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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Ouvi com toda a attenção as palavras proficientes, proferidas pelo meu nobre collega e velho amigo o sr. Alves Matheus, a proposito de uma representação feita pelos academicos da universidade de Coimbra, com relação a um projecto apresentado pelo sr. deputado Caldas Aulete.

Sou um soldado firme e crente da liberdade de ensino (apoiados); não tenho a menor duvida em apresentar este meu credo e defende-lo onde quer quer que seja, contra quem quer que seja, e empregar em prol d'elle todos os meus recursos, comquanto minguados e pequenos.

Mas antes da liberdade de ensino ha um outro principio, o qual é necessario respeitar; é o da instrucção obrigatoria (apoiados).

A liberdade de ensino será sempre uma mentira e uma ironia emquanto houver a liberdade de erro e de ignorancia (apoiados).

Para que a liberdade de ensino possa assentar em boas e solidas bases é necessario que a ignorancia seja espungida da face da terra; que desappareça esse Ugolino que vive nas trevas, esse Minotauro que tudo devora, essa força contraria a todo o progresso, a toda a civilisação e a todo o desenvolvimento.

É necessaria a instrucção obrigatoria; é necessario que o poder do estado, e só n'este caso, se anteponha, se colloque acima de todas as considerações, e obrigue, arraste a ignorancia a curvar o joelho diante das luzes da sciencia (apoiados).

N'este caso sou sectario convicto e firme da violencia. Quero que a bandeira do progresso, levantada pela mão poderosa da sabedoria, nunca se curve nem se roje aos pés da ignorancia, pois esta aspiração generosa só se consegue pela instrucção obrigatoria, que é o baptisterio onde a humanidade larga a lepra, que a definha.

Não trepidemos, não hesitemos, não tenhamos receio de offender o principio da liberdade. Ha um caso em que acima da liberdade está a violencia. Esse caso é o da instrucção obrigatoria (apoiados). E se alguem duvída ainda, recordemos o resultado verdadeiramente maravilhoso, proveniente d'esta agua lustral, que se espalha e se derrama a flux por todo o mundo; recordemos o resultado d'esta violencia sacrosanta, o qual está traduzido em factos brilhantissimos nos differentes tractos do territorio europeu.

Em 1819, na Prussia, tornou-se obrigatoria a instrucção do sexo feminino. Já ali era obrigatoria, havia muito, a instrucção do sexo masculino. Sabe v. ex.ª e sabe a camara qual foi na Prussia o resultado d'esta violencia, verdadeiramente benemerita e humanitaria? Foi que, passados doze annos, tinham diminuido 40 por cento o vicio, a prostituição e o pauperismo. Eis os resultados grandiosos, verdadeiramente benemeritos, d'essa violencia, que eu vi defender aqui perfeitamente por um ministro, que o é do Evangelho, que o é da civilisação, que o é das grandes idéas, o sr. Alves Matheus (apoiados).

Sr. presidente, reluctemos todos contra a enorme fera da ignorancia, que infelizmente ainda crava as suas negras e possantes garras n'este miserrimo paiz. Como queremos, sem que exista a consciencia dos direitos e deveres de cada um, que o suffragio universal se traduza em uma verdade real e effectiva, cheia de bemaventurados fructos? Como queremos que o suffragio seja uma verdade emquanto tivermos de reluctar contra a ignorancia, nem sempre receiosa de se apresentar, muitas vezes ousada e atrevida inimiga da evolução da idéa civilisadora? (Apoiados.)

Sr. presidente, ha pouco li eu um relatorio publicado, no meiado do anno de 1870, por um funccionario, mr. Hippeau, commissionado pelo governo francez de ir estudar a instrucção publica nos Estados Unidos. Tambem não ha muito tempo que li uma substanciosa analyse, na Edinburgh Review, de um enorme relatorio feito em Inglaterra ácerca da instrucção das classes populares d'aquelle paiz, em comparação com a instrucção das mesmas classes em outros paizes. E cheguei á conclusão de que na Allemanha (a Allemanha caminha na vanguarda quanto a instrucção popular) póde-se dizer que a relação dos que não sabem ler, para aquelles que sabem, é de 4 para 100. Na Inglaterra é de trinta e tantos para 100. E em Portugal, segundo as ultimas estatisticas, parece-me que é de 70 para 100! Não afianço os numeros, porque cito de memoria.

É um facto conhecido de todos, que em muitas das nossas freguezias ruraes, e não de todo montesinhas, ermas, e arredadas do convivio social, acontece que as auctoridades não se podem deslocar, não se podem substituir, por isso mesmo que não ha ali senão aquelles poucos individuos que saibam assignar o seu nome (apoiados). É uma triste e pungentissima verdade, esta (apoiados).

Eu quero, portanto, e quanto a isto não cedo uma linha das minhas convicções; eu quero que esta camara, de accordo com qualquer que seja o governo, que se apresente n'esta casa, venha defender e venha hastear com todo o vigor e com toda a valentia a bandeira da instrucção popular (apoiados).

No principio d'esta sessão o illustre presidente do conselho, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, apresentou uma proposta de lei ácerca da instrucção primaria e secundaria. Por essa mesma occasião, se bem me recordo, um illustre membro d'esta casa, o sr. Marianno de Carvalho, tambem apresentou um trabalho sobre o mesmo assumpto, e com grave sentimento meu, e sem que de modo algum queira irrogar a menor censura á illustre commissão de instrucção publica, composta de cavalheiros muito distinctos e respeitaveis, pelo seu saber e pelas suas virtudes, vejo que ainda não vieram os pareceres sobre esses trabalhos. A commissão ainda não lavrou parecer sobre esse assumpto importantissimo; sobre esse assumpto que, apesar da extrema penuria do nosso thesouro, sobreleva aos proprios problemas financeiros (apoiados).

Não tenho duvida alguma em defender esta these, e declaro que anteponho acima de tudo a instrucção popular. Ás nossas finanças aliás muito desconcertadas; ás nossas finanças tão rachiticas infezadas, e tão pobres como o manto esfarrapado de Job; corresponde assim uma chaga muito mais profunda e cancerosa, a qual ha muito tempo lavra por todas as fibras do paiz. Essa chaga é a ignorancia immensa do nosso povo, é a sua ausencia completa de illustração.

Nós não havemos de resolver nunca isoladamente o nosso problema financeiro, porque elle não é uma parte destacada, que não tenha relação com os outros problemas sociaes. O problema financeiro é uma das partes d'esse enorme todo que consiste na governação publica (apoiados).

Como havemos de resolver as difficuldades financeiras, e entrar ousadamente na senda do progresso, se o povo não sabe ler, se o povo vive e vegeta n'esse lodaçal da ignorancia, onde os vicios se revolvem no meio da onda paludosa, do seio da qual se evolvem os gazes deleterios do vicio e da miseria? (Apoiados).

Se hontem eu tivesse estado n'esta casa, quando fallou o illustre membro d'ella o sr. Barros e Cunha, com aquella energia a que s. ex.ª ha muito tempo nos costumou, eu de certo teria erguido a minha voz ao lado do verbo de s. ex.ª Perguntou o sr. deputado á illustre commissão de instrucção publica pelo parecer sobre os projectos apresentados. Eu creio firmemente que a resposta dada pelos membros da commissão ha de ser muito satisfactoria.

Creio isso e não tenho a menor duvida; mas ainda assim, quando aquelle sr. deputado perguntou a rasão por que ainda não tinham vindo esses pareceres, eu tê-lo-ia acompanhado, porque, outra vez o repito, entendo que é essencialissimo que attentemos, com todo o cuidado, esmero e carinho, n'este altissimo problema de governação publica.

Entre os povos, que se dizem cultos, póde-se dizer que Portugal é um d'aquelles, que, na procissão do progresso, estão mais no couce d'ella, com relação á instrucção publica.