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Resolução

Fazendo-se mui dignos da Minha particular attenção os prejuisos, que a Fazenda Publica tem soffrido nas Ilhas dos Açores pela fallencia de muitos Devedores Fiscaes, he com tudo por outro lado não menos attendivel o estado de probreza, em que geralmente se achão as mesmas Ilhas pela falta de exportação do seu principal producto, de que resulta a escassez de numerario, como tudo se deprehende desta Consulta, e seus fundamentos. - Querendo pois conciliar, quando seja possivel, as regras da justiça com os disctames de uma prudente equidade, Sou Servida Ordenas em Nome d'Elrei que se suspendão as execuções, a que se tem procedido contra os Devedores da Fazenda nas mesmas Ilhas, em quanto a Junta da Fazenda procede ap exame particular das circumstancias de cada um dos dictos Devedores, para Eu vir no conhecimento de quaes sejão aquelles, a que possa ser proficua a disposição do paragrafo setimo do Alvará de dezeseis de maio de mil oitocentos vinte e cinco, por se acharem reduzidos á impossibilidade de pagarem por causas extraordinarias, e involuntarias; procedendo-se porem contra os outros na forma das Leis. - O que o Conselho fará constar ao Thesouro Publico, a fim de se passarem pelo seu expediente as convenientes Ordens á Junta da fazenda dos Açores. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em quatorze de Outubro de mil oitocentos vinte e seis. Com a Rubrica de Serenissima Senhora INFANTA REGENTE wm Nome de ElRei. - Barão do Sobral, Hermano. - Joaquim de Sousa Pereira Pato. - Está conforme. - José Lopes de Oliveira.

Mandou-se remetter para o Archivo.

Fez menção o mesmo Senhor Deputado Secretario de uma Representação da Camara de Villa de Mortagoa, dirigida ao Senhor Presidente, relativa á divisão do Territorio, que se mandou remetter á Commissão de Petições, para esta lhe dar a devida direcção.

Dêo mais conta de que a Commissão encarregada de propor um Projecto de Lei sobre as habilitações dos Doutores da Universidade de Coimbra, nomeára para seu Presidente o Senhor Deputado Trigoso, e para Secretario o Senhor Deputado J. A. d'Aguiar.

Dêo o Senhor Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão 1.º Relatorios de Commissões: 2.º leitura de ultima redacção de dous Projectos: 3.º a continuação do Projecto N.º 156: 4.º (havendo tempo) a discussão em geral do Projecto N.º 177; e, sendo duas horas da tarde, annunciou que estava fechada a Sessão.

OFFICIO

Para o Ministro da Fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão do 1.º do corrente o Parecer da Commissão das Petições, que vai junto por copia, assignada pelo segundo Official Redactor desta Secretaria F. A. Q. Picaluga, sobre se pedirem ao Governo os dous Requerimentos, que lhe forão dirigidos por Vicente Pedro Korth com todas as informações, que a respeito delles se tomárão, relativamente ao objecto, que consta; do sobredicto Parecer, assim tenho a honra de o communicar a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara, dos Deputados em 3 de Março de 1828. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Conde da Louzã. D. Diogo, Par do Reino, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda - José Caetano de Paiva, Deputado Secretario.

SESSÃO DE 4 DE MARÇO.

Ás 9 horas e tres quartos da manhã, feita a chamada, achárão-se presentes 102 Senhores Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão, 11., a saber: os Senhores Xavier da Silva - Sanctos - Costa Rebello - Ferreira de Moura - Carvalho e Sousa - Sousa Cardoso - Mascarenhas e Mello - Gama Lobo - Machado d'Abreu - Mello Fereire - e Alves Diniz - todos com causa, annunciou o Senhor Presidente que estava aberta a Sessão; e, lida a Acta da Antecedente, foi approvada a redacção della.

O Senhor Sousa Castel Branco lêo o seguinte Requerimento - Requeiro que pelo Ministerio dos Negocios do Reino se peção ao Governo os papeis relativos ao Reguengo da Cidade de Tavira, que parão nas Secretarias do Desembargo do Paço, e Conselho da Fazenda. camara dos Senhores Deputados 4 de Março. - O Deputado Rodrigo de Sousa Castel Branco.

O Senhor Gerreiro: - Parece-me que esses documentos se não podem pedir na generalidade, com que o faz o Requerimento; porque, segundo uma tal ou qual lembrança, que tenho a este respeito, são tantos papeis que a pedirem-se os originaes, tornar-se-ia o Archivo um Cartorio, e a pedirem-se copias, um anno talvez não seja tempo sufficiente para se extrahirem: julgo por tanto que o Senhor Deputado deve restringir o seu Requerimento, designado quaes são os documentos, que exige.

O Senhor Castel Branco: - O negocio não tem difficuldade, que acaba de ponderar-se; razões não resistem a factos. Estes papeis pedírão-se pelas extinctas Côrtes, e o Governo não teve difficuldade alguma em lhos remetter; forão lhe depois restituidos, e elle os remetteo para o Desembargo do Paço, e para o Conselho da Fazenda, que erão as Estações, donde os tinha avocado; e não sei que possa agora haver os inconvenientes lembrados pelo Senhor Deputado parece-se por tanto que o meu Requerimento he exequivel, e deve ser approvado em toda a sua extensão.

Consultada a Camara, se se devia fazer a requisição, que se exigia, venceo-se negativamente.

ORDEM DO DIA.

Teve a palavra o Senhor Deputado Francisco Antonio de Campos, Relator da Commissão de Fazenda, e lêo os seguintes Pareceres, que se mandárão imprimir.

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N.º 178.

Foi mandada á Commissão de Fazenda uma Proposta do Senhor Deputado José Cupertino da Fonseca e Brito para, por meio de uma declaração á Lei de 24 de Abril de 1827, se rectificar a Tabella N.º 2 do Art. 4 da sobredicta Lei.

A Commissão, examinando a Acta de 22 de Março de 1827 paginas 189 das Actas do sobredicto anno, achou com effeito que, por emenda do Senhor Deputado Cordeiro, se tinha vencido que aos Papeis Forenses pertencia o Sello de dez reis por cada meia folha, quando na Tabella N.º 2 do Art. 4 N.º 2 da referida Lei de 21 de Abril, em que tracta dos Papeis, que devem ser sellados com o Sello de vinte reis, vem incluidos os Papeis do § 3, que são os Forenses, contra o que se venceo naquelle dia 22 de Março. Semelhantemente achou que os Papeis relativos aos §§ 6, que tracta dos Bilhetes, e Guias dos Despachos da Sahida das Alfandegas, e 7, que tracta dos Bilhethes da Estiva do sobredicto Art. 4, estando na dicta Tabella designados com o Sello de dez reis por cada meia folha, lhes deve pertencer o Sello de vinte reis, entrando para isso em o N.º 2 da referida Tabella, conforme o que se venceo. Em consequencia pois deste manifesto engano nascido da precipitação, com que se expedio aquelle Projecto para a Camara dos Dignos Pares nos últimos dias da Sessão de 1827, propõe a Commissão o seguinte Projecto de Lei declaratoria á de 24 de Abril de 1827.

Art. 1. A Tabella N.º 2 das taxas, que deve ter o Papel Sellado para nelle se escrever, imprimir, ou litographar os objectos mencionados no Art. 4 da Lei de 24 de Abril de 1827, deve ser rectificada pela Tabella seguinte, que fica fazendo parte daquella Lei.

[Ver tabela na imagem]

Camara dos Deputados 1.º de Março de 1828. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro - Francisco Antonio de Campos - Francisco de Paula Travassos - Manoel Alves do Rio - José Xavier Molinho da Silveira - Florido Rodrigues Pereira Ferraz - Manoel Gonçalves de Miranda.

N.º 179.

A' Commissão da Fazenda foi remettido o Requerimento de Hermenegildo Gomes Castellão, que serve o Officio de Carcereiro da Cadêa de Belem, pela menoridade do actual Proprietario, expondo que, vencendo 240$000 reis de Ordenado, e sendo obrigado agastar 327$200 reis com o pagamento ao Proprietario, a dons Guardas, e com Azeite para luzes, pede que se lhe dê um Ordenado sufficiente para supprir as ditas despezas, ou que, a exemplo dos mais Carcereiros, se lhe pague pelo Thesouro Publico aos Guardas necessarios para o serviço da mesma Cadêa, como tambem o Azeite para as luzes necessarias.

Parece á Commissão que se deve remetter ao Governo para propor medida legislativa sobre a pertenção do Supplicante, se entender que ella pode ter lugar.

Casa da Commissão em o 1.º de Março de 1828. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro - Francisco Antonio de Campos - Manoel Gonçalves de Miranda - Francisco de Paula Travassos - José Xavier Mozinho da Silveira - Manoel Alves do Rio - Florido Rodrigues Pereira Ferraz.

N.º 180.

Em Sessão de 21 de Fevereiro foi remettido para a Commissão de Fazenda um Officio do Ministro dos Negocios da Fazenda com a Representação da Assembléa Geral do Banca, e Consulta do Conselho da Fazenda, ácerca de serem, ou não sujeitos ao pagamento de Decima os Capitães capitalisados pelo mesmo Banco, bem como aquelles, que hajão de ser-lhe emprestados.

Representa a Assembléa Geral do Banco que havendo, entre outros meios adoptados para restabelecer a regularidade, e credito das suas operações, resolvido que se convertessem em Obrigações pagaveis ao Portador com juro de 5 paor 100 as Notas, que para esse fim lhe fossem apresentadas, e que sã abrisse um emprestimo em metal, vencendo o mesmo juro, lhe constára entrar-se em dúvida, se os Portadores das Obrigações substituidas ás Notas, e os Mutuantes, que fizerem emprestimo ao Banco, estão su-

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jeitos no pagamento da Decima dos Juros, que houverem de receber, e aos manifestos; e na falta destes ás penas, e denuncias: que desta dúvida resulta forçosamente paralisarem-se as sobredictas operações, já por não quererem os Mutuantes sujeitar-se a incómmodos, já pela diminuição do premio promettido, no caso de superveniente pagamento da Decima. Para, a insenção desta allega a Assemblea Geral na sua Representação ao Governo o favor concedido na Carta de Lei de 7 de Junho de 1824, § 11, o qual eximio o Banco de qualquer tributo, imposto, ou contribuição pelas suas operações: e em particular, pelo que respeita ás Obrigações substituidas as Notas, pondera que ellas são, como as mesmas Notas, que vem substituir, pagaveis no Portador, e podem por isto girar do mesmo modo na circulação; o que parece tornar impraticavel o manifesto, e a deducção da Decima. Pelo que pertence aos emprestimos, reconhece a Assembléa que a solução da dúvida não he explicita na citada Carta de Lei de rehabilitação do Banco, n'um no Regulamento respectivo; e recorre á generalidade do mencionado § 11 da Lei de 7 de Junho de 1824, combinando-o com os §§ 13, e 14 da Lei da Instituição do Banco, e expressa Intenção Regia de fazer Mercê a este Estabelecimento, e toma-lo debaixo da sua immediata Protecção, a qual pode ter lugar tanto nos emprestimos, em que o Banco he mutuante, como neste, em que he mutuario. Na hypothese porem de que neste caso dos empregamos feitos no Banco devão os Mutuantes pagar Decima, a Assembléa lhes garante a integridade do juro promettido, pois, conforme o § 22 da 4.ª Providencia das Instrucções de 18 de Outubro de 1762, e o § 3 do Alvará do 14 de Dezembro de 1775, devendo o pagamento da Decima dos Juros ser sempre feito pelos Devedores para o descontarem nos respectivos pagamentos aos Credores, nada obsta a que o Devedor deixe de fazer aquelle abatimento, tomando sobre si o pagamento da Decima.

O Conselho da Fazenda mandou informar sobre esta Representação o Juiz da Corôa da 3.ª Vara, o qual disse que esta pertenção he contraria ao Regimento de 9 de Maio de 1654 Tit. 2.º § 1, e que, em quanto não for revogada esta Lei, ninguem pode ser declarado isento de pagar Decima dos juros, que perceber. Julga de nenhum momento para concluir o contrario o § 11 do Alvará de 7 de Junho de 1824 citado na referida Representação, o qual se expressa nos seguintes termos., - de todas estas negociações, emprestimos, e transacções não pagará o Banco tributo, imposto, ou contribuição alguma. - Porque este § 11 refere-se aos antecedentes, em que se tractou de descontos de Letras de Cambio, e outros Papeis de credito, e de emprestimos feitos pelo Banco, em que elle percebe os interesses; e não pode ampliar-se este privilegio aos lucros, que os particulares percebão das transacções feitas com o Banco; e por isso he forçoso que destes lucros percebidos por elles se pague a Decima. Observa mais que pela troca das Notas por Titulos com vencimento de juro os Proprietarios destes Titulos começão a perceber o lucro de 5 por 100, que d'antes não tinhão, do qual he por consequencia devida a Decima; e com mais forte razão dos juros do dinheiro emprestado ao Banco. Julga tambem contraria á Lei a promessa feita pelo Banco aos Mutuantes de ser por elle paga a Decima; porque por esta transacção virão os Credores a perceber algum lucio, de que não se paga a Decima. He finalmente de parecer que esta deve ser manifestada, e que na falta de manifesto se incorre nas penas da Lei.

O Conselho se conforma inteiramente com o Parecer do Juiz da Corôa informante fundado em principios de justiça, e de Lei; considera porem que podem haver razões politicas, e de pública utilidade, as quaes tornem conveniente alguma modificação nas determinações das Leis.

O Governo, remettendo a Consulta é Camara, concorda com o juridico Parecer do Conselho; entendendo porem que razões politicas de utilidade pública demandão a providencia de não serem os Capitalizantes, e Mutuantes obrigados ao pagamento da Decima, nem sujeitos aos manifestos, e na falta destes ás denuncias, e penas da Lei, mas sim que o pagamento da Decima deve ficar a cargo do Banco, sem dependencia de manifesto algum por ser desnecessario em taes circumstancias, propõe á Camara a alteração de Lei precisa para se verificar esta providencia.

A Commissão, conformando-se com a Proposta do Governo, offerece o seguinte

PROJECTO DE LEI.

Art. 1. Os juros das Obrigações pagaveis ao Portador, nos quaes tiverem sido convertidas as Notas do Banco, e as dos Capitães, que a elle tiverem sido emprestados, ficão obrigados ao pagamento da Decima.

Art. 2. Este pagamento da Decima fica a corgo do Banco, sem dependencia de manifesto algum.

Camara dos Deputados 4 de Março de 1828. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro - José Xavier Mozinho da Silveira - Francisco de Paula Travassos - Manoel Alves do Rio - Manoel Gonçalves de Miranda- F. A. de Campos.

N.º 181.

Fôrão presentes á Commissão de Fazenda os Requerimentos de Larcher, e Cunhados, Proprietarios, e Administradores da Real Fabrica de Lanificios de Portalegre, e de José Mendes Veiga, e Irmãos, Fabricantes da Villa da Covilhã, em que expõem que, havendo requerido ao Governo que lhes concedesse o terem parte no fornecimento dos Lanificios destinados para o Fardamento do Exercito, Marinha, etc., offerecendo-se a fornecer aquelles generos por preços mais cómmodos do que o actual Fornecedor exclusivo, do que resultaria ao Estado (tomando por base a quantidade de generos fornecidos nos annos de 1825, e 1826, e seus preços comparados) a economia de 3:842$650 reis em cada biennio, se aos Supplicantes se concedesse ametade do fornecimento, não tem todavia obtido o deferimento, que desejão, porque o Governo se julga ligado pelo Contracto celebrado com o actual Fornecedor em 1821, em virtude do qual se considera inhibido de fazer alteração alguma na forma do fornecimento; e pedem a esta Camara que, pronunciando uma decisão, que remova as dúvidas, que sobre este objecto diariamente se suscitão, declare que o refe-

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sido Contracto não obsta a que o Governo possa contractar com outros Fabricantes a compra s'algum generos necessarios para o Fardamento do Exercito, interpretando a Lei, que ratificou as Condições deste Contracto, ou propondo uma nova medida Legislativa, se isso se julgar necessario.

A Commissão examinou com escrupulosa attenção os Requerimentos dos Supplicantes, Exposição, e mais Documentos, que os instruem; e se liem que na economia do Estado, e na conununicação de protecção, que o Governo na qualidade de consumidor deve dar aos importantes estabelecimentos de Lanificios encontra fundamentos proprios para defender a pertenção dos Supplicantes, não pode todavia julga-los sufficientes para rescindir um Contracto, de cuja religiosa observancia depende a certeza de direitos, e o resultado de especulações, para o que a Commissão não reconhece motivo algum sufficiente, menos que não seja absoluta, e inevitavel necessidade.

Antonio Pessoa d'Amorim contractou com o Governo a compra das Fabricas de Lanificios da Covilhã, e Fundão: uma das Condições deste Contracto foi que elle Comprador forneceria «todo o Exercito, Marinha, Maruja, Calceta, e Casa Real, de Pannos, e Serafinas, conforme as encommendas, que se lhe fizessem (Condição 3°).» Deste Contracto resultão a Pessoa d'Amorim direitos, que constituem hoje parte da sua propriedade; não pode por tanto ser excluido do total Fornecimento dos Fardamentos para o Exercito, sem que sejão restringidos seus direitos, e violada a sua Propriedade. Este Contrario, celebrado entre o Governo, e o actual Fornecedor, he do número daquelles, que os Juris-Consultos chamão Bilateraes, e de que não ha licito a uma das Portes residir, sem que satisfaça a outro o interesse, que do implemento do Contracto lhe resultaria; e se o Governo o tem feito, como se allega, comprando as Saragoças para o Fardamento dos Batalhões de Caçadores a Larcher, e Cunhados, ou teve razões para isso, talvez na falla de cumprimento da parte do Fornecedor, ou, mais provavelmente, nunca as Saragoças fizerão parte deste Contracto, pois das Condições só consta que se contractasse sobre Pannos, e Serafinas.

Alem disto, a forma do pagamento do valôr das Fabricas, estipulado entre o Comprador, e o Governo na Condição 6.ª, obsta (pelo menos até o completo embolço do Governo) á pertenção dos Supplicantes; porque, devendo aquelle pagamento ser feito pela duodecima parte da importancia das Fazendas, com que fôr fornecendo o Exercito Marinha, etc., quanto menor fôr esta importancia, tanto mais durará o desembolço do Governo, e mais distante fica a época de finalisar um fornecimento exclusivo, e estabelecer a concorrencia, actualmente excluida pela fé devida ao Contracto.

Por tanto, e porque as razões de conveniencia devem ceder ás de Justiça, que por certo se não guardaria, se ainda levemente se attentasse á fé, e inviolabilidade do Contracto celebrado com o actual Fornecedor;

Parece á Commissão que não ha lugar á declaração, que os Supplicantes requerem, porque della não carece a Lei, que ratificou as Condições do Contracto, que exclusivo das pertenções dos Supplicantes deve religiosamente observar-se até o completo embolço da Fazenda; nem ha lugar a nova Medida Legislativa, mal cabida n'um caso particular.

Camara dos Deputados de 4 Março de 1828. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro - Manoel Alves do Rio - Manoel Gonçalves de Miranda - José Xavier Mozinho da Silveira - Francisco de Paula Travassos - Francisco Antonio de Campos.

N.º 182.

A esta Camara foi remettida com Officio do Ministro da Fazenda de 28 de Janeiro do corrente anno uma Consulta do Conselho da Fazenda, e mais papeis respectivos, cujo objecto era: 1.º a decisão de alguns Requerimentos de Negociantes de Lisboa, e Porto, que tendo mandado vir algumas porções de chapas para vidraças de fora do Reino, na intelligencia de que terião despacho, se vião tolhidos nas Alfandegas respectivas, em virtude de uma Condição, que prohibia as chapas de certas dimensões, no Contracto celebrado proximamente entre o Governo, e o Barão de Quintella, e Antonio Esteves Costa, pelo qual se lhes entregava a Fabrica da Marinha Grande, legada ao Estado por João Diogo Stephens: 2.° uma Representação do Administrador da Alfandega de Lisboa, em que pertendia que era nulla a Condição da prohibição, por ser contraria a Leis anteriores, e que não podião ser revogadas por actos do Poder Executivo, mas sim por Leis posteriores, feitas na forma da Carta.

Quanto no primeiro ponto, em que o Conselho da Fazenda foi de parecer que os Negociantes devião ter despacho das chapas, que mandárão vir em boa fé, não tem esta Camara que fazer cousa alguma, porque o Governo pode deferir aos Negociantes na forma do Parecer do Conselho, e em execução das Leis anteriores á Condição.

Quanto porem ao segundo ponto, se he, ou não subsistente a Condição 8.ª, o negocio toca precisamente a esta Camara. Diz a Condição 8.ª: = que para não dar aos generos Estrangeiros mais favor do que aos Nacionaes nas Alfandegas deste Reino, não serão admittidas a despacho por entrada chapas para vidraças, que tenhão menos de quatro palmos de comprido, e tres de alto, na conformidade da Resolução de 5 de Fevereiro de 1790, tomada em Consulta da Real Junta do Commercio de 28 de Janeiro do dicto anno. =

A Commissão da Fazenda, limitando o seu Parecer precisamente ao ponto = se he, ou não subsistente aquella Condição, = observa que o Governo approvou a mencionada Condição, na intelligencia de que a Resolução de 6 de Fevereiro de 1790 se achava em vigor; mas de facto essa Resolução, em que foi parte o Fabricante Stephens, estava revogada por outra posterior, tomada em Consulta da mesma Real Junta do Commercio de 23 de Novembro de 1804, em que o Governo reconhecêo finalmente o absurdo da pertendida prohibição, que já havia reconhecido antes daquella Resolução de 1790. Tambem não pode entrar em dúvida que na Lei de 4 de Junho de 1825, e no Mappa posterior á mesma Lei, querendo o Governo dar norma certa sobre prohibições, e restricções de Commercio, estabelecêo a regra geral da admissão, e as excepções, nas quaes se não comprehendem Vidros.

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He por tanto evidente que já em vida de Stephens, e antes deste Contracto, todos os Vidros tinhão despacho: e que prohibir alguma mercadoria he precisamente objecto de uma Lei; e na especie, de que se tracta, uma Lei contraria a Leis anteriores em vigôr somente podia ser revogada pelo Poder Legislativo.

Prescindindo do negocio assim considerado, he sem questão que o Poder Legislativo pode prohibir tudo quanto julgar conveniente; e existe na Camara um Requerimento dos Administradores da Fabrica, Barão de Quinlella, e Antonio Esteves Costa, para que se faça boa a Condição approvada pelo Governo, ou a prohibição, declarando que, não se fazendo boa, largarão a Fabrica no dia 2 de Abril do corrente anno.

Este Requerimento porem nada altera o estado da questão. Se elles largarem a Fabrica, usarão do seu direito. A questão he precisamente a seguinte: = Convem, ou não convem prohibir os Vidros, que não tiverem quatro palmos de comprido, e tres de alto. =

Neste objecto a Commissão não pode ir contra o que se acha decidido por esta Camara, quando propoz a Lei do Commercio, e quando indeferio o Requerimento dos Fabricantes de Sedas. O negocio está prejudicado, e não pode entrar em discussão sobre prohibição.

Mas, por outra parte, he muito distincta a questão de prohibir, e a questão de proteger a industria do Reino, impondo á Estrangeira direitos, que deixem concorrer os Portuguezes com certa vantagem. Se a camara rejeitou o meio de prohibições novas, e tractou de direitos mais carregados aos Estrangeiros a favôr da industria do Reino, he neste sentido que deve ser considerado o negocio; de maneira que nem a Fabrica deixe de ficar não só no mesmo estado, mas ainda melhor do que em tempo do ultimo proprietario, nem se estabeleça uma prohibição nova, contraria aos interesses do Estado, aos direitos de cada Cidadão, e ao modo de entender desta Camara.

A Commissão lisonjea-se de achar um meio de conciliação de todos os interesses na adopção, e publicação das Classes da Pauta nova, que sobre a requisição desta Camara foi remettida pelo Governo.

Nestas Classes estão comprehendidos os Vidros, e por consequencia aquelle favôr, que a justiça ordena se confira ás Fabricas delles. A Commissão observa que, sendo os Vidros uma substancia fragil, e de pesado transporte, gozão pela natureza das cousas de um grande favor no circulo das localidades das Fabricas, como se prova pelo facto de se terem levantado outras Fabricas de Vidros já depois da perda do monopolio do Brasil, devendo ellas custar muito grandes capitães, e fazendo em lenhas uma fortissima despeza, que não faz a Fabrica da Marinha Grande. Outrosim adverte que, no caso de serem necessarias as prohibições para se sustentarem as Fabricas de Vidros do Reino, não seria possivel negar essas prohibições a outras quaesquer Fabricas; e então a Camara teria conduzida á necessidade de contradizer, os seus principios, ou de prescindir-de todos os rendimentos indirectos, e anniquilar todos os Tractados.

A medida, que descobre, a Commissão, de fazer compativeis os interesses do Thesouro, e da Nação com a pertenção dos Administradores, conduz alem disso a diminuir o deficit, que se acha entre a Receita, e a Despeza pública; e sendo desde já proveitosa, e efficaz, ainda o será mais á proporção que forem
continuando os uteis, e difficeis trabalhos de uma Paula regular, cujo aperfeiçoamento tem constantemente occupado a attenção dos Governos mais illustrados da Europa.

Parece por tanto á Commissão que se discutão, e publiquem como Leis as Classes das Pautas apresentadas pelo Governo; e para esse fim offerece á consideração desta Camara o seguinte

PROJECTO DE LEI.

Art. 1.º As Classes da Pauta apresentadas pelo Governo serão a Lei da percepção dos direitos relativos aos Artigos nellas avaliados em todas as Alfandegas, do Reino de Portugal, Algarves, e Provincias Ultramarinas, onde se costumão despachar semelhantes generos.

Art. 2.° Haverá em Lisboa uma Commissão permanente de Pautas, cujos Membros serão nomeadas pelo Governo, o qual proporá a favor dos Membros della aquellas gratificações, que julgar convenientes.

Art. 3.º As Classes das Pautas, uma vez approvadas, serão de dous em dous annos apresentadas ás Camaras com as alterações, que o tempo tornar necessarias, e a declaração de que devem continuar a reger a percepção de direitos.

Art. 4.° As tres Classes de Vitrificações = Papel, e suas applicações = e Tecidos de Seda = começarão a ter execução tres mezes depois da data da presente Lei.

Art. 5.º Nos primeiros dous annos da execução de cada Classe da Pauta poderá o Governo, sobre Proposta da Commissão, fazer as alterações para menos,
que se entenderem justas, e necessarias, dando conta ás Camaras no principio da Sessão Legislativa.

Art. 6.º Ficão revogadas as Leis contrarias ás disposições da Pauta, e em seu- vigôr os Tractados com as Nações Estrangeiras.

Camara dos Deputados 1.º de Março de 1828. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro - Francisco Antonio de Campos - Manoel Gonçalves de Miranda - Francisco de Paula Travassos - Florido Rodrigues Pereira Ferraz.

Concordo com o Parecer na Commissão, com declaração que julgo poder subsistir a Condição 8.º do Contracto, em quanto durar o tempo, por que elle he celebrado. - Manoel Alves do Rio.

N.° 183.

Foi remettido á Commissão de Fazenda um Requerimento dos Lavradores do Termo de Lisboa, Antonio Joaquim Ferreira Arouca, Manoel Antonio de Carvalho, e outros, em que se queixão da transgressão do Alvará de 26 de Outubro de 1765 §. 11.º, do
Alvará de 7 de Julho de 1787 § 7.º, e 8., motivado esta transgressão pelo Aviso de 18 de Setembro de 1824, passado pelo Conde da Povoa sobre os Arrolamentos, e Varejo dos Vinhos, no qual, alienou, e innovou os ditos Alvarás: requerêrão os Supplicantes ao Governo a suspensão dos effeitos do dicto Aviso; e seu Requerimento foi mandado consultar, ao Conse-

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lho da Fazenda, que foi escusado pela Resolução de 16 de Dezembro de 1827: queixão-se os Supplicantes do Ministro da Fazenda, que referendou aquella Resolução, pela falta da observancia das Leis, tornando-se por isso responsavel.

Parece á Commissão que senão pode considerar infracção da Lei aquella Resolução, a qual foi feita conforme o direito estabelecido por o dicto Aviso em tempo omito anterior no Juramento da Carta Constitucional, antes da qual não pode ter lugar infracção.

Casa da Commissão em o 1.° de Março de 1828. - Filippe Ferreira de Araujo e Castro - Francisco Antonio de Campos - Manoel Gonçalves de Miranda - Francisco de Paula Travassos - José Xavier Mozinho da Silveira - Manoel Alves do Rio - Florido Rodrigues Pereira Ferraz.

Teve depois a palavra o Senhor Deputado Chapuzet, e leu o seguinte

PROJECTO DE LEI - N.º 185

Muitas são as vantagens, que Portugal pode tirar da Provincia de Cabo Verde, quando tractar de pôr em acção os recursos necessarios porá este fim: o Terreno he fertil; e, ainda que lhe fallão chuvas em alguns annos, com tudo este mal nem sempre acontece; é não existe Paiz algum no Mundo, que em uns annos não seja pois productivo, que em outros por iguaes motivos: a Provincia de Cabo Verde produz todos os generos, que produz o Brasil; porem o estado de abandono, em que tem existido, he o principal motor da sua decadencia. O Anil he uma das Plantas indigenas do Paiz; já alli se fabricou; e na Ilha de Santo Antão existem em ruinas os Tanques, que servirão em outros tempos para se preparar; produz Algodão, de que se tecem Colicas, e Pannos, com que a maior parte dos habitantes se vestem; produz tambem a Cana de Assucar, Milho, Cafe, Tabaco, e algum Arroz: as Ilhas são abundantes em pastos, quando abundão em chuvas, e por isso crião Gado Vacúm, Lanígero, Cabrúm, e Cavallar em quantidade alli se encontrão tamibém em abundancia Plantas Medicinaes, a Abutua, os Tamarindos, as Coloquimidas, Sangue de Diogo, Sene, etc. A Provincia possue Salinas, e exporta grande quantidade de Sal. O Continente de Guine pertencente á Provincia he abundantissimo em chuvas; o seu Terreno produz tudo, quanto produz o Brasil; porem ainda estas Possessões se encontrão em muito maior abandono, porque só se ambicionava o Commercio da Escravatura; e depois que elle foi prohibido passou a fazer se por Contrabando, de sorte que até hoje já mais se tractou naquellas Provincias d'outro objecto, que não fosse o Commercio de Escravos, e igualmente o de Marfim, Cêra, algum Ouro, e Arroz em grande quantidade; e, tendo-se sempre desprezado o cultivar o Terreno, não se conseguem por isso as vantagens, que elle offerece, o que será possivel, depois de o havermos Colonizado com habitantes Europeos, misturados com os Africanos da mesma Provincia de Cabo Verde, que irão alli estabelecer-se, logo que se lhes offereção vantagens, e se pratique o mesmo, que no Senegal praticão os Francezes com os Colonos, que alli se vão estabelecer, devendo notar-se que, sendo o Senegal um Paiz mais doentio que o Continente de Guiné pertencente a Cabo Verde, tem com tudo prosperado extraordinariamente nestes ultimos annos, tem resultado da protecção, que se lhe dá; produzindo já grande quantidade de Algodão, e Café, e principiando a fazer-se novos ensaios sobre outros Generos Coloniaes, igualmente vantajosos ao Commercio da França.

Os Inglezes tem chamado a Gambia quasi todo o Commercio do Paiz confinante com as nossas Possessões de Guine; e os seus habitantes, ou Gentios, não obstante passarem proximos a Geba, Presidio nosso, vão andar ainda o espaço de mais de 80, ou 100 legoas, para lhes levarem os seus Generos, unicamente porque não temos estabelecido Feitorias com os Artigos proprios para o Commercio, ou troca com os Gentios; e correndo em Bissáo, Cacheu, e mais Possessões o valor do Tabaco por 800 rs. o arratel, a Aguardente por 1$000 rs. é frasco, quando o primeiro destes Generos se compra por 80 a 100 rs. o mais caro, e o segundo por 300 a 400 rs., segue-se que elles andão tão longo deserto, porque os Inglezes
Em Gambia lhos dão por um arratel de Cêra limpa um arratel de Tabaco, isto he, trocoã 30, ou 100 rs. por 360, ou 400 rs. que he o valor de um arratel de Cêra; e por um arratel de Marfim dão um arratel de Tabaco, e meio frasco de Aguardente, isto he, dão 280 a 300 rs. por 600, ou 800 rs., e assim em proporção. Ora: se os Gentios encontrassem estes Artigos em Feitorias nossos, certamente não irião carregados andar tantas legoas, para fazerem taes trocas; e se os Generos lhes fossem offerecidos commodamente, teriamos então chamado alli o Commercio, que vai todo parara Gambia.

O Paiz offerece immensas madeiras de construcção, de cujo corte eu fiz o primeiro ensaio, enviando cinco cargas para Lisboa, de differentes qualidades conhecidas naquelle Continente pelos seguintes denominações = Miseria, Bissallão, Cabopa, Páo de incenso, Páo de sangue, Páo de conta, Mabode, Goiava brava, Salanca, Mancête, Mompataz, Malagueta, Mancon, = que, depois de examinadas, forão approvadas pela Inspecção de Marinha para construcção de Navios: alem destas madeiras, se encontre o Magno, de que enviei as amostras, e que he de muito boa qualidade; e porque um tal objecto só teve principio nos dous ultimos annos do meu Governo, por isso não he possivel ainda conhecer todas as madeiras, entre o grande número das que se apresentão. Finalmente, muitas vantagens poderá tirar Portugal para o futuro, quando tractar desta Provincia, applicando para isso os meios convenientes; porem como por agora só quiz fazer um ligeiro, e muito breve esboço das circumstancias da Provincia, limitando-me unicamente a propôr em seu beneficio em Projecto de Lei, sobre os Artigos que já exportão em quantidade, e principalmente sobre o Café, que tendo-se animado a sua cultura em grande extensão nestes últimos tempos, e sendo de superior qualidade, excedendo muito ao do Brasil, paga quasi dobrados direitos, do que este, e por isso não he enviado para Portugal, nem mesmo seus habitantes se animão a continuar sua plantação, por lhes não ser protegida:
por tal motivo proponho o seguinte

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PROJECTO DE LEI.

Para a Provinda de Cabo Verde.

Artigo I. O Café do Provincia de Cabo Verde será livre de direitos pelo espaço de 10 annos, sempre que for transportado em Navios Portuguezes, e directamente da Provincia para Portugal.

Art. II. Findo este prazo de tempo, o Café da Provincia de Cabo Verde pagará os direitos, que se encontrão estabelecidos do Projecto de Lei para a Liberdade do Commercio, logo que este Projecto fôr sanccionado, e posto em execução; mas, em quanto não tiver vigor, pagará menos cinco por cento, do que pagar o Café do Brasil.

Art. III. O Café, que fôr exportado da Provincia de Cabo Verde para qualquer parte, que não seja para Portugal, continuará a pagar os direitos nas Alfandegas daquella Provincia, que alli costuma pagar este Genero por sabida.

Art. IV. Será livre a exportação da Lã, sendo considerada relativamente a direitos, como se acha estabelecido para o Café nos Artigos 1.º, 2.º, e 3,° deste Projecto.

Art. V. As bebidas espirituosas, a saber, Vinho, Aguardente, etc. só poderão ter entrada na Provincia sendo transportadas de Portugal com os competentes despachos, ficando. deste modo prohibidas todas, as que forem conduzidas de Paizes Estrangeiros.

Art. VI. Fica sendo igualmente prohibida a entrada do Tabaco Estrangeiro, de qualquer qualidade que seja, na Provincia de Cabo Verde, e só será admittido o das Fabricas de Portugal.

Art. VII. A Junta da Fazenda da Provincia sendo obrigada a fornecer as Praças de Guiné com Aguardente, e Tabaco em folha, por serem estes generos uma parte do dinheiro, que corre naquelle Paiz, e ser indispensavel pagar com elle á Tropa, e aos Empregados Públicos, lhe será por isso concedido o poder comprar unicamente a porção de Tabaco Americano, que for necessario para aquelle fornecimento annual, o que deverá só ler lugar, em quanto não prospera, e augmenta a plantação de Tabaco na Provincia, e a sua folha se prepara, como a da America; mas logo que isso se realise, e que o Tabaco de Cabo Verde possa servir para o Negocio de Guiné, como já acontecêo em tempos anteriores, não poderá então a mesma Junta continuar a comprar de tal Tabaco, cuja entrada ficará inteiramente prohibida na Provincia.

Art. VIII. O mesmo se deverá entender com a Aguardente, da qual a Junta poderá só comprar aos Estrangeiros unicamente a porção, que fôr indispensavel para o fornecimento das Praças de Guiné, o que deverá praticar, quando a não poder obter na Provincia por motivo da escafez, preferindo sempre em todo o caso a compra da Aguardente da Provincia a qualquer outra.

Art. IX. As Pelles de Cubra, e Couros, não pagarão direito algum por espaço de 6 annos, quando forem exportadas em Navios Portugueses directamente da Provincia para Portugal; findo este prazo de tempo, pagarão os direitos, que se acharem estabelecidos pelas Pautas da Alfandega de Lisboa.

Art. X. O Marfim, e a Cêra, não pagarão direito algum por sabida na Provincia, quando estes Generos forem carregados em Navios Portuguezes, e transportados directamente para Portugal, continuando a pagarem só nas Alfandegas deste Reino os direitos, que estiverem estabelecidos.

Art. XI. Os Generos incluidos nos Artigos 9, e 10, continuarão a pagar nas Alfandegas da Provincia os mesmos direitos, que actualmente pagão por sabida, quando forem carregados para qualquer Paiz Estrangeiro.

Art. XII. O Sal pagará só 500 rs. por Moio, para qualquer parte que seja exportado.

Art. XIII Sendo muito limitada a quantidade de Assucar, que se fabrica na Provincia de Cabo Verde, a qual por agora apenas chega para o seu consumo; e devendo dar-se um vigoroso impulso, para que este Genero se augmente, a ponto de se exportar em quantidade; será por isso igualmente livre de direitos, por espaço de 10 annos o Assucar que alli se fabricar; praticando-se relativamente á sua exportação, o que se acha estabelecido pura o Café da mesma Provincia nos Artigos 1.º, 2.°, e 3.° deste Projecto.

Palacio da Camara em 4 de Março de 1828. - O Deputado João da Malta Chupuzet.

Concluida a Leitura disse

O Senhor Chapuzet: - Senhor Presidente, o Projecto de Lei, que acabo de lêr, e que tenho a honra de apresentar a esta Camara, parece-me de alguma importancia: depois de havermos perdido para sempre o Brasil, he para as Possessões Africanas que Portugal deve lançar as vistas; he desta nova America, quando assim a quizer considerar, que poderá tirar grandes vantagens, se applicar os meios convenientes pura tal fim, e se por via de um bem regulado plano, e de uma boa administração, tiver a paciencia indispensavel para esperar os resultados em tempo proprio, porque sem tempo nada se pode concluir: se continuarmos a deixar em abandono as Provincias Africanas, como até agora praticámos, porque possuiamos o Brasil, ficaremos circumscriptos unicamente a Portugal, e Ilhas adjacentes, servindo então só as mais Possessões para recordarmos a gloria adquirida pelos Portuguezes em remotas eras. Principie-se pois a dar alguma protecção áquellas Provincias, e muito mais ainda á de Cabo Verde, pela sua posição proxima de Portugal, e porque ella já em si contem um manancial de riqueza na producção da Urzella, que nasce em suas alcantiladas rochas: e se este Projecto de Lei para aquella Provincia apresenta vantagens, facilitando tambem a sua prosperidade, seja elle então julgado urgente: eis o que eu rogo a V. Exa. queira ter a bondade de propor a esta Camara; e no caso de assim ser julgado, peço se mande á Commissão de Fazenda, para esta dar o seu Parecer tambem com urgencia, a fim de vermos se ainda na Sessão deste anno pode ser discutido. Para que os Senhores Deputados conheção que o abandono geral, em que tem existido as nossas Possessões Africanas, he a origem de sua total decadencia, eu lhes rogo de, quando poderem, passarem ao Archivo, aonde depositei differentes tecidos de seda, algodão, lá, e de seda e algodão feitos em Cabo Verde; e estou bem seguro que se os examinarem hão de admirar-se da belleza de alguns, e muito mais sabendo que aquelles Insu-

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annos os tecem em trates por elles arranjados com alguns páos, cannas, e fio de barbante; devendo-se por isso presumir a que estado de perfeição poderão chegar, sã fôr posta em acção a sua Industria, e habilidade, até hoje deixada em sua primitiva infancia.

O Senhor Presidente: - O Requerimento do Senhor Deputado tem lugar de se tomar em consideração á segunda leitura, e a Camara então decidirá se he ou não urgente.

O Senhor Deputado Lima Leilão pedio ser inscripto na Lista das Proposições, o que he effectuou.

Segunda parte da Ordem do Dia.

Leitura da ultima redacção de dous Projectos de Lei.

Começou-se pelo Projecto sobre os encontros a favor dos Credores originarios á Fazenda Publica, e prestações, que se hão de conceder aos Devedores á mesma, e foi approvada a redacção da Artigos, 1 até no 4. Sobra a do 5 disse

O Senhor F. J. Maia: - O Additamento, que a Commissão fez ao Artigo, envolve materia de grande consideração; pois estabelece Jurisprudencia nova a respeito da responsabilidade dos fiadores dos Devedores á Fazenda Publica, que da nenhum modo pode ser admittida nem approvada. - O acto de fiança hr um acto voluntario de quem se presta a ella; e não ha motivo, nem de justiça, nem mesmo plausivel para aliviar o Fiador do pagamento de qualquer quantia afiançada por elle. O systema de prestações parciaes não tem outro fim mais do que facilitar aos Devedores os meios de pagamento das suas dividas, sem com tudo comprometter a segurança da mesma divida. Não confundamos idéas, para não parecer que qualquer Fiador d'uma prestação, ou figurante d'uma Letra dessa prestação he obrigado á solução da totalidade da divida; pois que a esta he só responsavel sempre o originario Devedor; e os Fiadores ficão só responsaveis ás quantias, que afianção, e nada mais; e por isso o Fiador de uma prestação he sempre responsavel por toda a quantia dessa prestação: o Fiador da duas prestações he responsavel ao importe dessas prestações; e o que afiançar todas he responsavel por todas: e isto quer se tenha feito ou não os primeiros pagamentos. Lembremo-nos que a Fazenda Publica não pode dispor do que não he seu; eu me explico melhor: tudo o que se deve á Fazenda já tem outros donos, que são os Credores, a quem a mesma Fazenda he Devedor, e a quem deve pagar; por tanto sou de opinião, para que não haja interpretações abusivas a esta Lei, que todo o Fiador, que afiançar qualquer Devedor á Fazenda, fique responsavel por tudo quanto afiança, seja por uma, seja por mais prestações: que os bens do Devedor origanario, que existirem no momento da execução, não possão ser alienados para se não pôr em risco a cobrança da Fazenda Publica: e já que nesta Lei facilitamos bastantemente aos seus Devedores os meios de commodamente satisfazerem seus pagamentos, com a concessão dos prazos, prestações, letras etc., não lhes demos tambem a facilidade de a prejudicarem. Voto que o Additamento feito na Commissão da Fazenda se supprima.

Q Senhor L. J. Moniz: - Senhor Presidente, por ora só faltarei sobre uma parte da redacção deste Artigo, e he aquella, em que se diz = precedendo informações do Tribunal, ou Repartição competente = A impressão, que eu conservo do que se venceo na discussão deste Artigo, he que o Governo devia ir buscar as informações, aonde se podesse achar melhores, neste sentido deveria antes dizer-se de Tribunal, ou Repartição conveniente. Alem disto, se se regular a competencia pelas Leis até agora em vigor, as Juntas da Fazenda das Ilhas adjacentes, e Ultramar poderão entrar em dúvida a respeito da sua competencia, porque parte das mas attribuições pelo Alvará de 16 de Maio de 1825 tinhão passado para o Conselho da Fazenda; e se o que se quer procurar fora esta clausula da Lei he que precedão informações, donde quer que o Governo as poder haver melhores, sem o sujeitar á rotina infallivel de ir a uma
Repartição, onde talvez elles não existão, e perdir assim o tempo, e trabalho, he necessario que esta parte do Artigo se ponha em maior clareza, principalmente quanto ás Juntas da Fazenda das Ilhas adjacentes, e Ultramar.

O Sonhar F. A. de Campos: - Quando se acabou a discussão do Projecto, lembrei que no Artigo 5 se tinha vencido que os Devedores do não fiança a todos os pagamentos nos prazos estabelecidos, e julguei seria muito mais facil a qualquer Devedor achar Fiadores se acaso elle tivesse quem abonasse a primeira prestação, e as outras successivamente: pedi licença para fazer este Additamento: agora he que vejo apparecerem dúvida, por consequencia entrará em discussão, e a Camara decidirá se esta medida deve adoptar-se. - Quanto á redacção, está na Acta = Junta, ou Repartição competente = No projecto original dava-se ao Conselho da Fazenda a attribuição de informar a esto respeito, mas como isto tinha alguns embaraços relativamente ás Ilhas adjacentes, decidio-se que se adoptasse a declaração, que está na Acta, e nessa conformidade se redigio o Artigo. Nada mais tenho a dizer.

O Senhor Vice-Secretario Bralkami advertio que, segundo a explicação do Senhor Campos, foliava no Artigo o palavra Junta.

O Senhor Lourenço José Moniz: - Então he preciso declarar essa palavra, porque de contrario fica o Artigo obscuro.

O Senhor Rodrigues de Macedo: - Não sei se será acertado fazer precipitadamente uma alteração tão notavel, como a que de novo se propõe neste Artigo, em materia tão importante, qual he a segurança da Fazenda, quando se tracta da mera redacção do que está vencido. A innovação, que o Artigo apresenta, talvez seja muito util; mas está em contradicção com a doutrina já adoptada no discussão do mesmo Projecto: talvez se deva approvar; mas o que eu não approvo he que não seja de corrida, quero dizer, sem o exame que pede o melindro do objecto. Peço por tanto que a addição feita de novo pela Commissão se separe do resto do Projecto para se discutir maduramente, e que se tome agora em consideração somente a redacção do que foi vencido. Por esta occasião peço novamente a leitura do Artigo 3.°; ainda que a Camara approvou a redacção delle, parece-me que ha de convir, em que necessita de alguma correcção. Eu quiz pedir a palavra quando se acabou de

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lêr, mas a rapidez, com que foi approvado, não me dêo occasião para isso.

O Senhor Vice-Secretario Braklami fez a leitura requerida.

O Senhor Rodrigues de Macedo: - Se ainda he licito fazer alguma reflexão sobre a redacção deste Artigo, peço a palavra.

O Senhor Presidente: - Tracta-se da redacção do Projecto, não tem dúvida alguma que o Senhor Deputado pode fallar.

O Senhor Rodrigues de Macedo: - Tenho alguma dúvida sobre a redacção deste Artigo, pelos termos com que está concebido, por quanto parece que authorisa o Governo, ou os Empregados destes a fazerem para a futuro apprehenções violentas de fructos. Este objecto foi tomado em consideração pela Camara quando se discutio o Projecto; e se a memoria me não falla determinou-se que o Artigo fosse redigido de maneira que dissesse respeito ás apprehensões feitas antes da Lei, mas não fosse extensivo ás que se facão para o futuro, para que não pareça que estes poderão continuar a tolerar se: parece-me que esta idéa he de summa importancia, e em consequencia que este Artigo 3.° deve ser redigido mais claramente, de modo que por elle se não authorisem procedimentos abusivos, e que esta Camara desapprova.

O Senhor Presidente: - Não ha dúvida que em geral se assentou que o Artigo fosse escripto de maneira que não parecesse dar lugar a que as Authoridades podessem extorquir os Cidadãos de sua fazenda.

O Senhor F. J. Maia: - Sobre esta materia fez-se a reflexão que acaba de propôr-se; e de nenhum modo he permittido dispôr da propriedade do Cidadão se não nos casos marcados pela Carta, e portanto não deve dar-se lugar a abuso sobre isto pela approvação deste Artigo 3.° Disse o Senhor Relator da Commissão de Fazenda, quando se discutio o Projecto que..........pode aqui marcar-se como prazo para este fim, o anno de 1827, o que concorda com o Limite que se acha na Lei para os devedores da Fazenda Publica; parece-me que isso não seria inutil, ainda que a Carta foi jurada em 31 de Julho.

O Senhor Presidente: - Se me he licito fallar sobre esta redacção, dizia eu, quando os fructos delles provenientes tiverem sido anteriormente a esta Lei apprehendidos, ou cousa semelhante.

O Senhor F. A. de Campos: - não sei se conviria marcar como prazo a época do Juramento da Carta, porque depois della sua infracções........ que trazem comigo reparação do damno.

O Senhor Rodrigues de Macedo: - Não, tenho certeza se na ultima campanha haverião apprehensões desta natureza; porem se na realidade as houve, não me persuado que seja da intenção dos Membros desta Camara, que fiquem excluidas da disposição deste Artigo. Por tanto convenho que o limite seja o fim do anno de 1827.

O Senhor F. J. Maia: - O uso da propriedade do Cidadão contra sua vontade he só permittido quando o bem publico legalmente verificado o exigir, e neste caso devo ser previamente indemnizado. Por uma Lei que passou em todos os Poderes Politicos do Estado, decretou-se um emprestimo para pagar as despezas do anno de 1827, que devem por tanto estar todas pagas. As providencias desta Lei não devem comprehender o anno de 1827, pois seria ocioso fallar em encontros de generos apprehendidos nesse anno, que não pode existir já em divida. Involve por tanto contradicção o estender o limite para os Credores, desta natureza até o fim de 1827, como muitos Senhores pertendem, e eu mesmo equivocamente disse. O limite deverá ser ate ao fim de 1826; e isto apezar da Carta se ter jurado em 31 de Julho deste anno: este he o meu voto.

O Senhor Tavares d'Almeida: - Uma cousa he o que se deve fazer, e outra he o que se faz: ainda, depois do Juramento da Carta não tem sido assás respeitado o direito da propriedade: eu mesmo posso affirmar com certeza que nesta ultima campanha forão apprehendidos muitos fructos a diversos Lavradores, e Rendeiros, e sei que ainda não foi paga toda a sua importancia; bem como ignoro se o será brevemente; por tanto a providencia do Artigo não deve limitar-se, até ao momento do dicto Juramento, como ponderou um Senhor Deputado, mas sim ou até á publicação desta Lei, ou pelo menos até ao fim de 1827, porque já que aos dictos Proprietarios se não dá dinheiro, elles são dignos que se lhe conceda o favor que a mesma Lei proporciona a outros.

O Senhor Cordeiro: - Eu sou de opinião que por ora se não pode marcar prazo algum nesta Lei: querem uns Senhores que por estas apprehensões se entendão somente as feitas ate ao fim do anno 27, e outros até o de 26; eu digo que nem uma, nem outra cousa se deve fazer, porque a disposição correspondente da Carta, que he o §. 21 do Artigo 145, ainda não está em execução, por depender de Lei regulamentar (lêo o Artigo da Carta): em quanto pois este Artigo só não pozer em execução, regula toda a Legislação antiga, e ella dá aos Empregados a Authoridade de fazer estas apprehensões. He um facto que na campanha de 1826 contra os rebeldes, se fizerão algumas apprehensões violentas, o que foi indispensavel, e sempre o tem sido em semelhantes occasiões, porque os exercitos marchão, e não podem deixar de ser soccorridos desta ou daquella sorte. Quanto a pagarem-se estas apprehensões, todos sabemos que o emprestimo ainda não pode concluir-se, e por isso não admira que algumas despezas correntes estejão por satisfazer.

Julgada a discussão sufficiente, propoz o Senhor Presidente, se na redacção do Artigo 3.º se havia fazer alguma alteração? E se resolvêo negativamente.

O Senhor Presidente: - Agora passamos á outra questão sobre o Artigo 5.º O Senhor Rodrigues de Macedo propõe que a addição feita pela Commissão, fique reservada para tractar-se em tempo conveniente.

O Senhor Rodrigues de Macedo: - Propuz que se separasse da questão da redacção.

O Senhor Presidente: - Não he possivel: o Artigo diz isto (lêo); pouco importa que se approve o Artigo quando a fiança não fique determinada.

O Senhor Borges Carneiro: - A dúvida do Senhor Macedo não versas sobre a materia vencida, mas sobre o additamento feito pela Commissão, para que a fiança se refira somente a cada uma prestação, e não á totalidade da divida.

O Senhor Presidente: - Conheço bem a dúvida do Senhor Macedo em que consiste, mas o additamen-

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do vai a affectar a ultima parte do mesmo periodo em que se acha, e altera-se assim a materia do Artigo.

O Senhor Leite Lobo: - A alteração, que os Senhores da Commissão fizer ao a este Artigo, parece-me muito justa: isto he um beneficio aos devedores da Fazenda, que não estão em circumstancias de pagar suas dividas. Disse-se que era preciso que os bens do devedor estivessem obrigados a toda a divida, e bem assim os dos fiadores: mas eu creio ser de Legislação corrente isto mesmo, não deve por tanto haver receio algum. Estes devedores, que por causas involuntarias não pagárão, requerem uma prestação, concede-lha o Governo, e depois apparece-lhe a difficuldade do fiador (a que a alteração que fez a Commissão dá menos peso): de maneira que he fazer um beneficio, e ao mesmo tempo não o fazer. Por tanto, eu voto que se conserve essa alteração apresentada pela Commissão de Fazenda.

O Senhor Presidente: - O estado da questão he se a fiança deve ser dada a todo o alcance, se a cada uma das prestações; se a Camara julga que o objecto merece maior discussão, deve decidir-se se esta deve ou não continuar: he o que eu vou propôr á Camara, porque uma vez que se reserve para outra occasião, escusamos de perder tempo.

Propor então se a alteração feita pela Commissão ao Artigo devia discutir-se já; e se vencêo affirmativamente.

Teve em consequencia a palavra, e disse

O Senhor Aguiar: - Eu não posso approvar a idéa, que a Commissão apresenta, relativamente á fiança, que os Devedores devem prestar, para se lhes conceder o pagamento de suas Dividas em prestações: ella encontra o que se vencêo; isto basta para até se não admittir discussão sobre ella, sem que a Camara previamente assim o declare, e entenda que ha lugar a votar-se contra o que se vencêo: porem, já que a discussão tem progredido, direi alguma cousa sobre a materia. Por mais que alguns Senhores Deputados tenhão trabalhado para mostrar que, concedendo-se aos Devedores do Estado o pagamento de suas Dividas em prestações, não he isto beneficio feito aos Devedores, mas todo o beneficio he para o Estado, eu não pude convencer-me, e cuido que o mesmo succedêo a esta Camara. São os Devedores aquelles, o quem directamente aproveitão as disposições da presente Lei; e já nós os beneficiámos mais do que pedia uma equidade bem entendida: muitos delles são Devedores antigos, ainda se lhes concede o pagamento em prestações até dez annos; e talvez um espaço tão longo seja equivalente ao perdão da Divida. O Thesouro privado das grandes quantias, que se lhe devem, não pode fazer face ás despezas: novas imposições pezão sobre os Cidadãos, e ainda assim os Credores do Estado, muitos sem outros meios de subsistencia mais do que os seus ordenados, não podem obter o seu pagamento. Desta maneira o beneficio concedido pelo Estado aos seus Devedores vem a ser injusto, porque para os beneficiar o Estado vai fazer cahir sobre quem nada lhe deve o peso d'uma Contribuição, e deixa de pagar aos seus Credores: quem deve não pode licitamente ser generoso para com os seus Devedores, resultando desta generosidade prejuizo de terceiro, e principalmente dos seus Credores. Não extendamos pote o beneficio a ponto de desobrigar es Devedores de prestarem as fianças, que até agora sempre se prestárão, e que tem por fim a maior segurança das Dividas, a que não só o Estado tem direito, mas tambem os que interessão immediatamente nos rendimentos delle para seu pagamento; fique-se nesta parte observando o Decreto de 16 de Maio, e não nos adiantemos alem do que se comprehende na Proposta do Governo. Diz-se que as Dividas estão sufficientemente seguras com as primeiras fianças, e hypothecas: assim succederá muitas vezes, mas tambem succede o contrario, não só porque os bens mudão de valôr, mas porque as avaliações são sempre exageradas, e frequentemente succede que os bens avaliados não chegão depois para o pagamento.

O Senhor Francisco A. de Campos: - O Senhor Deputado tem-se fatigado inutilmente, tomando sobre a cousas, que nada vem para o caso. Quando se acaba de decidir que esta questão se discuta, he que elle entra em dúvida se se deve discutir; quando se tracta de forma, porque os Devedores devem dar as fianças, he que lhe dá vontade de examinar se as prestações são em favôr dos Devedores, se em favor do Estado. Ainda aqui não fica. Na ultima redacção do Projecto he que se lembra de opinar contra as prestações, e sem nada ter estabelecido, de que tire uma consequencia, conclue que os Devedores devem dar as Fianças, como sempre se prestárão. Se o Senhor Deputado fallasse em ontem, deveria mostrar os inconvenientes desta concessão; mas como se limita a dizer que a segurança he menor, sem com tudo o demonstrar, eu lhe direi que a segurança he a mesma, porque os bens não podem alienar-se, e presiste sobre elles sempre a mesma hypotheca; que se as avaliações podem ser exageradas, esse inconveniente he commum a ambas as hypotheses; que finalmente o valôr da propriedade não pode alterar-se sensivelmente dentro de um anno, porque essas causas obrão sempre lentamente; sendo que pelo contrario seda grande facilidade aos Devedores para acharem quem os fie, e será talvez o unico meio de tornar proveitosa, e mesmo exequivel a presente Lei. Julgo por tanto que deve adoptar-se a Emenda proposta; e he bem singular que, quando a Commissão quer ampliar as Concessões aos Devedores, ache a mesma resistencia, como quando as queria restringir.

O Senhor Camello Fortes: - Deve conservar-se a antiga redacção.....costumão mandar-se informar os Ministros a respeito dos Fiadores, e estas informações nem sempre tem sido exactas; e tem acontecido muitas vezes ..... e pois que se tem concedido estas prestações, ellas já tem naturaes fianças .....Mas diz-se que assim não apparecerão Fiadores para toda a divida.....e se por uma
parte se quer favorecer os Devedores, deve igualmente favorecer-se a Fazenda; e favôr com prejuizo do terceiro não he sustentavel. Por consequencia se estas prestações estão afiançadas ..... Sou de parecer que se não admitta a addição feita pela Commissão.

O Senhor F. J. Maia: - Quando se discutio este Artigo, teve-se em vista não só o Alvará de 16 de Maio, mas a Proposta do Governo. Então disse eu que havia equivocação na nota feita ao Artigo 4.º

O Artigo 4.°, e 5.º do citado Alvará continha algumas disposições, que se trasladárão para o novo Pro-

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jecto. No Artigo 5.º determinava-se que todos os Devedaros, a quem se concedesse o pagamento por prestações, serão obrigados a pagar logo uma prestação adiantada; e eu fui um dos que rejeitárão essa disposição por inadmissivel, e contradictoria ao fim da presente Lei. Se com tantos beneficios, e meios os Devedores assim mesmo não podem pagar as suas dividas, então devem-se considerar insolviveis, e perdidas. Não posso concordar com o Additamento feito pela Commissão, para que os Fiadores não sejão responsaveis senão pela primeira prestação, que afiançarem, no caso do Devedor a não pagar, e fiquem desonerados das outras prestações igualmente afiançadas por elles. Tal principio repugna com as obrigações de Fiador, que de repente torna illusorias; e seria uma innovação perigosa na nossa Jurisprudencia; e não ha razão, nem motivo algum de utilidade pública, e particular para semelhante alteração, a não ser o querer pôr segunda vez em risco aquella divida, e dar lugar á má fé, e ao dolo dos Devedores, e Fiadores, que desta maneira tinhão na sua mão não pagar, ou pelo menos espaccar por muito tempo o seu pagamento. Sou por tanto de opinião que se supprima a addição feita pela Commissão de Fazenda.

O Senhor L. J. Motriz: - Os Senhores Deputados, que se oppõem a este Additamento de Commissão de Fazenda, derivão seus argumentos da segurança, e conveniencia da Fazenda Pública: eu procurarei sustenta-lo por esses mesmos principios de segurança, e conveniencia. E primeiramente quanto á segurança lá está a hypotheca original dos bens do Devedor, porque desde já devemos ter por certo que se não concede o beneficio das prestações senão neste caso. Ora: todos sabem que sempre se segurão mais bens, que a divida, attendendo a despelas de custas, e outras cousas; mas a isto diz-se que muitas vezes se tem achado o contrario, « que os bens em muitos casos não tem dado para a divida. Se tal tem acontecido, não pode isso deixar de ter procedido de negligencia, ou malicia de alguma das Authoridades, ou Agentes, que intervem no negocio; e por tanto he um verdadeiro abuso, pelo qual essas Authoridades, ou Agentes he que devera responder. Se estivermos sempre a argumentar com abusos, nunca levaremos nada ao fim; e então até deduzias de Fiadores se pode abusar. No caso de faltarem bens, na segurança original, então he que me parece que o Governo devia pedir nova segurança pela falla. Disse-se mais que estas restricções são necessarias para a effectiva liquidação, porque sem ellas ninguem pagará cousa alguma. Eu já nas discussões deste Projecto por mais de uma vez provei com a experiencia comparativa das differentes épocas de arrecadação fiscal que a diminuição desta data do tempo, em que se mettêrão todos estes apertos, e extremas restricções mas Leis fiscaes. Ora: he necessario advertir que no Contracto original de arrematação de rendas não he difficil achar Fiadores, porque elles quasi sempre vão interessados nas mesmas rendas; mas já não he assim nos ajustes de prazos: que interesse terá qualquer em sujeitar os seus bens á Fazenda Real, e expo-los ao risco de responderem pelas dividas de outro pelo espaço de 3, 5, ou 10 annos? Como será possivel achar estes multiplicados Fiadores em um Paiz como he a Madeira, onde grande parte dos bens já andão hypothecados, e outros não o podem ser, senão pelos rendimentos, por que são bens de Capellas, e Morgados? E o abalo, que tem soffrido o credito publico será pequeno Obstaculo para achar Fiadores ao total da Divida? Pelo contrario a cada uma das prestações não será muito difficil, porque ainda ha quem pratique actos de favôr, e amizade, quando não teme que delles lhe venha a sua ruina; e onde ha menor quantidade de bens desembaraçados tambem ha só a possibilidade de afiançar menores quantias. He verdade que no espaço de 10 annos se podem ir diminuindo por differentes causas os bens da segurança original, ainda mesmo quando elles ao tempo do ajuste dos prazos fossem bastantes; mas tambem devemos attender a que, se isto he assim em alguns casos, em regra geral, á proporção que o Devedor vai entrando com as prestações, a divida vai diminuindo, e por consequencia o valôr dos bens da hypotheca relativamente augmentando. E se elle não paga lá vai a execução sobre esses bens. Vejamos agora o que acontece quando se augmentão as difficuldades para ajustar os prazos, e principalmente no caso do novo Fiador a toda a divida, que he talvez o maior de todos os obstaculos. Como o Devedor não pode satisfazer a esta condição, porque não acha Fiador, não se lhe concede o pagamento a prazos, e por consequencia elle he executado, os hens vão para os «Reaes Proprios,» e como eu já mostrei antecedentemente que he impossivel achar compradores em um Paiz como a Provincia, que me el gêo, onde não ha dinheiro nem para as primeiras necessidades da vida, e onde os mesmos bens nada, ou quasi nada rendem pela completa estagnação do seu producto, lá ficavão os «Reaes Proprios» arruinando-se cada vez mais, depois de haverem causado graves despezas, era vez de interesses á Fazenda Publica. Agora digão-me os Senhores, que sustentão o contrario: onde está a conveniencia da Fazenda? Onde está a conveniencia desses Credores, que hão de ser pagos pelas quantias arrecadadas? Parece-me que de nada arrecadar a arrecadar bastante, ainda que de vagar, vai muita differença. O maior mal, que pode acontecer, he uma vez, ou outra, por algum abuso, ou incidente imprevisto, perder a Fazenda alguma cousa; mas ainda quando assim aconteça, esse prejuizo he menor que os que vão infallivelmente resultar da estagnação dos bens nos «Reaes Proprios,», e sua consequente ruina. Eu não sei se nestas minhas idéas terei «mettido a fouce na seara alheia,» porque esta materia na verdade he mais propria para ser tractada por quem professa o Direito; mas como em minha consciencia fazião peso taes razões, julguei do meu dever expô-las a esta Camara. Se nellas houver erro, muito facil será de emendar, quando se achão presentes tão habeis Juris-Consultos.

O Senhor Presidente: - O Senhor Relator da Commissão pede a permissão de retirar o ultimo periodo do Artigo.

O Penhor Borges Carneiro: - Ha um meio de conciliação entre as diversas opiniões, a saber, admittirem-se ao Devedor Fiadores separados para cada uma das prestações, ficando cada um obrigado somente pela prestação, ou prestações, a que se obrigar, e não solidariamente por toda a divida. Assim: o Devedor facilmente achará Fiadores, e a divida vem a ficar affiançada na sua totalidade. Pelo que opino, que não

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se permitta á Commissão retirar a Emenda, a fim de se admittir com esta minha modificação.

O Senhor Cordeiro: - Sobre a ordem. Pede o Senhor Relator. Ha Commissão que se retire da redacção esse Artigo. O Relator da Commissão não pode retirar o que toda a Commissão adoptou; pode só, como Deputado, requerer que se supprima. Tracta-se de um Additamento, que a Commissão fez contra toda a decisão da camara: por consequencia para se admittir o retirar esse Additamento he necessario que toda a Commissão o requeira, e que a Camara assim o resolva.

O Senhor L. T. Cabral: - O Senhor Relator da Commissão diz que foi elle o Auctor deste Additamento, e que o considera como seu; entre tanto elle está já assignado pela Commissão; e, ainda que a lembrança fosse delle, agora he de toda a Commissão. O Senhor Relator requerêo que se retirasse, por vêr que houve argumentos contra elle; mas tambem pode haver quem falle em favôr, o que eu farei. Por tanto a minha opinião he que se não conceda o retirar o Additamento.

O Senhor Cordeiro: - Ainda insisto na minha opinião. Ainda que seja cousa nova, como diz o Senhor Deputado, a Camara admittio á discussão; e por consequencia, se elle he retiravel por sua natureza, então não se devia discutir: mas ella foi admittida, e tem havido um debate renhido; e por isso não deve retirar-se sem votação. Deve fixar-se em regra que as Commissões não devem apresentar cousas contra o que se tem vencido:- com tudo esta questão deve continuar.

O Sr. F. A. de Campos: - O que acaba de dizer o Senhor Deputado he exacto, mas neste caso não he applicavel; porque eu pedi licença á Camara para fazer esta alteração no vencimento, e não tomei esta liberdade de meu motu proprio; e como eu fui o Auctor deste Additamento, que a Commissão por bondade assignou, por isso peço a V. Exca. licença pata o retirar.

O Senhor L. T. Cabral: - Parece-me que o que acaba de dizer o Senhor Deputado he bastante para se poder admittir o Additamento á discussão, porque retirando-se pode a Camara privar-se de uma medida prudente; e por isso peço a palavra para fallar sobre ella.

Julgou-se discutida a questão de ordem, e posta á Votação não foi admittida, e continuou em consequencia a discussão primaria.

O Senhor C. Alberto Soares: - A idéa, que a Commissão apresenta, he uma idéa nova, e he contra o que até agora se tem praticado, porque os Fiadores são de toda a divida: entretanto não me parece contra o que está vencido, porque o que se venceo he que se de sem Fiadores a toda a divida, e não de que maneira, nem se um, se muitos; entretanto eu não approvo a idéa da Commissão tal qual ella está expendida neste Artigo, porque esta fiança não he sufficiente. Diz-se que deste modo de fiança não resulta damno para a Fazenda, porque ella está segura com a hypotheca originaria; mas não he assim, porque a hypotheca não he só os bens do Devedor originario, mas tambem do seu Fiador. Em segundo lugar esses mesmos bens do Devedor, que são hypotheca originaria, podem diminuir-se por qualquer causa extraordinaria, podem haver muitos casos, em que esses bens até de todo se arruinem, e então não está a Fazenda segura; mas eu, que não approvo a idéa da Commissão, approvo a Proposição do Senhor Borges Carneiro, por quanto não acho inconveniente algum em se dar differentes Fiadores ás differentes prestações. Assim como nas Letras de Commercio, que são aqui admittidas, pode um só Abonador abonar todas, ou serem ellas abonadas cada uma por cada um, assim tambem nas prestações podem estas ser afiançadas singularmente por differentes Fiadores.

O Senhor Presidente: - Já disse que nos mettemos em uma nova questão, e de emenda em emenda vamos embaraçando a decisão do que está vencido.

O Senhor C. Alberto Soares: - Então como não pode agora entrar em discussão a idéa proposta pelo Senhor Borges Carneiro, nada mais tenho a dizer, e reprovo o Additamento da Commissão por injusto.

O Senhor Borges Carneiro: - Tenho por necessaria uma Manca total para segurança da Fazenda; e essa he a Legislação actual: pois ainda que os bens do Devedor passão com sua hypotheca pura qualquer possuidor, com tudo, feita a alienação, se difficulta a cobrança, e se dá lugar a demandas. Com tudo não he da essencia dessa segurança que a fiança seja solidaria, que um ou mais Fiadores se obriguem por toda a divida. Esta está assaz segura quando, admittido o pagamento em prestações, cada uma destas fique afiançada sufficientemente por Fiador ou Fiadores bastantes, posto que diversos, e não solidarios: e nisso se interessa o Devedor, porque mais facilmente os achará.

O Senhor Presidente: - Queira mandar para a Mesa a sua Emenda.

O Senhor L. T. Cabral: - O argumento de que ha inconveniente em se adoptar o que propõe a Commissão parece-me que não colhe pela regra de direito, porque esses Fiadores serão sempre obrigados, em quanto entre os principaes Contractantes não houver uma innovação do Contracto, o que he necessario para desonerar os Fiadores. Não colhe tambem por outro lado, porque estas prestações tem sido muitas vezes concedidas por graça especial, por consequencia aquelle argumento não tem lugar; agora, não tom tambem lugar o novo Additamento proposto pelo Senhor Borges Carneiro, porque isso he contra o direito, e as regras estabelecidas. Os Fiadores são por Lei solidarios, nem até aqui era permittido o que elle propõe, e agora para se estabelecer a regra de que os Fiadores deixarão de ser solidarios, he preciso transtornar toda a ordem estabelecida, O meio das prestações he conciliar o beneficio do Devedor com o interesse dá Fazenda Publica, e para que esta graça não possa prejudicar a Fazenda se exigem Fiadores; por consequencia julgo a medida proposta sufficiente. O Senhor Mozinho da Silveira disse que os bens do Devedor originario são sempre hypotheca legal da divida; e portanto estava pela redacção, que a Commissão propõe.

O Senhor L. J. Ribeiro: - Peço primeiro que se leia o Parecer da Commissão (foi satisfeito). Bem: na discussão desta Lei parece-me que se tem querido fazer tanto que a final não se vem a fazer nadar; e he sempre o que succede quando as questões se confundem, ou quando sahem da sua origem. O Artigo

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parece-me muito bem redigido, e que está conforme com o que se venceo ale ao ponto, em que diz: Letras de Commercio. Conceder as prestações aos Devedores Fiscaes, sem que elles dêm uma nova garantia, e segurança ao Estado, não he possivel, porque então não tiraria elle disso vantagem alguma. O quererem alguns Senhores mostrar que, quando um Devedor pede ao Governo uma prestação sem consentimento do Fiador originario, fica esse Fiador tambem obrigado á satisfação desse ultimo Contracto, he doutrina, com que me não posso conformar. Quando se faz um Contracto ha sempre um Fiador, e este he obrigado ao que nelle se contem, se aquelle, que fez o Contracto, não cumprio com o seu dever. Supponhamos que o Devedor vem pedir uma prestação sem licença do seu Fiador, e que, sendo-lhe concedida, os bens daquelle Devedor originario vão diminuindo, então o Fiador quererá estar obrigado ao pagamento do seu abonado? Creio que não. Desde o momento que o Governo conceder uma prestação, o Fiador originario fica desobrigado, se não tiver dado o seu consentimento para isso. Eis-aqui porque me parece que não podem ter lugar as fianças parciaes, que se propõe no Artigo; e por isso ficando o Artigo como estava ficava o negocio bem, porque se o Governo vir que he mais conveniente admittir Letras ou Fiadores, firá o que entender. Eu estou persuadido que quando se fazem Leis, e se sabe de regras geraes sempre se vem a cahir nestes inconvenientes.

O Senhor Cordeiro: - Eu não posso conformar-me com a innovação, que fez a Commissão, e estou pela doutrina, que se venceo. O grande fundamento dos Senhores, que querem sustentar o Artigo, he a maior facilidade dos Devedores em achar Fiadores: porem como Instantemente se tem dicto a este respeito, eu abstenho-me de convencer este argumento de conveniencia; mas proponho-me a mostrar que esta innovação será impraticavel pela mesma natureza da cousa. Está vencido que para a concessão das prestações ha de preceder Informe, ou Consulta do Conselho da Fazenda, Junta, ou Repartição respectiva; he igualmente certo, e obvio que, pedindo a Parte prestação, ha de designar a quantia annual, e por isso he consequente que as diligencias preparatorias se referirão á idoneidade dos Fiadores offerecidos; pergunto agora, depois destas diligencias he que o Governo, usando da faculdade da Lei, ha de designar o prazo, por que concede a prestação? Uma de duas consequencias se ha de seguir, ou o Governo se ha de conformar com o petitorio da Parte, e calculo das fianças, ou a conceder-lhe menor prazo fica arriscado a não segurar a arrecadação. E será possivel que levemos esta disposição a um tal estado de contingencia? Tanto sequer apurar o favor que tudo se converterá em desfavor, e se inutilisará o bem, que está feito, por querer eleva-lo a pontos, em que se não pode sustentar.

Julgando-se suficientemente discutida a materia, foi posta á votação a memorada alteração, e foi rejeitada: e, propondo-se á votação a redacção na forma que se havia vencido, foi approvada com o accrescentamento, que indicou o Senhor Presidente, consistindo nas palavras = Junta = depois de = Tribunal = e nas = a todo o alcance = depois de = por fiança abonada.

Continuou a leitura dos outros Artigos, e foi approvada a redacção delles até ao 8, e ultimo, accrescentando-se no fim deste as palavras = e qualquer Legislação em contrario.

Lembrou o Senhor Relator da Commissão que no Artigo 1 faltava uma clausula, a qual se mandou accrescentar, e he a mesma, que vem no Artigo 3, a saber - Do mesmo direito gozarão os Ascendentes, e Descendentes dos Credores originarios na ordem legitima da successão: = e com ella, sendo de novo posta á votação a redacção daquelle Artigo, foi approvada.

Passou-se á leitura da ultima redacção do Projecto sobre a reforma das Companhias da Alfandega, e foi approvada a dos Artigos 1 até ao 6.

Suscitou-se dúvida sobre a do Artigo 7, e disse

O Senhor Cordeiro: -Tenho toda a dúvida nesta redacção: he verdade que o Artigo se vencêo, porem parece-me que o que se vencêo primeiro no Artigo 4.° destroe inteiramente toda a materia deste. Eu não comprehendo bem quaes são estas pessoas, e quereria que se fizesse uma explicação mais clara, declarando-se aquellas pessoas que hão de ter indemnisação. Se olho para a Legislação antiga, vejo o Regimento dos Ordenados de 29 de Setembro de 1753 § 36 declarar, que ao Provedor, e Feitor pertence nomear os homens, que hão de trabalhar nas Companhias d'Alfandega, e taxar-lhes os salarios, ou jornaes, que hão de receber das Partes; e daqui não posso tirar outra consequencia senão, que os homens que trabalhão nas Companhias são verdadeiros Jornaleiros. Se consulto os Estatutos da Real Junta do Commercio no Cap. 15 §. 1, vejo que as referidas nomeações daquelles homens de trabalho pertence á Mesa da Junta, e observo uma disposição terminante, e expressa que estas, e mais incumbencias do proveniente da Junta devem ser pessoalmente servidas, e que nellas não poderá haver propriedades, nem ainda vitalicias, mas sim, e tão somente serventias trienaes amoviveis pela Junta no caso de prevaricação. Noto mais, no § 8 declarar-se, que Sua Magestade ha por obrepticias, e subrepticias, e de nenhum effeito, todas as Mercês, que forem impetradas sem preceder nomeação da mesma Junta, ou contra a forma estabelecida no 61.º do citado Capitulo. Portanto: para os chamados Proprietarios não podem haver indemnisações, porque essas Mercês a mesma Lei na hypothese de se fazerem as tem declarado de nenhum effeito; restão por tanto os homens de ganhar, e de carregar, ou os Jornaleiros, que se empregão nas Companhias; porem dar indemnisações a esta classe não acho conforme aos principios que sobre esta materia encontro na Legislação, como já ponderei na discussão da Proposta; por estas razões he que eu requeiro que se faça expressa menção da classe, ou ordem de pessoas, a que o vencimento do Artigo confere esta indemnisação; para que não aconteça que indo assim vago, e indeterminado, se concedão a quem as não merece, contra a intenção da Lei. He por esta razão que na votação deste Artigo eu logo requeri que a Commissão o redactasse em harmonia com o vencimento do Artigo 4.º

O Senhor Mozinho da Silveira: - Estes homem são os que trabalhão, e por isso tem direito ao fructo do suor do seu rosto: os que não trabalhão são

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isentos deste beneficio: isto fita vencido pela Camara. Este Artigo tracta dos homens de trabalho empregados actualmente nas Companhias; estas Companhias são 11, e hão de ficar reduzidas a duas. Pergunto eu, hão de ficar de fora homens que effectivamente tem trabalhado, e que entrarão para estas Companhias na hypothese de que em quanto bem servissem não havião ser despedidos sem que se lhe destine alguma cousa para que não morrão de fome? He para estes que a Commissão estabelecêo os 3 ou 10 por 100, e alem disso uma preferencia para serem chamados ao trabalho de fora, porque he impossivel que na Companhias da Alfandega se sirvão sempre de um numero certo do homens; porem como nem todos, os dias hão de ser chamados he de justiça, que fiquem com alguma cousinha para quando não tem que fazer; consequentemente ás observações do Senhor Cordeiro está respondido: não se tracta daquelles que usurpárão os lugares, e que não trabalhavão; tracta-se dos pobresinhos que effectivamente trabalhão; esta tabella he alguma cousa exagerada para tirar os 10 por 100 a favor destes mineraveis, porem á proporção que, o Commercio for augmentando vai-se diminuindo até o ponto de não ser preciso.

O Senhor Cordeiro: - Eu sei muito bem fazer a distincção dos homens que não trabalhão, da que trabalhão, tanto assim que neste sentido discorri demonstrando, que nem a une, nem a outros te devem conferir. Estes homens que trabalhão, como se mostra do Regimento que já citei de 1753 tão trabalhadores ou jornaleiros, e esta classe não carece de indemnisações, porque tem meios de ganhar a vida, que he o seu trabalho braçal. Eu tambem sou do systema da equidade, e já disse aqui, que ella em certas circumstancias equivale á justiça; tambem approvo que as reformas se fação sem lagrimas, e que se não tire o pão a quem o tem por um emprego, e não o pode adquirir de outro modo. Um Empregado de certa idade, e com certo tempo de serviço, que já não pode Contrahir outros habitos, que não tem outros meios de viver, não lhe conceder uma indemnisação quando se extingue o seu emprego, seria dureza, e rigor extremo, e eu não tenho coração para infelicitar ninguem. Um Empregado que tinha officio concedido em remuneração desérticos, ou por accesso na sua carreira civil, ou militar, seria injustiça priva-lo delle sem uma completa indemnisação, mas a um trabalhador, e que quasi a matar parte delles não são deste Reino, porque as Companhias d'Alfandega são quasi todas de Vassallos Hesponhoes, de Galiza, não posso comprehender. Homens jornaleiros se lhes falta o pão, que ganha vão na Alfandega, tem outras partes aonde o vão ganhar. Se são estes de que falla o Senhor Mozinho da Silveira, não sei que a estes homens se deva dar indemnisação: eu vejo que na Casa da Moeda onde e cunha dinheiro, e tão percizos estes jornaleiros, estes trabalhadores, os chamão quando percizão delles, e despedem-os quando lhe não são percizos, e assim em outras Repartições, como são Obras Publicas, Arsenal, Fundição etc. Ainda que esses homens trabalhadores na Alfandega estuo qualificados como empregados, he isto um Officio para se lhe dar Penções? Eu o que desejo, para ceder da minha opinião, he ser esclarecido sobre a materia de facto sobre os que alcançarão estas nomeações de trabalhadores contra a disposição da Lei: nestes estamos conformes, mas a respeito dos outros he que eu não sei bem o fundamento desta disposição, e por isso eu desejaria explicação. Ainda que o Senhor Mozinho diz que a tabella não está exactamente constituida, e que nella está alguma cousa mais do que deve ser para favorecer estes homens, devo dizer que, sendo a tabella um ensaio que a experiencia hade verificar, não sei como se possa explicar essa demasia! De mais: se a tabella está exacta, e corresponde no merecimento, e trabalho daquelles a quem he destinada, nada só lhe deve tirar; porque seria tirar o fructo do suor daquelles que trabalhão; tem esta difficuldade; e só ella he excedente, se he exagerada tem nulla difficuldade qual he a de carregar o Commercio para dar estas indemnisações a homens que não tem direito a ellas. Eu desejaria ouvir demonstrar o direito, com que se sobrecarregão as taxas do trabalho, para dar indemnisações á custa alheia; se o Commercio se conforma com essa regulação para esse fim, parecia-me melhor que elle abrisse para o mesmo fim uma subscripção porque acho perigoso abrir um exemplo desta natureza. Por estes fundamentos he que eu insto para saber quem são estes homens, a quem se hão de dar estas indemnisações, e desejo que o Senhor Mozinho me explique, e illuride.

O Senhor Mozinho da Silveira: - Tenho a observar que na Alfandega não ha um só Estrangeiro empregado nas Companhias, todos são Portuguezes: ha muitos que trabalhão ha trinta, ou quarenta annos, e que á custa de grandes trabalhos de andarem carregados de caixas de assucar, etc., estão muito cançados, e estragados: ora, estes homens em um direito sagrado a uma contemplação, porque elles forão chamados para alli trabalharem: quando um homem chama um trabalhador para trabalhar em seu serviço, quando não tem a fazer despede-o, mas não he este o caso; quando estes homens, de que se tracta, forão para as Companhias, foi na hypothese de que havião de ser conservados em quanto bem servissem; agora por necessidade de economia se hão de excluir alguns, e não por crime ou incapacidade delles, em consequencia he justo que se lhe dê alguma cousa. O Corpo do Commercio assim mesmo fica favorecido na razão de dezoito para trinta e quatro, com botar fora aquelles que não trabalhavão. O Senhor Deputado, interpretando agora a generosidade do Corpo do Commercio, quer que se promova em seu nome este beneficio obstes homens que tem trabalhado, e que hoje, por he terem estragado no serviço da Alfandega, já não podem com trabalhos fortes, que são os que hão de sahir; não confundamos os abusos daquelles, que entrarão contra a disposição da Lei, com estes que tanto merecem alguma coma para sua subsistencia. Deos me livrasse de ser Deputado, se havia de vir para aqui fazei a desgraça de muita gente, como seria se pozessemos estos pobres homens na rua, sem lhes darmos um bocado de pão.

O Senhor Cordeiro: - No tempo, em que eu tinha conhecimento da Alfandega, lá havia Empregados naturaes de Galiza; agora se estão ou não, devo
acreditar no que diz o Senhor Mozinho da Silveira. Pelo que respeita á pintura patetica e tocante que elle fez dos velhos, e estropiados que se arruinárão no
trabalho da Alfandega, ainda que me enterneceo,

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não deixo de ponderar que esta explicação he que deve estender-se clara, e terminantemente no Artigo, para que á sombra dos estropiados não se confirão indemnisações a homens robustos, e de perfeita saude. A explicação do Senhor Mosinho justificou as minhas instancias, porque por ella se mostra a necessidade de fazer mais explicita a doutrina do Artigo, e todos se convirão, que não foi por falla de humanidade, que tenho insistido na minha opinião. Não cedo a ninguem em sentimentos de humanidade, e porque a lenho, he que não quero que se confundão os necessitados com os ociosos e vadios.

O Senhor F. J. Maia: - Vencêo-se nesta Camara que todos os homens das Companhias da Alfandega não tinhão direito a indemnisação alguma, ainda que ficassem de fora das mesmas Companhias pela presente reforma, pelas razões que então se expendêrão, e que somente se deverião ter em contemplação aquelles, a que na sua falla se refere o Senhor Mosinho da Silveira, que he conforme com a decisão da Camara: porem a dúvida não está na idéa, está sim no modo de a expressar; e eu não acho clara a redacção deste Artigo para o fim a que se propõe, e me parece que, pela intelligencia liberal do Artigo, ninguem deixará de entender que todos os homens das Companhias hão de ser indemnisados, no caso de serem excluidos dellas (lêo). Agora não tracto de reviver a querião principal, sobre a qual a minha opinião foi clara, e explicita votando contra o vencido; e só pertendo evitar interpretações, e questões na execução desta Lei, procurando a maior clareza possivel. Ninguem negará que, se o Artigo passar assim, hão de ser excluidos da indemnisação muitos dos que trabalhão pessoalmente, e muitos dos que nunca trabalhárão. Mas a Camara deseja que especificadamente se declare quasi são os individuos que devem ter o direito a indemnisação; ao que não satisfaz o Artigo da maneira que está redigido, apezar da Commissão estar de perfeito acôrdo com a Camara no essencial desta disposição. Não posso apresentar de repente uma substituição ao Artigo, mas exporei a idéa simplesmente, que creio se poderá exprimir assim: = Para serem repartidos pelos trabalhadores que tem estado em effectivo serviço, e que são excluidos das Companhias, pelo teu número te reduzir, ou se achão inhabilitados de ganhar os meios da sua subsistencia. = Se esta idéa for approvada, deverá o Artigo voltar á Commissão para o redigir melhor, declarando-se com mais precisão, a quem a Lei concede este beneficio.

Julgada a materia sufficientemente discutida, posta á votação, foi rejeitada a redacção do Artigo; e propondo-se que voltasse á Commissão para lhe dar uma forma mais explicita sobre os individuos, que ficão com direito a uma indemnisação, assim foi decidido.

Continuou a leitura dos mais Artigos, e foi approvada a redacção do Artigo 8.º até ao 17.°, e ultimo, assim como a Tabella, que a este Projecto vai annexa.

O Senhor Relator da Commissão sobre os meios de cohibir o contrabando dos Cereaes, e Azeites, teve a palavra para lêr o seguinte Parecer, o qual foi mandado imprimir.

N.º 184.

A Commissão encarregada de examinar o Projecto de Lei N.º 170, (Vide pag. 564) offerecido a esta Camara para cobibir o contrabando, e descaminho dos generos Cereaes, e Azeites, vem apresentar-vos hoje, Senhores, o resultado das suas observações, que, senão forem tão acertadas como ella mesma deseja, sendo com tudo nascidas do muito zelo, que a anima pela prosperidade pública, acharão na vossa Sabedoria as necessarias correcções, e uma bem entendida desculpa na vossa reflectida indulgencia.

A vossa Commissão, Senhores, não pode deixar de conhecer que as Leis prohibitivas, sendo sempre uma diminuição da liberdade individual, são pela maior parte más; porque fazendo desviar o Legislador da esfera magestosa, que lhe cabe na concepção geral dos objectos Legislativos, o precipita muitas vezes de excepção em excepção, levando-o a medidas, que parecem excessivamente rigorosas; mal, que por muitas razões se faz sentir com maior gravidade, quando essas medidas tendem a cercear a liberdade ao Commercio, ou pôr obstaculos ao livre uso da propriedade. Todavia a Commissão reconhece que a Lei da necessidade, de cuja superioridade ainda ninguem duvidou, sancciona em muitas circumstancias aquellas Leis; por quanto remedios ha, que nunca produzirão effeito sem dozes veneficas.

E tal he, Senhores, a nossa situação actual, relativamente a este objecto.

Portugal prende-se ao Continente Europeo por uma extensissima orla de terra, que por todos os lados assenta em terreno de Hespanha. Deste contacto resulta a facilidade reciproca a estas duas Nações de importarem, e exportarem os tuas producções; mas por uma fatalidade Portugal não só está fora da proporção, que tornando o Commercio igual, annullaria o mal, que delle pode resultar, mas he inteiramente condem nado a supportar os effeitos d'uma importação, sem medida, de generos Cereaes.

Não he tarefa da Commissão referir as causas, que produzem estes effeitos contrarios; mas não pode deixar de reflectir que os muitos gravames, que sobrecarregão a Lavoura Nacional, influindo sobre o preço dos Cereaes do Paiz, os põe fora da concorrencia com os que entião de Hespanha.

O remedio, Senhores, seria atacar o mal na sua sede; seria remover todos esses obstaculos, que entorpecem a Industria Agricola; seria constituir sobre os verdadeiros principios a mais nobre, e a mais util de todas as Artes, que pode sem exaggeração chamar-se o principio vital das Sociedades, e o elemento da actividade do espirito humano.

Muitos obstáculos porem se contrapõe a esta idéa!

O Auctor da Natureza doou-nos um bello Clima, e dotou-nos de um espirito capaz das mais subidas concepções: todavia muitas circumstancias tem retardado os effeitos de tantos beneficios.

Todos os Auctores, assim Nacionaes, como Estrangeiros, fallão com exaggeração do estado florescente da nossa Agricultura, mesmo nos tempos dos nossos primeiros Monarchas, com particularidade nos d'ElRei D Diniz: seria facil, seguindo a Historia, mostrar que desde o berço quasi começou ella a definhar.

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Então convém lançar mão daquelles remedios, que tem maior analogia com a molestia presente. A molestia he o Contrabando; o remedio, preveni-lo, não só pela imposição de penas contra os que o fizerem, mas creando interesses oppostos aos que delle possuo resultar.

Os Alvarás de 15 de Outubro de 1824, e 4 de Junho de 1825 começárão estas providenciam; o despeito porem delles o Contrabando tem continuado; e o Ministerio perguntado ácerca disto responda que entre as circumstancias, que tem concorrido pura a inexecução deitas Leis, he a maior a falta de Empregados. A Commissão parece, que não só esta he uma razão mui ponderosa; porem que o systema de interesses ainda não fôra bem combinado, não só porque se concentrou quanto ás pessoas, mas porque se applicou ao Thesouro tambem: e esta he outra razão de igual força, bem como a delonga dos Processos.

A' vista destas causas julga a Commissão que a materia do Projecto he admissivel. Elle aperfeiçoa aquelle systema de interesses, deita algemas á chicana forense, e previne os abusos, que á sombra do direito de propriedade poderião cometter os Proprietarios das Fronteiras. Esta medida até agora desconhecida, quanto a importação, não o era quanto a exportação; e já a Ord. do Liv. 5.° Til. 125, fallando da exportação dos gados, ordenou um igual manifesto ao que o Projecto propõe, lista medida, que á primeira vista parece espantar, mormente em face da Carta, nada tem do extraordinario, nada de contrario á mesma, porque os Regimentos Policiaes são por ella garantidos; e semelhante medula não he outra cousa.

De que tem servido os grandes ameaças contra os Contrabandistas dos Cereaes, ou de que servirão as maiores penas cominadas, e as melhores medidas, se os Proprietarios da Raia poderem n'um momento encher delles os seus Celeiros, e importar aquelles Cereaes Estrangeiros para o interior, como Nacionaes? O unico meio de evitar esta fraude he obriga-los a um manifesto dos seus excedentes, querendo mette-los em Commercio, o qual, se produz algum incómmodo, he ligado com uma mui grande vantagem de todo o Reino; o nesta colisão deve prevalecer o maior bem.

A nova creação dos homens bons, a faculdade, que se lhes dá de empregarem a força pública para a apprehensão dos Contrabandos, e a divisão, que se faz do seu producto por todos aquelles, e pelas Camaras, vai interessar tantas pessoas em tal apprehensão, que a Commissão se lisongêa que produzirá agora effeito ista providencia.

As delongas nos Processos são um grande mal; convem marcar-lhes prazos razoaveis, e compativeis com as formalidades prescriptas pelas Leis, a fim de se não protelarem em despreso das mesmas.

Muito podia dizer-se sobre este objecto; porem a vossa Commissão recêa abusar do vosso soffrimento, e confia muito da sabedoria, e patriotismo dos illustres Membros desta Camara.

Algumas alterações com tudo parecco á Commissão que deveria fazer em alguns Artigos do Projecto, e são estas as que se seguem. Os fundamentos dellas ser-vos-hão referidos, Senhores, na discussão.

Parece por tanto á Commissão que o Artigo 1.º deve lêr-se da forma seguinte: Todos os Proprietarios de generos Cereaes, e Azeite, produzidos nas Terras destes Reinos, situadas dentro de dez legoas contadas da Raia de Hespanha, são obrigados a manifestar perante a Camara do respectivo Conselho, n'um termo que será fixado por Editaes da mesma, depois das competentes colheitas, a quantidade, e qualidade dos dictos generos, que houverem de exportar. Este manifesto terá lugar no presente anno, logo que esta Lei fôr publícada.

Que no Artigo 6.°, em lugar das palavras: = Nenhum genero Cereal, ou Azeite = se lêa = nenhum genero Cercal excedente a cinco alqueires, bem como quantidade alguma de Azeite excedente a doze canadas, etc.

Que em lugar do Artigo 7.º se lêa o seguinte: = O Conductor dos Cereaes não poderá abrir mercado dos generos, que conduz, em qualquer dos lugares designados na Guia, sem que faça vizar esta pela Authoridade respectiva.

Que o Artigo 8.° deve enunciar-se da forma seguinte: = Os Juizes que passarem as Guias marcarão os dias necessarios para a conducção com respeito ás distancias, designando o número de legoas, que devem corresponder a cada dia; e nenhuma Guia será valida passado o tempo, porque foi concedida.

Que depois do Artigo 10.º deve collocar-se o novo Artigo seguinte = Nos Portos molhados deve o Conductor da Carga apresentar, alem do Despacho da respectiva Alfandega, uma Guia da quantidade, e qualidade dos generos conduzidos, passada pelo Escrivão da respectiva Camara, e assignada pelo Juiz, a qual deverá antes da descarga ser apresentada ao Juiz, onde esta se fizer, e por elle vizada, á excepção do Lisboa, e Porto, onde continuará a ter vigor a Legislação actual.

Que o Artigo 11.º se lêa da maneira seguinte: = Todas as pessoas que dentro de qualquer das Terras indicadas no 1.° Artigo pertenderem armazenar generos Cereaes, ou Azeite, comprados aos seus Proprietarios para o Commercio de especulação, deverão immediatamente fazer averbar as compras no Livro dos Manifestos, substituindo assim os Vendedores em toda a importancia das mesmas compras.

Que depois do Artigo 11.º se colloque o novo Artigo seguinte: = Serão tambem acompanhados de Guia, na qual se declare a sua quantidade, e qualidade, e destino, os Cereaes, que do interior do Rei. no passarem para as moendas situadas dentro das dez legoas da Raia, para se reduzirem a farinha.

Que o Artigo 12 ° se lêa assim: = As Guias serão passadas em papel não sellado, e não custarão mais de sessenta reis.

Que o Artigo 14.º deve dividir-se, formando dous:

1.° Alem das Authoridades, e mais Empregados, a quem as Leis tem comettido a fiscalisação dos Contrabandos, e Descaminhos, haverá em cada uma das Freguezias dos Conselhos, situados dentro das dez legoas da Raia de Hespanha, tres homens bons escolhidos pelas Camaras, e por ellas ajuramentados. Para este serviço poderão ser nomeados todos os individuos sujeitos aos Encargos dos Conselhos; e as Camaras forão em cada um anno publicar por Editaes os nomes dos eleitos. Proceder-se-ha com tudo á eleição dos mesmos, logo que esta Lei fôr publicada, a fim

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de ter principio a sua observancia immediatamente.

2.º Estes homens bons serão especialmentes encarregados de vigiar pela observancia das Leis, que regulão o Commercio dos Cereaes, e Azeite, assim Estrangeiros, como do Paiz, e de fazer a apprehensão em todos os dictos generos, que ás mesmas Freguezias chegarem por Contrabando, ou Descaminho, apenando para esse fim todos os homens, que necessarios lhes forem, ficando sujeito á pena de oito dias de prisão aquelle, que, sendo requerido, se não apromptar.

Que no Artigo 16.º a pena seja de oito a trinta dias de prisão.

Que ametade da multa, applicada no Artigo 17.º para o Thesouro, fique sendo para o Conselho, onde teve lugar a apprehensão.

Que sejão considerados com um accesso aquelles Magistrados, que se distinguirem neste importante serviço. (Artigo 21.°)

Que o fim do Artigo 22.° se lêa assim: = Dando parte do que acharem a este respeito ao Governo pelas Estações competentes.

Que a materia do Artigo Addicional he estranha á do Projecto.

Camara dos Deputados em 4 do Março de 1828. = Barão do Sobral, Hermano = Francisco de Lemos Bettencourt = Bento Pereira do Carmo = José Ignacio Pereira Derramado = Antonio José Claudino Pimentel = Rodrigo de Sousa Castellobranco = Joaquim Antonio de Magalhães.

Seguio-se a continuação da discussão do Projecto N.º 156 (Vide pag. 335), sobre o Artigo 8.º, que ficou suspensa na Sessão antecedente.

O Senhor Aguiar: - Depois que ouvi fallar o Senhor Cordeiro a respeito da materia deste Artigo, deveria eu desistir da palavra; porem como ainda houve quem o impugnasse, direi alguma cousa corroborando as solidas razões, com que elle sustentou a doutrina proposta pelo Illustre Auttor do Projecto. - O Senhor Cordeiro, depois de ter mostrado com argumentos intrinsecos a utilidade, que se segue, do ser a Sentença publicada em acto continuo, ou dentro de tres dias, o mais tardar, rccorrêo á analogia libada do que se vencêo a respeito dos Jurados na Lei da Liberdade de Imprensa, porque nella sanccionou a Camara a necessidade de ser a Sentença proferida, e publicada em acto contínuo, para evitar que as suggestões, e a influencia estranha possa influir na decisão, e dirigir o Julgado; e temêrão-se tanto estas suggestões, receou-se tanto esta influencia, que foi prohibido nos Jurados sahir do lugar da reunião antes de julgarem, ainda para se refazerem de alimento preciso; e quando para algum acto indispensavel forem obrigados a sahir, ordenou-se que sejão acompanhados de Officiaes de Justiça. Ora: se ha tantas cautelas contra a corrupção, e parcialidade dos Jurados, como não haverá contra os Juizes a de não os deixar por muito tempo machinar contra a justiça, e não lhes dar occasião a que cedão suggestões alheias? Ouvi dizer que havia muita differença entre os Jurados, e Juizes: he verdade; mas não para o effeito, de que tractâmos; e se alguina ha, he aquella, que nasce do conceito de incorruptibilidade, e de justiça, que o mesmo Senhor Deputado Sarmento tantas vezes tem manifestado a respeito do Juizo dos Jurados:
não houve expressões, com que não pertendesse elevar esta instituição; e todavia julgou perigoso deixar mediar tempo entre a Sentença, e os actos antecedentes do Processo, para evitar as suggestões: mas não tem o Senhor Deputado este receio a respeito dos Juizes, que não lhe tem merecido igual conceito. Diz elle que os Juizes pronuncião sobre o direito; e tem de julgar segundo o allegado, e provado os Jurados, segundo a sua consciencia; e por tanto estes não estão ligados as provas dos Autos, nem o juizo destes requer um exame como o dos Juizes. Isto não he exacto. Ainda que os Jurados tenhão de julgar segundo a sua consciencia, he com tudo indubitavel que esta tem de decidir-se segundo os factos, que existirem; e trahirá a sua consciencia aquelle, que, não tendo outros argumentod a respeito do crime, e da pessoa, que o comettêo, alem daquelles, que os Autos apresentão, sem um maduro exame delles, der o seu voto: envolve difficuldade julgar se um Escripto contém, ou não abuso, quando elle he indirecto; e uma reflexão circumspecta sobre a defeza do Reo muitas vezes ha de mostrar que não ha facto criminoso, outras vezes que o Reo não he o Auctor do Escripto. Apezar disto: os Jurados, que podem ser homens todos de nenhumas luzes, destituidos mesmo de uma razão clara (porque pouco fallou para chamar ao Conselho dos Jurados todos os Cidadãos indistinctamente) hão de dar a sua Sentença em acto contínuo; e o mesmo Senhor Deputado, que tanto pugnou por isto, he o que agora quer que isto não tenha lugar a respeito dos Juizes, e nem ainda que a sua Sentença seja publicada dentro em tres dias, sendo estes Letrados, (ou tendo Accessor Letrado) e devendo saber o Direito, o qual, ainda que no principio do Processo lhe fosse desconhecido, tiverão muito tempo de o examinar por todo o decurso delle.

Em quanto á segunda parte do Artigo, eu tambem concordo com o Illustre Auctor do Projecto. Os argumentos produzidos contra ella tem sido refutados, e eu não repetirei a sua refutação: ha com tudo um, com que muito fé tem instado, e a que não posso deixar de responder; he derivado da difficuldade de saber, e ter presentes todas as Leis. Este argumento he ridiculo, porque ou o Juiz tem conhecimento da Lei, e conhecimento proprio, ou não: no primeiro caso não pode ter dúvida em copiar o texto; no segundo ha de absolver o Reo por falta de Lei, porque onde não ha Lei prohibitiva não ha crime, e não ha Lei paia aquelle, que tem de julgar, quando elle a não sabe, ou mesmo está em dúvida a respeito della, então não tem de copiar o texto. Mas alem disto devemos idvertir que a Jurisprudencia Criminal Portugueza não he tão complicada como se diz.

O Senhor Borges Carneiro: - Eu ainda insisto na minha opinião de que a Sentença deve proferir-se com Certidão, para dar lugar a que se desvaneção as primeiras impressões, que muitas vezes são enganosas: penso-se apaixonadamente; toma-se por opinião, e justiça o que não he senão prejuizo: a paixão faz com que se tome como justiça o que não he senão imaginação. Só o tempo he que pode serenar a imaginação. Alem disto: o presente Projecto he não só para Juizes Letrados, mas tambem para os Ordinarios, que sentenceião por Assessor, o qual talvez residirá mui distante, não estará em casa, estará doen-

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se, ou com outro impedimento, posto que passageiro. Como pois se quer fazer depender a Sentença de um prazo certo, e ião apertado? Nas Relações ainda he maior o inconveniente, pois em muitas semanas ha uma só: e quanto aos crimes de Fazenda, que são julgados por tenções, quem sabe os dias, que se gastarão com ellas, ou a quantos Juizes terá de ir o Feito? Por consequencia não he possivel estabelecer-se um praso determinado e o mais, que se deve fazer, he recommendar ao Juiz a maior brevidade, que fôr possivel. - Quanto á segunda parte do Artigo insisto em que ha textos de Leis, que não podem copiar-se, pela sua extensão, como são as Leis dos seculos passados: e que he transcrever uma Lei para não a observar? Tal doutrina se deve supprimir do Artigo.

Julgando-se a materia discutida, foi posto o Artigo á votarão: a primeira parte delle foi approvada na forma emendada pela Commissão, e adoptada pelo Andor do Projecto; e em quanto á segunda parte vencêo-se que o Juiz será obrigado a citar a Lei, a que se referir em sua Sentença.

Entrou em discussão o Artigo 9.º

Art. 9.° «Que quando em qualquer Instancia o Processo fôr annulado por falta de alguma formalidade legal, o Juiz, a quem essa falla fôr imputavel, pode ser demandado pelas perdas, damnos, e injuria, que tiver causado.

Quando o Reo for absolvido, sempre pela mesma Sentença será o Accusador particular condem nado a satisfazer-lhe perdas, damnos, e injuria.

O Promotor da Justiça, ou o Accusador particular, que forem convencidos de calumniadores, incorrerão na pena de Talião ate á pena de morte exclusivamente, servindo-lhes o Processo, e Sentença do Calumniado de culpa formada para serem por ella presos, e processados. Quando a pena fôr de morte, hera substituida por degredo perpetuo para Africa.»

O Senhor Borges Carneiro: - O meu parecer he que este Artigo em todos os seus tres §§ seja supprimido; porque a sua materia he fugitiva desta Lei, que só tende a emendar os defeitos mais salientes da forma do Processo crime, e não a estatuir disposições penaes. Alem disto, esta materia necessita uma discussão longa, e combinada, o que não he para aqui.

Limitando-me a fallar do § 1, que só está em discussão, quando não houvesse a dicta razão para se eliminar desta Lei, elle devia rectificar-se. Melhor parece ser a Legislação actual, em quanto nesta materia da responsabilidade do Juiz, que posterga as Leis patrias, faz a differença de haver o dolo, e a malicia ou não, e de ser o Juiz Leigo, ou Letrado; diferença que aqui senão faz. Pelo que opino que seja supprimido o Artigo, pois a impunidade, que observamos, não procede de falla de Legislação, mas sim da falta de Ministros d'Estado, e de Juizes.

O Senhor Guerreiro: - Propoz-se a suppressão deste Artigo, e uma das razões, que se derão para isto, foi que esta materia necessita de uma grande discussão: acho que isto não pode ter lugar, pois que aliàs não fariamos cousa alguma. Se se julga que esta materia he de nulidade, deve-se tractar della; de maneira nenhuma a devemos abandonar por se poder gastar algum tempo na sua discussão. Tambem se disse que era uma materia fugitiva, esta foi a segunda razão. Certamente o não he. Esta materia tende a firmar a responsabilidade daquelles, que nós vemos ficar impunes, sendo aliàs bastante criminosos. Será isto toleravel? He isto compativel com a liberdade? Achar-se-ha isto consignado na Carta Constitucional? Em quantas occasiões tem o Senhor Deputado requerido esta responsabilidade, e como he agora que diz que se não deve tractar disto, por quanto traz comsigo uma grande discussão, e que esta materia he fugitiva? Disse tambem o Senhor Deputado que havia bastante Legislação relativamente a este respeito; porque até existe um Artigo, aonde se acha consignada a responsabilidade dos Juizes. Se o lugar o permittisse, eu pediria ao Senhor Deputado que quizesse explicar as suas idéas sobre a responsabilidade dos Magistrados, relativa a esta ordem de Juizo. Estou certo que, se o Senhor Deputado quizesse desenvolver-se a este, respeito, se havia de achar bastante embaraçado. Neste Artigo propõe-se a responsabilidade dos Juizes, a do Accusador, e a responsabilidade do Promotor da Justiça, ou o Accusador particular, quando estes forem convencidos de calumniadores. Em quanto a responsabilidade do Juiz (lêo). Os motivos que me obrigárão a formar este Projecto, e a concebe-lo da maneira, em que se acha redigido, já tive a honra de o expôr á Camara. O Juiz nunca foi obrigado a proceder daquelle modo. A justiça certamente não concorda em que qualquer pessoa, seja ou não Juiz, seja condemnado sem ser ouvido. Um Juiz criminal pode ter um Reo preso por muitos mezes, formando-lhe o Processo, e a final este Processo estar nullo. Será justo, será de razão, estará conforme com a justiça que depois de soffrer tantos incommodos não seja responsavel o Juiz? Acho que este Artigo, remediando este mal, garante a liberdade individual, e conseguintemente sustenta os principias constitucionaes.

O Senhor L. T. Cabral: - Eu convenho em que a maior parte dos Artigos do Projecto são de minta importancia, e por isto eu convenho que elles formem um Projecto. Em quanto á primeira parte do Artigo, não posso deixar de reconhecer a justiça, em que elle he fundado; porque o Juiz, seja por malicia, seja por dolo, deve reparar todo o damno, que causou. A este respeito na nossa Legislação temos providencias, ainda que de uma maneira pouco determinada; com tudo não se faz excepção entre os Juizes Letrados, e os Juizes Territoriaes, ou Juizes Proprietarios Desembargadores. Mas ha um Artigo, que exime da responsabilidade os Desembargadores, feito por elles mesmo. A mim não me lembra a data, mas he certa a existencia. Peço que se faça alguma declaração a respeito dos Juizes Leigos, por quanto, por isso mesmo que não conhecem de direito, não devem ser responsaveis: he um mal, mas he um mal, que não tem remedio. Para os Juizes Letrados convenho que de maneira nenhuma deixem de ser responsaveis, e por isso eu convenho na primeira parte do Artigo, mas requeiro que se faça aquella declaração.

O Senhor Borges Carneiro: - Tendo sido convidado para citar a Legislação, que ha sobre a presente materia, citarei a Ord liv. 1 t. 5 § 4, que dispõe que todo o Juiz, que julgar contra alguma Lei pátrio, sendo-lhe allegada, seja suspenso, pague todo o damno ás Partes, não possa mais ser Juiz entre ellas, e o julgado seja nullo. Ora: esta Ord. he ter-

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minantemente applicavel ao presente saco, porque o Processo não pode ser annullado por falta de solemnidades legaes, sem que o Juiz tenha postergado as Leis patrias, que estabelecêrão essas solemmidades. Citarei mais a Ordenação do liv. 1 tit. 65, que dispõe que os Juizes serão condemnados nas outras sendo achados em dolo, e mesmo, se forem Letrados, pela simples ignorancia. A felicissima Carta tambem franqueia ás Partes o meio de se queixarem ao Poder Moderador, meio que pela actual Legislação estava tambem patente. Fallou-se contra o Assento, que prohibio demandar os Desembargadores pelas suas sentenças com o fundamento de serem injustas. Eu não pertendo aqui inculpar, nem defender os Desembargadores; somente direi que, permittida a licença de serem demandados pelas Partes, sempre que estas tiverem as suas sentenças por injustas, não terão assaz tempo, nem dinheiro para defender demandas, e um mesmo Desembargador será accionado por duzentas pessoas simultaneamente. Digo pois que a actual Legislação tracto esta materia, a qual aliàs exige grande discussão, e não he esta a occasião de a fazer. Isto he o que já disse, e o repito. O que pertenciamos nesta Lei he conseguir um Processo regular no crime, e não fazer Leis penaes, para as quaes he outro o lugar.

O Senhor Moraes Sarmento: - O Assento, que disse o Senhor Deputado que tinha sido feito antes da Lei de 18 de Agosto de 1759, e que por isso se não devia acoplar, digo que entretanto faz parte de uma Collecção de Leis, que actualmente formão grande parte da nossa Legislação, e conseguintemente passou aquella doutrina a ter a força de Lei, pois somente depois da Lei de 18 de Agosto de 1759 he que se estabeleceo as regras actualmente existentes sobre a maneira de se fazerem es interpretações authenticas. Este Assento, assim como muitos outros antigos, mostrão a grande authoridade das Relações, e o procedimento dellas era authorisado pelos Soberanos. Eu não me lembro com exactidão da data do Assento, posto que me lembra de dons, ou tres nomes dos Juizes, delles se pode inferir que os Juizes não procedêrão certamente daquella maneira unicamente para se eximirem da responsabilidade. Pode ser que muitas vezes se não possa liquidar qual foi o damno, que o juiz causou: por consequencia parece que a Commissão nesta parte do Processo caminhou mais moderadamente que o Illustre Relator, isto he, tocou este ponto com mais moderação. A adoptar-se algum dos Artigos julgo deve ser o da Commissão, por quanto esta tracta de exigir a responsabilidade unicamente aos que comettem crimes, e não aos que comettêrão enganos. De mais, ha muitas equivocações, que se corrigem a tempo. Eu não posso allegar os meus conhecimentos juridicos para fundamentar uma opinião segura em direito; porém alguma experiencia do serviço em Relação me tem feito vêr enganarem-se os Letrados os mais veteranos. Na Relação do Porto vi que homens de conhecimentos taes, a que eu nunca chegarei na minha vida se enganavão ás vezes a ponto de se feixarem Tenções, e se procurar por Acordão supprir algumas faltas, e muitas vezes ser necessario dar por nullas, e sem effeito muitas paginas dos autos; por consequencia, olhando para a fragilidade humana, o principio consignado de que a Lei deva ser opplicava da mesma maneira, tanto áquelle, que cometteo o crime por sua livre vontade, como áquelle, que cometteo engano, ou seguio uma opinião errada, he um principio de uma desigualdade reconhecida. Os Desembargadores poderão ter incitado semelhante extravagancia, porem não ha consideração alguma para alterar os principios seguros da justiça, a qual deve ser a mesma para todos, sejão Desembargadores, ou não.

O Senhor Aguiar: - O Processo summario até agora praticado não constava de todos os actos necessarios para a defeza dos Reos, a qual, sendo de Direito Natural, nenhuma Lei civil pode negar-lhes sem mansfesto absurdo; o Processo ordinario tinha mais actos do que convinha, e fazia por isso demorar o castigo dos delinquentes mais do que era preciso, com prejuizo da segurança pública, e individual, que exige a maior promptidão no castigo; e se os Reos erão innocentes os sujeitava aos incommodos de uma demanda de annos, e deixava inaculada por muito tempo a sua reputação, pela suspeita, que contra elle induzio uma pronuncia, e que só se devanece legalmente pela sentença. Pela nova ordem de Processo eliminar estabelecida neste Projecto tira-se a differença entre summario, e ordinario, e para todos os crimes se estabelece um, em que concilie a brevidade com o direito dos Cidadãos, ou da Sociedade offendida, e com a defeza, que a mesma natureza reclama para os accusados. Daqui já se vê que o fim do Projecto he garantir a Sociedade, ou o Cidadão contra o crime, e o innocente contra uma accusação injusta, estabelecendo uma forma de Processo, que contenha precisamente os actos necessarios para o Autor mostrar em juizo seu direito, e o Reo sua defeza. Porem de que serviria fazer a Lei se os Magistrados podessem impunemente viola-la? A Lei, que prescreve os actos necessarios no Processo, impõe por isso aos Juizes a obrigação do não admittirem nem mais nem menos, e esta seria illusoria senão se estabelecesse uma pena para ocaso de contravenção: he por tanto indispensavel que ella se estabeleça, qualquer que seja, e o Augusto Auctor da Carta de certo não exceptuou este dos casos, em que tem lugar a responsabilidade. Com tudo houve quem dissesse que este objecto era alheio do Projecto!!! Ouvi tambem com admiração a alguns Senhores Deputados que não era necessario decretar aqui a responsabilidade, porque já por differentes Leis se acha decretada, e a outros que se não deve decretar, porque o direito he muito complicado, e não he justo exigir a responsabilidade por abuso comettido em consequencia da ignorancia delle: que notavel contradicção!!! Estas opiniões encontradas não só involvem razões oppostas para se supprimir o Artigo, que estamos discutindo, mas são ambas falsas. Se eu não me engano a Ordenação do Reino, que o Senhor Borges Carneiro citou, em primeiro lugar falla do caso, era que o direito, contra o qual o Juiz julgou, tinha sido allegado pela Parte, e as outras não são sufficientes para dellas se deduzir uma regra de responsabilidade nos termos da Carta Constitucional: o Senhor Borges Carneiro reconhece que ha um Assento da Casa da Supplicaçâo, e em consequencia de he os Ministros das Relações não podem ser demandados pelas sentenças, que derão. Este Assento entende o Senhor Borges Carneiro que he fundado em boa razão, e tão boa que elle mesmo

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deixaria de ser Desembargador, se se deixasse ás Partes uma porta franca para o demandarem pelas sentenças, em que tivesse parte; mas o Auctor da Carta não julgou esta razão attendivel, e por isso estabeleceo uma responsabilidade geral para todos os Empregados Publicos, nem receou que elles por isso fossem distrahidos das suas obrigações. Não sei como o Senhor Borges Carneiro quer que uma classe de Empregados Publicos a respeito de responsabilidade seja privilegiada, e que se negue áquelles Cidadãos, que julgarem ter direito a exigi-la, acção para demandar os Juizes: todo o Cidadão pode proseguir em juizo o direito, que entende competir-lhe, e nas Leis ha sufficientes vinculos, para que o não faça temerariamente, e se elles não bastão estabeleção-se outros, eu votarei tambem por elles; porque tambem quero garantir os Juizes contra os resentimentos, os odios, e as vinganças daquelles, cujas causas elles julgárão. Porem he necessario ainda advertir que a disposição do Artigo, que estamos discutindo só tem lugar quando no Juizo da Appellação se julgou que os Juizes faltárão a alguma das formalidades essenciaes ao Processo, e neste caso está tirado todo o receio do Senhor Borges Carneiro.

Disse o Senhor Deputado Tavares Cabral que o Assento era illegal; porque por elle antes se derogava do que se interpretava a Lei; porem no foro sem se disputar se he ou não justo, e legal, e se tira ou não aos Desembargadores toda a responsabilidade, vai-se observando como se ella inteiramente tivesse cessado: donde nasce a necessidade de estabelecer na Lei em discussão o direito de demandar quaesquer Juizes, ainda Desembargadores, pelas sentenças, que derão, e Processo, que regulárão, sendo este julgado depois, na Instancia Superior, nullo por falta de alguma solemnidade essencial. Tenho respondido áquelles Senhores Deputados, que impugnão a doutrina do Artigo como desnecessaria; agora em poucas palavras responderei áquelles, que julgão não poder ter lugar a responsabilidade, de que ahi se falla. A responsabilidade he decretada na Carta, e contra ella só se allega que o Direito he muito complicado, e que os Juizes podem bem ignora-lo, sem que a ignorancia lhe seja imputavel; mas isto he inadmissivel; já fallei sobre esta materia em um dos ultimos Artigos da Lei da Liberdade de Imprensa, e parece-me ter mostrado então com evidencia que a ignorancia de Direito não pode escusar os Juizes. Com effeito a Lei deve ser igual para todos, e se qualquer Cidadão não pode apoiar-se naquella para evitar uma perca, ou deixar de satisfazer o damno, que causou, como hão de aproveitar-se os Juizes, cujo Officio exige o conhecimento do Direito? Mas de que serviria a responsabilidade decretada na Carta, se o Juiz podesse escusar-se, dizendo: «Não se mostrará que eu obrei por dolo: eu faltei á Lei por ignorancia.» A mesma escusa poderião ter os Ministros d'Estado, e então elles poderião violar impunemente as Leis. Pelas razões, que tenho expendido, voto pela doutrina do Artigo.

O Senhor L. T. Cabral: - Eu conheço a importancia, e a necessidade da materia, e por consequencia desejava que fosse objecto de uma Lei mais extensa. Carece que não resulta mal nenhum em que se conserve a primeira parte tal como está; porque ella pouca differença faz (lêo).

O Senhor Presidente: - Está chegada a hora de se fechar a Sessão, e ainda ha dous Senhores, que tem pedido a palavra, por consequencia ficará esta materia adiada para a Sessão seguinte.

O Senhor Deputado Secretario Paiva Pereira participou a eleição, que a Commissão de Petições fizera do Senhor Deputado Barroso para Presidente della, e do Senhor Deputado Cordeiro para Secretario Relator da mesma: ficou a Camara inteirada.

O mesmo Senhor Deputado Secretario dêo conta 1.º do seguinte

OFFICIO.

Excellentissimo e Reverendissimo Senhor. - Havendo Sua Alteza o Serenissimo Senhor Infante Regente sido servido exonerar do exercicio interino de Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros a Candido José Xavier, Houve o mesmo Senhor por bem, em Nome d'ElRei, encarregar-me interinamente da mesma Repartição, o que tenho a honra de participar a V. Exca., para que se sirva leva-lo ao conhecimento da Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza. Deos guarde a V. Exca. Secretaria d'Estado dos Negocios Estrangeiros em 29 de Fevereiro de 1828. - Excellenlissimo e Reverendissimo Senhor Bispo Titular de Coimbra. - Conde de Villa Real.

Ficou a Camara inteirada.

2.º Da participação, que fez o Senhor Deputado Gama Lobo de que por motivo de molestia não pode assistir á Sessão de hoje: ficou a Camara inteirada.

Dêo o Senhor Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão: 1.º a palavra ao Relator da Commissão Militar: 2.º segundas leituras: 3.° continuação do Projecto N.º 156: 4.º (havendo tempo) a discussão em geral dos Projectos N.º 177, e 175; e, sendo duas horas da tarde, annunciou que estava fechada a Sessão.

SESSÃO DE 5 DE MARÇO.

Ás nove horas e tres quartos da manhã, feita a chamada, achárão-se presentes 93 Senhores Deputados, faltando, além dos que ainda se não apresentárão, 20, a saber: os Senhores Carvalho e Sousa - Gama Lobo - Xavier da Silva - Sanctos - Costa Rebello - Ferreira de Moura - Sousa Cardoso - Magalhães - Mendonça Falcão - Xavier da Fonseca - Barão de Quintella - Barão do Sobral - Costa Sampaio - João Joaquim Pinto - Ribeiro Saraiva - Mozinho da Silveira - Pimenta de Aguiar - Nunes Cardoso - e Pires Loureiro - com causa; e sem ella o Senhor Alves Diniz annunciou o Senhor Presidente que estava aberta a Sessão; e, lida a Acta da Sessão antecedente, foi approvado a redacção della.

O Senhor Deputado Pessanha enviou para a Mesa, a fim de ser lançada na Acta, a seguinte declaração de voto - Declaro que na Sessão de hontem fui de voto que se pedissem ao Governo os esclarecimentos exigidos pelo Senhor Deputado Sousa Castello Branco, relativamente ao Reguengo de Tavira: - a qual vinha tambem assignada pelos Senhores De-

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