas é necessario um processo de habilitação especialissima com as formalidades prescriptas no decreto de 6 de setembro de 1866; e portanto que não póde ser solicitador de causas quem o quer ser, mas unicamente quem para o ser está habilitado em rigorosa harmonia com aquelle decreto. Pois um individuo que não estava habilitado em harmonia com o decreto, que não era solicitador de causas nem o podia ser, recebeu um dia um aviso para pagar a contribuição industrial correspondente á classe dos solicitadores de causas; este individuo interpoz o recurso extraordinario de que trata a lei de 1862; e o conselho da direcção geral das contribuições directas decidiu que a collecta era injusta, mas que o recorrente não tinha outro remedio senão pagar, porque, comquanto fosse verdade que elle não era nem podia ser solicitador de causas, tambem o era que elle estava sujeito á contribuição industrial por outro motivo, e portanto não lhe permittia a lei interpor o recurso extraordinario, e só lhe pertencia reclamar ordinariamente nos prasos legaes. Esta decisão foi confirmada no supremo tribunal administrativo, em 19 de outubro de 1870, e este individuo pagou a respectiva collecta, as despezas do recurso, o tempo e o trabalho. Foi feito solicitador á força, contra o decreto de 1866, mas só para pagar o imposto, e não pará poder solicitar em juizo.

Este facto não é unico. São muito frequentes factos d'esta ordem. O conselho da direcção geral das contribuições directas fixou esta bella doutrina e applica-a invariavelmente.

Creio ter demonstrado plenamente á camara, ao governo e ao illustre relator da commissão, que a redacção que ainda agora se encontra no § 2.º d'este artigo 10.° deixa de pé uma duvida, que em descredito e prejuizo nosso tem existido até hoje.

Creio que não está na intenção de ninguem tributar como solicitador de causas um individuo que não o é, nem póde ser; creio que não está nas intenções de ninguem tributar como medico um advogado, nem como advogado um medico ou qualquer outro individuo que não exerce essa profissão. Isto nunca esteve de certo na intenção do legislador, e não o póde estar na intenção de nenhum dos meus collegas d'esta casa; mas nasceu no conselho da direcção geral e tem-se applicado ali constantemente.

Como os factos se repetem, e como v. ex.ª e a camara facilmente imaginam quanto custa a qualquer contribuinte em tempo, em trabalho e em dinheiro a interposição e o seguimento de um recurso extraordinario pelo conselho da direcção geral das contribuições directas, recurso cuja demora e cuja despeza até final resolução no supremo tribunal administrativo representa dez ou vinte vezes o que o contribuinte tem a pagar pela sua collecta, e recurso que a final póde obter uma decisão d'esta ordem, eu julgo que a camara quererá evitar para o futuro estas questões, e dar á