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SESSÃO DE 10 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de projectos de lei, requerimentos e representações. — Ordem do dia: Approvação de um parecer da commissão de fazenda, impresso a pag. 520 d'este Diario — Rejeição da proposta do sr. Francisco Costa, relativa á multiplicação dos prasos de cobrança da contribuição pessoal — Principio da discussão do projecto de lei n.º 14 (orçamento do ministerio da marinha).

Chamada — 40 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Beirão, Costa e Silva, Bicudo Correia, Candido de Moraes, Ulrich, J. J. de Alcantara, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Figueiredo de Faria, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Affonseca, Marques Pires, Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs. Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Arrobas, Barjona de Freitas, Eça e Costa, Augusto de Faria, Conde de Villa Real, Coelho do Amaral, F. M. Da Cunha, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Barros e Cunha, Mendonça Cortez, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Gusmão, Dias Ferreira, Elias Garcia, José Luciano, Moraes Rego, Mello Gouveia, Paes Villas Boas, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Villaça, A. J. Teixeira, Pedroso dos Santos, Rodrigues Sampaio, Antonio de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Palma, Zuzarte, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Rodrigues de Freitas, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Lopo de Mello, Camara Leme.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Da mesa da camara dos dignos pares, participando ter sido adoptada pela mesma camara a proposição de lei sobre a collocação do busto de Manuel da Silva Passos na sala da bibliotheca das côrtes.

Para o archivo.

2.º Da mesa da mesma camara, participando ter sido adoptada pela referida camara, a proposição de lei sobre serem auctorisadas a camara municipal de Lisboa e a santa casa da misericordia a trocarem alguns predios.

Para o archivo.

3.º Do ministerio do reino, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Pereira de Miranda.

Para a secretaria.

4.º Do ministerio da justiça, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo ar. Pedro Franco.

Para a secretaria.

5.° Do ministerio da marinha, remettendo alguns esclarecimentos pedidos pelo sr. Mariano de Caryalho.

Para a secretaria.

Representações

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal

Da camara municipal do concelho do Seixal.

Pedindo a revogação do decreto de 25 de outubro de 1870

1.ª Dos proprietarios do concelho da Arruda.

2.ª Dos proprietarios do concelho dos Olivaes.

Pedindo a revogação da lei de 1 de julho de 1867

Da camara municipal de Castello de Vide.

Contra as propostas tributarias do governo

Da camara municipal do concelho de Arouca.

Foram remettidos ás respectivas commissões.

Requerimentos

1.° Tendo-me sido distribuida na commissão de fazenda a proposta do governo, para modificar o processo, que regula no tribunal de contas, o julgamento das contas anteriores a julho de 1859, e sendo conveniente conhecer quaesquer informações ou consultas de empregados, repartições ou tribunaes que o governo haja recebido a respeito do objecto da proposta.

Requeiro que pelo ministerio da fazenda seja remettida a esta camara com urgencia uma copia de todas as informações ou consultas que tenha recebido a respeito do referido objecto.

Sala das sessões, 9 de maio de 1871. = Alberto Carlos Cerqueira de Faria.

2.º Requeiro pela terceira vez, com a maior urgencia, se peça ao governo remetta a esta camara:

1.° Pelo ministerio da justiça, os documentos que pedi em sessão de 9 de abril, com respeito a abusos de auctoridade, praticados pelo administrador do concelho de Belem;

2.° Pelo ministerio do reino, os documentos que tambem pedi em 10 de abril, relativos aos mesmos abusos, e os que pedi em 3 do corrente.

Sala das sessões, 9 de maio de 1871. = O deputado por Belem, Pedro Augusto Franco.

3.º Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da fazenda, venha com a maior urgencia a esta Camara o seguinte:

I Nota do que produzem annualmente as receitas creadas por carta de lei de 9 de agosto de 1860 com applicação á construcção do porto artificial de Ponta Delgada, termo medio, e especificadamente?

II Quaes as sommas até hoje auctorisadas com applicação a tal obra, e como têem sido realisadas?

III Quaes as sommas até hoje gastas na mesma obra?

IV Qual o rendimento annual do porto artificial de que se trata?

Sala das sessões, 9 de maio de 1871. = Por parte da commissão de fazenda, Eduardo Tavares.

Foram remettidos ao governo.

Declaração

Declaro que por incommodo de saude faltei ás duas ultimas sessões.

Sala das sessões, 9 de maio de l871. = Pedro Augusto Franco.

Inteirada.

O sr. Alves Matheus: — Pedi a palavra com o fim de mandar para a mesa uma representação de alguns estudantes da universidade de Coimbra, que declaram adherir ao projecto de lei, que foi apresentado pelo sr. deputado Caldas

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Aulete, para que seja reconhecida no nosso paiz a validade dos titulos e dos diplomas das academias hespanholas.

A representação a que me refiro, é breve e está bem escripta; creio por isso que não será desagradavel á camara ouvir a sua leitura.

Diz o seguinte (leu).

Seguem-se 58 assignaturas de estudantes de differentes faculdades da universidade de Coimbra, e por noticias que ha pouco recebi d'aquella cidade, não foi esta representação assignada por maior numero de academicos, porque o projecto do sr. Caldas Aulete abriu ali uma discussão tão incendida e tão tenaz, que os animos chegaram a alterar-se, e o estygma affrontoso de ibericos foi atirado ao rosto de todos os que se declararam favoraveis ao mesmo projecto de lei.

Estas qualiificações de goelphos e gebelinos se não são uma cousa perigosa, são, na verdade um facto deploravel entre moços de espiritos levantados e generosos, que igualmente e com o mesmo fervor amam a sua patria e a independencia d'ella (apoiados).

A divisão é uma das formas da fraqueza, e os povos mais minguados em territorio e população são os que maior necessidade têem de serem concordes na convicção do seu direito, e de, sem desconfiança, congregarem as suas forças para a manutenção e para a defensa energica e efficaz d‘aquillo que lhes é mais caro.

E ai de nós, se a mocidade academica, que representa a vitalidade mais robusta do paiz e as suas mais formosas esperanças, estivesse contagiada da peste do iberismo e tentasse fazer criminosa propaganda para supprimir a nossa bandeira e apagar a nossa independencia, que tem por pedestal uma historia honrada, e por sacrario o peito de todos os portuguezes (muitos apoiados).

Estou convencido de que nenhum academico ha, que não seja portuguez de lei nas crenças, nos sentimentos e no brios, e que não esteja tambem determinado a mostrar que o é nas acções, no esforço, no valor, na abnegação e no sacrificio, se a patria carecer um dia da manifestação publica d'estas suas nobres virtudes civicas (apoiados).

Estou persuadido, que convicções sinceras e limpas de qualquer nodoa, que o amor entranhado á liberdade e aos bons principios, que se allia perfeitamente ao amor da patria, foram as unicas e honrosas causáes, que determinaram os signatarios a patentear a sua adhesão á doutrina consignada no projecto do sr. Caldas Aulete (apoiados).

Tambem sou partidario convicto da liberdade e da concorrencia em materia de ensino (apoiados); mas declaro ao mesmo tempo, que sou e serei sempre adversario da desordem, da licença e da anarchia em assumptos de tamanha gravidade.

O principio da liberdade de ensino é justo, é racional, é excellente e santo; mas entendo, que o estado tem o direito e a obrigação de regular o exercicio d'essa liberdade, e que deve tomar as providencias necessarias para que o charlatanismo, a ignorancia, a especulação e a maldade não andem á solta (apoiados), e não pervertam a mocidade com o ensino de doutrinas immoraes e subversivas, e o publico não seja ludibriado (apoiados), e a humanidade não seja sacrificada, permittindo-se a todo e qualquer forasteiro e vagabundo, que exerça a profissão medica sem para isso estar habilitado.

A liberdade e a concorrencia no ensino está consignada na legislação de todos os estados da Allemanha, e acha-se identificada com os costumes dos povos, que constituem aquella nação.

Se a Allemanha sustenta hoje em suas mãos robustas o sceptro da sciencia, se entre todas as nações tem ella incontestavelmente a gloria da preeminencia intellectual, entendo que deve este facto ser attribuido, em parte, aos grandes principios e aos poderosissimos incentivos da liberdade e da concorrencia (apoiados).

Mas se na Allemanha é permittido a qualquer individuo exercer o magisterio publico ou outra profissão liberal, o estado exige-lhe previamente, que se mostre habilitado; a liça está franqueada a todos, a liberdade é ampla, mas ninguem póde usar d'ella sem reunir as condições prescriptas nas leis, sem se sujeitar a provas rigorosas, sem demostrar, que tem a capacidade e as habilitações precisas.

Os doutores livres não são admittidos ao ensino publico sem sustentarem primeiro perante uma universidade official uma these, em que se possa verificar a sua intelligencia, a sua capacidade e o seu merito.

Eu quero a liberdade de ensino em o nosso paiz, porque será mais uma brilhante victoria da democracia e do progresso, mas quero que ella se estabeleça pela mesma fórma por que existe na Allemanha (apoiados).

A lei hespanhola de 6 de fevereiro de 1869 é a expressão dos principios da liberdade e da concorrencia; mas, parece-me, se me não engano, que esta lei foi publicada só para o nosso paiz, e que a nenhum outro se fez tal concessão.

Esta prerogativa excepcional não deixa de merecer algum reparo. Eu entendo que nós mui pequenas vantagens colhemos das disposições d'esta lei, pois que nenhum jurisperito portuguez irá para Hespanha exercer a advocacia, ou quererá engeitar a propria nacionalidade para se naturalisar cidadão hespanhol e seguir n'aquelle paiz a carreira da magistratura judicial; e os medicos formados nas nossas escolas, os quaes mal chegam para as necessidades do paiz, não vão para a nação vizinha exercer a sua profissão.

Parece-me, que a lei hespanhola de 6 de fevereiro de 1869 contém uma idéa politica e que é uma irradiação d'aquelle sonho, cujo alcance todos nós comprehendemos (apoiados). É um presente, é um mimo, é um affago, que de certo não ha de desvigorisar e enfraquecer as nossas fibras patrioticas, é, por assim dizer, uma pedra lançada nos alicerces de uma ponte, que nós não passariamos nunca senão algemados e repetindo as palavras eloquentes e magoadas do nosso grande escriptor Heitor Pinto, que ao pisar o territorio hespanhol, aonde entrou preso pelo crime de ser portuguez, disse cheio de fé e de coragem: «Metem-me em Hespanha, mas não me metem cá dentro a Hespanha».

É justo, é conveniente, que as relações entre os dois povos vizinhos sejam as mais estreitas e cordiaes que seja possivel (apoiados), é vantajosissimo para ambas as nações que o seu trato e a sua communicação se aperte cada vez mais; mas nós continuaremos a sustentar sempre a doutrina da que queremos ser independentes e senhores em nossa casa (muitos apoiados).

A commissão de instrucção publica tem já lavrado o seu parecer sobre o projecto do sr. Caldas Aulete; foi este trabalho commettido a um relator competentissimo pela sua grande intelligencia e saber, e que é o sr. Santos Viegas. Eu assigno este parecer, porque approvo a idéa fundamental d'elle, mas por minha parte devo declarar que o não faço por cortezia para com o governo da nação vizinha; faço-o para prestar homenagem a um principio, que reputo verdadeiro (apoiados).

Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se auctorisa a publicação no Diario da representação enviada ao parlamento pelos estudantes da universidade de Coimbra.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Devo advertir ao sr. deputado que não devia ter estado a discutir um projecto que está affecto a uma commissão. O que era regular era esperar pelo parecer da commissão, para depois o discutir, porque de outro modo perde-se o tempo que se podia empregar em outros assumptos.

O sr. Ulrich: — Mando para a mesa um projecto de lei para o governo ser auctorisado a conceder á empreza constructora do theatro Figueirense um terreno para edificar o theatro de Figueira da Foz.

Abstenho-me de fazer considerações a este respeito, não só em attenção ás indicações de v. ex.ª, mas porque me

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reservo para em occasião opportuna dizer o que entender a tal respeito.

O sr. Costa e Silva: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Cintra, pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868 e a alteração da lei de 6 de junho de 1864 sobre viação municipal.

Tenho visto que diversos collegas nossos têem enviado para a mesa representações no mesmo sentido, e como a commissão ha de apresentar sobre ellas o seu parecer, reservo-me para em occasião opportuna dizer o que se me offerecer sobre o assumpto.

O sr. Adriano Machado: — Mando para a mesa uma representação dos alumnos das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto. Não sei se é ou não no mesmo sentido da que leu ha pouco o sr. Alves Matheus, a qual não ouvi distinctamente. Sei porém que versa sobre o mesmo assumpto. Desejava que ella fosse publicada no Diario da camara, porque serve para elucidar um projecto a respeito do qual a commissão de instrucção publica apresentará dentro de poucos dias o seu parecer.

Se eu podesse celebrar um contrato com a camara para que ella consentisse n'esta publicação, obrigar-me-ía pela minha parte a não fazer um discurso cuja impressão não esclareceria mais e não custaria menos do que a d'esta pequena mas substanciosa representação (riso).

Callo-me para que em vez de mim fallem os alumnos das escolas medico cirurgicas n'uma linguagem que se póde ouvir pela pureza da phrase e pela generosidade das idéas.

O sr. Eduardo Tavares: — Participo a v. ex.ª que o sr. deputado Antonio José Teixeira não tem comparecido ás ultimas sessões da camara e não comparecerá a mais algumas por incommodo de saude.

O sr. Francisco Beirão: — Ha já bastante tempo requeri, que com urgencia me fossem enviados pelo ministerio da fazenda uns esclarecimentos, mas não me foram remettidos.

Vim segunda vez perguntar se esses esclarecimentos tinham chegado, e disseram-me que não, e depois pedi á mesa que expedisse ordens terminantes a fim de que elles me fossem enviados. Volto hoje terceira vez á brecha, lembrando-me d'aquelle dito do Evangelho, batei e abrir-se-vos-ha.

Venho pois bater terceira vez e pedir que com toda a urgencia me sejam enviados aquelles esclarecimentos, tanto mais que preciso d'elles para entrar na discussão de uma proposta de lei que hontem o sr. ministro da justiça apresentou, pedindo a prorogação do praso para o registo dos onus reaes e hypothecas.

Preciso, como já disse, d'estes esclarecimentos e creio que no ministerio da fazenda não póde haver difficuldades em os mandar, e por isso supplico com mais que urgencia, se no vocabulario parlamentar ha outra palavra mais expressiva que eu não conheça, para que elles venham á camara.

Os esclarecimentos dizem respeito ás hypothecas dos responsaveis que têem sido registadas, qual o numero d'ellas, e qual o das prestadas pelos respectivos fiadores, e finalmente quaes as providencias que se têem tomado para se effectuarem esses registos.

Creio que isto é tão simples, que não sei qual seja a rasão da demora que tem havido na remessa dos esclarecimentos.

Requeiro por tanto á mesa, pela terceira mas não pela ultima vez, que expeça ordens terminantes a fim de serem enviados os esclarecimentos que pedi, ou então que se diga qual o motivo por que não podem vir.

Termino n'este momento, mas prometto continuar emquanto os esclarecimentos não vierem.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Queira o sr. deputado mandar o seu requerimento por escripto para a mesa.

O sr. Mexia Salema: — Depois que hontem o illustre deputado, o sr. Santos e Silva, apresentou a representação de uma camara municipal, pedindo o restabelecimento do respectivo circulo de jurados, e a acompanhou de expressões que mostravam bem a necessidade que muitos povos têem de que se restabeleçam os antigos circulos de jurados, que foram extinctos pela lei de 1 de julho de 1867, pedi a palavra a v. ex.ª para, como relator da commissão de legislação, a quem foram entregues differentes representações sobre este assumpto, assim como o projecto de lei a tal respeito, apresentado em outro tempo pelo sr. Aragão Mascarenhas, e cuja iniciativa foi renovada pelo illustre deputado, o sr. Arrobas, que n'esta casa do parlamento representa o mesmo circulo de Setubal, que aquelle então representava, repito, pedi a palavra para levantar de sobre mim qualquer censura que podesse fazer-se, como não tendo ainda apresentado parecer a este respeito, e para informar a camara do que ha sobre este assumpto.

Sei que todos os povos que deixaram de ter os circulos de jurados em consequencia das disposições da lei de 1 de julho de 1867, estão anciosos por verem restabelecidos os seus circulos de jurados, por isso que entendem que é summamente vexatorio terem os seus jurados de concorrerem aos circulos que só ficaram existindo nas cabeças de comarcas.

Já aqui disse que entendia não ser possivel restabelecer todos os circulos de jurados, e que era uma questão de alta importancia e cuja resolução prendia com a da auctorisação concedida ao governo por aquella mesma lei de 1 de julho de 1867, para crear mais vinte e cinco comarcas, auctorisação que em meu parecer deve ter cessado com a reforma dos juizos ordinarios.

O projecto de lei e as representações foram-me distribuidos na commissão de legislação, como relator, e encontrando-se em algumas das representações o despacho da mesa, de que sobre ellas devia ser ouvida a commissão de estatistica, e não em outras, nem no projecto, houve por isso questão na commissão sobre se deviam ser ou não enviados á commissão de estatistica, e a commissão resolveu que deviam ser mandados todos os papeis, por isso que n'elles os representantes não pediam só o restabelecimento dos seus respectivos circulos de jurados, mas de todos os circulos que ficaram extinctos, e não devia resolver e dar-se parecer sobre tudo sem tambem ser ouvida a commissão de estatistica sobre todo o assumpto.

Lavrou-se o parecer n'este sentido, e ha mais de vinte ou trinta dias que o enviei, assim como o projecto e representações ao sr. secretario da commissão de estatistica.

Não sei o andamento que ali teve, mas o que eu quero dizer á camara é que a commissão de legislação não tem absolutamente a minima culpa de se não ter dado solução a estes papeis de grande alcance.

Não quero com isto fazer censura á commissão de estatistica, reconhecendo que é um negocio de summa importancia e de muito trabalho, porque é necessario estar a examinar se convem ou não restabelecer mais talvez de sessenta ou oitenta circulos, isto é, tantos como os que foram extinctos.

Se o trabalho sómente se reduzisse a querer fazer restabelecer este ou aquelle circulo, era de pouca importancia. No sentido do projecto não é possivel fazer trabalho bom e proficuo sem ser com grande estudo e sem ser ouvido o sr. ministro da justiça a final.

Portanto entendi do meu dever fazer estas reflexões que hontem não pude fazer porque não me chegou a palavra, por ter que se passar á ordem do dia.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um requerimento do sr. José Augusto da Terra, major de artilheria, em que pede ser indemnisado dos prejuizos que soffreu com a reforma.

O sr. Pereira de Menezes: — Tenho a honra de declarar a v. ex.ª e á camara que o sr. Bessa não tem comparecido a algumas sessões por motivo de grave incommodo de saude de alguem de sua familia.

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O sr. Osorio de Vasconcellos: — Ouvi com toda a attenção as palavras proficientes, proferidas pelo meu nobre collega e velho amigo o sr. Alves Matheus, a proposito de uma representação feita pelos academicos da universidade de Coimbra, com relação a um projecto apresentado pelo sr. deputado Caldas Aulete.

Sou um soldado firme e crente da liberdade de ensino (apoiados); não tenho a menor duvida em apresentar este meu credo e defende-lo onde quer quer que seja, contra quem quer que seja, e empregar em prol d'elle todos os meus recursos, comquanto minguados e pequenos.

Mas antes da liberdade de ensino ha um outro principio, o qual é necessario respeitar; é o da instrucção obrigatoria (apoiados).

A liberdade de ensino será sempre uma mentira e uma ironia emquanto houver a liberdade de erro e de ignorancia (apoiados).

Para que a liberdade de ensino possa assentar em boas e solidas bases é necessario que a ignorancia seja espungida da face da terra; que desappareça esse Ugolino que vive nas trevas, esse Minotauro que tudo devora, essa força contraria a todo o progresso, a toda a civilisação e a todo o desenvolvimento.

É necessaria a instrucção obrigatoria; é necessario que o poder do estado, e só n'este caso, se anteponha, se colloque acima de todas as considerações, e obrigue, arraste a ignorancia a curvar o joelho diante das luzes da sciencia (apoiados).

N'este caso sou sectario convicto e firme da violencia. Quero que a bandeira do progresso, levantada pela mão poderosa da sabedoria, nunca se curve nem se roje aos pés da ignorancia, pois esta aspiração generosa só se consegue pela instrucção obrigatoria, que é o baptisterio onde a humanidade larga a lepra, que a definha.

Não trepidemos, não hesitemos, não tenhamos receio de offender o principio da liberdade. Ha um caso em que acima da liberdade está a violencia. Esse caso é o da instrucção obrigatoria (apoiados). E se alguem duvída ainda, recordemos o resultado verdadeiramente maravilhoso, proveniente d'esta agua lustral, que se espalha e se derrama a flux por todo o mundo; recordemos o resultado d'esta violencia sacrosanta, o qual está traduzido em factos brilhantissimos nos differentes tractos do territorio europeu.

Em 1819, na Prussia, tornou-se obrigatoria a instrucção do sexo feminino. Já ali era obrigatoria, havia muito, a instrucção do sexo masculino. Sabe v. ex.ª e sabe a camara qual foi na Prussia o resultado d'esta violencia, verdadeiramente benemerita e humanitaria? Foi que, passados doze annos, tinham diminuido 40 por cento o vicio, a prostituição e o pauperismo. Eis os resultados grandiosos, verdadeiramente benemeritos, d'essa violencia, que eu vi defender aqui perfeitamente por um ministro, que o é do Evangelho, que o é da civilisação, que o é das grandes idéas, o sr. Alves Matheus (apoiados).

Sr. presidente, reluctemos todos contra a enorme fera da ignorancia, que infelizmente ainda crava as suas negras e possantes garras n'este miserrimo paiz. Como queremos, sem que exista a consciencia dos direitos e deveres de cada um, que o suffragio universal se traduza em uma verdade real e effectiva, cheia de bemaventurados fructos? Como queremos que o suffragio seja uma verdade emquanto tivermos de reluctar contra a ignorancia, nem sempre receiosa de se apresentar, muitas vezes ousada e atrevida inimiga da evolução da idéa civilisadora? (Apoiados.)

Sr. presidente, ha pouco li eu um relatorio publicado, no meiado do anno de 1870, por um funccionario, mr. Hippeau, commissionado pelo governo francez de ir estudar a instrucção publica nos Estados Unidos. Tambem não ha muito tempo que li uma substanciosa analyse, na Edinburgh Review, de um enorme relatorio feito em Inglaterra ácerca da instrucção das classes populares d'aquelle paiz, em comparação com a instrucção das mesmas classes em outros paizes. E cheguei á conclusão de que na Allemanha (a Allemanha caminha na vanguarda quanto a instrucção popular) póde-se dizer que a relação dos que não sabem ler, para aquelles que sabem, é de 4 para 100. Na Inglaterra é de trinta e tantos para 100. E em Portugal, segundo as ultimas estatisticas, parece-me que é de 70 para 100! Não afianço os numeros, porque cito de memoria.

É um facto conhecido de todos, que em muitas das nossas freguezias ruraes, e não de todo montesinhas, ermas, e arredadas do convivio social, acontece que as auctoridades não se podem deslocar, não se podem substituir, por isso mesmo que não ha ali senão aquelles poucos individuos que saibam assignar o seu nome (apoiados). É uma triste e pungentissima verdade, esta (apoiados).

Eu quero, portanto, e quanto a isto não cedo uma linha das minhas convicções; eu quero que esta camara, de accordo com qualquer que seja o governo, que se apresente n'esta casa, venha defender e venha hastear com todo o vigor e com toda a valentia a bandeira da instrucção popular (apoiados).

No principio d'esta sessão o illustre presidente do conselho, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, apresentou uma proposta de lei ácerca da instrucção primaria e secundaria. Por essa mesma occasião, se bem me recordo, um illustre membro d'esta casa, o sr. Marianno de Carvalho, tambem apresentou um trabalho sobre o mesmo assumpto, e com grave sentimento meu, e sem que de modo algum queira irrogar a menor censura á illustre commissão de instrucção publica, composta de cavalheiros muito distinctos e respeitaveis, pelo seu saber e pelas suas virtudes, vejo que ainda não vieram os pareceres sobre esses trabalhos. A commissão ainda não lavrou parecer sobre esse assumpto importantissimo; sobre esse assumpto que, apesar da extrema penuria do nosso thesouro, sobreleva aos proprios problemas financeiros (apoiados).

Não tenho duvida alguma em defender esta these, e declaro que anteponho acima de tudo a instrucção popular. Ás nossas finanças aliás muito desconcertadas; ás nossas finanças tão rachiticas infezadas, e tão pobres como o manto esfarrapado de Job; corresponde assim uma chaga muito mais profunda e cancerosa, a qual ha muito tempo lavra por todas as fibras do paiz. Essa chaga é a ignorancia immensa do nosso povo, é a sua ausencia completa de illustração.

Nós não havemos de resolver nunca isoladamente o nosso problema financeiro, porque elle não é uma parte destacada, que não tenha relação com os outros problemas sociaes. O problema financeiro é uma das partes d'esse enorme todo que consiste na governação publica (apoiados).

Como havemos de resolver as difficuldades financeiras, e entrar ousadamente na senda do progresso, se o povo não sabe ler, se o povo vive e vegeta n'esse lodaçal da ignorancia, onde os vicios se revolvem no meio da onda paludosa, do seio da qual se evolvem os gazes deleterios do vicio e da miseria? (Apoiados).

Se hontem eu tivesse estado n'esta casa, quando fallou o illustre membro d'ella o sr. Barros e Cunha, com aquella energia a que s. ex.ª ha muito tempo nos costumou, eu de certo teria erguido a minha voz ao lado do verbo de s. ex.ª Perguntou o sr. deputado á illustre commissão de instrucção publica pelo parecer sobre os projectos apresentados. Eu creio firmemente que a resposta dada pelos membros da commissão ha de ser muito satisfactoria.

Creio isso e não tenho a menor duvida; mas ainda assim, quando aquelle sr. deputado perguntou a rasão por que ainda não tinham vindo esses pareceres, eu tê-lo-ia acompanhado, porque, outra vez o repito, entendo que é essencialissimo que attentemos, com todo o cuidado, esmero e carinho, n'este altissimo problema de governação publica.

Entre os povos, que se dizem cultos, póde-se dizer que Portugal é um d'aquelles, que, na procissão do progresso, estão mais no couce d'ella, com relação á instrucção publica.

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É isto uma triste verdade, que não tenho medo de classificar de funebre e lutuosa.

Ainda ha pouco o sr. Alves Matheus com aquelles arrobos de intelligencia, que todos lhe reconhecem, demonstrou que os portuguezes nunca tiveram nem hão de ter duvida em derramar o seu sangue na estacada, e encher a brecha com os seus peitos nús, para sustentar a independencia d'esta nobre terra. É verdade, e n'isso fallo completamente desaffrontado, por isso mesmo que tenho a honra de vestir uma farda do exercito portuguez; mas o maior baluarte, o mais inexpugnavel, aquelle que póde resistir a todos os ataques, a maior força que ha de defender a independencia da patria, é a instrucção do povo e o conhecimento profundo dos seus direitos e dos seus deveres (apoiados).

Ha ainda noctivagos que fogem espavoridos das luzes que eu quero ver derramadas por todo o povo, e dizem que com um certo respeito supersticioso pela auctoridade mal se combina a illustração popular. Eu protesto e reajo contra essa doutrina iconoclasta e heretica (apoiados).

Se eu fosse partidario acerrimo e convicto do antigo regimen, se quizesse que a governação publica tivesse por base a escravidão e a ignorancia, de certo não estaria aqui a prégar esta doutrina, não viria aqui dizer que a instrucção popular é o alicerce de toda a administração, o fermento de todas as grandes idéas. Eu entendo que do conhecimento diuturno e constante que cada um tenha da sua posição, do seu direito e do seu dever para com os outros e para comsigo mesmo, é que nasce a harmonia que importa existir de individuo para individuo e de todos os individuos para a sociedade.

Na sociedade moderna ha dois grandes principios, o individualismo e o collectivismo. O individualismo só se póde dar pela instrucção, e o collectivismo só se póde dar pela harmonia dos individuos igualmente instruidos (apoiados).

Não quero abusar por mais tempo da attenção da camara, mas ainda uma outra vez requeiro e obtesto humildemente á illustre commissão de instrucção publica, que quanto antes dê o seu parecer relativamente á proposta de lei, apresentada pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, e bem assim ao projecto apresentado pelo sr. Mariano de Carvalho, para que ainda n'esta sessão tenhamos tempo de estudar o assumpto e vota-lo conscienciosamente e de preparar emfim estes materiaes, que são os unicos para a elevação segura do edificio social.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Pedro Franco: — Ouvi ha pouco ler um officio do sr. ministro da justiça, remettendo a esta camara os documentos que pedi para poder verificar a minha interpellação com respeito a abusos de auctoridade praticados pelo administrador do concelho de Belem, e faço votos para que o nobre ministro do reino mande, pelo seu ministerio, os que pedi, para o mesmo fim, e para que se possa verificar a interpellação que annunciei.

Por esta occasião mando tambem para a mesa um requerimento pedindo que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara quaesquer documentos, denuncias ou corpos de delicto anteriores a 10 de março, epocha em que o administrador do concelho de Belem participou ao ministerio publico haver uma menor da freguezia de Belem praticado dois infanticidios, e quando não haja esses documentos que o escrivão da administração assim o certifique.

O sr. Presidente: — Passa-se á primeira parte da ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem representações ou requerimentos a mandar para a mesa podem

envia-los.

O sr. Lobo d'Avila: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Faro e do conselho municipal contra o decreto de 30 de outubro de 1868, que organisou a engenheria districtal.

O sr. Nogueira: — Participo a v. ex.ª que, por motivo justificado, não me foi possivel assistir ás ultimas sessões d'esta camara.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um requerimento, no qual os vogaes do extincto conselho de saude, hoje vogaes da junta consultiva de saude, pedem que lhes sejam abonados os seus antigos vencimentos como julgam de justiça, segundo os termos da auctorisação concedida ao governo na lei de 9 de setembro de 1868, em vista das disposições do artigo 57.º do decreto de 3 de dezembro de 1868, que reformou o serviço de saude, e das disposições genericas do decreto de 31 de outubro ultimo, que garante aos empregados addidos os seus antigos ordenados quando sejam providos em logares de menor vencimento; e finalmente, em vista do que esta camara já resolveu a respeito dos vogaes do extincto conselho ultramarino.

Abstenho-me por agora de fazer quaesquer ponderações sobre tão justa pretensão, e devo declarar a esta camara que, apesar de ter tido a honra de ser secretario do conselho de saude, fiquei, pela sua extincção, fóra do quadro, e portanto não tenho parte na pretensão de que se trata no dito requerimento.

O sr. Santos Viegas: — Eu tinha pedido a palavra a v. ex.ª

O sr. Presidente: — Não dei a palavra ao sr. deputado, como não a dei a outros, porque a hora está muito adiantada, e é necessario passar-se á ordem do dia.

O sr. Santos Viegas: — Como membro da commissão de instrucção publica, desejava levantar a censura que foi feita áquella commissão, e mostrar que não lhe cabe.

O sr. Conde de Villa Real: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Leu-se o parecer da commissão de fazenda impresso a pag. 520 d'este Diario.

O sr. Candido de Moraes: — Pedi a palavra unicamente para rogar á mesa que tivesse a bondade de me dizer se esse parecer foi impresso e distribuido pelos srs. deputados, porque eu não o recebi.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Mandou-se publicar no Diario da camara, na fórma do costume.

O sr. Candido de Moraes: — Parece-me que é um systema novo.

O sr. Presidente: — É do estylo, é das praxes antigas da camara mandar-se imprimir no Diario da camara os pareceres sobre negocios d'esta natureza. Assim se dão para ordem do dia e se discutem. Não se imprimem em separado.

Foi logo approvado o parecer.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Alguns artigos do projecto de lei n.º 9 foram approvados sem prejuizo das propostas que tinham sido apresentadas sobre os mesmos artigos. Essas propostas foram á commissão de fazenda para dar o seu parecer sobre ellas, mas o parecer da commissão ainda não veiu.

Tratava-se hontem porém de votar uma proposta do sr. Francisco Costa, e por falta de numero não se póde realisar a votação. Vou ler portanto essa proposta outra vez, para se votar (leu).

Posta a votos, foi rejeitada.

O sr. Presidente: — Passa se á discussão do parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento do ministerio da marinha.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do parecer da commissão de fazenda ácerca do orçamento do ministerio da marinha

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 14

Senhores. — Foi presente á vossa commissão de fazenda o orçamento da despeza do ministerio da marinha e ultramar para o anno economico de 1871-1872.

Devendo, em geral, o orçamento annual para o desem-

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penho de qualquer serviço publico ser baseado no calculo provavel das despezas indispensaveis para a manutenção do mesmo serviço, durante esse anno, acresce na occasião presente que as circumstancias da nossa fazenda obrigam a limitar a amplitude de todos os serviços publicos até ao essencialmente indispensavel, procurando-se ao mesmo tempo, na escolha dos meios para os desempenhar, o modo de attingir a maxima economia, sem prejuizo da boa ordem d'esses serviços, e sem faltar ao respeito devido aos direitos adquiridos.

Tendo em vista estas considerações, passou a vossa commissão de fazenda, reunida com a illustre commissão de marinha, a examinar o estado de todos os serviços contemplados no orçamento, para reconhecer onde era possivel simplificar, reduzir ou mesmo supprimir, com o fim de diminuir o deficit no orçamento geral do estado, sem comtudo faltar aos principios de boa administração.

Os navios que possue a nossa armada não são os mais aptos para o bom desempenho, a par da maxima economia, de alguns dos serviços a seu cargo. Não se acha organisada a administração de marinha de modo que tenhamos chegado ao estabelecimento effectivo do quadro permanente dos navios que devem constituir a força de mar, em tempo de paz, bem como á determinação dos meios mais adequados para manter a permanencia d'esse material e o seu bom estado de conservação. Esta situação constitue a maior difficuldade para a organisação regular do orçamento, e não permitte o mais efficaz e economico emprego da força de mar em muitos casos.

Alguns dos actuaes navios da armada não merecem mesmo as despezas de uma reconstrucção, attento o seu estado de deterioração, e por isso a vossa commissão, propondo que o governo seja auctorisado a mandar vender os navios que por esta rasão devam ser condemnados, com a condição, porém, de que o producto da venda seja applicado a novas construcções; e esperando que o governo, conforme as declarações que fez perante a vossa commissão, apresente ao parlamento, com a possivel urgencia, as necessarias propostas para a substituição do nosso material maritimo, pelo modo mais economico e adequado ao melhor desempenho dos importantes serviços a cargo da marinha militar; tem a honra de propor-vos, de accordo com a illustre commissão de marinha, as reducções da despeza que julga compativeis com os principios de boa administração, e alguns preceitos de que devem resultar importantes economias nos futuros orçamentos, como passa a expor-vos.

Armamento naval

Com relação ás estações navaes das provincias ultramarinas, propõe a vossa commissão as seguintes reducções:

Para a estação de Angola e S. Thomé vem o orçamento calculado para 1 corveta e 1 canhoneira a vapor, e para 1 brigue, 1 escuna e 1 hiate de véla, tripulados por 442 praças.

A vossa commissão entende, de accordo com o governo, que sem inconveniente se póde dispensar o brigue e a escuna de véla, ficando a estação composta de 1 corveta a vapor, 1 canhoneira tambem a vapor e 1 hiate de véla, tripulados por 294 praças, alem de 1 navio de véla pago pelo orçamento de Angola.

A economia immediata é de............... 29:535$930

Sendo pelo desarmamento do brigue........ 21:273$512

E pelo desarmamento da escuna........... 8:262$418

como se demonstra na respectiva conta feita pelo ministerio da marinha.

Para a estação de Macau vem calculada a despeza para 2 corvetas, sendo 1 de véla e outra a vapor, com 330 praças.

A vossa commissão entende, de accordo com o governo, que, sem inconveniente para o serviço, se póde supprimir á corveta de véla, tripulada por 146 praças, fazendo-se pelo seu desarmamento a economia de 28:210$183 réis, como se demonstra pela respectiva conta feita no ministerio da marinha.

Fica pois a estação de Macau com 1 corveta a vapor, tripulada por 184 praças, paga pela metropole, alem de 1 canhoneira tambem a vapor e de 1 hiate, que figuram no orçamento d'aquella provincia.

É pois a reducção total proposta nas estações do ultramar de 1 corveta, 1 brigue e 1 escuna, todos de véla, com 431 praças, produzindo a economia total de 57:746$113 réis, sem inconveniente para o serviço e com a vantagem de livrar aquellas 431 praças da acção de climas doentios.

Fica pois o serviço do ultramar feito por 2 corvetas a vapor, 4 canhoneiras tambem a vapor e 1 hiate de véla, tripulados por 779 praças (incluidos 12 guardas marinhas dos navios desarmados), pagas pelos cofres da metropole, alem de 2 vapores e 7 navios de véla, que figuram no orçamento do ultramar.

Na America do Sul, em Cabo Verde e em Moçambique ficam os armamentos propostos no orçamento.

Armamento naval destinado para o porto de Lisboa e para as ilhas dos Açores e Madeira

O orçamento para a força naval, destinada ao serviço de Lisboa e dos Açores e Madeira, vem calculado para 1:449 praças, distribuidas por 2 corvetas a vapor, 1 corveta de véla, 1 transporte de véla, 1 fragata como escola pratica de artilheria, 1 vapor, 1 corveta e canhoneira em meio armamento.

A vossa commissão entende que n'este armamento se podem fazer algumas reducções, sem prejuizo do serviço da armada.

A verba de despeza para 73 praças do meio armamento da corveta Sagres e da canhoneira Rio Minho, podem supprimir-se, ficando aquelles navios a cargo do arsenal de marinha, auxiliado pelas praças do corpo de marinheiros, destinadas no orçamento para o quartel do mesmo corpo.

Examinando o mappa do corpo de marinheiros da armada, referido ao 1.° de abril do corrente anno, vê-se que 24 praças estão em serviço permanente no pontão do registo do porto de Lisboa, 13 no serviço da bateria e 55 em diversas commissões, como guardas, ordenanças, etc.

A vossa commissão é de parecer, de accordo com o governo, que a marinha militar fique dispensada do serviço do registo, que póde ficar a cargo da alfandega, a qual já tinha de mandar um escaler á entrada e saída dos navios.

Quanto ao serviço das salvas tambem a vossa commissão entende, de accordo com o governo, que deve passar a ser desempenhado pela artilheria do exercito, á qual compete.

O serviço de guardas e de ordenanças em terra é improprio da indole do marinheiro, e priva-o do tempo necessario á sua instrucção ou o distrahe do serviço do mar.

Deve o serviço de guardas passar a ser feito pela tropa de linha, menos o da guarda do quartel, e o serviço de ordenanças por veteranos, com uma pequena gratificação, porém só nos casos em que os correios e serventes das repartições publicas não bastem para a remessa da correspondencia.

Ficam assim disponiveis 92 praças para o serviço do mar, pelo que não fazem falta as 73, cuja despeza se supprime no orçamento, resultando a economia de 10:300$491 réis, como se demonstra pelos documentos fornecidos pelo governo.

A fragata D. Fernando está em meio armamento, funccionando como escola de artilheria, e figura no mappa da força naval com o numero de 100 praças, das quaes 80 pertencem ao corpo de marinheiros da armada.

A vossa commissão é de parecer, de accordo com o governo, que se abata do orçamento a despeza correspondente ás 80 praças do corpo, bem como a de gratificações de officiaes, que não sejam as dos 3 instructores da escola pratica, por entender que a força de 392 praças destinada a ficar no corpo de marinheiros é sufficiente para fornecer aquellas 80 praças; o que produz a reducção na despeza de 10:904$210 réis.

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Armamento para os Açores e Madeira

Conta o orçamento com o armamento completo de 1 corveta de véla, tripulada por 156 praças para este serviço.

A corveta a que o mappa do armamento naval se refere é a corveta Goa, que está desarmada, e que se em agosto ou setembro estiver já em estado de armar irá fazer uma viagem de instrucção durante um ou dois mezes.

A vossa commissão parece que, sem inconveniente para o serviço, se póde supprimir a despeza relativa a este armamento, por entender que com as 1:143 praças, que no orçamento se destinam para o serviço de Lisboa, se póde muito bem desempenhar, tanto o serviço de Lisboa como o das ilhas adjacentes, empregando n'este ultimo o navio que mais convier á instrucção da marinhagem.

Resulta, pois, d'esta providencia a economia de réis 28:445$625, como se demonstra pelo documento fornecido pelo governo á vossa commissão.

É, pois, a reducção total, proposta pela vossa commissão no armamento naval, de 593 praças, resultando a economia de 107:356$293 réis, pelo seguinte modo distribuida:

Parte da verba do armamento da fragata D. Fernando.............. 82 10:864$064

Corveta Sagres, meio armamento... 46 6:407$663 Canhoneira Rio Minho, meio armamento....................... 27 3:892$828

Brigue Pedro Nunes............. 106 21:273$512

Escuna Napier.................. 37 8:262$418

Corveta D. João I............... 142 28:210$183

Corveta Goa.................... 153 28:445$625

Deve abater-se 3 officiaes inferiores que no mappa do armamento são mencionados, e que excedem o numero do quadro e dos supranumerarios, importancia das rações.... 3 194$447,6

Idem de 2 corneteiros............_2 136$298,4

598 107:687$039

Importancia das rações de 4 enfermeiros que desembarcam e continuam a vencer

rações na rasão de 58$860 réis...... 234$240

Economia real...... 107:452$799

D'estas 593 praças pertencem 442 ao corpo de marinheiros da armada; a saber:

7 Officiaes inferiores............. 614$400

6 Corneteiros, a 48$000 réis...... 288$000

23 Cabos, a 96$000 réis.......... 2:208$000

51 Primeiros marinheiros, a 86$400

réis....................... 4:406$400

70 Segundos marinheiros, a 60$000

réis....................... 4:200$000

125 Primeiros grumetes, a 480$000 réis 6:000$000

160 Segundos grumetes, a 36$000 réis 5:760$000

442 23:476$800

Examinando o mappa do corpo de marinheiros referido ao 1.° de abril do corrente anno, vê-se que existem as seguintes vacaturas na classe de marinhagem:

12 Cabos, a 96$000 réis.......... 1:152$000

59 Primeiros marinheiros, a 86$400

réis....................... 5:097$600

187 Segundos marinheiros, a 60$000

réis....................... 11:220$000

258 17:469$600

Bastava, pois, ter vagos: 84 Logares de primeiros grumetes, a

48$000 réis................ 4:032$000

100 Logares de segundos grumetes, a

36$000 réis..............3:600$000

442 25:101$600

Para termos, pois, as 442 vacaturas no corpo de marinheiros, bastava manter o estado effectivo actual de marinheiros, e ter na classe dos grumetes 184 vacaturas.

A economia, como se vê, ainda seria maior do que a que resultaria do licenceamento de todas as praças que competiam aos armamentos supprimidos.

A vossa commissão, comparando os mappas da força do corpo de marinheiros referidos ao 1.° de abril dos annos de 1869, 1870 e 1871, encontrou as seguintes vacaturas nas classes de marinheiros:

[Ver Diário Original]

Fica pois o corpo de marinheiros com 1:553 praças effectivas, sendo o seu quadro completo de 1:995.

Não ha portanto inconveniente de especie alguma na reducção proposta, quanto a pessoal.

Com relação aos navios, cuja despeza de armamento a vossa commissão propõe que se supprima no orçamento, basta attender a que a corveta Goa está desarmada, a corveta D. João I e o brigue Pedro Nunes estão em viagem para Lisboa, para aqui desarmarem.

Não resulta portanto prejuizo para a marinha, e lucra muito o thesouro com as providencias propostas pela vossa commissão.

Fica pois o armamento naval com 2:292 praças, sendo:

Para as estações do ultramar................ 779

America do sul............................. 168

Lisboa e Açores............................ 1:143

Esquadrilha do Algarve..................... 202

2:292

distribuidas por 5 corvetas a vapor, 3 vapores, 4 canhoneiras a vapor, 1 fragata de véla, 1 transporte, 1 hiate e 1 cuter, ou quaesquer outros navios, comtanto que não seja excedida a verba votada para este armamento.

Carvão de pedra

A verba proposta para a despeza de carvão de pedra era de 100:000$000 réis; como porém o governo tinha expedido aos governadores geraes das provincias ultramarinas e aos commandantes das estações do ultramar, para que, nos casos em que os vapores tenham que despender carvão, porque a urgencia do serviço das respectivas provincias o exija, paguem a despeza do combustivel os cofres das mesmas provincias, e tendo o governo resolvido fornecer directamente de carvão as estações do ultramar, resultará n'esta especie de despeza uma grande economia.

A vossa commissão, fundada na informação official da estação competente (documento n.º 1), propõe a reducção de 15:000$000 réis na verba respectiva.

É portanto a reducção effectiva da verba pedida para o armamento naval de 122:356$293 réis.

Commando geral da armada

Sendo a primeira condição de economia a simplificação de serviços, e considerando que a direcção de marinha se acha organisada por lei, de modo que tanto o director geral de marinha como os chefes das repartições do pessoal e do material são na mesma direcção officiaes do quadro effectivo da armada, parece á vossa commissão de fazenda que por economia e simplificação de serviços, convem extinguir a repartição do commando geral da armada, passando as funcções do commando para a direcção geral de marinha, pelo que tem a honra de propor-vos, para esse effeito, um projecto de lei.

A economia immediata é de 1:840$000 réis, a futura será de mais 1:764$000 réis.

Officiaes de marinha

Quadro activo

No quadro dos officiaes combatentes ha 34 vacaturas do posto de segundo tenente, e como só póde haver 5 guardas

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marinhas habilitados em 1871-1872 para poderem ser promovidos a segundos tenentes, propõe a vossa commissão que se abata no orçamento a verba correspondente ás vacaturas de 29 logares, que não podem ser n'este anno economico preenchidas. A verba a deduzir é de 9:744$000 réis.

Capellães da armada

Existem no quadro apenas 3 capellães tendo todos a graduação de primeiros tenentes, e como em virtude do disposto no artigo 8.°, § 1.°, do decreto de 30 de dezembro de 1868 não póde no anno de 1871-1872 ser promovido com a graduação de primeiro tenente nenhum outro capellão; e como tem que desembarcar por desarmamento de navios 2 capellães, entende a vossa commissão, que não ha inconveniente em abater por vacaturas, n'este anno economico,

o abono de soldo de um capellão com a graduação de primeiro tenente, e de outro com a graduação de segundo tenente, resultando a seguinte reducção de despeza:

1 Capellão com a graduação de primeiro tenente 360$000

1 Capellão com a graduação de segundo tenente 336$000

696$000

Engenheiros constructores navaes

O quadro dos constructores navaes é excessivo para o serviço que o seu pessoal tem de desempenhar.

Existem duas vacaturas de engenheiros constructores subalternos de 1.ª classe, alem da vacatura de engenheiro inspector, cujo vencimento vem deduzido no orçamento proposto.

Ha comtudo na classe de addidos 2 engenheiros subalternos de 1.ª classe e 4 de 2.ª classe, isto é, ha de facto mais 3 engenheiros do que comporta o quadro completo.

Á vista do exposto, propõe a vossa commissão, que no orçamento se abata por vacaturas a verba correspondente ao soldo de 2 engenheiros subalternos de 1.ª classe, na importancia de 720$000 réis.

Repartição de saude naval e do ultramar

Á vossa commissão parece que com economia e vantagem para o serviço se podia supprimir a repartição de saude naval e do ultramar, passando o serviço de expediente para as respectivas direcções e o serviço technico para a commissão consultiva de saude, constituida pelos 3 facultativos mais graduados, em serviço no porto de Lisboa.

Quando a nossa marinha possuia 12 naus de linha, não havia cirurgião algum na secretaria; no ministerio do reino onde o serviço é muito mais importante que o do ultramar, não ha tambem facultativo algum na secretaria; no ultramar ha uma junta de saude em cada provincia.

É portanto de toda a conveniencia que o governo estude este assumpto, para opportunamente ser resolvido no parlamento.

A economia immediata seria 840$000 réis de duas gratificações; mas a futura, supprimindo dois logares de facultativo no quadro da armada, e o de 1 amanuense na secretaria, seria mais 1:248$000 réis.

Officiaes de saude naval

O quadro d'esta classe é de 23 officiaes. Estão vagos tres logares de facultativos de 2.ª classe, não tendo nenhum dos aspirantes a facultativos navaes habilitações para preencher estas vacaturas, no anno de 1871-1872.

Examinando a lista da armada referida ao dia 31 de dezembro ultimo, vê-se que a situação dos facultativos da armada n'aquella data era a seguinte:

2 Na expedição da Zambezia;

1 No logar de secretario do governo de Cabo Verde;

1 Em serviço no paço;

2 Com licença;

4 No hospital da marinha;

1 Na secretaria da marinha;

1 No quartel do corpo de marinheiros;

4 Embarcados em navios no Tejo;

7 Em navios fóra do Tejo.

Estavam portanto n'aquella data 4 facultativos em serviço estranho á marinha, 2 com licença, 6 no hospital, na secretaria e no corpo de marinheiros, e apenas 11 embarcados, e d'esses 4 em navios fundeados no Tejo.

O numero dos embarcados fica reduzido a 8 pelo desarmamento das corvetas de véla D. João I e Goa, e do brigue de véla Pedro Nunes.

Á vista do exposto é a vossa commissão de parecer que no anno economico de 1871-1872 se mantenham as tres referidas vacaturas existentes no quadro, o que produz a economia de 1:008$000 réis.

Hospital de marinha

A vossa commissão, examinando o orçamento proposto, a lei organica do hospital da marinha, os mappss estatisticos do mesmo hospital nos annos civis de 1868 e 1869, as contas das despezas pagas pelo cofre do dito hospital (documento n.º 2) e as pagas pela pagadoria de marinha (documento n.º 3), bem como a informação official relativa ao pessoal em serviço e ao numero de doentes no dia 20 de abril ultimo (documento n.º 4), tem a convicção de que (por causa do pequeno numero de doentes da armada, que se tratam no hospital da marinha) é exorbitante a despeza feita pelo estado e pelo pessoal da armada pela manutenção d'aquelle estabelecimento, como passa a demonstrar.

Vê-se pelos mappas estatisticos respectivos, que no anno de 1868 o custo das dietas, medicamentos e lavagem de roupa foi de 168,3 por cada praça, e em 1869 foi de 145,98 réis.

Não consta da conta de 1870 qual fosse n'este anno o custo do curativo, dietas e lavagem de roupa.

Vê-se porém da conta d'este ultimo anno, que dividida a verba de 6:908$133 réis, que foi paga pelo cofre do hospital, por 24:495 vencimentos, resulta 282,01 réis, como despeza de cada doente.

É assim que na estatistica dos annos anteriores se faz a conta do custo do tratamento de cada doente.

Como porém n'esta conta não se inclue a despeza com o pessoal do quadro do mesmo hospital, a qual importa em 6:942$300 réis, resulta que a verba a dividir pelos 24:495 vencimentos é de 13:848$433 réis, e não de 6:908$133 réis, e feita a divisão resulta que o custo do tratamento de cada doente no hospital da marinha foi effectivamente de 564 réis.

O pessoal do quadro, segundo os artigos 19.°, 20.° e 41.°

do decreto de 9 de dezembro de 1869, é de:

1 Director:

Soldo.............................. 696$000

Gratificação......................... 300$000

1 Cirurgião de divisão:

Soldo e gratificação................... 948$000

2 Facultativos navaes:

Soldos............................. 696$000

Gratificações........................ 360$000

1 Official de fazenda................... 480$000

1 Capellão:

Despeza minima..................... 180$000

2 Pharmaceuticos...................... 876$000

4 Primeiros sargentos da companhia de saude 345$600

4 Segundos sargentos da mesma companhia 288$000

13 Serventes da mesma companhia......... 527$000

Gratificação ao barbeiro............... 16$000

21 Rações, a 160 réis................. 1:229$700

6:942$300

Não se note o haver-se mencionado n'este calculo a importancia dos soldos dos 4 facultativos e 2 pharmaceuticos do quadro do hospital, porque é só ali que elles servem, e se o hospital não existisse, deveriam diminuir-se nos respectivos quadros de saude todos aquelles logares, visto que os quadros são estabelecidos conforme as necessidades do serviço, e cessando este de tanta importancia, não havia rasão para não fazer nos quadros as reducções respectivas.

A despeza do pessoal foi calculada unicamente para a do quadro; se porém se attendesse á despeza effectiva in-

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dicada no documento n.º 3, e que se deduz do proprio orçamento, n'este caso o custo do tratamento de cada doente corresponderia a verba superior a 600 réis, como effectivamente acontece.

A rasão d'este resultado é a existencia de um hospital para tão pequeno numero de doentes. Pelo documento n.º 4 se vê que no dia 20 de abril ultimo existiam no hospital 56 doentes, dos quaes 41 pertenciam á armada, e d'estes 11 eram de medicina, 29 de cirurgia e 1 indeterminado.

Para este numero de doentes funccionaram n'aquelle dia no hospital 36 individuos da armada!. O quadro mesmo de 29 seria excessivo para tal numero de doentes.

Não admira pois que seja excessivo o custo do tratamento, apesar da barateza da verba dos medicamentos, dietas e roupas lavadas.

A allegação de que o hospital é necessario tambem para cuidar dos fornecimentos e da fiscalisação dos medicamentos precisos a bordo dos navios e nas provincias ultramarinas não procede, porque tal fornecimento póde ser feito por qualquer pharmacia para isso habilitada, e a fiscalisação exercida pelos facultativos da armada.

Tratando agora a questão pelo lado do interesse do pessoal da armada que n'elle se trata, deve notar-se que os cabos marinheiros pagam para o hospital 12$800 réis por mez, e os que pagam menos, que são os segundos grumetes, pagam 7$800 réis; ora as praças do corpo de policia civil, que vencem de 12$000 réis mensaes para cima, são tratadas no hospital da Estrella por 6$000 réis mensaes, e o mesmo acontece aos guardas da alfandega; e o que é mais, os proprios soldados da guarda municipal pagam no hospital de marinha sómente 6$000 réis por mez ou 200 réis diarios.

E como o vencimento da praça da armada que menos ganha é superior ao que pagam os doentes no hospital da Estrella ou no de S. José, segue-se que o estado não faria despeza alguma com os doentes da armada, e os proprios doentes lucrariam em economisar uma parte do seu vencimento se não existisse o hospital de marinha.

É pois injusto que para a armada poder ter um hospital especial, sejam as praças de marinha obrigadas a tão grande sacrificio, alem d'aquelle que o estado faz com as despezas que paga directamente.

Á vista do que fica ponderado entende a vossa commissão que será conveniente que o governo, estudando o assumpto, e depois de ouvir as estações competentes, dê opportunamente a sua opinião sobre este objecto, para se resolver no parlamento o que mais convier a este respeito.

Officiaes marinheiros

Pelo orçamento proposto são destinados a ficar desembarcados 34 officiaes marinheiros, e pelas propostas da vossa commissão de fazenda é o numero de desembarcados elevado a 45.

Ha porém 10 vacaturas n'esta classe, como demonstra o documento fornecido pelo governo, e porque não ha inconveniente para o serviço em não preencher em

1871-1872 essas vacaturas, propõe a vossa commissão, de accordo com o governo, que se abata no orçamento por vacaturas a verba correspondente aos soldos dos logares vagos; a saber:

3 Mestres, a 240$000 réis............... 720$000

3 Contramestres, a 216$000 réis.......... 648$000

4 Guardiães, a 180$000 réis.............. 720$000

2:088$000

Fieis de generos e escreventes

Ha vago um logar de fiel de 2.ª classe, e outro de 1 escrevente.

Pelo orçamento destinavam-se 2 escreventes e 1 fiel de generos para ficarem desembarcados, e como pelas propostas da vossa commissão têem de ficar desembarcados mais 8 fieis de generos e 3 escreventes, propõe a vossa commissão que não sejam preenchidas as vacaturas existentes, abatendo-se a verba respectiva aos seus vencimentos no orçamento pelo seguinte modo:

1 Fiel de 2.ª classe...................... 86$400

1 Escrevente........................... 72$000

158$400

Os fieis de generos e os serventes eram praças avulsas, e devendo os primeiros ser da confiança dos officiaes de fazenda, eram pelos mesmos escolhidos, pelo que eram estes responsaveis pelos alcances dos seus fieis que eram nomeados quando o navio armava, e despedidos do serviço quando o seu official de fazenda desembarcava.

Os escreventes eram da confiança dos commandantes dos navios; entravam para o serviço quando os commandantes os nomeavam, e desembarcavam e eram despedidos do serviço quando o navio desarmava, ou quando o commandante do navio julgava conveniente a sua substituição.

D'este modo os 8 fieis e 3 escreventes, que por causa das propostas da vossa commissão ficam dispensados do serviço de bordo, seriam despedidos, como o são ainda os despenseiros, os cozinheiros e as demais praças avulsas.

Vieram porém os decretos de 24 de abril de 1869 e collocaram estas praças em dois quadros, com vencimento permanente, e com direito a passarem á companhia de veteranos da armada, pelo que os 11 individuos d'aquellas duas classes continuarão a vencer estando desembarcados.

A vossa commissão entende que devem ser revogados os referidos dois decretos, sem prejuizo dos direitos adquiridos pelas actuaes praças d'aquelles dois quadros; e por isso, de accordo com o governo, tem a honra de apresentar-vos o competente projecto de lei para esse effeito.

Escola naval e companhia dos guardas marinhas

No orçamento vem calculada a despeza com os aspirantes a guarda marinhas do seguinte modo:

10 Aspirantes, a 96$000 réis............. 960$000

10 Aspirantes, a 72$000 réis............. 720$000

1:680$000

Indica porém a chamada (d) que se abona a estes aspirantes mais 48$000 réis, pelo que a despeza total auctorisada no orçamento com os aspirantes é de 2:640$000 réis.

Este abono de 48$000 réis por anno a cada aspirante está auctorisado pelo n.º 4.º do artigo 2.º do decreto de 30 de dezembro de 1868, emquanto houver vacaturas no quadro dos segundos tenentes.

Determinando os artigos 35.° e 36.º do decreto de 26 de dezembro de 1868, que nos mezes de agosto e setembro os aspirantes que acabarem o primeiro anno da escola embarquem em um navio surto no Tejo, ou que d'elle haja de saír em commissão que não dure mais de que um mez, e que os que acabarem o segundo anno do mesmo curso sejam obrigados a servir sessenta dias na escola pratica de artilheria, tem a fazenda de pagar a despeza de rações para 20 aspirantes durante sessenta dias, e eventualmente a de comedorias para 10 aspirantes durante trinta dias, pelo que a despeza effectiva com o quadro legal, descripta e não descripta no orçamento, seria a seguinte:

10 Aspirantes, a 96$000 réis.............. 960$000

10 Aspirantes, a 72$000 réis.............. 720$000

Abono de 48$000 réis a 20 aspirantes...... 960$000

Rações a 20 aspirantes, sessenta dias....... 218$640

Comedorias a 10 aspirantes, trinta dias..... 120$000

2:978$640

Examinando porém a lista da armada referida ao dia 31 de dezembro ultimo, e colhidos os necessarios esclarecimentos, vê-se que o pessoal effectivamente existente na classe dos aspirantes e a despeza que effectivamente se paga é a seguinte:

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15 Aspirantes, a 96$000 réis.............. 1:440$000

16 Aspirantes, a 72$000 réis.............. 1:152$000

Gratificação de 48$000 réis a 31 aspirantes.. 1:488$000

34 Aspirantes extraordinarios, a 72$000 réis.. 2:448$000

Rações para 31 aspirantes................. 333$126

Comedorias para 16 aspirantes — trinta dias.. 192$000

Despeza real........................... 7:053$126

Verba descripta no orçamento............. 1:680$000

Despeza que deve ser descripta........... 5:373$126

Examinando a legislação organica da companhia dos guardas marinhas, vê-se:

1.° Que pelo artigo 28.° do decreto de 7 de julho de 1864 foi fixado o quadro dos aspirantes em 20 praças; porém no artigo 29.° ficou o governo auctorisado a augmentar ou diminuir o mesmo quadro quando assim o exigissem as necessidades do serviço;

2.º Que pelo artigo 1.º da carta de lei de 24 de abril de 1867 foi o governo auctorisado a admittir aspirantes extraordinarios com o vencimento de 6$000 réis mensaes emquanto houvesse vacatura no quadro dos segundos tenentes, e os artigos 7.° e 8.° da mesma lei auctorisaram o augmento de 48$000 réis por anno aos aspirantes do quadro; dispondo porém o artigo 10.°, que tanto o abono de 48$000 réis como a despeza com os aspirantes extraordinarios acabassem logo que o quadro dos segundos tenentes se achasse completo;

3.º Que, pelo artigo 27.º do decreto de 26 de dezembro de 1868, que organisou a escola naval, foi novamente fixado em 30 o quadro dos guardas marinhas e em 20 o dos aspirantes; mas pelo artigo 28.° ficou o governo auctorisado a augmentar ou diminuir o quadro dos guardas marinhas, dispondo o artigo 66°, que ficava em vigor, em todas as mais disposições, a carta de lei de 7 de julho de 1867, que auctorisárá o governo a admittir aspirantes extraordinarios emquanto houvesse vacaturas de segundos tenentes.

O artigo 71.° d'esta lei revogou especialmente o decreto de 7 de julho de 1864 e a lei de 5 de julho de 1854.

A vossa commissão foi informada de que estavam no primeiro anno de embarque 22 guardas marinhas, no segundo anno 3 e no terceiro anno 3, alem de 2 que acabaram os tres annos de embarque.

A vista do exposto:

Considerando que em poucos annos estarão preenchidas as vacaturas de segundos tenentes;

Considerando por isso que convem providenciar desde já para que, como é de lei, cessem todos os abonos extraordinarios, quando estejam preenchidas as vacaturas de segundos tenentes, sem ser necessario suspender vencimentos aos aspirantes que d'elles estivessem sendo abonados;

Tendo em vista a conveniencia de reduzir quanto possivel as despezas publicas, sem prejuizo dos serviços e dos direitos adquiridos:

A vossa commissão é de parecer, que convirá revogar os artigos 28.° e 66.° do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1868, e o n.º 4.° do artigo 2.° do decreto com força de lei de 30 de dezembro do mesmo anno, os quaes auctorisam o governo a augmentar ou diminuir o quadro dos guardas marinhas e a admittir aspirantes extraordinarios, bem como a pagar a gratificação de 48$000 réis annuaes aos aspirantes do quadro, emquanto houvesse vacaturas no quadro dos segundos tenentes.

Tudo porém deve ser feito sem prejuizo dos actuaes aspirantes, e sem excesso da verba que no presente orçamento for votada para esta classe.

A vossa commissão, tendo presente a lista da armada, reconheceu que, em contravenção do artigo 5.° do decreto de 14 de abril de 1867, não tinham sido demittidos alguns aspirantes extraordinarios com mais de dois annos de praça, sem terem concluido o curso da 1.ª e 5.ª cadeiras da escola polytechnica, e como isto importa uma despeza contra lei, a vossa commissão julga do seu dever propor um projecto de lei, de accordo com o governo, com relação ao assumpto.

Escola naval a bordo de um navio fóra do Tejo

Entende a vossa commissão que esta importante verba de 7:153$126 réis, despendida com os aspirantes, e ainda mais a verba total de 35:639$682 réis, applicada em habilitar officiaes para a marinha militar, poderiam ser mais convenientemente destinadas, passando a escola naval para um navio, que estivesse fóra do Tejo, pelo menos oito mezes no anno, sendo limitado o curso theorico ao especialmente necessario para um official de marinha, e não se admittindo aspirante algum com mais de quatorze annos de idade.

Podia limitar-se n'esse caso a 20 o quadro dos guardas marinhas (sem prejuizo dos actuaes aspirantes do quadro e extraordinarios), e aproveitando para a escola um dos navios do armamento naval, haveria ainda economia n'este grande melhoramento.

Com relação a este ponto entende a vossa commissão conveniente que o governo, estudando o assumpto e ouvidas as estações competentes, manifeste opportunamente a sua opinião, para ter logar a resolução parlamentar respectiva.

A despeza, que actualmente paga o estado pela habilitação de officiaes de marinha, é a seguinte:

Despeza da escola naval................. 18:872$000

Soldos de cinco officiaes addidos, lentes e professores............................. 3:024$000

4 Lentes jubilados..................... 2:050$000

Comedorias.......................... 4:320$000

Rações.............................. 2:000$556

Despeza já demonstrada com aspirantes..... 5:373$126

35:639$682

Guardas marinhas, com o curso da escola, promovidos a segundos tenentes nos ultimos dez annos, 41.

Despeza media com a habilitação de cada segundo tenente 8:692$605 réis. Deduzindo mesmo os soldos dos lentes e professores e o vencimento dos jubilados seria a despeza media 7:455$044 réis.

Despeza actual com as praças da companhia de guardas marinhas:

30 Guardas marinhas:

Soldo............................. 9:000$000

Comedorias........................ 4:320$000

Rações............................ 2:000$556

Aspirantes........................... 7:053$126

22:373$682

Despeza com as mesmas praças, sendo a escola a bordo, nas condições indicadas pela vossa commissão:

20 Guardas marinhas:

Soldo............................. 6:000$000

Comedorias........................ 2:880$000

Rações............................ 1:333$704

20 Aspirantes;

Soldo............................. 1:680$000

Comedorias........................ 2:680$000

Rações........................... 1:333$704

15:907$408

A economia no pessoal da companhia seria pois 6:466$278 réis.

A reducção do pessoal seria justificada, porque a diminuição do curso e a educação a bordo fariam habilitar maior numero de aspirantes, o com mais facilidade do que actualmente em igual tempo.

Observatorio de marinha

Não podendo funccionar regularmente um observatorio astronomico no arsenal de marinha, dando-se agora a cir-

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cumstancia de que o edificio do observatorio de marinha não poderia continuar a servir sem prompta reconstrucção, e existindo nas melhores condições o da Ajuda, parece á vossa commissão indicada a extincção d'aquelle observatorio, ficando o ensino do uso dos instrumentos a cargo da escola naval, e o deposito de cartas, chronometros e instrumentos mathematicos a cargo de uma repartição dependente da secção hydrographica, sendo feita a regulação dos chronometros por intervenção do observatorio astronomico da Ajuda.

Em virtude do exposto tem a vossa commissão a honra de propor-vos para esse effeito o competente projecto de lei.

A economia resultante d'esta providencia será desde já de 1:318$000 réis. A de futuro será de mais 912$000 réis.

Escola pratica de artilheria naval

A instrucção pratica de artilheria naval é de tal importancia para a armada, que a vossa commissão desejára, que, sem faltar aos preceitos de rigorosa economia, ella fosse quanto possivel melhorada, dotando-a com o material de guerra mais perfeito e que fosse dado mais tempo ao exercicio de atirar ao alvo.

A vossa commissão entendeu porém que podia fazer uma economia, sem prejuizo do ensino, supprimindo a verba de despeza das praças do corpo de marinheiros e a de um official estranho ao ensino, alem de tres gratificações que por equivoco figuravam no orçamento. Do numero de praças destinadas ao quartel pelo orçamento proposto podem bem destacar para o ensino de artilheria as 80 que se supprimem.

Arsenal de marinha

A boa organisação de um arsenal de marinha, e portanto a regularidade do seu orçamento, dependem:

1.° Da fixação do material maritimo permanente, isto é, do numero e qualidades de navios armados que devemos ter em tempo de paz;

2.° Do fim a que é destinado o arsenal, isto é, se tem de tratar simplesmente dos reparos, fabricos e reconstrucções dos navios, ou tambem de novas construcções;

3.° Da determinação do systema por que devem ser obtidas as differentes especies de productos, e executadas as differentes classes de trabalhos de que precisa a manutenção do material de guerra da armada, isto é, quaes os objectos que devem ser fornecidos pela industria particular, quaes os que devem ser dados á empreitada dentro do arsenal, ou por elle vigiada, e quaes os trabalhos que só poderão ser feitos a jornal;

4.° Finalmente, qual o systema de fornecimento de materias primas, e principalmente de madeiras para a execução dos trabalhos.

Com effeito, a grandeza do navio, o seu armamento, os materiaes de que é construido e a qualidade dos serviços a que é destinado, influem essencialmente no tempo da sua duração e nas suas despezas de conservação.

O numero e qualidade de navios armados durante o anno não póde portanto deixar de influir muito nas despezas de construcções novas e de conservação do material maritimo.

Já se vê portanto que a fixação do numero, qualidade e dimensões dos navios que devem estar permanentemente armados em tempo de paz, influe essencialmente no calculo da despeza annual a fazer com pessoal e material, tanto para novas construcções, como em reparações para manter promptos para serviço os navios do armamento naval ordinario.

A adopção de um só typo de navios para cada especie de serviços, influe tambem essencialmente na economia dos orçamentos, não só porque os planos e fôrmas das differentes peças de um navio servem na construcção de todos os navios do mesmo typo, mas tambem pela economia dos sobresalentes e até pelo aproveitamento de muitas peças dos navios depois de condemnados.

É tambem claro que um arsenal que se destina unicamente á conservação dos navios, deve ter uma organisação differente d'aquella que teria se ficassem tambem a seu cargo as novas construcções.

Mandar construir no arsenal de marinha navios durante um certo numero de annos, sem um fim determinado, e passar em seguida alguns annos sem ali construir, comprando os navios umas vezes novos, outras vezes já com annos de serviço, e manter sempre o mesmo quadro de pessoal, dá em resultado que umas vezes será excessiva a organisação, e em outras insuficiente.

A definição methodica dos serviços é a base de toda a economia. Onde tudo é arbitrio, a simples mudança de ministro, de superintendente, ou mesmo de chefe das construcções navaes, póde implicar a perda para o estado de grandes capitães.

Faz-se em um anno tudo a jornal, até as bandeiras e os pucaros, e no anno seguinte passa-se para o systema contrario, dando-se á empreitada os cascos dos navios; tempos depois volta-se ao systema anterior. Em um anno fazem-se e assentam-se as machinas e caldeiras dos vapores no arsenal; no anno seguinte vão os navios ali feitos a Inglaterra, para lhes assentarem as caldeiras que lá foram feitas; outro anno são as machinas e as caldeiras feitas em Inglaterra e transportadas a Lisboa para aqui serem collocadas.

Cada um dos nossos navios representa um typo differente, e basta dizer isto para se conhecer a falta de methodo e de economia nas nossas construcções. Manda-se em um anno construir no arsenal uma fragata de grandes dimensões; compram-se e armazenam-se as madeiras necessarias para essa construcção; fazem-se as importantes despezas preliminares; começa se a execução da obra; assenta-se a quilha, levanta-se a roda de prôa, e fazem-se muitas cavernas e outras obras importantes.

No anno seguinte porém ordena-se o desmancho de tudo, e d'ahi por diante emprega-se o pessoal do arsenal em reduzir as dimensões de uma parte d'aquella madeira para a poder adaptar aos fabricos e reparos de navios de menores dimensões.

O methodo e o abastecimento de madeiras para o nosso arsenal é assumpto da maior importancia. Não é quando as obras estão já em andamento que se deve esperar pelo material necessario para ellas.

Um paiz que tem possessões com tão ricas madeiras de construcção como Portugal devia regularisar convenientemente os córtes necessarios para ter sempre abastecidos os seus depositos d'ellas, e com a necessaria antecedencia para estarem bem seccas e não faltarem na occasião opportuna. Era porém preciso que tivessemos navio capaz de as transportar com economia.

N'este estado, e não sendo o orçamento do arsenal de marinha organisado á vista do quadro de trabalhos que incumbe executar no anno economico a que o orçamento se refere, faltam á vossa commissão os necessarios elementos para dar a sua opinião com relação ás quantias pedidas.

Por esta occasião limita-se a vossa commissão a propor alguns preceitos de execução permanente, que poderão produzir importantes economias, independentemente das reformas radicaes que convirá fazer depois de estabelecida a unica base segura para a organisação estavel dos differentes serviços da marinha, que é a fixação do material maritimo permanente em tempo de paz.

A primeira circumstancia notada pela vossa commissão é o systema de classificação das despezas, que nem sempre permitte conhecer qual a parte de algumas verbas de material que pertence effectivamente ao arsenal, e qual a que pertence ao armamento naval.

A relação entre as verbas pedidas para o material e as pedidas para materias primas offerece uma desproporção notavel.

Pede-se para pessoal 118:839$482 réis, não incluidos 9:684$000 réis em que importam os soldos de 22 officiaes,

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officiaes de fazenda e engenheiros constructores, e réis 20:512$592 para reformados do mesmo arsenal, nem os prets e rações da marinhagem que ali serve.

Para materias primas pede-se a quantia de 46:590$000 réis, e nem tudo é para o arsenal.

Para o pessoal operario, deduzido o pessoal do troço do mar, dos hiates, do apparelho e da casa das vélas, tanto do quadro como da classe dos provisorios, pede-se

no orçamento....................... 71:189$382

Para os operarios provisorios............ 10:000$000

Para soldos e gratificações dos engenheiros constructores....................... 7:308$000

O que dá um total de.................. 88:497$382

E como a experiencia tem mostrado nos arsenaes regulares que as despezas de material estão para as de pessoal nas construcções como 3 para 1, segue-se que no nosso arsenal, onde se gasta pouco mais de 50:000$000 réis em materias primas e carvão de pedra a par de 88:000$000 réis em pessoal para construcções, isto é, na relação de 1 1/4 para 2, ou se produz cinco vezes menos do que se devia, ou os trabalhos custam cinco vezes mais do que o seu preço natural.

E não admira isto em uma organisação de que resulta pedir-se mais para reformados do que para madeiras.

É notavel que a despeza só com reformados do arsenal e da cordoaria, que no exercicio de 1870-1871 era calculado no respectivo orçamento em 10:994$345 réis, subsiste no orçamento proposto para 1871-1872 a 23:265$200 réis. As rasões d'este caso extraordinario são as seguintes:

Pelo decreto de 20 de outubro de 1859 só os operarios effectivos tinham no arsenal direito a reforma, com um terço da soldada, quando estivessem incapazes de servir, tendo de vinte a trinta annos de serviço: quando tivessem de trinta a quarenta annos era a reforma com meio jornal, e com o jornal por inteiro aos cincoenta annos ou mais.

Esta legislação vigorou até que pelo decreto de 3 de dezembro de 1868 foi concedida a reforma por diuturnidade aos quarenta annos de serviço a cincoenta e quatro individuos que constituiam as classes que até ali não tinham direito á reforma, concedendo-lh'a tambem por incapacidade, dos quinze annos de serviço em diante, com uma fracção do jornal, que se obtem dividindo o numero de annos de serviço por quarenta, e multiplicando o quociente pela quantia do ordenado ou jornal.

Depois o regulamento do arsenal de 28 de outubro de 1869, revogando a supracitada disposição do decreto de 30 de dezembro do 1868, relativa á diuturnidade, manteve todas as outras disposições d'este decreto, estendendo porém a sua applicação aos operarios effectivos.

Resulta pois que para todo o pessoal do arsenal o direito á reforma, que anteriormente a 1868 começava só aos vinte annos de serviço, com um terço do jornal para uma classe, passou depois a contar-se para todas as classes aos quinze annos com mais do terço do vencimento, e de modo que aos quarenta, pela legislação anterior, tinham só direito a metade do jornal, e agora têem direito a todo elle, convindo advertir que para reforma se conta o tempo de aprendizagem, e por isso não será de admirar que haja aprendizes com direito a reforma.

Eis o que produziu este grande numero de reformados de um anno para outro; e é tal o resultado, que, segundo a nota enviada pelo governo para as rectificações ao orçamento, já, desde essa data até hoje, a verba de reformados subiu de mais 997$345 réis, e por isso ha de figurar no orçamento com 24:260$545 réis.

Não é pois sómente o estado arbitrario dos serviços a causa de tão irregular situação do nosso arsenal de marinha, que chegou a ponto de pedir para madeiras verba muito inferior á que pede para reformados.

A existencia de um quadro de operarios de toda a especie com direito a serviço permanente e á reforma tem sido um dos principaes factores de taes resultados.

Embora se procedesse em tempo e por methodo regular ao calculo das obras a executar no arsenal durante o anno economico, e se fizesse com base aceitavel o orçamento da despeza approximada do pessoal e material adequados á execução d'essas obras, não poderiamos sujeitar a tal condição de trabalho o orçamento do arsenal de marinha, porque imperava a condição fatal da manutenção do quadro e portanto do pagamento de importantes despezas inuteis.

Entende tambem a vossa commissão que é excessivo o numero de 83 aprendizes retribuidos que tem o quadro do arsenal, pelo que convem que, ainda mesmo extinguido o quadro dos operarios, não possa haver mais de 30 aprendizes retribuidos.

Por todas estas rasões a vossa commissão tem a honra de propor-vos um projecto de lei com as seguintes disposições:

1.ª Extinguindo o actual quadro dos operarios do arsenal de marinha, e creando um novo quadro só de mestres e contramestres de officinas.

2.ª Revogando os artigos 35.º e seus §§ do decreto de 28 de outubro de 1869 e os artigos 244.° a 248.° do regulamento do arsenal da marinha de 17 de março de 1870, que concedeu direito a reforma ao pessoal do mesmo arsenal, porém salvos os direitos adquiridos dos actuaes empregados e operarios do quadro e da classe dos supranumerarios, regulado comtudo esse direito para todos esses individuos pelas disposições dos artigos 16.° e 18.° do regulamento de 20 de outubro de 1859.

3.ª Prohibindo a admissão de mais de 30 aprendizes no arsenal de marinha, salvos os direitos adquiridos dos actuaes aprendizes.

Tendo de desembarcar 3 carpinteiros, 3 calafates e 1 serralheiro em virtude das propostas da vossa commissão, e havendo no orçamento proposto uma verba de 10:000$000 réis para operarios provisorios que é necessaria quasi exclusivamente para pagar a carpinteiros e calafates, como estes 7 operarios eram abonados sem fazer serviço no arsenal, e agora vão ali trabalhar, não ha duvida que a sua entrada diminue a necessidade de admittir igual numero de provisorios, pelo que a vossa commissão entende que na verba respectiva para despeza de pessoal se abata a importancia de 1:281$000 réis correspondente aos vencimentos d'esses 7 operarios.

Tendo havido desde a data da organisação do orçamento proposto até hoje vacaturas nas classes operarias dos quados e dos provisorios do arsenal de marinha, diminuindo por isso na verba da feria 3:040$300 réis, como consta do respectivo documento remettido á commissão pelo governo, ha a diminuir na despeza do pessoal operario do dito arsenal o total de 4:390$000 réis, que a vossa commissão propõe se deduza.

Cordoaria nacional

Pede-se no orçamento 27:682$720 réis para o pessoal da cordoaria, não incluido o soldo do director que importa em 780$000 réis e o vencimento do pessoal reformado para o qual se propõe a verba de 3:742$190 réis para 33 individuos.

A verba pedida para material é de 25:000$000 réis.

Estes algarismos para uma fabrica de lonas e cabos mostra a inconveniencia de ter o estado uma fabrica para o fornecimento dos seus navios.

Os cabos de segurança devem ser de arame de ferro a bordo dos navios da armada, e os outros cabos e as lonas devem ser comprados na industria particular.

Á vossa commissão parece que deve ser extincta a cordoaria nacional, mas considerando que não devem desprezar-se os direitos adquiridos dos actuaes operarios do quadro e da classe dos supranumerarios, é de parecer que a extincção se não realise desde já, convindo que o governo

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na proxima sessão legislativa apresente á camara o competente projecto de lei, regulando o modo pratico da realisação d'esta medida, e o modo de respeitar os direitos adquiridos; no entanto a vossa commissão propõe desde já a extincção do quadro dos operarios da cordoaria nacional.

Subsidio ás companhias de navegação

Tendo o governo contratado a continuação das carreiras de navegação a vapor entre Lisboa e Açores por 6:750$000 réis e estando calculado o subsidio á companhia Lusitania só até 15 de outubro, data em que acaba o seu contrato, tem de elevar-se a verba correspondente a este subsidio a 11:343$750 réis, por importar o subsidio novamente contratado, desde 16 de outubro do corrente até 30 de junho de 1872, em 4:781$250 réis.

Desejava a vossa commissão poder supprimir desde já a verba correspondente á subvenção de 12:000$000 réis para a navegação a vapor entre Lisboa e a Madeira, porque differentes carreiras de paquetes a vapor sustentam a regularidade de communicações aceleradas entre estes dois pontos; mas sendo condição do contrato respectivo, que o acabamento d'este só possa effectuar-se com aviso previo de dois mezes, e não podendo por isso acabar o mesmo contrato contra vontade do interessado durante o anno economico de 1871-1872, deve manter a verba correspondente de despeza respectiva, convindo auctorisar o governo a vir a um accordo com o interessado para a immediata rescisão, quando possa obter-se com economia importante para o thesouro, pelo que tem a honra de apresentar-vos para isso o respectivo projecto de lei.

Supranumerarios

A vossa commissão, tendo em vista a conveniencia do serviço e a rasoavel economia dos dinheiros publicos, é de opinião que se tornem extensivas á armada as disposições dos n.ºs 8.° e 9.° do artigo 85.° do decreto de 10 de dezembro de 1868, que não permitte conceder postos de accesso para general por serviço no ultramar, a não ser aos officiaes que forem nomeados governadores geraes da India e de Angola, pelo que tem a honra de offerecer-vos n'esse sentido o competente projecto de lei.

Empregados fóra dos quadros

Art. 23.° N'este artigo devera ter-se descripto toda a despeza que se faz com empregados a mais dos quadros, que se acha dispersa pelos outros artigos do orçamento; como porém no ministerio da marinha e ultramar não esteja ainda feita a classificação respectiva e haja urgencia de entrar na discussão do orçamento, não se altera este anno o orçamento proposto n'esta parte, porém é de conveniencia que antes de confeccionado o proximo orçamento se proceda á necessaria classificação dos empregados para depois serem descriptas as despezas do pessoal a mais dos quadros em um artigo separado.

Dispondo os artigos 8.° e 14.° do decreto de 1 de dezembro de 1869, que no quadro da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar haja 7 primeiros officiaes, dos quaes 4 para director e chefes da 1.ª, 2.ª e 4.ª repartições da direcção do ultramar, e 3 para chefes da repartição e das secções de contabilidade da direcção de marinha, estatue comtudo o mesmo artigo 8.° que o director geral do ultramar possa ser um primeiro official ou funccionario civil, e o § unico do artigo 8.° do mesmo decreto que póde ser nomeado chefe da repartição de contabilidade da direcção geral da marinha um official superior da armada, ou um funccionario civil de reconhecida aptidão em assumptos de contabilidade, pertencente ao ministerio da marinha, ou a qualquer dos outros ministerios; dispondo tambem o artigo 20.° do mesmo decreto, que os segundos officiaes civis possam ser nomeados chefes das repartições e secções de contabilidade, assim como da 1.ª e 2.ª repartições da direcção do ultramar, usou o governo d'esta faculdade com relação ás nomeações de chefes das repartições de contabilidade, tanto da direcção geral de marinha como do ultramar, collocando n'esses logares dois distinctos funccionarios, um dos quaes era segundo official do mesmo ministerio, e o segundo chefe de secção na junta do credito publico.

D'aqui resultou que alem do quadro dos sete officiaes, vem mencionados os ordenados de dois chefes de repartição na importancia de 2:200$000 réis, conforme o disposto na carta de lei de 16 de abril de 1867.

A vossa commissão, com o fim de evitar no futuro este augmento de despeza e o que póde resultar ainda com relação ao director dos negocios do ultramar, é de opinião que seja approvada a proposta de lei que o governo declarou que apresentava, revogando as referidas disposições do decreto de 1 de dezembro de 1869, na parte em que o governo é auctorisado a nomear para director do ultramar e para chefes das repartições e das secções, individuos estranhos á classe dos primeiros officiaes do ministerio, sendo collocados os actuaes chefes das duas repartições de contabilidade como addidos na classe de primeiros officiaes, para entrarem no quadro por occasião das vacaturas que n'elle occorrerem.

Despeza extraordinaria de marinha

A vossa commissão não acha exorbitante a verba de 90:000$000 réis proposta para grandes reparações e acquisição de machinas e apparelhos correspondentes.

O mau estado de conservação de grande parte de navios da armada, a necessidade de prover convenientemente o deposito de madeiras no arsenal, que se acha desprovido mesmo com relação ás necessidades das reparações ordinarias, levam a vossa commissão a votar pela verba pedida, que nos futuros orçamentos deve vir dividida em parcellas, para distinguir a que se destina a novas construcções, do que pertence a grandes reparações, a machinas e apparelhos.

Despeza extraordinaria do ultramar

Importa a verba proposta para estas despezas em réis 197:853$700, sendo 167:500$000 réis de subsidio para a navegação entre Lisboa e Angola e 30:353$700 réis para despezas do ultramar, realisadas na metropole.

A verba para a subvenção deve ser reduzida a 48:854$165 réis em que importa o que tem de pagar-se á empreza lusitana, cujo contrato acaba em 15 de outubro do corrente anno.

Esta verba deveria ser descripta conjunctamete com as dos outros subsidios a companhias de navegação exaradas no artigo 21.°, e melhor classificação teriam todas as d'esta especie no orçamento do ministerio das obras publicas, onde se tratam os negocios de commercio e de transporte de malas.

A verba de 30:353$700 réis por despezas do ultramar, deve ser supprimida do orçamento do reino, e passar ao do ultramar, por não ser justo o pagamento d'esta especie de subvenção ás provincias ultramarinas, quando pelo exame das tabellas de receita e despeza, auctorisadas por decreto de 30 de julho de 1870, se vê que o orçamentos do ultramar para 1870-1871 apresenta um saldo positivo na importancia de 81:384$019 réis.

É portanto a vossa commissão de parecer que a verba pedida com o titulo de despezas do ultramar seja reduzida a 48:854$165 réis, sendo portanto a reducção proposta de 148:999$535 réis.

A vossa commissão, em consequencia das informações obtidas das repartições competentes, e das propostas que tem a honra de apresentar-vos, formulou um mappa das alterações a fazer no orçamento proposto, as quaes subimette á vossa approvação.

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Mappa das alterações a fazer no orçamento do ministerio da marinha proposto para o anno economico de 1871-1872

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Á vista do exposto tem a vossa commissão a honra de propor o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º A despeza ordinaria e extraordinaria do ministerio da marinha e ultramar para o anno economico de 1871-1872

é fixada em....................... 1.179:297$330

Sendo:

Para as despezas ordinarias de marinha.......................... 1.040:443$165

Despeza extraordinaria de marinha.. 90:000$000

Despeza extraordinaria para a carreira

de navegação entre Lisboa e Angola 48:854$165

Pelo seguinte modo distribuida:

Despeza ordinaria

Capitulo 1.º — Secretaria d'estado e auxiliares............................ 45:865$960

Capitulo 2.° — Armada nacional......... 332:266$730

Capitulo 3.° — Tribunaes e diversos estabelecimentos......................... 52:551$510

Capitulo 4.º — Arsenal de marinha e dependencias........................ 445:452$206

Capitulo 5.° — Encargos diversos....... 39:670$415

Capitulo 6.º — Empregados em serviço no ultramar, supranumerarios, addidos, reformados, aposentados, jubilados e veteranos............................ 123:686$344

Capitulo 7.° — Despeza de exercicios findos 950$000

Despeza extraordinaria

De marinha......................... 90:000$000

Do ultramar......................... 48:854$165

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão, em 4 de maio de 1871. = Anselmo José Braamcamp (vencido em parte) = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior (com declarações) = Alberto Carlos Cerqueira de Faria = Henrique de Barros Gomes = Antonio Augusto Pereira de Miranda (vencido em parte) = Mariano Cyrillo de Carvalho (vencido em parte) = José Dias Ferreira (vencido em parte) = José Dionysio de Mello e Faro (vencido em parte) = Eduardo Tavares (com declarações) = João José de Mendonça Cortez (com declarações) = João Antonio dos Santos e Silva (vencido em parte) = Antonio Rodrigues Sampaio (vencido em parte) = José Luciano de Castro (vencido em parte) = Alberto Osorio de Vasconcellos (vencido em parte) = Augusto Saraiva de Carvalho (vencido em parte) = João Henrique Ulrich = Francisco Pinto Bessa (vencido em parte) = Antonio Maria Barreiros Arrobas, relator.

Projecto de lei n.º 14-A

Artigo 1.º As vacaturas que occorrerem nos quadros dos differentes serviços publicos serão preenchidas por empregados addidos, supranumerarios ou fóra dos quadros legaes que tiverem graduação e vencimentos correspondentes ou analogos ao logar vago, uma vez que n'elles concorram aptidão e todas as qualidades necessarias para bem os desempenhar, ou por empregados dos quadros nas mesmas condições e pertencentes a classes onde haja addidos da categoria ou vencimentos iguaes ou analogos aos do logar vago.

§ unico. Quando os proventos do logar preenchido forem inferiores aos vencimentos do empregado que n'elle for provido, ser-lhe-ha abonada a differença, a titulo de supplemento do ordenado, emquanto não passar a outro emprego de igual ou superior vencimento ao que lhe competia.

Art. 2.º As nomeações que forem feitas em contravenção do artigo 1.° d'esta lei são nullas, e o contraventor fica incurso na pena de multa igual á importancia dos pagamentos feitos pelo estado em virtude da nomeação illegal.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-B

Artigo 1.° São extinctos os quadros de fieis de generos e de escreventes.

Art. 2.° Os escreventes e fieis ficam pertencendo á classe de praças avulsas.

§ unico. Os individuos que actualmente pertencem aos quadros de que trata esta lei, continuarão a gosar das vantagens e a servir nas condições estabelecidas pelos decretos de 24 de abril de 1869.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-C

Artigo 1.° É extincta a repartição do commando geral da armada.

Art. 2.º As attribuições do commando geral da armada passarão a ser exercidas pela direcção geral da marinha.

Art. 3.° Os escripturarios, escreventes, archivista, continuo e servente d'esta repartição ficarão addidos á direcção geral de marinha com os seus actuaes vencimentos, até serem collocados nas vacaturas de logares analogos que occorrerem nos quadros de serviço publico.

Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-D

Artigo 1.° São extinctos os actuaes quadros de operarios do arsenal de marinha e da cordoaria nacional.

Art. 2.° O governo apresentará ás côrtes um projecto de lei para a organisação de um novo quadro de operarios do arsenal de marinha, comprehendendo unicamente os mestres e contra-mestres dos officiaes do mesmo arsenal, reduzindo quanto possivel o numero dos officiaes.

Art. 3.° É revogado o artigo 35.° do decreto de 28 de outubro de 1869, e os artigos 244.° a 248.° do regulamento do arsenal de marinha de 17 de março de 1870, estabelecendo e regulando as reformas do pessoal do mesmo arsenal de marinha e da cordoaria nacional.

Art. 4.º Não podem ser admittidos no arsenal de marinha mais de trinta aprendizes retribuidos.

Art. 5.° As disposições da presente lei não prejudicam o actual pessoal dos quadros e da classe de supranumerarios do arsenal de marinha e da cordoaria nacional; porém as suas reformas serão reguladas pelo disposto nos artigos 16.º e 18.° do regulamento do mesmo arsenal de 20 de outubro de 1859.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-E

Artigo 1.º É o governo auctorisado a rescindir o contrato da carreira de navegação a vapor entre Lisboa e a ilha da Madeira, celebrado entre o governo e a companhia Lusitania em 2 de julho de 1862, no caso de poder realisar-se a rescisão em condições de importante economia para

0 estado.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-F

Artigo 1.° É extincto o observatorio de marinha.

Art. 2.° O deposito geral das cartas, roteiros, chronometros e outros instrumentos necessarios á navegação, pertencentes á armada, constituirá uma repartição dependente da secção hydrographica.

Art. 3.° O pessoal da repartição a que se refere o artigo 2.°, constará de um director, engenheiro hydrographo ou official de marinha addido ao corpo de engenheiros hydrographos, encarregado do deposito de cartas e instrumentos nauticos, de um escripturario e de um servente.

Art. 4.° Os vencimentos annuaes d'estes empregados serão:

Director (capitão de fragata, capitão tenente, primeiro ou segundo tenente), a gratificação da patente.

1 Escripturario........................... 200$000

1 Servente............................... 57$600

Para compra e concerto de instrumentos....... 400$000

Expediente e despezas miudas............... 60$000

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Art. 5.° O governo applicará para o real observatorio astronomico de Lisboa, pelo modo que reputar mais proveitoso, a differença entre a importancia total da dotação do observatorio da marinha e a despeza que resultar da presente lei.

Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-G

Artigo 1.° São revogados os artigos 28.° e 66.º do decreto de 26 de dezembro de 1868 e o n.º 4.° do artigo 2.° do decreto com força de lei de 30 de dezembro do mesmo anno, que auctorisam o governo a augmentar o quadro dos guardas marinhas e a admittir aspirantes a guardas marinhas extraordinarios, bem como a mandar pagar a gratificação de 48$000 réis annuaes aos aspirantes, em quanto houvesse vagas no quadro dos segundos tenentes.

Art. 2.° As disposições do artigo antecedente não prejudicam os actuaes aspirantes a guardas marinhas ordinarios ou extraordinarios.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-H

Artigo 1.° O posto de contra-almirante não póde ser concedido a um capitão de mar e guerra por motivo de ser nomeado governador de uma provincia ultramarina, excepto se for dos estados da India ou Angola.

Art. 2.° O posto de vice-almirante não póde ser concedido a um contra-almirante por motivo de ser nomeado governador de uma provincia ultramarina.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Projecto de lei n.º 14-I

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar vender os navios da armada que pelo seu estado de deterioração forem condemnados pelo pessoal competente.

Art. 2.° O producto da venda de que trata o artigo antecedente será exclusivamente applicado ás despezas de novas construcções.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Projecto de lei n.º 14-K

Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu pela infracção da carta de lei de 24 de abril de 1867, cujo artigo 5.° manda demittir os aspirantes extraordinarios a guardas-marinhas, que no fim de dois annos não se mostrem habilitados com a primeira cadeira de mathematica e o curso geral de physica.

Art. 2.º É o governo auctorisado a permittir que os aspirantes extraordinarios, em relação aos quaes se tenha dado a infracção de que trata o artigo antecedente, continuem os seus estudos até o fim do actual anno lectivo, procedendo contra os que se não mostrarem n'essa epocha devidamente habilitados, nos termos da carta de lei de 24 de abril de 1867.

Art. 3.º É igualmente relevado o governo da responsabilidade em que incorreu pela falta do cumprimento do decreto com força de lei de 26 de dezembro de 1868, que, revogando o decreto com força de lei de 7 de julho de 1864, extinguiu a classe de aspirantes addidos a guardas-marinhas.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Documento n.º 1

Esclarecimentos

O preço do azeite para as rações foi de 2$900,8 réis por decalitro.

Arremataram-se 80:000 litros para o consumo do resto do anno de 1870-1871, e para todo o anno de 1871-1872. D'esta compra devem ser pagos 8:000$000 réis no anno economico proximo futuro.

Attendendo ao disposto na portaria de 13 de março do corrente anno e á adopção do methodo do fornecimento directo para os vapores das estações do ultramar, bem como aos dados fornecidos pelas contas de exercicios anteriores, a verba de 100:000$000 réis pedida para a compra de carvão de pedra no orçamento para

1871-1872 póde ficar reduzida a 85:000$000 réis. = M. de Bulhões.

Documento n.º 2

Conta da receita e despeza do cofre do hospital da marinha, relativa ao anno de 1870

RECEITA

Saldo do anno anterior.............................. 219$200

Recebido do ministerio da marinha e ultramar, onze prestações mensaes, a 43$500 réis...................... 478$500

Idem, vencimentos de officiaes e praças de differentes classes da armada tratadas desde dezembro de 1869 até novembro de 1870.. 5:286$702

Idem, vencimentos de officiaes, empregados e praças do ultramar, tratados desde novembro de 1869 a outubro de 1870........... 358$237

Idem, vencimentos de um subdito brazileiro, tratado em dezembro de 1870............ 1$500

Idem, vencimentos de officiaes e praçaa da guarda municipal de Lisboa, tratadas desde 16 de dezembro de 1859 a 15 de dezembro de 1870............................... 804$150

Idem, vencimentos de guardas da alfandega, tratados desde novembro de 1869 até ao fim do anno............................... 45$840

Idem, producto da venda de ossos da carne de vacca e venda de objectos inuteis........ 26$620

6.523$049

Idem, do ministerio da marinha, importancia de medicamentos, utensilios e mais artigos fornecidos para as provincias ultramarinas 2:376$296

Idem, importancia de medicamentos, instrumentos e utensilios fornecidos aos navios da armada, desde junho de 1869 a julho de 1870 356$315

2:732$612

9:953$361

DESPEZA

Em generos para dietas e combustiveis...... 3:360$675

Em medicamentos, instrumentos e utensilios

de botica.............................. 3:180$474

Em fazendas para roupas................. 630$544

Em lavagem, concertos e feitios de roupas... 273$419

Em utensilios e moveis para as enfermarias,

cozinha, etc............................. 411$285

Em guisamentos para a capella............ 6$760

Em artigos para o expediente e impressos... 153$435

Em illuminaçâo a gaz.................... 214$900

Em funeraes e despezas miudas............ 76$970

8:308$462

Em reparos e conservação do edificio, e melhoramento nas condições hygienicas das enfermarias do segundo pavimento do

hospital............................ 1:332$283

9:640$745

Saldo para o anno seguinte.......................... 312$616

9:953$361

Não foi abonado empregado algum pelo cofre do hospital da marinha no presente anno.

Tendo tido as differentes praças no hospital, durante o anno de 1870, 24:495 vencimentos, este numero dividido pelos 365 dias do anno dá a media de 67,109 doentes por dia. Divididos por classes, achâmos:

Das differentes classes de marinha, 18:281 vencimentos, media por dia 50,084.

Das differentes classes do ultramar, 2:082 vencimentos, media por dia 5,539.

Da guarda municipal e diversos, 4:192 vencimentos, media por dia 11,479.

Hospital da marinha, em 24 de abril de 187l. = Carlos Guilherme de Faria e Silva, director.

Documento n.º 3

MINISTERIO DA MARINHA E ULTRAMAR

Hospital da marinha

Despezas pagas pelo cofre do ministerio no anno de 1870

Director — gratificação........................... 300$000

Capellão — gratificação até novembro de 1870, em que

foi demittido do serviço......................... 88$000

Capellão extraordinario — soldo que venceu em dezembro de 1870................................... 12$000

2 Pharmaceuticos de 1.ª e 2.ª classes:

Soldos............................... 696$000

Gratificações......................... 180$000

876$000

Official da contabilidade — soldo.................... 500$000

Amanuense — idem............................... 336$000

Praticante de pharmacia — pret.................... 86$400

Fiel — soldo..................................... 300$000

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Fiscal — pret.................................... 86$400

4 Enfermeiros de 1.ª e 2.ª classes — prets........... 316$800

Porteiro — pret.................................. 72$000

Cozinheiro — pret................................ 72$000

11 Serventes — prets.............................. 396$000

Differença de vencimento do enfermeiro mór durante

seis mezes.................................. 10$800

Gratificação a 1 servente que exerce as funcções de

barbeiro...................................... 16$000

Pelo tratamento de officiaes da armada e praças de marinhagem.................................... 5:286$133

Pelo tratamento de officiaes do ultramar e praças do

deposito disciplinar e avulsas..................... 349$236

Para boticas de bordo........................... 356$315

Para boticas fornecidas ás provincias ultramarinas... 2:376$297

Para custeamento do hospital — 11 prestações a 43$500

réis........................................... 478$500

Pelo funeral de 1 contramestre.................... 5$440

Equivalente de rações abonadas a 21 praças, servindo no hospital, a 160 réis diarios................................ 1:229$760

Equivalente de rações abonadas a 2 praças de serviço extraordinario no mesmo hospital, a 160 réis diarios............... 57$520

1:287$280

Gratificações abonadas aos seguintes facultativos navaes:

1 Cirurgião de divisão fóra do quadro.. 300$000

2 Facultativos navaes de 1.ª clasee... 54$666

7 Facultativos navaes de 2.ª classe.... 172$833

526$999

A 2 facultativos navaes auxiliares:

Soldos............................ 661$775

Gratificações...................... 236$333

898$108

15:032$708

Os soldos do director do hospital, do cirurgião de divisão fóra do quadro e do capellão, importam:

O do primeiro em............................ 696$000

O do segundo em............................ 648$000

O do terceiro, durante onze mezes, em.......... 308$000

1:652$000

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, direcção geral de marinha, 3.ª repartição, 26 de abril de 1871. = M. E. Lobo de Bulhões.

Documento n.º 4

Pessoal em serviço no hospital da marinha em 20 de abril de 1871

”Ver Diário Original“

(a) Este empregado ha de ser substituido por 1 sargento da companhia de saude (onde ha a competente vacatura), quando tiver ingresso na repartição de contabilidade do ministerio.

(b) Este empregado ha de ser substituido por 1 sargento da companhia de saude (onde se dá a respectiva vacatura) quando deixe de exercer este logar.

(c) Não ha enfermeiro algum desembarcado que possa fazer aquelle serviço.

Mappa dos doentes existentes em 20 de abril de 1871

”Ver Diário Original“

Observações

Alem dos facultativos mencionados, serviam no hospital no dia 20 de abril de 1871:

O facultativo do corpo de marinheiros da armada, na junta de saude naval e do ultramar e no conselho administrativo do hospital;

O cirurgião da guarda municipal de Lisboa (§ 2.° do artigo 20.º do decreto de 9 de dezembro de 1869). Estes facultativos não têem gratificação alguma por taes serviços.

Hospital da marinha, em 24 de abril de 1871. = Carlos Guilherme de Faria e Silva, director.

O sr. Pinheiro Borges (por parte da commissão de guerra): — Á commissão de guerra foi enviado pela terceira vez o projecto de lei n.º 6, para ella pôr em harmonia o artigo 2.° com a emenda proposta pelo sr. Bandeira Coelho ao artigo 1.°, emenda que foi approvada.

O parecer da commissão é o seguinte (leu).

Como o artigo 2.° é redigido com as palavras sacramentaes «fica revogada a legislação em contrario», parece-me que elle não tem discussão, e que, se a camara approva esta redacção e se v. ex.ª está de accordo, podemos dar por terminada a discussão d'este projecto.

O sr. Presidente: — Já foi á commissão de redacção?

O sr. Pinheiro Borges: — Não, senhor.

O sr. Presidente: — Então fica para depois.

O sr. Pinheiro Borges: — Mas podia dar-se a discussão por concluida.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara.

Vae entrar-se na discussão do orçamento do ministerio

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da marinha, e a camara é que deve decidir qual o modo por que quer que essa discussão tenha logar.

A camara tem seguido differentes systemas. Ás vezes tem pretendido que haja uma discussão em geral, a maior parte das vezes, porém, creio que tem prescindido d'essa discussão geral, entrando logo na discussão por capitulos, e lembra-me ainda que se discutiu uma vez o orçamento relativo a este mesmo ministerio da marinha por artigos.

Em fim a camara é que tem de decidir esta questão preliminar; e se quer discutir por um modo ou por outro, e a maneira por que quer votar.

O sr. Alcantara: — Mando para a mesa uma proposta para que v. ex.ª tenha a bondade de a submetter á approvação ou rejeição da camara.

É a seguinte (leu).

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o parecer da commissão de fazenda a respeito do orçamento do ministerio da marinha seja discutido conjunctamente com o referido orçamento, tanto na generalidade como na especialidade.

Sala das sessões, 10 de maio de 1871. = João José de Alcantara.

Foi admittida.

O sr. Santos e Silva: — Aproveitarei a palavra, se v. ex.ª se não oppuzer, para fallar tambem sobre a proposta, caso tenha já sido admittida á discussão.

O sr. Presidente: — Pôde fallar.

O sr. Santos e Silva: — Quando pedi a v. ex.ª a palavra, foi para ponderar, que seria muito conveniente, que esta discussão corresse o mais larga que podesse ser, estabelecendo-se alguma regra emquanto ao modo de votar o orçamento (apoiados).

O systema, se bem me recordo, mais seguido na camara electiva, é discutir-se, na especialicade, um orçamento por artigos, e proceder-se depois á votação por capitulos. Esta discussão na especialidade não dispensa, já se vê, a discussão primeiro na generalidade (apoiados). Pelo que diz respeito á proposta do meu illustre amigo o sr. Alcantara, não posso deixar de a aceitar. Sou de opinião, como já disse, que se discuta largamente todo o orçamento do ministerio da marinha; é esse o fim que s. ex.ª teve em vista com a sua proposta (apoiados). Discuta-se não só o parecer que altera certos serviços e certas verbas, mas discuta-se tambem aquella parte do orçamento, que não foi alterada nem modificada, porque póde a camara querer fazer modificações ou alterações em assumptos, a respeito dos quaes a commissão se não pronunciou (apoiados).

Eu entendo que não póde deixar de ser admittida a proposta do sr. Alcantara, porque a camara tem o direito não só de discutir as alterações do parecer, mas de discutir tambem o que n'elle se omittiu (apoiados). A camara póde querer ir mais alem da commissão.

A commissão entendeu que devia alterar certos serviços, e certas verbas; mas a camara póde julgar, que é conveniente tocar n'outros assumptos e n'outras verbas, dos quaes a commissão se não occupou (apoiados).

Adopto, portanto, a proposta do sr. Alcantara, a qual estava subentendida, na minha opinião, ainda mesmo que s. ex.ª a não apresentasse, não só á vista do direito, mas tambem dos usos d'esta casa.

Se não houvesse proposta, a camara havia naturalmente de proceder segundo o methodo que ella insinua (apoiados).

O sr. Mariano de Carvalho (sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Entendo que o orçamento deve ser a traducção fiel da legislação em vigor na epocha em que é votado. O projecto que acompanha o parecer n.º 14 modifica em parte a legislação actualmente em vigor, relativa á marinha, e por consequencia entendo de conveniencia que, discutindo-se o orçamento na generalidade, se vote por artigos, tratando-se a proposito de cada um d'elles do projecto de lei que lhe diga respeito.

Por exemplo, o projecto n.º 14-C, extingue a repartição do commando geral da armada: se esse projecto for rejeitado, devemos incluir no orçamento a verba que se dispende com esse serviço; porém se for approvado, devemos modificar a legislação actualmente em vigor e organisar o orçamento em harmonia com a votação da camara. Por consequencia, parece-me mais methodico que se adopte o pensamento indicado na minha proposta (apoiados).

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a discussão do parecer n.º 14 comece pela dos projectos de lei que acompanham esse parecer a começar pelo n.º 14-A.

Sala das sessões, 10 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Mando para a mesa uma proposta de lei. Peço á camara que me dispense da leitura do relatorio, e para não occupar muito tempo lerei sómente os artigos da mesma proposta (leu).

É a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — Por carta de lei de 25 de junho de 1864 foi o governo auctorisado a fazer um contrato com Diederich Mathias Feuerheerd Senior para a construcção de um caminho de ferro americano, que communicasse as minas do Braçal, Malhada e Coval da Mó com o rio Vouga, concedendo-se-lhe uma subvenção de 3$000 réis por metro corrente de caminho para a extensão total de 8:454m,6.

Esse contrato, celebrado no ministerio das obras publicas, commercio e industria em data de 27 de agosto do mesmo anno, contém no § 4.° do artigo 2.° a seguinte clausula: « O peso dos carris não será inferior a 19,5 kilogrammas por metro corrente».

Em presença das representações do concessionario ácerca da interpretação d'aquelle paragrapho, e das declarações feitas officialmente pelo delegado do governo, incumbido de redigir o contrato, se procuraram informações de funccionarios technicos e competentes; e por ellas, e principalmente pela consulta do conselho das obras publicas de 17 de agosto de 1865, se reconheceu que o peso de 9,75 por metro de carril, isto é, metade do que é fixado no contrato, offerecia todas as garantias de segurança nas condições em que a exploração tinha de ser feita; por isso o governo aceitou provisoriamente a construcção do caminho, unicamente para o trafico das minas e da fundição, ficando a approvação definitiva e o pagamento do ultimo terço da subvenção dependentes do cumprimento do contrato.

Demonstrada, porém, como de facto está, e confirmada pela experiencia de tres annos de serviço do dito trammway, a inutilidade de uma tal substituição, parece que a solução mais racional nos casos ordinarios dos contratos de caminhos de ferro seria a de diminuir a subvenção, por fórma que se mantivesse a relação de 61 por cento entre essa subvenção e o valor orçado.

Segundo os esclarecimentos obtidos, os primeiros carris na extensão de 7:735m,5 pesaram 75,886 toneladas metricas á rasão de 9k,81 por metro corrente: os restantes a 12k,48 por metro pesaram 114:488 kilogrammas, perfazendo um peso total de 190:374 kilogrammas.

Devendo, pela letra do contrato e considerando o metro corrente referido ao carril e não á via, ser o peso total 329:719 kilogrammas, resulta um desfalque de 139:355 kilogrammas, equivalente a 5:574$200 réis.

Esta verba deduzida do custo do trammway fixado pelo conselho de obras publicas, tomando em conta o peso dos carris, segundo o contrato, na importancia de 41:000$000

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a 42:000$000 réis, reduziria o valor orçado a 36:000$000 réis approximadamente.

A subvenção concedida importa em 25:363$800 réis para os 8:454m,6 de caminho, isto é, quasi 61 por cento do orçamento, sem considerar o desfalque.

Conservando esta relação ficaria a subvenção reduzida sómente a 21:960$000 réis.

Se porém se attentar nas condições especiaes em que este contrato foi feito, deve concluir-se que elle não póde ser equiparado aos que geralmente se fazem sobre caminhos de ferro.

Effectivamente da referida carta de lei, e do relatorio que a precede, se infere claramente que tal subvenção era uma verdadeira indemnisação dos prejuizos que a barbarie de alguns centenares de individuos causára a um dos mais benemeritos industriaes do nosso paiz, devastando um importantissimo estabelecimento creado á custa de longos e indefessos sacrificios.

Esta indemnisação avaliada pelo conselho de minas, em sua consulta de 16 de março de 1864, na importancia de 20:477$800 réis, foi convertida pela citada carta de lei em uma subvenção de 25:363$800 réis, onerada no contrato subsequente com certos encargos, dos quaes o principal consiste em restituir ao estado, no fim de vinte annos, o caminho perfeitamente conservado, isto é, um valor de 41:000$000 a 42:000$000 de réis, em troco dos 25:000$000 réis concedidos, ou antes em troco de 4:886$000 réis, differença entre o valor da subvenção e o da indemnisação a que o emprezario foi considerado com direito.

Se a esta se juntarem as demais condições onerosas do contrato, a mais rigorosa equidade exige que aquella differença seja tida por uma moderada compensação dos encargos que pesam sobre o concessionario.

A carta de lei de 25 de junho concedeu a Diederich Mathias Feuerheerd uma determinada quantia para a construcção de um caminho de ferro, cujas clausulas foram fixadas pelo contrato de 27 de agosto; a modificação de uma d'essas clausulas, a do § 2.° do artigo 4.º, é reconhecida como exagerada e gravosa para o concessionario, sem vantagem alguma para o estado, e por outro lado o concessionario vem propôr um abatimento de 1:340$950 réis, para ser deduzido na terceira prestação da subvenção que lhe deve ser entregue depois da approvação definitiva do contrato, ficando aquella differença de 4:886$000 réis reduzida a 3:545$050 réis.

Por isso o governo:

Considerando que o pensamento que presidiu á concessão foi principalmente o de indemnisar o interessado dos damnos causados ao seu estabelecimento;

Considerando que a verba de 3:545$050 réis, excedente á somma em que foram avaliados taes prejuizos, representa a compensação das vantagens com que o contrato de 27 de agosto onerou a concessão que o estado fez a Diederich Mathias Feuerheerd Senior;

Considerando que das informações officiaes e technicas adjuntas ao processo resulta o conhecimento de que os carris já assentados no dito caminho têem o peso e as dimensões sufficientes para garantirem a solidez e duração da via;

Considerando que no referido contrato de 27 de agosto não deveriam impor-se condições onerosas para o emprezario, sem que d'ellas derivasse utilidade alguma para o estado; tem a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei;

Artigo 1.º É approvado o contrato addicional ao de 27 de agosto de 1864, e celebrado em 24 do corrente mez, entre o governo e Diederich Mathias Feuerheerd Senior, para a construcção de um caminho de ferro americano, que communique as minas do Braçal, da Malhada e do Coval de Mó com o rio Vouga.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 26 de abril de 1871. = Visconde de Chancelleiros.

Termo de contrato modificando os artigos 2.° e 5.° do contrato de 27 de agosto de 1864, celebrado entre o governo e Diederich Mathias Feuerheerd.

Aos 24 do mez de abril de 1871, n'este ministerio das obras publicas, commercio e industria, e gabinete do respectivo ministro o ill.mo e ex.mo sr. visconde de Chancelleiros, compareci eu o bacharel Antonio Augusto de Mello Archer, secretario do mesmo ministerio, e ahi estavam presentes de uma parte o mesmo ex.mo ministro, como primeiro outorgante em nome do governo, e da outra parte Carlos Scholtz, subdito allemão, residente em Lisboa, na rua do Ferregial de Cima, como segundo outorgante, na qualidade de procurador de Diederich Mathias Feuerheerd Senior, como mostrou por documento em devida fórma, que fica archivado em meu poder.

Assistiu tambem a este acto o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da côroa e fazenda, devidamente auctorisado. Pelos outorgantes foi dito na minha presença e das testemunhas abaixo nomeadas e assignadas que tinham ajustado entre si de fazerem as seguintea alterações nos artigos 2.° e 5.° do contrato de 21 de agosto de 1864, celebrado entre o governo e o referido Diederich Mathias Feuerheerd Senior, e se obrigavam, em nome das pessoas que representam, ao seu inteiro cumprimento.

1.ª O peso minimo de 19k,5 por metro corrente exigido para os carris do caminho de ferro destinado a communicar as minas do Braçal, da Mealhada e do Coval da Mó com o rio Vouga, e que foi objecto do contrato de 27 de agosto de 1864, auctorisado por carta de lei de 25 de junho do mesmo anno, e celebrado entre o governo e o concessionario Diederich Mathias Feuerheerd Senior, fica substituido pelo peso minimo de 9k,75 por metro corrente de cada uma das linhas de carris.

2.ª A subvenção fixada no dito contrato de 27 de agosto em 3$000 réis por metro corrente de via, e calculada para e extensão de 8456m,6 em 25:363$800 réis, é reduzida a 24:022$850 réis.

3.ª São por este modo alterados o n.º 4.° do artigo 2.° e n.º 1.° do artigo 5.° do citado contrato, subsistindo para todos os effeitos as demais clausulas e prescripções ali estabelecidas, na parte em que não são alteradas pelo presente contrato.

4.ª As disposições do presente contrato ficam dependentes da sancção legislativa.

E por esta fórma hão por feito e concluido este contrato addicional ao de 27 de agosto de 1864, ao qual assistiu o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da corôa e fazenda, sendo testemunhas presentes João Baptista Schiappa de Azevedo, chefe da repartição de minas, e Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, segundo official, chefe de secção da repartição de commercio. E eu o bacharel Antonio Augusto de Mello Archer, secretario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e subscrevi o presente termo de contrato que vão commigo assignar os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas, depois de lhes ter sido lido. = Visconde de Chancelleiros = Scholtz, como procurador de Diederich Mathias Feuerheerd Senior = Fui presente, Antonio Cardoso Avelino = João Baptista Schiappa de Azevedo = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos = Antonio Augusto de Mello Archer.

Está conforme. — Repartição central do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 24 de abril de 1871. = Antonio Augusto de Mello Archer.

O sr. Arrobas: — Farei mui breves reflexões relativamente ás propostas que foram mandadas para a mesa pelos srs. Alcantara e Mariano de Carvalho.

A proposta do sr. Alcantara estava subentendida e julgo-a desnecessaria, porque, discutindo-se o parecer, não póde deixar de se discutir conjunctamente o orçamento, e

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conseguintemente uma cousa não póde separar-se da outra (apoiados). Entretanto, se o illustre deputado não retirar a sua proposta, não tenho duvida em a approvar.

Emquanto á proposta do sr. Mariano de Carvalho acho-a clara e que tem rasão de ser, porque se economisa muito tempo discutindo-se a generalidade do orçamento, votando-se por artigos e tratando-se a proposito de cada um d'elles do projecto de lei que lhe diga respeito.

Tenho concluido.

O sr. Santos e Silva: — Não me opponho a que se discutam no logar conveniente os projectos especiaes, que estão annexos ao parecer da commissão de fazenda, visto que a respeito d'elles é necessario tomar uma resolução definitiva.

Mas desde que nós approvarmos o projecto de lei pelo qual conclue o relatorio, e que fixa a despeza do ministerio da marinha e ultramar, temos approvado, por esse facto, todas as alterações propostas, e por tanto alguns dos projectos especiaes.

Vem a proposito perguntar quem toma a responsabilidade dos taes projectos especiaes e annexos, porque apparecem sem a assignatura de pessoa alguma. Vem assignado o parecer da commissão de fazenda, e o projecto, que orça a despeza do ministerio; mas apparecem sem assignatura os ditos annexos.

Creio que teria sido conveniente que taes projectos apparecessem tambem com a assignatura, da commissão, para terem authenticidade, para haver quem responda por elles.

Naturalmente houve lapso ou esquecimento; a este respeito nada mais digo, porque me parece não merece a pena occupar a camara por mais tempo com esta questão.

O sr. Arrobas: — O illustre deputado, membro da commissão de fazenda, que acaba de fallar, fez algumas reflexões relativamente a não estarem assignados os projectos que vem juntos ao parecer sobre o orçamento do ministerio da marinha, e a este respeito tenho a observar que julgava que o nobre deputado sabia a rasão d'isso.

Quando a commissão resolveu a respeito de cada um dos projectos de lei, foi resolvido que ella assignaria o parecer final, em que estavam incluidos todos os projectos, para não estar a repetir a assignatura de dezeseis membros da commissão em tantos projectos quantos eram os que vem juntos ao mesmo parecer.

Esta foi a rasão por que se não assignaram os projectos, e julguei que não havia nenhum membro da commissão que ignorasse esta circumstancia.

Agora vejo que me enganei, e que alguem havia que não sabia o motivo. Estão presentes alguns membros da commissão, que podem dar testemunho do que eu digo, e está presente o sr. presidente da commissão, que foi o primeiro a quem os projectos foram apresentados e que lembrou que bastaria sómente assignar o parecer.

O sr. Mariano de Carvalho: — Quanto ás observações apresentadas pelo sr. Santos e Silva, não posso senão confirmar o que acabou de dizer o sr. relator da commissão. Esta entendeu que não era necessario assignar os projectos e que a assignatura do parecer comprehendia os mesmos projectos.

Agora, quanto á questão de ordem, não me empenho em que se decida por um ou outro modo. Se a camara quer discutir os projectos juntamente com os capitulos do orçamento que lhes dizem respeito, não tenho duvida. Por isso approvo a opinião apresentada pelo sr. relator da commissão.

Mas a approvação dos projectos de lei, que approvam certas despezas do ministerio da marinha, não envolve a approvação de todas as despezas, por isso que ha muitos pontos em que não ha alteração na despeza actual. Por exemplo, o projecto que extingue os empregados dos depositos de viveres não toca na despeza actual.

Ha alguns projectos a respeito dos quaes succede o que disse o illustre deputado que me precedeu, mas ha outros onde esta circumstancia se não dá. Mas discutindo-se os projectos com os artigos que lhes dizem respeito, não tenho duvida em concordar em que ao mesmo tempo se discuta uma e outra cousa.

Mas o que proponho é que o orçamento do ministerio da marinha se discuta na generalidade e se vote por artigos.

Vou mandar a minha proposta para a mesa, a fim de que o orçamento seja discutido na generalidade e votado por artigos.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o orçamento se discuta na generalidade e se vote por artigos, tratando a proposito de cada um d'elles do projecto de lei que lhe diga respeito.

Sala das sessões, 10 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Admittida.

O sr. Santos e Silva: — Desde o momento, em que alguns dos meus collegas, membros da commissão de fazenda, declaram que a commissão decidiu, que os projectos annexos se podessem apresentar á camara sem assignaturas, considerando-se que, assignado o relatorio da commissão, as mesmas assignaturas serviam para os projectos especiaes, não tenho nada mais a dizer a esse respeito; não tenho idéa que tal cousa se decidisse na commissão, estando eu presente, mas de certo decidiu-se na minha ausencia, vistas as declarações dos meus collegas, a que dou credito. Fallei n'isto, porque não tinha idéa de tal resolução.

O sr. Braamcamp: — Tendo-se o sr. relator da commissão referido ao meu nome, não posso deixar de confirmar que effectivamente a commissão de fazenda, não estando presentes todos os seus membros, e por isso não é de admirar que alguns ignorem essa circumstancia, resolveu que os diversos projectos de lei apresentados pela commissão se julgassem incluidos no relatorio, e por consequencia a assignatura do relatorio correspondia igualmente aos diversos projectos.

O sr. Presidente: — Vão votar se as propostas que estão sobre a mesa.

Foi approvada a proposta do sr. Alcantara.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara se me concede que retire a minha primeira proposta, substituindo-a pela segunda, de accordo com o sr. relator da commissão.

Consultada a camara a este respeito, decidiu afirmativamente, sendo em seguida approvada a segunda proposta.

O sr. Alcantara: — Sr. presidente, tendo-me sido concedida a palavra para abrir o debate na discussão do orçamento do ministerio da marinha e ultramar, começo por deplorar e sentir profundamente que não tenham assento n'esta camara alguns officiaes da distincta classe de marinha, unica habilitada, de certo, para combater com vantagem, e com a segurança do triumpho, a grande parte das alterações propostas no parecer apresentado pela illustre commissão de fazenda.

Sr. presidente, tenho o mau gosto de obsecrar ao coração e de lhe aceitar o voto em pontos de sentimento, e por isso não deve nem v. ex.ª, nem a camara, admirar-se de que eu pedisse a palavra para tomar parte na discussão. Declarando o illustre relator, que as propostas apresentadas estavam de accordo com a illustre commissão de marinha, fazendo eu parte d'essa commissão, e não tendo eu sido ouvido, apesar de ter uma só vez sido convidado, a cujo convite não correspondi por motivos estranhos á minha vontade, o meu silencio em taes circumstancias não podia merecer os louvores dos meus collegas. Faltando-me a competencia para entrar na discussão, ninguem dirá que me não sobra a rasão.

Declaro a v. ex.ª e á camara que me não conformo com o systema errado, e que agora se pretende inaugurar, aproveitando-se a discussão do orçamento do ministerio da marinha, para alterar e revogar importantes leis organicas.

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desconhecendo-se os graves transtornos que um tal systema acarreta para os serviços publicos. Concordo com as muitas reformas que convem fazer, mas quero que estas reformas se apresentem depois de um serio e detido estudo, depois de consultados os homens competentes, que se apresentem uma a uma, e não com precipitação e encanastradas. Detesto o cahos, a desordem não constróe a ordem: pensemos de vagar, e executemos de pressa.

Não sigamos idéas falsas, fallemos a verdade ao paiz, já cansado de esperar pelo dia de ámanhã, não o enganemos com economias falsas, cheguemos até onde podérmos, mas com franqueza e lealdade. O impossivel ha de ser sempre impossivel (muitos apoiados).

O governo quer economias, e quem as não quer? (Muitos apoiados.) Eu quero economias, mas primeiro quero uma boa administração (apoiados); sem administração não ha economia, e é principalmente a má administração nos dinheiros publicos que nos tem collocado na pouco lisonjeira situação em que nos encontrâmos (apoiados). O que eu quero, querem os verdadeiros homens liberaes d'este paiz (muitos apoiados. — Vozes: — É verdade.) Que quer dizer economisar, muitas vezes em prejuizo do serviço publico, réis 3:000$000 ou 4:000$000, quando por outro lado se esbanjam 30:000$000 ou 40:000$000 réis? Sem uma boa administração haver quem espera ver o equilibrio entre a receita e a despeza sonha e não vê.

Tenho a fazer uma declaração a v. ex.ª e a camara, e é que nos breves argumentos que possa apresentar em favor das minhas opiniões, breves, vista a minha curta intelligencia, e o incommodo de saude que quasi sempre soffro, e hoje principalmente, não tenho por fórma alguma intenção de, nem ligeiramente, offender pessoa alguma, e até mesmo porque os motivos não obrigavam, nem a minha educação e o respeito que tributo a todos permittiam.

Passando a analysar algumas verbas do orçamento, e as propostas do parecer da illustre commissão de fazenda, surprehendeu-me que o facalhão das economias, propostas pelo illustre relator e meu amigo, não começasse o seu serviço por harmonisar os vencimentos do pessoal das direcções geraes de marinha e ultramar, em cujas direcções se nota que os chefes de algumas repartições têem maior vencimento do que o director geral, apesar mesmo d'este ter o posto de

contra-almirante graduado; aonde se nota igualmente que nem todos os chefes de repartição têem o mesmo vencimento; e por ultimo, que ha primeiros officiaes com maiores vencimentos de que os seus respectivos chefes. Isto será justo, sr. presidente, será boa administração? (Apoiados). Aonde estava o illustre relator, quando, abrindo o orçamento, não notou este incomprehensivel absurdo, e palpavel erro de boa administração? (Muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Eu desde já previno a v. ex.ª e á camara, de que tenciono mandar para a mesa uma proposta no sentido de cortar aquelle abuso: conto com a approvação d'ella, porque confio na illustração da camara. Não entro na apreciação de serem grandes ou pequenos os vencimentos d'aquelles empregados, o que a camara não póde consentir é que haja differença entre empregados de igual categoria, e que os inferiores obtenham maiores vencimentos do que os superiores (apoiados). N'estas minhas considerações a camara vê quanta rasão eu tenho para combater as reformas precipitadas, e que parece serem inventadas para lançar poeira nos olhos dos contribuintes. (Apoiados — Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, passando a analysar o parecer da illustre commissão de fazenda, propõe o illustre relator reducções no nosso armamento naval, diminuindo o numero de vasos nas nossas estações navaes, e destinando o que lhe resta para o porto de Lisboa, e para as ilhas dos Açores e Madeira; reduz conseguintemente a marinhagem, e depois de nos pretender lisonjear com a economia feita pelo parcial facalhão, diz-nos, confiando no nosso sentimentalismo: «É pois a reducção proposta nas estações do ultramar, de 1 corveta, 1 brigue e 1 escuna, todos de véla, com 431 praças, produzindo a economia total de 57:746$113 réis, sem inconveniente para o serviço, e com a vantagem de livrar aquellas 431 praças da acção de climas doentios».

Admiravel argumento!!

O illustre relator podia levar a sua humanidade mais alem, propondo que a nossa pequena marinha nunca estacionasse em portos de climas doentios; importava, é verdade, ficarmos sem as nossas riças possessões ultramarinas, e conseguintemente desapparecer a nação portugueza (apoiados), porque, sr. presidente, é convicção minha que devemos a nossa existencia ás provincias ultramarinas, e que hão de ser ellas, se houver acertada escolha na nomeação do funccionalismo publico, quem nos hão de salvar e conservar. (Vozes: — É verdade. —- Muitos apoiados).

Que outro cavalheiro viesse a esta camara propor a reducção dos navios que costumam estacionar nos portos das nossas possessões ultramarinas, transeat (apoiados); mas o illustre relator, o ex-governador de uma das nossas provincias ultramarinas, e que por isso não devia desconhecer quanto importa conservar o maior numero de flamulas n’aquellas paragens, quanto importa sustentar o prestigio da auctoridade, quanto finalmente importa pô-la a coberto das constantes tentativas dos pretos e dos Bongas, é um facto, sr. presidente, que me contristou. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, eu antes quero que um marinheiro morra pela acção doentia do clima, do que ficar Portugal sem possessões no ultramar; prefiro lastimar a morte de um marinheiro, a lastimar a morte de centenares de officiaes e de soldados do exercito de terra, que ainda podem succumbir a golpes de machado (Apoiados. — Vozes: —Muito bem, muito bem.)

Está junto de mim o meu parente e illustre collega, ha pouco vindo de Macau, perfeitamente conhecedor das necessidades mais reclamadas no ultramar, e elle dirá se é conveniente para os nossos interesses diminuir a força naval nos portos das nossas colonias.

O sr. Francisco Maria da Cunha: — É inconvenientissimo.

O Orador: — Como quer o illustre relator garantir em Macau a boa ordem entre uma população china superior a 60:000 almas? Não se lembra o illustre relator de Timor, e da distancia em que se acha de Macau? Ora, sr. presidente, permitta-me v. ex.ª que eu diga em boa paz, que ninguem póde approvar taes propostas.

Mas, dando de barato que a força naval proposta para as estações era a sufficiente para o fim a que se destina, como podia o governo mandar substituir aquelles navios? Era justo que o navio levantasse ferro do porto de Moçambique e fosse estacionar no porto de Macau, e vice-versa? Como se ha de proceder aos concertos? Como se haviam preencher as vacaturas do pessoal? Ora, sr. presidente, isto não póde ser, nem tem defeza possivel. O illustre relator devia propor a extincção completa da nossa marinha, e deixar-se de imaginações.

(Interrupção do sr. Arrobas, que se não percebeu.)

Pois s. ex.ª não concorda que é indispensavel, que é preciso termos mais dois terços do pessoal do que o existente nas estações navaes? E s. ex.ª não quer contar com os presos, doentes, convalescentes, recrutas, etc. etc.? (Vozes: — Muito bem.)

(Interrupção do sr. Arrobas, que se não percebeu.)

Se s. ex.ª me provar o contrario, dar-me-hei por satisfeito, e confessarei a inoportunidade dos meus argumentos.

Economias feitas por esta fórma todos podiam fazer (apoiados). Ainda bem que ha muitos homens no nosso paiz que rejeitam o systema.

Sr. presidente, o futuro ha de fazer justiça a todos (apoiados). Quando nos outros paizes se engrandece, se exalta a marinha; nós, que temos mais juizo (riso), propomos quasi

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a sua completa aniquilação!! E porque? Porque faz despeza; nas outras nações a marinha e o exercito alliviam o thesouro!! Incommoda, sr. presidente, apreciar e comparar estes factos. Crê hoje o illustre relator na influencia da diplomacia? Eu não creio, a diplomacia moderna é o exercito, é a marinha (apoiados).

Os ministerios gastam muito, de accordo, completamente de accordo; mas porque? Esta é que é a questão.

Gastam muito, porque não ha administração; gastam muito, porque ha mais vaidade que juizo (apoiados).

Quer a camara saber por que o ministerio da marinha gasta muito? É porque havendo vinte e tantas officinas no arsenal, cada uma tinha um escrevente, podendo-se combinar o serviço a poder ser feito por seis ou sete; é porque as officinas têem estado n'um perfeito cahos; é porque as contas têem sido saco; é, finalmente, porque nos variados armazens não se procede ha quinze annos a um inventario!!

Sei, sr. presidente, de um empregado do arsenal do exercito que, fallando-se a respeito da desorganisação da administração de uma das officinas do nosso arsenal, disse que «se lhe abonassem as quebras da officina de fundição, elle serviria gratuitamente e viria todos os dias de carruagem para a officina».

E o que significa tudo isto? Má administração, e nada mais (apoiados, apoiados); não nos illudamos, nem queiramos illudir o paiz. (Vozes: — Muito bem.)

Vem a proposito felicitar o nobre ministro da marinha, porque li que s. ex.ª tinha incumbido um habil official de fazenda, para propor os meios de obstar áquella Babel, e sei que o trabalho d'aquelle official foi apreciado por cavalheiros de provada competencia. Empregando-se estes meios, quero economias; cortando verba aqui, verba acolá, sem estudo e sem perfeito conhecimento do serviço e da fórma por que elle póde ser feito, hei de ser inexoravel em combater este anti-economico e desorganisador expediente (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O illustre relator propõe que a marinha fique dispensada do serviço de registo á entrada do porto de Lisboa, passando a cargo da alfandega. Penso de differente maneira. Que o pontão desappareça, concordo; mas proponho que a fragata D. Fernando substitua aquella amostra de navio. E visto que o illustre relator poupou aquelle navio, convindo na applicação para que ultimamente tem sido destinado, não vejo inconveniente algum em que a referida fragata mude da sua residencia defronte do caes de Sodré para defronte do lazareto (apoiados).

Creio ser este um expediente de boa administração, e economico, porque devendo então ali ser dadas as salvas de cumprimento, poupa-se o pessoal que tem de estar sempre a postos para aquelle fim, quer as salvas de cumprimento houvessem de ser dadas na torre de Belem, quer houvessem de ser dadas na bateria em Alcantara; acrescendo alem d'isso que as salvas de cumprimento a que fica obrigada a fragata D. Fernando, passando conjunctamente a servir de registo, como eu proponho, e o illustre relator de certo convirá, constituem obrigatoriamente uma das principaes partes da instrucção do soldado marinheiro.

Propõe o illustre relator que «o serviço das salvas deve passar a ser acompanhado pela artilheria do exercito, á qual compete»; propondo implicitamente que as salvas de cumprimento passem de novo a serem dadas na bateria da torre de S. Vicente de Belem. Não encontro uma só rasão que justifique a proposta, nem acho extraordinario que seja a marinha, e só a marinha, que de uma ou outra fórma faça os cumprimentos estabelecidos por occasião da entrada no nosso porto de Lisboa dos navios de guerra, da mesma fórma que só ella corresponde ás salvas dadas por qualquer motivo pelos navios de guerra fundeados (Vozes: — Muito bem).

Sr. presidente, a torre de S. Vicente de Belem póde ser hoje considerada como uma reliquia, e nada mais.

Cubrâmo-la com uma redoma de vidro, e não nos sujeitemos a mandar dar segunda salva, porque não se ouviu a primeira, como ainda ha pouco fomos obrigados pelas exigencias do commandante de um navio de guerra.

É de absoluta necessidade que um navio de guerra desempenhe o serviço do registo, para não se darem os casos, que hão de ser muitos, de entrarem os navios sem esperarem pela alfandega e pela revista de saude. Todos sabem a consideração e o respeito que em toda a parte a marinha mercante tributa á marinha de guerra, para haver a garantia de que a presença de um escaler, levando a bordo um official de marinha, ha de fazer desapparecer, sem contestação, qualquer pretensão menos considerada. (Vozes: — Muito bem.)

Diz o illustre relator que «o serviço das guardas deve passar a ser feito pela tropa de linha, menos o da guarda do quartel». Direi ao illustre deputado, que o seu alvitre tem toda a rasão de ser, e sempre se tem seguido, excepto em circumstancias excepcionaes; e então tambem s. ex.ª terá visto que os engenheiros e artilheiros têem tambem fornecido algum serviço de guarnição; o que está recommendado, recommenda-se por si. Dispensar, porém, do serviço de ordenanças, como s. ex.ª propõe, o soldado marinheiro, passando aquelle serviço a ser desempenhado por veteranos, releve s. ex.ª que lhe diga que é uma medida inexequivel. Como quer s. ex.ª que um velho decrepito, um coxo, um aleijado, seja portador de um officio para qualquer auctoridade da torre de S. Julião, ou para qualquer commandante de navio surto no Tejo, ou finalmente para qualquer auctoridade militar ou civil? É exigir o impossivel. Não ha inconveniente algum de que o marinheiro seja empregado em qualquer serviço proprio da sua profissão; quem está desembarcado não está sempre em instrucção, quem é ordenança não está de guarda, um serviço não prejudica o outro.

Peço ao illustre relator que poupe os pobres veteranos, que pela sua posição não podem ser empregados em serviços violentos; o descanso que a lei lhes concede, em remuneração dos seus muitos serviços, não póde ser roubado por homens liberaes e de coração (apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.) Peço, supplico, que os pobres velhos sejam poupados ás iras do illustre relator do parecer. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

O illustre relator propõe que «se abata do orçamento a despeza correspondente ás gratificações dos officiaes, que não sejam as dos tres instructores da escola pratica». Não me consta, sr. presidente, que na fragata D. Fernando haja mais do que um official, alem dos instructores; mas sendo possivel que eu tivesse sido mal informado, espero que s. ex.ª me diga qual de nós está melhor informado. Se ha mais de um official alem dos tres instructores, como o illustre relator affirma, desembarquem os excedentes e abata-se a verba; mas se sou eu que colhi melhores informações, pugno, sr. presidente, pela necessidade da existencia de um commandante n'aquelle navio de guerra.

S. ex.ª, propondo que se abata do orçamento a despeza correspondente ás 80 praças desembarcadas da fragata D. Fernando, apresenta o facto como um achado economico, reune-as ás que considera com existencia no quartel, e declara que a totalidade, que s. ex.ª considera 392 praças, é sufficiente para fornecer aquellas 80 praças.

Conseguintemente, s. ex.ª manda por um lado desembarcar, e por outro lado manda embarcar o mesmo numero, e apesar d'isso dá-nos uma economia de 10:904$210 réis!!

E não terei rasão, sr. presidente, quando digo que uma grande parte das economias, propostas pelo illustre relator, são ficticias, são imaginarias?! (Apoiados.)

Pois não nos diz o illustre relator, depois de propor reducções profundas e impossiveis, no armamento naval e no corpo de marinheiros, que a marinha não soffre prejuizo algum? Pois quem soffre? S. ex.ª não, mas soffre o paiz

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(apoiados); soffrem os officiaes marinheiros, em quem o estimulo ha de murchar, logo que vejam um futuro carregado e sem esperança (apoiados).

Seguindo a discussão pela ordem adoptada no parecer, não me parece acertada a proposta do illustre relator, na qual reduz á quantia de 15:000$000 réis a verba proposta para a despeza de carvão de pedra. Se o calculo conveiu para augmentar as economias imaginarias, offerece por outro lado a possibilidade de termos de votar um credito extraordinario, porque a ninguem é licito prever as viagens a que serão obrigados os navios em serviço nas diversas estações navaes. Portanto caminharemos mais acertadamente se mantivermos a verba votada no orçamento, porque depois a lei de receita e despeza nos dirá se foi superabundante ou deficiente. Este é o meio mais seguro de nos não enganarmos, nem tão pouco enganar o paiz.

Sr. presidente, não me conformo com a extincção do commando geral da armada, não me convencem as rasões apresentadas pelo illustre relator, as quaes, no meu modo de ver, se oppõem ao seu proprio pensamento: nem mesmo a economia resultante convida a que se desorganise um poder necessario e intermediario entre o ministro e a marinha propriamente dita. Passando o numeroso expediente para a direcção geral de marinha, é obvio que o pessoal ha de augmentar, e que o expediente ha de ser mal desempenhado, porque passam para as diversas repartições assumptos estranhos, e cuja solução, se for acertada, terá de ser morosa, alem de muitos outros inconvenientes, que seria impertinente enumerar.

É natural que o official, destituido d'aquelle commando geral, passe, como deve, a ser empregado n'outra commissão de serviço. Sendo assim, pergunto ao illustre relator o que se economisa? Pela minha parte, e não admira, ignoro. E a proposito, sr. presidente, perguntarei ao illustre relator, porque n'esta parte estou confuso e tenho apprehensões, o que pretende s. ex.ª supprimir — o commando geral ou a direcção geral? E tambem perguntarei a s. ex.ª qual a rasão, por que na proposta da extincção do commando geral não se diz no preambulo de accordo com o governo? Espero que s. ex.ª, quando tiver a palavra para rebater os meus argumentos, não se esquecerá de responder a estas perguntas.

É admiravel, sr. presidente, a sem-ceremonia com que o illustre relator presenteia a nação com a verba de réis 9:744$000, importancia do soldo de 29 vacaturas de segundos tenentes, as quaes s. ex.ª mesmo se encarrega de dizer que não podem ser preenchidas pela falta dos respectivos guardas marinhas habilitados! Pois se taes vacaturas não são preenchidas, para que reduz s. ex.ª a verba correspondente? Que mal lhe fazia que ella figurasse no papel? Em igual caso está a verba que s. ex.ª reduz relativa aos dois capellães. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, se a camara me permitte que eu faça economias por este systema, declaro a v. ex.ª e ao paiz, que dentro de tres ou quatro dias mato o dragão, chamado deficit. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Propõe o illustre deputado a venda dos navios da armada que, pelo seu estado de deterioração, forem condemnados pelo pessoal competente; e, cioso extremamente pela boa applicação dos dinheiros publicos, não escapou á sua penetração consignar n'um projecto de lei, que o producto da venda fosse exclusivamente applicado á despeza de novas construcções.

Oh, sr. presidente (com vehemencia), pasmo, córo de vergonha ao lembrar-me que se escreveram aquellas poucas linhas! Quem quereria comprar a corveta D. João I, construida em 1828?! Quem compraria o brigue Pedro Nunes ou quaesquer outros navios que nós possuimos, quando chegarem a ser condemnados? Vendida a corveta D. João, e o brigue Pedro Nunes, duvido que o producto chegasse para a acquisição de uma lancha a vapor (riso).

Sr. presidente (com vehemencia), ao para e ao rei falla-se a verdade; o contrario é um erro, que mais tarde ha de apresentar os seus desgraçados resultados!(Muitos apoiados — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Diz o illustre relator que o quadro dos constructores navaes é excessivo para o serviço que o seu pessoal tem de desempenhar; faz menção de duas vacaturas de engenheiros constructores subalternos de 1.ª classe, quando o orçamento diz ser 1 aspirante de 1.ª classe, e 1 aspirante de 2.ª; diz-nos que ha na classe de addidos 2 engenheiros subalternos de 1.ª classe e 4 de 2.ª, quando o orçamento só menciona 1 engenheiro subalterno de 2.ª classe, e propõe que se abata por vacaturas a verba correspondente ao soldo de 2 engenheiros subalternos de 1.ª classe. De fórma que, apesar de s. ex.ª achar excessivo o quadro completo dos engenheiros constructores navaes, mesmo antes de nos fazer menção dos 6 addidos, conclue por supprimir dois logares!! Não ha contradicção mais flagrante!! (Apoiados.) E porque não supprimiu s. ex.ª o logar de engenheiro inspector?

O sr. Arrobas: — Está supprimida a verba.

O Orador (com vehemencia); — Está supprimida averba... mas não é supprimido o logar, era o que eu esperava que s. ex.ª fizesse em nome da economia e da moralidade; e é invocando estes principios que eu hei de mandar para a mesa uma proposta para ser supprimido o logar. Não entendo que se reservem logares para ninguem. Acha s. ex.ª justo que um engenheiro chefe de 1.ª classe perceba de soldo mensal 60$000 réis e de gratificação réis 65$000? Que o seu immediato, com a graduação de major, perceba alem do soldo de 54$000 réis mais 60$000 réis? Será isto boa administração? Como foi que o facalhão embotou, estremeceu diante de taes esbanjamentos? (Repetidos apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.) Precisa-se de economias, o paiz está pobre, vamos com passo firme, e cortemos, mas sensatamente, quer o golpe fira o grande, quer o golpe fira o pequeno. (Vozes: — Muito bem.) Este é o primeiro e principal passo a dar para a boa administração.

O illustre relator, passando a tratar da saude naval e do ultramar, parece lhe poder supprimir-se, passando o serviço do expediente para as respectivas direcções, e o serviço technico para a commissão consultiva de saude. Como s. ex.ª se limitou n'esta parte apenas a emittir a sua opinião, propondo que o governo estude o assumpto, eu não me alongarei em considerações, limitando-me a dizer que ninguem póde ser obrigado a entender do que não sabe, nem tão pouco a servir gratuitamente, comquanto alguns digam, que no nosso paiz ha muita gente que percebe ordenados sem trabalhar. A creação de duas secções, uma na direcção da marinha e outra na direcção do ultramar, serão indispensaveis, quando o governo entenda que deve ser supprimida a repartição de saude naval e do ultramar, ou então ver-se-ha na necessidade de augmentar o pessoal das direcções, dando em resultado de qualquer dos expedientes zero de economias e confusão de serviços (apoiados).

Passando ao quadro dos officiaes de saude naval, menciona o illustre relator o numero dos que se acham em serviço estranho á marinha. Não me parece essencial o conhecimento da situação d'aquelles facultativos, mas o illustre relator quiz mostrar á commissão que tinha obtido todos os documentos que podessem habilitar a sustentar com vantagem o parecer. Não posso, porém, aceitar, sr. presidente, a classificação que o illustre relator dá ao official de saude naval em serviço no quartel do corpo de marinheiros, porque não creio que s. ex.ª possa sustentar, com bons argumentos, que o serviço feito no corpo de marinheiros seja estranho á marinha, e bem assim o serviço desempenhado no hospital da marinha (apoiados). A economia produzida pelas tres vacaturas existentes de facultativos de 2.ª classe, é a mesma que a produzida pelas 29 vacaturas existentes na classe dos segundos tenentes; ou, mais claramente, essas economias importam enganar o paiz. (Vozes: — Muito bem.)

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Passando, sr. presidente, a analysar o parecer da commissão a respeito do hospital da marinha, não posso deixar de me curvar respeitoso diante da sua conclusão, e felicito o illustre relator, sentindo que s. ex.ª não seguisse os mesmos alvitres nas demais propostas (apoiados). Assim quero eu que se façam reformas depois do estudo, e de todas as informações officiaes é que nós podemos ter confiança nas propostas que possam importar reformas e alteração de serviços. (Vozes: — Muito bem; é verdade.)

Poupo-me pois ás considerações que tinha a fazer, se fosse proposta a extincção do hospital de marinha, sendo comtudo obrigado n'esta occasião a dizer á camara, sem fazer offensa a estabelecimento algum d'aquella natureza, que o hospital da marinha é um hospital modelo (apoiados), que o seu director é digno dos maiores elogios pelo acerto e dedicação com que dirige todos os serviços d'aquelle estabelecimento (apoiados), e sendo certo, sr. presidente, que poucos hospitaes estarão em tão boas condições hygienicas como aquelle.

Eu sei, sr. presidente, que muitos, para justificarem a extincção do hospital da marinha, argumentavam com os poucos doentes, com os muitos facultativos e com a carestia do tratamento. Erro; se hoje ha poucos doentes, ámanhã póde haver muitos; se hoje ha muitos facultativos, ámanhã ha poucos; e ainda em 1869 estava só no hospital como facultativo o actual director, obrigando o governo a ir todos os dias exercer a clinica no hospital o cirurgião que estava embarcado na Martinho de Mello. O argumento a carestia do tratamento, assim será, comparado com o preço do tratamento no hospital da Estrella. N'esta questão não quero entrar, e advirto só que o tratamento do soldado marinheiro em serviço é muito superior ao tratamento do soldado do exercito de terra. Se nos hospitaes succede, ou deve succeder o mesmo, é assumpto sobre o qual não tenho auctoridade de emittir a minha opinião.

Sr. presidente, eu nunca me conformarei com a juncção dos dois hospitaes militares, pelos muitos inconvenientes que seria ocioso enumerar (apoiados).

O que a muitos parecia facil e conveniente é impossivel, como passo a provar pelos documentos que vou ler, e que na minha qualidade de deputado pedi me fossem enviados pelo ministerio respectivo.

«Secretaria da guerra. — Direcção geral. — 6.ª repartição. — N.° 221. — Em referencia á nota do gabinete, de 22 do corrente, perguntando que numero de doentes existiam em tratamento no hospital militar permanente de Lisboa no dia 17 do corrente, bem como o dos que ali podem ser tratados, tem esta repartição a informar que no mencionado dia estavam em tratamento 140 praças. Emquanto ao numero que o hospital e annexos podem comportar em boas condições hygienicas, não deve exceder de 200, termo medio, até 295 doentes.

«Em diversas epochas têem os ditos edificios recebido muito maior numero, chegando a 400, mas só por absoluta necessidade e por pouco tempo, aliás ter-se-ía corrido o risco dos effeitos da accumulação. As diversas especies morbidas e ás vezes as contagiosas, precisam para o seu isolamento enfermarias proprias, e por isso um hospital nunca perde por ser espaçoso e ter muitas casas, que necessitam de lavagem, de limpeza e de ar, que é ainda de todos o maior beneficio que uma casa que deixou de ser habitada póde receber por alguns dias.

«Para mais esclarecimentos vae junto o officio do director do hospital que trata d'este objecto, sobre o qual foi ouvido. Em 27 de abril de 1871. = O chefe da repartição, Francisco da Assumpção.»

«Hospital militar permanente de Lisboa. — N.° 190. — Urgente - Ill.mo e ex.mo sr. — Em officio expedido por essa repartição, com nota de urgente, em data de 24 do corrente, que recebi hontem, e a que só hoje posso responder, exige v. ex.ª informação minha «sobre o numero de doentes que podem ser admittidos n'este hospital, considerando o com as suas dependencias para o calculo do numero de camas que o espaço do edificio e as condições hygienicas possam comportar». O hospital militar permanente de Lisboa tem a capacidade necessaria para o movimento ordinario da guarnição de Lisboa, depois da construcção de tres pequenas enfermarias a leste, que augmentaram em mais 42 camas as já existentes no hospital, sendo que o numero total d'estas pertencentes ás enfermarias e aos quartos é de 277, podendo ser elevadas a 295, collocando-se 18 camas n'um corredor que já para isso tem sido aproveitado, por estar independente e ter uma muito regular ventilação, dando sobre um espaço ajardinado que fica no interior do edificio. Sem fallar em epochas mais remotas, como em fins de 1859, em que o deposito geral dos recrutas de Mafra fez subir a população d'este hospital a 400 doentes, pondo de parte o que aconteceu em 1866, em que o acampamento de Tancos elevou a 355 os doentes aqui tratados, não excedem estes em occasiões ordinarias o numero de 200, algumas vezes mais e outras menos, não descendo porém quasi nunca ao termo medio de 130 doentes, que representa o movimento do hospital n'estes quatro mezes, o que póde bem explicar-se, alem de outras causas, pela benignidade da quadra medica.

« Se attendermos, pois, ás eventualidades e oscillações do movimento hospitalar, á necessidade de distribuir os doentes pelas respectivas enfermarias, isolando os de doenças contagiosas e separando os officiaes, os inferiores, e individuos estranhos ao ministerio da guerra, como são os policias civis e os guardas da alfandega, aqui tratados por ordem superior, segue-se que o espaço disponivel para tratar os doentes militares em boas condições não é de mais, absolutamente fallando, podendo mesmo dizer-se o indispensavel, tendo em vista o preceito hoje muito recommendado de alternar a occupação das enfermarias, conservando-as por algum tempo em descanso ou pousio para as beneficiar e salubrisar. É o que se me offerece a dizer sobre o objecto.

«Deus guarde a v. ex.ª Lisboa, 26 de abril de 1871. Ill.mo e ex.mo Sr. cirurgião em chefe do exercito. = O director, Dr. João Clemente Mendes, cirurgião de brigada.»

Sr. presidente, propõe tambem o illustre relator, que as dez vacaturas existentes de officiaes marinheiros não sejam preenchidas em 1871-1872. Sr. presidente, protesto a favor dos direitos adquiridos; não é justo que se córte á marinhagem o accesso que a lei lhe confere, porque um tal precedente seria fazer-lhe desapparecer o estimulo e a coragem para o commettimento dos actos de valor que a sua profissão muitas vezes exige (apoiados).

Ácerca da revogação dos decretos com força de lei de 24 de abril de 1869, proposta pelo illustre relator, sinto não ver presente um distincto membro d'esta casa, o sr. Latino Coelho, porque seria de certo s. ex.ª que sustentaria triumphantemente a sua obra; mas como s. ex.ª está ausente, direi ao illustre relator, que o não posso acompanhar nas suas idéas. Não quero, sr. presidente, concorrer para que os fieis e escreventes vivam, quando desembarcados, á custa do provimento que necessariamente hão de ser levados a fazer durante o tempo que estão embarcados. S. ex.ª não quer fieis, e eu quero fieis para não termos infieis.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Como deu a hora, peço a v. ex.ª me reserve a palavra para a sessão immediata, e á camara me desculpe o tempo que consumi com as breves reflexões que fiz.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões; e para sexta feira, na primeira parte, o parecer da commissão de guerra ácerca do projecto n.º 6, e os projectos n.º 15 e 16, e na segunda parte a continuação da discussão do parecer n.º 14.

Está levantada a sessão.

Eram mais de quatro horas da tarde.

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