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SESSÃO DE 12 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentarão de representações e notas de interpellação. — Ordem do dia, 1.ª parte, approvação de um parecer da commissão de guerra, ácerca do projecto de lei n.º 6 — Discussão e approvação do projecto de lei n.º 15, ácerca de um contrato para a collocação de uma linha telegraphica entre Portugal e Gibraltar — 2.ª parte, continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha.

Chamada — 42 srs. deputados.

Presentes á primeira chamada, ao meio dia e tres quartos — os srs.: Adriano Machado, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Sousa de Menezes, Ferreira de Andrade, Barros Gomes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Bandeira Coelho, José Luciano, Affonseca, Marques Pires, Mariano de Carvalho.

Presentes á segunda chamada, á uma hora e um quarto da tarde — os srs.: Alberto Carlos, Villaça, Freire Falcão, Pequito, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Augusto de Faria, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Candido de Moraes, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Mexia Salema, José Tiberio, Julio Rainha, Lopo de Mello, Camara Leme, Luiz de Campos, Paes Villas Boas, Lisboa, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Visconde de Montariol, Visconde de Valmór.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho de Ornellas, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Arrobas, Santos Viegas, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Jayme Moniz, Santos e Silva, Zuzarte, Mártens Ferrão, Lobo d'Avila, Gusmão, J. A. Maia, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, Teixeira de Queiroz, Julio do Carvalhal, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Osorio de Vasconcellos, A. J. Teixeira, Pedroso dos Santos, Antonio de Vasconcellos, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Silveira da Mota, Palma, Mendonça Cortez, Augusto da Silva, Nogueira Soares, Rodrigues de Freitas, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Luiz Pimentel, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da marinha, dando alguns esclarecimentos ácerca de um requerimento feito pelo sr. deputado Telles de Vasconcellos.

Para a secretaria.

2.° Do sr. deputado Pimentel, participando não poder comparecer por incommodo de saude.

Inteirada.

Representações

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal

1.ª Da camara municipal de Cintra.

2.ª Da camara municipal de Faro.

Contra o projecto de lei apresentado pelo sr. Caldas Aulete

Dos alumnos das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto.

A favor do mesmo projecto

De varios alumnos de differentes faculdades da universidade de Coimbra.

Pedindo que se lhes abone o ordenado que percebiam antes do decreto de 3 de dezembro de 1868

Do presidente, vice-presidente, fiscal e thesoureiro do extincto conselho de saude publica do reino.

Foram remettidos ás commissões respectivas.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia a esta camara copia de qualquer auto de noticia, denuncia ou quaesquer documentos relativos aos suppostos partos de Maria do Rosario, residente na freguezia e concelho de Belem, anterior a 10 de março de 1871, data em que o administrador d'aquelle concelho officiou ao ministerio publico, affirmando-lhe os suppostos partos e infanticidios.

Requeiro mais que, quando não haja auto de noticia, denuncia ou outros documentos anteriores á participação d'aquelle magistrado, o escrivão da administração do concelho de Belem assim o certifique.

Sala das sessões, em 10 de maio de 1871. = Pedro Augusto Franco.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida a esta camara uma relação dos concorrentes ao logar de recebedor do concelho de Villa Real, e bem assim a classificação de cada um.

Sala das sessões, em 10 de maio de 1871. = Conde de Villa Real.

3.° Requeiro que sejam enviadas a esta camara as informações que pedi, pelo ministerio da fazenda, em sessão de 18 de abril de 1871; requerimento por que instei em sessão de 28 de abril de 1871.

Sala das sessões, em 10 de maio de 1871. = Francisco Antonio da Veiga Beirão. Foram remettidos ao governo.

Declaração

Declaro que não pude comparecer á sessão de hontem por motivo justificado.

Sala das sessões, em 12 de maio de 1871. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Constituiu-se na villa da Figueira da Foz uma associação para edificar um theatro, que proporcione agradavel distracção aos habitantes d'aquella importante localidade, e aos numerosos visitantes que na estação calmosa procuram aquellas praias para tomar banhos do mar ou gosar da amenidade do clima.

Não ha, porém, no centro da povoação, terreno conveniente, em que se possa edificar um theatro, a não ser em parte do que tem sido conquistado ao Mondego com as obras do novo caes.

A continuação d'aquellas obras ha de dar logar á conquista de muito maior superficie da margem do rio. Um theatro construido em tal sitio, alem de concorrer para o aformoseamento da villa da Figueira da Foz, deverá servir de incentivo para novas edificações, com as quaes ganhará a localidade em sua importancia, e o thesouro publico com o augmento de materia collectavel, alem do maior valor nos

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terrenos acrescidos, que servirão para um novo bairro. Com a existencia de um theatro lucram as industrias e a instrucção popular. É, pois, em auxilio d’aquelle pensamento civilisador que tenho a honra de apresentar-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder á empreza constructora do theatro Figueirense, na villa da Figuira da Foz, uma area medindo 860 metros quadrados, nos terrenos conquistados ao rio Mondego pelas obras do novo caes junto à Praça Nova, em frente do quintal de Bernardino A. da Silva Ferraz.

Art. 2.° Fica revogada toda, a legislação em contrario.

Sala das sessões, 10 de maio de 1871 = João Henrique Ulrich.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Requerimentos

1.º Requeiro que seja publicada no Diario das sessões d'esta camara a representação dos estudantes da universidade de Coimbra, que adherem ao projecto de lei do sr. deputado Caldas Aulete, para que se reconhecida em Portugal a validade dos diplomas das academias hespanholas.

Sala das sessões, 10 de maio de 1871. = Alves Matheus.

Foi approvado.

2.º Requeiro que a representação dos alumnos da escola medico-cirurgica de Lisboa e Porto seja publicada, no Diario da camara.

Sala das sessões, 10 de maio 1871. = Adriano Cardoso Machado.

Foi approvado.

O sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa um requerimento do sr. Roberto Deus do Prado guarda principal de engenheria, pedindo a esta camara que considere a sua posição.

O sr. Augusto de Faria: — Mando para mesa um requerimento do tenente de estado maior, do exercito, Francisco Antonio, Durand, queixando-se de não ser attendida a sua pretensão, pedindo ser indemnisado das preferições que tem soffrido, e ser reformado na conformidade da tarifa de 1814.

O sr. Pedro Franco: — Mando para a mesa um requerimento do facultativo veterinario de 1.ª clase Francisco Maria de Carvalho, em que pede à camara considere a sua posição scientifica, igualando-a as mais classes scientificas militares.

Peço à illustre commissão de petições tome em muita consideração este requerimento, pois é de justiça o que o supplicante pede, visto os facultativos veterinarios terem hoje um curso scientifico, technico e graduado, como muitas outras classes scientificas possuem.

O sr. Francisco Costa: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal da Arruda, contra o decreto de 30 de outubro de 1868, que organisou a engenharia districtal. Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de a mandar á commissão á qual se têem remettido outras representações analogas.

Aproveito a occasião, de estar com a palavra para pedir ao illustre relator da commissão de fazenda informações ácerca do projecto sobre a multiplicação dos prasos para a cobrança dos impostos. Peço a s. ex.ª que tenha a bondade de me dizer se posso ter esperança de ver em breve apresentada n’esta casa a proposta de lei do governo, com as modificações que o illustre deputado o sr. Barros Gomes, prometteu fazer, em vista da proposta que ha poucos dias mandei para a mesa e que foi rejeitada.

O illustre relator da commissão de fazenda acha-se n’esta casa, e folgaria muito que s. ex.ª nos desse alguma esperança, para que eu contar em breve seria apresentada aquella proposta de lei do governo.

O sr. Coelho do Amaral: - Na sessão de 18 de abril, quando se discutia o projecto de lei n.º 11, da illustre commissão de guerra, fazendo extensivas ao ex-primeiro sargento Antonio José Gonçalves das disposições da lei de 30 de janeiro de 1864, mandei para a mesa uma substituição, para que as disposições d'essa lei fossem tambem extensivas a todos os individuos que estivessem em circumstancias identicas ás d’aquelle a quem se referia o parecer da illustre commissão de guerra.

Pela bôca do seu secretario, o sr. Candido de Moraes, a commissão de guerra aceitou essa substituição, á qual se fez um additamento apresentado pelo meu illustre amigo o sr. Julio do Carvalhal, para que fosse ouvida a commissão de fazenda, e n'estes termos o negocio foi reenviado á illustre commissão de guerra, para ella, ouvida a de fazenda trazer com brevidade o seu parecer.

São decorridos vinte e tantos dias e ainda ha pouco tive occasião de chamar a attenção da illustre commissão de guerra sobre este negocio, porque me parecia que a sua solução se ía demorando.

Continuo, com sentimento, a ver que um negocio tão simples não é resolvido. Consta-me que o retardamento na resolução d’elle, assim como de outros muitos affectos á illustre commissão de guerra, procede de não se ter ella reunido porque o seu presidente, por motivos quaesquer, que eu respeito e em cuja apreciação não entro agora, a não tem convidado, de modo que os serviços que lhes estão incumbidos não têem andamento.

V. ex.ª e a camara comprehendem perfeitamente o transtorno que vem ao serviço publico e ao interesse dos particulares que possam ter negocios pendentes n'aquella commissão, se não lhes dá expediente algum.

Eu chamo a attenção de algum dos illustres membros da commissão de guerra, por quem eu tenho a fortuna de ser ouvido, para que combine com os seus illustres collegas da commissão nos meios de prover de remedio a este embaraço. Se porventura o illustre presidente da commissão de guerra continua na sua abstenção, é necessario, que a commissão não continue tambem abstendo-se de dar andamento aos negocios, que lhe estão commettidos.

Parece-me que a commissão, reunindo-se e, nomeando de entre os seus membros um vice-presidente que se encarregue da direcção e da distribuição dos trabalhos, desempenharia o serviço de que está incumbida, e do qual ella não póde nem pretende por certo exonerar-se por seu arbitrio proprio; e, estou intimamente convencido, e faço justiça os illustres membros que compõem a commissão, que nenhum d'elles quer compartilhar a responsabilidade d'este estado de cousas.

Entendendo que a illustre commissão procederá de modo que ella julgar mais conveniente para que os serviços a seu cargo tenham regular andamento, eu pedia com instancia pela terceira vez que o negocio de que principalmente me occupo, seja tomado pela commissão na consideração que lhe merecer.

A lei de 30 de, janeiro de 1864 concedeu a reforma no posto de alferes aos primeiros sargentos, sargentos ajudantes e quarteis mestres que, tendo seguido a causa da junta do Porto, tinham estes postos em 6 de outubro de 1846.

Ora eu não sei que a estes individuos assista melhor direito do que a outros que, achando-se em circumstancias analogas, tiveram baixa, de serviço pelos mesmos motivos, viram tambem cortada a sua carreira, e abandonados á sua sorte, negando-se-lhes até a reparação que pela lei de 30 de janeiro de 1864 foi dada aquelle reformando-os no posto de alferes.

Eu segui a causa da junta do Porto, e combati por ella, mas não entendo, não posso admittir que aos homens que seguiram essa causa se conceda um beneficio e uma reparação, e que sejam negados á outros, que foram igualmente victimas das nossas lutas politicas, e que não se tornem extensivas a estes a disposição da lei, as vantagens e os beneficios que se concederam áquelles. É uma enorme injustiça!

É necessario acabar com esta atroz desigualdade. São, quando muito, meia duzia os ex-sargentos a quem por in-

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felicidade se negou a reparação que se deu aos que seguiram a junta do Porto; e tanto se tem reconhecido que a justiça que assiste a uns não é inferior á dos outros, que todas as commissões de guerra d'esta casa, sempre que este negocio lhes tem sido affecto em diversas legislaturas, têem dado pareceres favoraveis e têem julgado em circumstancias identicas aos comprehendidos na lei de 30 de janeiro de 1864 todos os que, tendo os postos de sargentos ajudantes, sargentos quarteis mestres, e primeiros sargentos, tiveram baixa do serviço desde 1834 por motivos politicos, devendo ser lhes extensivas as disposições da mesma lei. Foi por isso que mandei para a mesa uma substituição ao projecto de lei n.º 11 n'esse sentido.

A commissão de guerra aceitou a substituição, e só falta agora saír da commissão, ouvida a de fazenda, o competente parecer; mas para isto é preciso que ella se organise de modo que dê andamento aos trabalhos a seu cargo; e peço especialmente ao meu amigo o sr. Pinheiro Borges, que renovou a iniciativa de um projecto de lei de junho de 1864, do qual a minha substituição é a reproducção fiel, que tome em consideração este assumpto como merece, e no qual s. ex.ª não está menos empenhado do que eu.

O sr. Visconde de Valmór: — Mando para a mesa duas representações — uma, da camara municipal de Lamego, que junta o seu voto ao de muitas outras camaras, contra o decreto de 30 de outubro de 1868 que creou a engenheria districtal, pedindo que seja revogado aquelle decreto. Não quero entrar agora em pormenores a respeito d'esta questão, mas sempre direi que a camara municipal de Lamego tem gasto proximamente 600$000 réis com a engenheria districtal, e até hoje ainda não conseguiu ter um palmo de estradas no seu concelho.

A outra representação é dos officiaes de diligencias da comarca e julgado de Lamego, pedindo que lhes sejam extensivas as disposições do decreto de 11 de setembro de 1861.

Peço á illustre commissão, que está encarregada de examinar este assumpto, que dê quanto antes o seu parecer sobre elle.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, ácerca da construcção do lazareto na cidade da Horta, e do projecto que se está elaborando para a construcção de um porto artificial na bahia d'aquella cidade, e porque desejo saber a opinião de s. ex.ª ácerca de estações telegraphicas que podem estabelecer-se nos Açores.

Está um contrato já assignado a este respeito, e parece-me que seria facil obter o estabelecimento de estações telegraphicas, ao menos nas ilhas de S. Miguel, Terceira, Faial e Flores. O augmento de despeza será insignificante, porque aquellas ilhas acham se approximadamente collocadas sobre um circulo maximo, que é exactamente aquelle por onde deve seguir o cabo transatlantico, uma vez que tenha de tocar em qualquer ilha dos Açores, o que será conveniente para se ligar o archipelago dos Açores com os continentes americano e europeu.

Já manifestei ao sr. ministro o desejo de fallar sobre este assumpto, mas como não se acha presente, desejo que s. ex.ª tenha um conhecimento mais directo do negocio.

Mando igualmente para a mesa um requerimento de Belarmino José Pedro da Silva; assim como varios requerimentos de alguns officiaes quarteis mestres, pedindo que lhes seja extensiva a proposta ácerca do augmento de vencimento, feita em relação aos individuos de graduações analogas ás d'elles.

O sr. Mariano de Carvalho: — A commissão de fazenda foi convocada pelo sr. Francisco Costa para dar explicações a respeito de um projecto que está affecto aquella commissão, ácerca da multiplicação dos prasos para o pagamento das contribuições e da publicidade dos mappas da contribuição.

Eu, como relator da commissão, devo dizer a s. ex.ª que o projecto da commissão será apresentado dentro em breve; talvez nos primeiros dias da proxima semana possa ser presente á camara.

Tem havido alguma demora na conclusão d'este trabalho, por causa da necessidade de esclarecimentos que habilitem a commissão á formular um trabalho que possa ser approvado pela camara, e não me parece que seja uma empreza facil para a camara o discutir a maneira como hão de ser multiplicados os prasos para o pagamento dos impostos nos differentes districtos do reino, assim como estabelecer os meios de publicidade das matrizes.

Aventou-se a idéa de a matriz de cada freguezia ser affixada na porta do templo; mas parece-me que, para algumas freguezias, seria preciso um papel que abrangesse a fachada toda do templo.

O sr. Presidente: — Advirto o sr. deputado de que este assumpto não esta agora em discussão.

O Orador: — Estou apenas dando explicações ácerca do que perguntou o sr. Francisco Costa.

Lembrou-se tambem que a matriz fosse lida pelo parocho á hora da missa conventual; mas isto é tambem impossivel, porque ninguem prestaria attenção a essa leitura, e alem d'isso o parocho, tendo de dizer a missa em jejum, arriscava-se, no fim da segunda leitura, a succumbír a uma tisica.

Por consequencia, como já disse, é necessario um grande numero de esclarecimentos, e logo que a commissão os obtenha apresentará os seus trabalhos á camara.

O sr. Bandeira Coelho: — Como o sr. Coelho do Amaral chamou a attenção de alguns dos membros da commissão de guerra para lhe dar explicações relativamente ao seu pedido, eu, que o estava ouvindo, pedi a palavra mais por um motivo de delicadeza do que por conhecer em mim a auctoridade maior do que a dos meus collegas para responder ao appello de s. ex.ª

A commissão de guerra, em vista das circumstancias dadas ultimamente, das declarações do seu presidente e do seu secretario de que não continuavam a fazer parte d'ella, embora a camara não lhes aceitasse a sua renuncia, entendeu, na sua maioria, que não havia de continuar n'este estado, porque prejudicava os negocios que lhe estão affectos, e nomeou já para seu vice-secretario ao sr. Pereira Bastos, communicação que já foi feita á mesa pelo sr. Osorio de Vasconcellos.

Entendeu tambem a commissão que não devia nomear vice-presidente, porque não sabia se o sr. presidente da commissão se resolveria ou não a ir ás reuniões d'ella, e quando não fosse, nomearia um membro qualquer para fazer as vezes d'elle, o que acontece em todas as sessões em que não está o presidente. A commissão, portanto, está apta para continuar com os trabalhos que lhe estão affectos.

O sr. vice_secretario creio que já recebeu alguns papeis da mão do sr. secretario que deixou de ir á commissão, e logo que receba todos, não haverá inconveniente em satisfazer o pedido do sr. Coelho do Amaral.

Assevero á camara que todos os negocios que estão sujeitos ao exame da commissão de guerra hão de ter uma solução desde o momento em que a commissão se resolva a trabalhar, como entendo, e, como membro d'ella, estou prompto a fazer.

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa duas representações — uma, da camara municipal de Estarreja pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal; e outra, dos empregados da 3.ª e 4.ª classe da direcção dos telegraphos e pharoes do reino, pedindo uma subvenção alimenticia emquanto se não fizer uma reforma geral d'este serviço.

O sr. Paes Villas Boas: — Mando para a mesa uma representação dos estudantes do instituto geral de agricultura contra o projecto do sr. Caldas Aulete, apresentado em sessão de 10 do mez passado; e igualmente um requerimento de um empregado do ministerio das obras publicas.

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Peço a v. ex.ª que dê á representação e ao requerimento o destino conveniente.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa sete requerimentos pedindo esclarecimentos.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Entrou em discussão o seguinte

Parecer

A commissão de guerra, considerando que o artigo 1.° do projecto de lei n.º 6, redigido conforme a proposta do sr. deputado Bandeira Coelho, approvada na sessão de 26 do mez passado, estabelece o modo por que devem ser actualmente promovidos os empregados civis com graduação militar das extinctas repartições do arsenal do exercito, aos quaes, pelo decreto de 26 de dezembro de 1868, entrando no quadro do ministerio da guerra, não podia continuar a ser applicado o decreto de 27 de dezembro de 1851, é de parecer que o artigo 2.º do referido projecto de lei seja redigido do seguinte modo:

Artigo 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 10 de maio de 1871. = Luiz Augusto Pimentel = Thomás Frederico Pereira Bastos = Luiz de Almeida Coelho de Campos = Alberto Osorio de Vasconcellos = José Bandeira Coelho de Mello = Domingos Pinheiro Borges, relator.

Foi logo approvado.

Entrou em discussão o projecto de lei n.º 15.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 15

Senhores. — Á vossa commissão de obras publicas foi presente a proposta de lei n.º 12-D, para a approvação do contrato addicional ao de 18 de março do anno passado, celebrado em 15 de abril ultimo entre o governo e Achilles d'Orey, representante da companhia denominada «Falmouth Gibraltar and Malta telegraph company limited» de Londres, para a collocação de uma linha telegraphica aerea entre a estação de Carcavellos e Villa Real de Santo Antonio, e de um cabo submarino d'esse ponto a Gibraltar.

Pelo citado contrato provisorio de 18 de março do anno passado, tornado definitivo depois de posto a concurso por decreto de 5 de abril do mesmo anno, obrigou-se a empreza concessionaria a estabelecer dois cabos submarinos, sendo um entre Inglaterra e Portugal, e outro entre Portugal e Gibraltar.

Continuando a subsistir todas as disposições do contrato primitivo, no entender da commissão, o estabelecimento da nova linha proposta vem reforçar as garantias da execução do mesmo contrato, e assegurando a continuação do serviço telegraphico entre Portugal e os outros paizes da Europa, diminue as probabilidades da sua interrupção, por isso que uma das communicações servirá á outra de sobresalente.

A receita que a taxa de transito deve produzir para o thesouro, e as vantagens que para o serviço telegraphico nacional resultam da immersão de um cabo através do Tejo, conduzem ainda a vossa commissão a propor á camara que a mencionada proposta seja approvada e convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É confirmado e approvado, na parte que depende da sancção legislativa, o contrato addicional ao de 18 de março de 1870, celebrado em 15 de abril de 1871, entre o governo e a companhia «Falmouth Gibraltar and Malta company», para a collocação e exploração de um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar, e de uma linha telegraphica aerea entre Villa Real de Santo Antonio e Carcavellos com um cabo submarino através do Tejo, fazendo o referido contrato addicional parte d'esta lei, e ficando em vigor todas as disposições do contrato primitivo de 18 de março de 1870.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 8 de maio de 1871. = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = Augusto de Faria = Pedro Roberto Dias da Silva = José Elias Garcia = = José Bandeira Coelho de Mello = João Candido de Moraes = Domingos Pinheiro Borges, relator.

Senhores. — A vossa commissão de legislação é de parecer, que póde ser approvado o contrato addicional ao de 18 de março de 1870, celebrado em 15 de abril passado entre o governo e a companhia «Falmouth Gibraltar and Malta company», para a collocação e exploração de um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar, e de uma linha telegraphica aerea entre Villa Real de Santo Antonio e a estação de Carcavellos, com um cabo submarino através do Tejo.

Sala das sessões, em 3 de maio de 1871. = Joaquim Nogueira Soares Vieira = José Luciano de Castro Pereira Côrte Real = Antonio Pequito Seixas de Andrade = José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz = Francisco Antonio da Veiga Beirão = Bernardino Pereira Pinheiro = Antonio de Vasconcellos Pereira Coutinho de Macedo, relator.

N.º 12-D

Senhores. — A communicação telegraphica pelo cabo submarino que a companhia a Falmouth Gibraltar and Malta company» immergiu entre Carcavellos e Gibraltar, e explora desde 11 de junho de 1870 em virtude do contrato por ella celebrado com o governo em 18 de março d'aquelle anno, foi interrompida em 28 de novembro, por haver-se quebrado o referido cabo, conseguindo-se restabelece-la apenas em 11 de fevereiro proximo passado.

As observações e experiencias feitas por essa occasião fazem receiar que talvez em pouco tempo se interrompa de novo a communicação telegraphica submarina entre Lisboa e Gibraltar.

Para prevenir esta interrupção, que não só affectaria os interesses da companhia, mas privaria o publico do importantissimo serviço telegraphico, que actualmente se faz por estas linhas, resolveu a companhia estabelecer entre Lisboa e Gibraltar uma segunda via, e solicitou para isso do governo a respectiva concessão.

A conveniencia de assegurar a continuação de um serviço tão importante, a receita avultada que produzirá para o thesouro a taxa de transito cobrada pela passagem dos telegrammas na parte aerea da nova linha que a companhia se propõe estabelecer, a contemplação que merece uma empreza que assegurou a Portugal uma rapida e segura communicação com a Europa, e finalmente a necessidade ha muito reconhecida da immersão de um outro cabo submarino através do Tejo, para facilitar a communicação por este meio com as provincias do sul do reino, são rasões que justificam de sobejo a concessão pedida pela companhia, e determinaram o governo a celebrar com ella o contrato addicional ao de 18 de março de 1870, que tenho a honra de sujeitar á vossa approvação na seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É approvado o contrato addicional ao de 18 de setembro de 1870, celebrado em 15 do corrente, entre o governo e a companhia «Falmouth Gibraltar and Malta company», que faz parte da presente proposta de lei, para a collocação e exploração de um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar, e de uma linha telegraphica aerea entre Villa Real de Santo Antonio e a estação de Carcavellos com um cabo submarino através do Tejo, ficando em vigor todas as disposições do mencionado contrato de 18 de março de 1870.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 21 de abril de 1871. = Visconde de Chancelleiros.

Contrato addicional ao de 18 de março de 1870, celebrado entre o governo portuguez e a companhia telegraphica submarina «Falmouth Gibraltar and Malta company», para a collocação de uma linha aerea entre a estação de Carcavellos e Villa Real de Santo Antonio, e de um cabo submarino d'esse ponto a Gibraltar

Aos 15 do mez de abril de 1871, n'este ministerio das obras publicas, commercio e industria, e gabinete do ill.mo

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e ex.mo sr. visconde de Chancelleiros, ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, compareci eu o bacharel Antonio Augusto de Mello Archer, secretario do ministerio das obras publicas, e ali estavam presentes, de uma parte o mesmo ex.mo ministro, como primeiro outorgante em nome do governo, e da outra parte Achilles d'Orey, como agente e procurador da companhia denominada «Falmouth Gibraltar and Malta telegraph company limited» de Londres, como mostrou ser por documento em devida fórma, que fica archivado em meu poder. Assistiu tambem a este acto o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da corôa e fazenda, devidamente auctorisado para isso.

Pelos outorgantes foi dito na minha presença e das testemunhas abaixo nomeadas e assignadas, que entre si tinham ajustado e concordado no seguinte contrato addicional ao de 10 de março de 1870, para a collocação e exploração de um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar, e em communicação com o referido cabo uma linha aerea entre Villa Real de Santo Antonio e a estação de Carcavellos, com um cabo submarino através do Tejo, e se obrigaram, em nome das pessoas a quem representavam, a cumprir todas as clausulas e condições seguintes:

Artigo 1.° É concedido á companhia telegraphica submarina «Falmouth Gibraltar and Malta company limited», de Londres, o direito de collocar e explorar um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar.

§ unico. Este cabo submarino poderá tocar em Cadiz, se a companhia obtiver para isso a devida licença do governo hespanhol.

Art. 2.° É igualmente concedido á mencionada companhia o direito de explorar, em communicação com o cabo a que se refere o artigo 1.°, uma linha aerea entre Villa Real de Santo Antonio e a estação de Carcavellos, com um cabo submarino através do Tejo.

§ unico. Para este fim a companhia estabelecerá em Villa Real de Santo Antonio uma estação com pessoal e apparelhos seus, para assegurar, do modo mais conveniente, a passagem dos despachos da linha aerea para o cabo submarino e vice-versa.

Art. 3.° A linha aerea seguirá de Carcavellos á estação do Bom Successo, d'esta atravessará o Tejo por um cabo submarino até á Torre Velha, d'ahi irá entrar no caminho de ferro do sul, ao longo do qual seguirá até Beja, d'ahi a Mertola, e de Mertola a Villa Real de Santo Antonio.

Art. 4.º A linha entrará nas estações do Bom Successo e Villa Real de Santo Antonio, na primeira das quaes será mantida sempre em communicação directa, salvo os casos previstos nos artigos 18.º e 19.º

Art. 5.º O cabo submarino do Tejo terá pelo menos seis conductores, dos quaes quatro serão para uso exclusivo das linhas do estado, e dois para uso exclusivo da linha da companhia.

Art. 6:° O cabo submarino do Tejo terá armadura pelo menos da força da dos cabos de costa, empregados na linha de Carcavellos a Falmouth.

Art. 7.° O fio empregado na linha aerea terá pelo menos 0m,004 de diametro.

Art. 8.° Os isoladores serão de dupla saia, modelo prussiano.

Art. 9.° Os fios da linha a que este contrato se refere occuparão a posição superior a todos os outros que forem fixados nos mesmos postes.

Art. 10.° Os cabos submarinos serão fornecidos, collocados, conservados e reparados á custa da companhia.

§ unico. O governo comtudo tomará as precisas providencias para que no local onde for immergido o cabo através o Tejo, os navios não deitem ancora em uma zona de resguardo de 1:000 metros de largura, e para que seja punida segundo as leis toda a tentativa malevola para damnificar o dito cabo.

Art. 11.° A companhia fornecerá, posto em Lisboa e pagos os respectivos direitos da alfandega, todo o fio necessario para o estabelecimento da parte aerea da linha.

Art. 12.° O fornecimento dos postes e dos isoladores, a sua collocação, e bem assim o transporte e collocação do fio serão feitos pelo governo.

Art. 13.º A conservação, reparação e substituição da parte aerea da linha será feita á custa do governo.

§ 1.° O governo não toma comtudo responsabilidade alguma para com a companhia pelas interrupções e avarias que se possam dar nas linhas, por accidente, malevolencia ou qualquer outra causa.

§ 2.° São porém applicaveis ás ditas linhas as leis e regulamentos que em Portugal vigoram, sobre a guarda e conservação das linhas telegraphicas do estado.

Art. 14.º Entre Carcavellos e Bom Successo, e entre a estação do Barreiro e a de Villa Real de Santo Antonio, poderá a linha ser fixada nos apoios existentes.

Art. 15.° O governo poderá em qualquer tempo fixar nos apoios da linha, á qual se refere este contrato, todos os fios que entender.

Art. 16.º A companhia, quando lhe convier, poderá exigir do governo lhe mande collocar um segundo fio nos mesmos apoios da linha, para seu serviço exclusivo, nas mesmas condições que ficam estipuladas com relação ao primeiro fio.

Art. 17.° Nas estações do Bom Successo e Villa Real de Santo Antonio, e nas outras proximas á linha não será interrompida a communicação directa ou cortado o fio, salvo para determinar alguma avaria e só pelo tempo estrictamente necessario para a sua localisação e reparação.

Art. 18.° Em caso de guerra poderá o governo mandar cortar a communicação directa nas estações do Bom Successo ou Villa Real de Santo Antonio, se assim o julgar necessario, prevenindo com antecedencia, sempre que for possivel, o agente da companhia em Lisboa.

Art. 19.° Se se provar que a companhia faltou ás condições estipuladas nos artigos 20.° e 21.° d'este contrato, poderá igualmente o governo mandar interromper a communicação directa nas ditas estações do Bom Successo ou Villa Real de Santo Antonio.

Art. 20.° A taxa total de um despacho entre Lisboa e Gibraltar ou Cadiz, ou vice-versa, não excederá nunca o maximo de 3 francos.

Art. 21.° A companhia pagará ao governo portuguez a taxa de transito de 1 franco por todos os despachos que transitarem pelas linhas a que este contrato se refere.

§ 1.º Para este fim obriga-se a companhia a mandar formular na estação de Carcavellos uma relação especial de todos os despachos que transitarem pela linha em questão, e a remetter esta relação mensalmente á direcção dos telegraphos em Lisboa.

§ 2.° A Importancia da dita relação será verificada, liquidada e paga pela fórma que o é ou venha a ser o saldo as contas a que se refere a 9.ª condição do contrato celebrado em 18 de março de 1870 entre o governo e a mencionada companhia, com respeito aos cabos submarinos de Falmouth e Gibraltar.

Art. 22.° As estações de Carcavellos e de Villa Real de Santo Antonio não poderão receber do publico, nem entregar telegrammas alguns, sem que seja por intermedio das estações portuguezas ou dos cabos submarinos da mesma companhia.

§ unico. O governo reserva-se o direito de tomar todas as medidas que tiver por convenientes para fiscalisar a execução das disposições d'este artigo e do antecedente.

Artigo transitorio. As disposições do presente contrato ficam dependentes da approvação das côrtes na parte em que carecerem de sancção legislativa.

E com estas condições hão por feito e concluido o dito contrato, ao qual assistiu, como fica dito, o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da co-

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rôa e fazenda, sendo testemunhas presentes o primeiro official d'este ministerio Viriato Luiz Nogueira, e o segundo official, chefe de secção da repartição do commercio e industria, Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos.

E eu, o bacharel Antonio Augusto de Mello Archer, secretario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em firmeza de tudo, e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e subscrevi o presente termo de contrato, que vão assignar commigo os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas, depois de lhes haver sido lido. = Visconde de Chancelleiros = Achilles d'Orey. = Fui presente, Antonio Cardoso Avelino = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos = Viriato Luiz Nogueira = Antonio Augusto de Mello Archer.

O sr. Presidente: — Este projecte tem um só artigo e por consequencia deve ter uma só discussão; mas como o artigo approva o contrato que vem junto, está tambem á contrato em discussão.

O sr. Pinheiro Borges (por parte da commissão): — Pelas informações que me foram dadas pelo chefe da repartição respectiva, e que n'este momento acaba de me dar o sr. ministro das obras publicas, houve no artigo 20.º uma lacuna. Pelo artigo 6.° do contrato definitivo o maximo da taxa entre Lisboa e a Inglaterra e vice-versa é de 3 francos, e alem d'isso fica o transmissor do despacho obrigado a pagar a taxa terminal. Isto devia ter sido declarado no artigo 20.°, mas como só podemos approvar ou receitar o contrato e não altera-la, eu mando para a mesa o seguinte additamento, para supprir esta lacuna (leu).

Leu-se na mesa o seguinte

Additamento ao artigo 1.°

Com a clausula explicativa ao artigo 20.º do contrato de que no maximo de 3 francos se não comprehende a taxa terminal portugueza.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Domingos Pinheiro Borges.

Foi admittido.

Em seguida foi approvado o projecto com o additamento do sr. Pinheiro Borges.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer da comissão da fazenda ácerca do orçamento do ministerio da marinha

O sr. Presidente: — Continua esta a palavra o sr. Alcantara.

O sr. Alcantara: — Sr. presidente, sustentei na ultima sessão, que as reformas não se deviam fazer por occasião da discussão do orçamento. Declaro a v. ex.ª e á camara, que em questões de administração a minha politica não é partidaria, é nacional (apoiados); em taes circumstancias, proponho-me só a combater a má administração, e esqueço tudo o mais.

Hei de approvar todas as reformas que se apresentaram, se ellas forem conducentes a melhorar o nosso estado financeiro; mas o que eu desejo é que essas reformas venham acompanhadas da imparcialidade, que sejam á priori estudadas e convenientemente discutida.

Eu não disse que o parecer que se discute não apresentava economias, e algumas rasoaveis; que sustento, a continuarei a sustentar, é que muitas das economias apresentadas no parecer da commissão, são imaginarias, são (...) são impossiveis, sãop inexequiveis; já o provei e continuarei a demonstra-lo

Sr. presidente, estou ao lado do governo e estarei ao lado de todos os governos que façam boa administração. Tenho muita confiança no sr. marquez d’Avila, cavalheiro para mim de muito respeito e consideração. Digo isto não por lisonja mas porque o (...) Os meus amigos e os que me conhecem, sabem que eu não lisonjeio ninguem, é só digo o que sinto. Se o sr. marquez d'Avila e de Bolama não me merecesse muita consideração, eu não vinha fazer aqui esta declaração; e appello para o futuro, que de certo ha de confirmar o que acabo de affirmar; porém o que eu desejo é evitar que o paiz seja enganado sendo certo, que da parte do governo e da parte dos membros d'esta camara não póde haver o menor intuito de realisar um pensamento tão criminoso.

O sr. marquez d'Avila e de Bolama, respondendo na camara dos dignos pares ao sr. visconde de Soares Franco, relativamente ás reformas que, se dizia, o governo intentava fazer no ministerio da marinha, disse que «quaesquer reformas que podessem ser propostas para se effectuarem n'aquelle ministerio, nunca prejudicariam os direitos adquiridos!» Nem outra resposta se podia esperar do distincto estadista. Fazendo, pois, inteira justiça ao illustre presidente do conselho, não posso deixar de acreditar que s. ex.ª sustentará esta sua declaração (O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado.); porém se não sustentar, declaro a s. ex.ª que retiro o meu modesto, mas leal e desinteressado apoio ao governo (apoiados).

Estou certo, sr. presidente, de que não me hei de ver forçado a proceder assim, porque conheço a seriedade e o caracter de s. ex.ª (apoiados).

Agora permittam me, v. ex.ª e a camara, que eu abra um pequeno parenthesis para me referir de passagem ao que diz um dos jornaes mais lidos, quando hoje analysa a discussão que n'esta camara foi encetada na sessão de quarta feira, relativamente ao parecer n.º 14 que dia respeito ao orçamento do ministerio da marinha. Diz aquella folha: que «não foram apresentadas rasões, por mim, que podessem invalidar o parecer da commissão!!»

Mas, sr. presidente, parece-me que os illustres redactores d'aquella folha se contradizem a si mesmos, porque depois de lidas aquellas palavras, apresentam ideas que importam exactamente a approvação das doutrinas por mim sustentadas no discurso que proferi.

Dizem os illustres redactores, por exemplo que «a marinha não deve ser aniquilada, e sustentam que os serviços não devem ser desorganisados!» São estes exactamente os principios que sustentei, e que continuarei a sustentar. N'esta parte felicito me a mim mesmo, por ver que as doutrinas d'aquelles cavalheiros estão em completa harmonia com os argumentos que eu submetti á apreciação da camara (apoiados). Todos se lembram que eu sustentei, como a minha curta intelligencia permittiu, entre outros argumentos, que não podiamos diminuir a nossa pequena força naval, porque alem de outras rasões tinhamos de attender com esmerada, solicitude ás necessidades das nossas colonias (apoiados).

Eu declaro a v. ex.ª, que quando se discutirem os pareceres da commissão de fazenda ácerca dos outros ministerios, hei de ser coherente, pugnando sempre pelas economias, e pelas reformas estudadas, e devidamente apreciadas, tendo sempre em vista pugnar pelos direitos adquiridos, e pela boa organisação dos serviços (apoiados). Ninguem póde querer levar as economias alem dos meus desejos, e a prova está dada nos meus argumentos, e n'algumas propostas que tenciono mandar para a mesa.

Consigne v. ex.ª bem as minhas intenções, e de certo as dos verdadeiros homens liberaes — primeiro que tudo boa administração, economias as possiveis, as sensatas (muitos apoiados).

O illustre relator da commissão, na proposta das suas reformas, reduz na marinhagem 3 mestres, 3 contra-mestres e 4 guardiães. É sobre estas e outras reducções que eu chamo particularmente a attenção do sr. presidente do conselho de ministros, porque ellas vão atacar direitos adquiridos. No momento em que estas redacções se fizerem ataca-se o estimulo, offendem-se os direitos adquiridos, e o no (..) presidente do conselho falta ao compromisso a que se ligou na camara dos dignos pares do reino.

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Continuando a analyse das propostas, diz o illustre relator da commissão, tratando os escola naval e companhia dos guardas marinhas, o seguinte:

«Considerando que em poucos annos estarão preenchidas as vacaturas de segundos tenentes;

«Considerando por isso que convem providenciar desde já para que, como é de lei, cessem todos os abortos extraordinarios, quando estejam preenchidas ás vacaturas de segundos tenentes, sem ser necessario suspender vencimentos aos aspirantes que d'elles estivessem sendo abonados;

«Tendo em vista a conveniencia de reduzir quanto possivel as despezas publicas, etc.:

«A vossa commissão é de parecer que convirá revogar os artigos 28.º e 66.° do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1868; e o n.º 4.° do artigo 2.° do decreto com força de lei de 30 de dezembro do mesmo anno, etc. etc.»

N'esta disposição, sr. presidente, só encontro vontade de escrever palavras e de fallar em reducções, que naturalmente estão reduzidas por sua natureza.

Continuando, diz s. ex.ª:

«A vossa commissão, tendo presente a lista da armada, reconheceu que, em contravenção do artigo 5.° do decreto de 14 de abril de 1867, não tinham sido admittidos alguns aspirantes extraordinarios com mais de dois annos de praça, sem terem concluido o curso da 1.ª e 5.ª cadeiras da escola polytechnica, e como isto importa uma despeza contra lei, a vossa commissão julga do seu dever propor um projecto de lei, de accordo com o governo, com relação ao assumpto.»

Diz o projecto de lei a que se refere o illustre relator:

«Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu pela infracção da carta de lei de 24 de abril de 1867, cujo artigo 5.° manda demittir os aspirantes extraordinarios a guardas marinhas, que no fim de dois annos não se mostrem habilitados com a 1.ª cadeira de mathematica e o curso geral de physica.

«Art. 2.° É o governo auctorisado a permittir que os aspirantes extraordinarios em relação aos quaes se tenha dado a infracção de que trata o artigo antecedente, continuem os seus estudos até o fim do actual anno lectivo, procedendo contra os que se não mostrarem n'essa epocha devidamente habilitados, nos termos da carta de lei de 24 de abril de 1867.

«Art. 3.° É igualmente relevado o governo da responsabilidade em que incorreu pela falta de cumprimento do decreto com força de lei de 26 de dezembro de 1868, que, revogando o decreto com força de lei de 7 de julho de 1864, extinguiu a classe de aspirantes addidos a guardas marinhas.»

Oh! sr. presidente, não era possivel o illustre relator da commissão dirigir uma injuria maior do governo do que a que lhe irroga pela doutrina d'este projecto!! N'este projecto, o illustre relator apresenta-nos o governo como auctor de gravissimos crimes, e pede á camara que o absolvamos!!

Pois o governo incorreu em alguma responsabilidade?! Commetteu alguma infracção de lei?! Como é que s. ex.ª teve a coragem de redigir este projecto de lei?! Faço justiça ás suas boas intenções, attribuo o facto a um equivoco, e se assim não for s. ex.ª de certo, quando fizer uso da palavra, ha de encarregar se de demonstrar á camara ou a sem-rasão das minhas perguntas ou a justiça da sua proposta.

Sobre este ponto não insistirei mais, parecendo-me, em presença da legislação citada pelo illustre relator, que é mal cabida a censura ao governo e que este não póde deixar de recusar o bill que o projecto de lei lhe offerece. Mas, sr. presidente, declarando o illustre relator que o governo pede o bill vacilla a minha opinião fazendo-me suppor, e quasi acreditar, que sou eu quem estou em erro e não o illustre relator. Aguardo pelas explicações que s. ex.ª de certo me dará, e só depois poderá ficar tranquillo o meu espirito.

O illustre relator da commissão, pretendendo fazer uma reducção na despeza da escola naval a bordo de um navio fóra do Tejo, propõe diminuição no quadro dos guardas marinhas, e lembro a conveniencia de se aproveitar para a escola um dos navios do armamento naval. Qual, pergunto eu a s. ex.ª? Os poucos que s. ex.ª poupa não chegam, nem estão em condições de serem destinados para o fim indicado por s. ex.ª

Não discutirei mais a indicação do illustre relator, visto que sobre o assumpto s. exa.ª só emitte uma opinião, e pede para ser devidamente avallada, e proposta pelo poder executivo ao poder legislativo. Estando n'estaá parte, a opinião de s. ex.ª de perfeito accordo com as doutrinas que tenho sustentado, é odioso fazer mais considerações.

Passando a tratar da escola pratica de artilheria naval, o illustre relator apregoa a sua importancia, mas levado pelo cego amor às economias, propõe à supressão da verba de despeza das praças do corpo de marinheiros, e à de um official estranho ao ensino, alem de tres gratificações, que por equivoco figuravam no orçamento; e acrescenta, que do numero de praças destinadas ao quartel pelo orçamento proposto, podem bem destacar para o ensino de artilheria as oitenta que se supprimem.

Não encontro n’esta proposta, auxiliando-me mesmo com os argumentos do illustre relator, meio de realisar economia alguma: ninguem ignora a absoluta e imperiosa necessidade de um official estranho ao ensino, que tenha a seu cargo a disciplina e a distribuição da instrucção: o instructor ensina e não commanda, e muito menos póde ter a seu cargo attribuições que o fariam distrahir da missão para especialmente foi nomeado. Mas, quando assim não fosse, em que consistia a economia? Pois o official em terra deixava de ter vencimento? (Apoiados.)

S. ex.ª não póde querer que n’um navio, embora desarmado, deixe de haver um certo numero de praças debaixo das vistas de um official (apoiados). Ninguem póde contestar esta necessidade.

Tambem é certo que não se deve chamar boa administração o fazer conduzir para os armazens do arsenal todo o apparelho e variada mobilia, e mais pertences dos navios em meio ou completo desarmamento. Nos depositos do arsenal, esses artigos, por falta de pessoal que vigie a sua passa a completo, ou meio armamento, os artigos que viram para o deposito estão inutilisados, e d’aqui a necessidade de aparelho, velame novo, etc. etc. (apoiados. – Vozes: É verdade)

Á vista d’estas considerações, confio que s. ex.ª ha de convencer-se da impossibilidade de se poder reduzir o numero dos marinheiros; mesmo quando fosse possivel não havia vantagem de economisar alguns centos de mil réis para, pouco depois, essas economias nos obrigarem à despeza de contos de réis (apoiados).

Por taes meios só ha desperdicios, e o que nós queremos é boa administração, porque só d’estas é que principalmente nos hão de vir as econominas tão requestadas por todos os partidos politicos (apoiados).

Sr. Presidente, creia v. ex.ª que todos desejam economias, mas é certo que nem todos têem a fortuna de as realisar com acerto.

A respeito das praças a que s. ex.ª se refere, e que diz destinadas ao quartel pelo orçamento, permitta-me s. ex.ª que lhe diga que ninguem lhes póde marcar um numero fixo e determinado. S ex.ª sabe muito bem quanto esse numero varia todos os dias por motivos que não se podem prever.

O numero das praças que hão de estar promptas no quartel não se destina: as necessidades do serviço, as baixas, as doenças e as prisões hão de fazer falhar os melhores calculos (apoiados).

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O illustre relator, dando um golpe mortal no quadro do corpo de marinheiros estabelecido por lei, propõe que sejam licenciados 184 grumetes, considerando desde já, e para sempre, fóra do quadro os 258 que faltavam em 1 de abril para o estado completo, isto é, diminue de prompto 442 praças, ficando o corpo de marinheiros apenas com 1:553 praças, das quaes ha de saír todo o serviço que tem de ser desempenhado pela nossa marinha de guerra.

Sr. presidente, sustento a minha opinião; com 1:553 praças de marinhagem não se póde fazer o serviço; com os poucos e maus navios com que fica composto o nosso armamento naval, não podem ser rendidos os navios que estão nas estações do ultramar e America do sul. Creia o illustre relator que nenhum governo ha de poder fazer esse milagre (apoiados).

O illustre relator, tratando da organisação do arsenal da marinha, diz, depois de muitas outras considerações:

«É tambem claro que um arsenal que se destina unicamente á conservação dos navios, deve ter uma organisação differente d'aquella que teria se ficassem tambem a seu cargo as novas construcções.»

O illustre relator contradiz-se a si mesmo, e sobre este ponto, na ultima sessão, e em occasião opportuna, fiz notar que s. ex.ª, condemnando por excessivo o quadro dos engenheiros constructores navaes, concluisse por supprimir só dois logares de engenheiros constructores de 1.ª classe (apoiados).

Sei que parte dos meus argumentos não hão de agradar a alguns interesses pessoaes, porque infelizmente estamos n'um paiz onde todos julgam que os outros percebem muito e elles pouco, e assim todos querem economias nas casas alheias (apoiados); sei que hei de carregar com as iras dos individuos a quem as minhas doutrinas possam directa ou indirectamente prejudicar, mas apesar d'isso, sr. presidente, sustento as minhas idéas, porque não venho para aqui discutir homens (apoiados). Pugno a favor de todos os direitos adquiridos, mas se o illustre relator não adopta estes principios para uns, não os póde defender em favor de outros; embora lá fóra as reducções sejam bem recebidas, não se devem fazer senão as que forem rasoaveis (apoiados), as que não offenderem direitos adquiridos e as que possam melhorar a ordem dos serviços publicos (apoiados).

Sr. presidente, eu bem conhecia a minha incompetencia absoluta para entrar n'esta discussão, para mim naturalmente arida e espinhosa. Nenhum proposito tinha de fallar n'este assumpto, como o podem affirmar os meus amigos politicos, que de certo se surprehenderiam quando me viram romper a discussão; a minha resolução proveiu do incommodo que o meu espirito soffreu depois da leitura d'aquelle documento. Já v. ex.ª vê que entrei n'esta discussão por um motivo inesperado, e confesso a v. ex.ª que muito desejo terminar a exposição dos meus argumentos, os quaes nem todos serão avaliados pelas minhas intenções.

Continuando na discussão, diz ainda o illustre relator:

«Um paiz que tem possessões com tão ricas madeiras de construcção, como Portugal, devia regularísar convenientemente os côrtes necessarios para ter sempre abastecidos os seus depositos d'ellas, e com a necessaria antecedencia para estarem bem seccas e não faltarem na occasião opportuna. Era porém preciso que tivessemos navio capaz de as transportar com economia.»

E apesar d'isso deixa a pobre Timor, onde ha essas excellentes madeiras, a uma distancia de Macau quasi invencivel, deixa-a sem recursos nenhuns, e sem esperança de ver uma flamula nossa!

Ora, sr. presidente, a leitura das primeiras palavras são agradaveis, mas qual será o leitor que não entristeça quando o illustre relator lhe diz: Era porém preciso que tivessemos navio capaz de as transportar com economia?! (Apoiados.)

Muito folgaria, sr. presidente, se o illustre relator, depois dos conselhos dados, apresentasse os meios de os realisar; não os apresentando, teria sido melhor que s. ex.ª não tocasse n'este assumpto: o governo não póde fazer milagres: quaes são os meios que s. ex.ª destina para a realisação do seu util pensamento, que importava uma medida de optima administração?

Sr. presidente, nós temos possessões que produzem ricas madeiras de construcção, assim o diz o illustre relator, mas feita esta confissão, deixa s. ex.ª a infeliz Timor abandonada aos seus poucos recursos, condemnando aquella possessão a ter noticias de Macau só depois de passados annos, e de Portugal... a camara avaliará. (Vozes: — Muito bem.) Com pequenos meios nunca remediaremos grandes males (apoiados); colloquemo-nos na presença de um sentimento sincero, e ninguem tenha a pretensão de affirmar que lhe assiste toda a rasão no que faz. (Vozes: — Muito bem.)

S. ex.ª, querendo mostrar que havia uma grande desproporção entre as verbas pedidas para o material e as pedidas para materias primas, díz-nos que «a experiencia tem mostrado que nos arsenaes regulares as despezas de material estão para as de pessoal nas construcções como 3 para 1», e accusa o nosso arsenal por offerecer resultados contrarios.

Sr. presidente, não creio em impossiveis, e permitta-me o illustre relator que eu lhe demonstre a inopportunidade dos seus argumentos. Todos sabem que ha officinas onde a despeza com o pessoal tem de ser necessariamente muito maior do que a despeza com o material.

Pergunto a s. ex.ª qual é a materia prima que se emprega no serviço de 100 remadores do arsenal, e qual a que se emprega na officina dos calafates, e qual a despeza do material quando o governo manda calafetar um navio? Pois o illustre relator não sabe, que emquanto o governo paga a cada calafate 800 réis diarios, o valor da materia prima nunca póde approximar-se do valor do material empregado? (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, o que succede na officina dos calafates, succede em outras. Na officina de carpinteiros de machado não sabem todos, que quando um navio se desmancha, n'este serviço só ha despeza no pessoal? Na officina de machinas, quando se apeia ou monta uma machina, em que relação póde estar a despeza do pessoal com a despeza do material?

Ora, sr. presidente, fallemos a linguagem da verdade, e notemos as irregularidades e a má administração nos pontos em que realmente existirem (apoiados).

Pois quem não sabe, sr. presidente, que os homens que não são ricos, como eu, mandam muitas vezes virar uma sobrecasaca, e pagam de mão de obra o mesmo que pagaram quando a receberam nova, e que a materia prima empregada no segundo processo se limitou a duas grammas de retroz, a uma pequena quantidade de carvão e a duas ou tres agulhas? (Riso.)

Sr. presidente, faço justiça ás intenções do illustre relator da commissão, mas lastimo que s. ex.ª reunisse uma tão grande copia de falsas informações que o obrigaram, de boa fé, a apresentar muitos argumentos insustentaveis.

Admira-se s. ex.ª que no orçamento se peça mais para reformados do que para madeiras!! Mas o que colhe s. ex.ª com esse argumento? Exactamente o contrario do seu proposito; o facto a que s. ex.ª allude, é o documento mais claro do estado da nossa marinha de guerra, a qual s. ex.ª se encarrega n'este projecto de aniquilar quasi completamente; é s. ex.ª mesmo que, notando a má organisação, pretende torna-la peior (apoiados).

Eu não me conformo que a verba dos reformados esteja a cargo do ministerio da marinha, a minha opinião é que a verba dos reformados, tanto pertencentes ao ministerio da marinha como dos pertencentes ao ministerio da guerra, passe para o ministerio da fazenda, passando-se aos in-

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teressados titulos de renda vitalicia, alteração util pela moralidade, e pela grande economia de tempo, braços e dinheiro (apoiados).

Sr. presidente, tenho apprehensões que muitos d'esses velhos obrigados a terem procuradores em Lisboa, morrem muitas vezes, deixando nos bolsos alheios os ordenados que não lhes chegaram a ir ás mãos; com o systema até agora seguido o thesouro perde, e perde muito, e só ganha a agiotagem e a má fé (apoiados).

Eu sei, sr. presidente, que no ministerio da guerra, de cuja administração tenho mais algum conhecimento, é immensa a quantidade de gente empregada na escripturação d'este ramo de serviço; que quantidade de livros, sr. presidente, são necessarios e que dinheiro nos custam!! Que materia prima, que mão de obra!! (Apoiados.)

Propõe s. ex.ª tambem uma reducção no quadro dos aprendizes; mas, adoptada a indicação do illustre relator, creiam v. ex.ª e a camara que as despezas haviam de ser muito maiores.

Sr. presidente, convençamo-nos por uma vez, a economia não consiste em poupar, mas em saber escolher os tempos e objectos da despeza (muitos apoiados).

Pelo systema actualmente seguido temos no arsenal um viveiro de operarios babeis, porque é necessario ponderar que os aprendizes entram para o arsenal gratuitamente, depois, segundo a sua aptidão, dão-se-lhes quatro vintens, mais tarde recebem um tostão, e por fim attingem o maximo, doze vintens.

Ora, v. ex.ª avalia quantos bons mestres estarão trabalhando no arsenal por doze vintens, o que é obvio, vista a esperança que lhes offerece o futuro (apoiados). Mas, alem d'isso, sr. presidente, deverá o governo sujeitar-se a não ter operarios em circumstancias criticas e imprevistas; deve elle sujeitar-se a pagar os salarios pelos preços que lhe forem impostos pelos operarios; deve o governo sujeitar-se a uma greve? Sr. presidente, defensor decidido da boa administração, não posso approvar o que todas as faculdades da minha alma reprovam (apoiados).

Sr. presidente, o parecer da commissão é um recheio de economias, quasi todas phantasticas, e que difficilmente o illustre relator poderá defender á luz da verdade, da justiça e da boa organisação de serviços (apoiados). Estou cansado, sr. presidente, de ouvir desde certo tempo fallar em economias, mas só tenho visto desorganisar serviços, só tenho visto demolir, e não tenho visto edificar. Combato estas economias. Reformemos os costumes, reformemos a administração, não aconselhemos aos outros o que nós podemos fazer, marchemos com passo acertado, mas firme, e d'esta fórma o paiz fará justiça a quem a merecer (apoiados). Res et non verba. (Vozes: — Muito bem.)

Passando o illustre relator a tratar da cordoaria nacional, começa por dizer que se pede no orçamento para as despezas d'aquelle estabelecimento a verba de 27:682$720 réis, não incluindo o soldo do director, que importa em 780$000 réis, e o vencimento do pessoal reformado, para o qual se propõe a verba de 3:472$190 réis para trinta e tres individuos.

Sr. presidente, o illustre relator começa por nos dizer uma inexactidão, alheia de certo á sua vontade. No orçamento pede-se, não 27:682$720 réis, mas a verba de réis 17:202$720.

Creio que s. ex.ª não póde contestar o direito que em qualquer commissão de serviço ha de ter aos mesmos vencimentos o cavalheiro que está á testa do estabelecimento da cordoaria nacional, nem tão pouco o direito que assiste ao pessoal reformado de perceber os vencimentos que a lei lhe confere.

Logo que termine as minhas observações hei de mandar para a mesa um projecto de reforma d'aquelle estabelecimento, pelo qual se desenvolve o serviço, díminue-se consideravelmente a despeza, sem comtudo se despedir o pessoal, cuja reducção proponho. Tenho, sr. presidente, colhido algumas informações ácerca do serviço feito n'aquelle importante estabelecimento, e ainda hoje ali me foi permittida a entrada por occasião de se cochar um cabo, em cujo serviço o digno director do estabelecimento alludido me disse ser preciso empregar quarenta homens proximamente, advertindo-me o mesmo cavalheiro, que se ali houvesse um motor geral a vapor, bastaria para aquelle serviço um ou dois homens. Ora, já v. ex.ª vê que a respeito d'aquelle estabelecimento só podemos condemnar a sua má administração, e nada mais. (Vozes: — É verdade, é verdade.)

Note a camara que houve já um governo que entendeu ser má administração não termos depositos de carvão de pedra para os navios das nossas estações; nesta, parte já melhorámos de administração; mas é para lastimar que o exemplo se não seguisse no fornecimento de cabos, vélas e mais accessorios que convinha possuirmos n'alguns depositos do ultramar, para acudirmos ás necessidades da nossa marinha de guerra, evitando-se assim a grande despeza a que nos obriga o detestavel systema, até hoje seguido, de comprarmos muitas vezes o peior, e por maior preço do que póde saír o melhor feito na nossa fabrica (apoiados).

Concordo, sr. presidente, na doutrina do illustre relator, quando trata do accesso para general por serviço no ultramar; é conveniente comtudo que a legislação a tal respeito se ponha em harmonia com a legislação do exercito de terra, na parte em que póde ter analogia (apoiados). Tambem concordo se dê classificação prompta aos empregados fóra dos quadros, de cuja irregularidade só podem resultar graves prejuizos aos direitos adquiridos (apoiados).

E a proposito de direitos adquiridos, permitta-me o illustre relator que eu não possa concordar com s. ex.ª, quando nos vem propor que os actuaes chefes das duas repartições de contabilidade sejam collocados como addidos na classe de primeiros officiaes. E os segundos officiaes do ministerio que diriam? Tinham rasão em se queixarem dos poderes publicos? Ninguem dirá que não.

Sr. presidente, fazendo inteira justiça aquelles cavalheiros, que só conheço pelo nome, prestando homenagem ao seu, apregoado caracter, atrevo-me a afiançar que s. ex.ª ficariam maguados, se o parlamento votasse uma tão grande injustiça (apoiados).

Tratando o illustre relator da despeza extraordinaria de marinha, diz-nos que a commissão não acha exorbitante a verba de 90:000$000 réis, proposta para grandes reparações, e acquisição de machinas e apparelhos correspondentes. Oh, sr. presidente, quem não pasmará diante de uma tal sinceridade, e fervoroso desejo de fazer economias ficticias?!! Diz-nos o illustre relator: não se assuste o parlamento, eu, e a commissão estudámos a questão, e não vos pareça exorbitante a verba de 90:000$000 réis, note a camara, para grandes reparações, e acquisição de machinas e apparelhos correspondentes!!

Sr. presidente, tinha eu rasão quando na ultima sessão affirmei que com um tal systema matava o deficit em tres ou quatro dias, mas o que eu não affirmei, nem podia affirmar, é que atrás d'esta poeirada possa alguem evitar que appareçam os creditos extraordinarios. (Vozes: - É verdade, é verdade). Pois o illustre relator ignora o custo de qualquer pequena, não quero dizer grande, reparação, o custo de machinas, e apparelhos correspondentes? Diga-nos s. ex.ª quanto nos custa o concerto da Bartholomeu Dias? Creio que não faltará muito para chegar á verba de 90:000$000 féis; e não sabe s. ex.ª o estado em que se acham todos, ou quasi todos os nossos navios? (Apoiados.)

S. ex.ª, descrevendo a diversa legislação da reforma concedida aos operarios, propõe a revogação da que estava em vigor. Não entro na questão da conveniencia ou inconveniencia d'essa alteraçãos: ha um cavalheiro com assento n'esta casa a quem mais compete tratar do assumpto.

Sr. presidente, vou terminar as minhas considerações, e reservo-me para de novo entrar no debate quando a posi-

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ção que tomei a isso me obrigue. Vou mandar para a mesa a seguinte proposta:

«Proponho que o relatorio e parecer que se discute volte á commissão de fazenda, e ali, ouvida a de marinha, dê o seu parecer ácerca das seguintes propostas:

«1.ª Para que os vencimentos dos chefes das repartições do ministerio da marinha sejam inferiores ao vencimento do director geral da marinha.

«2.ª Para que sejam igualados os vencimentos de todos os chefes de repartição, não podendo em caso algum os primeiros officiaes perceberem maior vencimento do que os referidos chefes de repartição.

«3.ª Que não sejam extinctos os guardas do arsenal de marinha e da cordoaria, sem que o governo estude a questão e apresente um trabalho desenvolvido sobre a reforma d'aquelles dois estabelecimentos.

«4.ª Que seja supprimido o logar, que se acha vago, de engenheiro inspector com a graduação de capitão de mar e guerra.

«5.ª Que o vencimento dos engenheiros constructores navaes não seja superior aos que percebem os officiaes combatentes de igual graduação quando desempenham qualquer commissão de serviço. = João José de Alcantara.»

Igualmente mando para a mesa o seguinte projecto de lei sobre a reforma da cordoaria:

«Senhores. — Uma das causas que ha de principalmente contribuir para o equilibrio da receita com a despeza publica, será a dedicação e o prudente e sisudo exame na administração e fiscalisação até rendimentos publicos.

«O appello para o imposto, odioso sempre pela sua desigualdade, para o credito, e para a reducção de algumas despezas, passando-se a esponja por diversas verbas, quasi sempre sem reflexão, sem perfeito conhecimento das necessidades do serviço, são factos perniciosos e lastimaveis, que difficilmente poderão encontrar justificação.

«É certo, senhores, que o numero desempregados publicos é excessivo, e que muito convem diminui-lo; mas antes é forçoso simplificar os serviços. Precipitadamente sem informações que dimanem de fonte limpa, sem conhecimento profundo das variadas e impreteriveis necessidades do serviço publico, não póde, não deve, quem quer que seja, propor reducções nos quadros existentes; haja modos empregados, mas melhor remunerados; milagres é bom acreditar n'elles, mas não se devem esperar.

«O projecto de lei, que tenho a honra de submetter á vossa approvação, tem por fim melhorar o serviço feito ha nossa fabrica nacional «a cordoaria» estabelecida n'um dos melhores e mais espaçosos edificios que se encontram na Europa com identica applicação, propondo melhoramentos de incontestavel vantagem, e economias proximas de muitos contos de réis.

«Para o conseguimento d'este fim proponho a compra de uma machina geral a vapor da força de 14 a 16 cavallos, de 6 teares mechanicos, e de um engenho de engommar, encanelar e urdir.

«A acquisição de um motor geral de vapor ha treze annos foi concebida pelo ministro da marinha, o nobre marquez de Sá da Bandeira, e aconselhada pelas diversas commissões, que até hoje têem sido incumbidas de emittirem a sua opinião ácerca dos melhoramentos a introduzir n'aquelle estabelecimento.

«É certo, e todos concordam, que a machina não deve ser applicada indistinctamente a todos os processos das duas industrias exercidas na cordoaria; as fiações manuaes são preferidas ás fiações promovidas pela machina a vapor.

«Comparada a verba pedida no orçamento de 1871-1872 na importancia de 17:202$720 réis com a despeza proposta de 10:058$800 réis, ha uma differença para menos de réis 7:143$920. mas augmentando a importancia da compra da machina no valor de 4:000$000 réis, de seis teares machanicos no valor de 540$000 réis, é de um engenho de engommar, encanelar e urdir no valor de 800$000 réis, augmentando igualmente a verba de 1:500$000 réis, calculada para o assentamento da machina, material e seus accessorios, e finalmente a verba de 1:820$000 réis, importancia dos ordenados do pessoal que fica fóra do quadro, nota-se uma despeza a maior de 1:518$080 réis, que, deduzida da economia resultante da calendragem e estufa, calculada em 200$000 réis, e deduzindo igualmente a quantia de 421$200 réis, mão de obra em 300 dias a rasão de 54 réis por metro de tecidos na importancia total de 7:800 metros, fica um augmento de despeza apenas de réis 621$200, a qual no fim de um anno se transformará n'uma economia de 6:218$200 réis, augmentando successivamente em todos os annos por motivos que são obvios.

«Feita a acquisição da machina, teares e engenho, póde a cordoaria ter pequenos depositos de cabos e tecidos no ultramar, para o fornecimento dos nossos navios, o que será um principio economico e de boa administração, podendo-se igualmente fabricar no edificio da cordoaria tecidos de algodão e flanellas, cujos artigos o ministerio da marinha costuma comprar no mercado por preço de certo superior aquelle por que póde saír na cordoaria.

«Por taes rasões tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

«Artigo 1.° É o governo auctorisado a reformar o pessoal, material e serviço da fabrica nacional da cordoaria, no sentido proposto n'este projecto e no mappa que o acompanha.

«Art. 2.º Os individuos que excederem o quadro proposto ficarão addidos, conservando-se-lhes os seus vencimentos, e devendo entrar pela ordem das suas antiguidades, e conforme o officio, nas vacaturas que occorrerem.

«Art. 3.° O governo fará a acquisição de um motor geral de vapor, de seis teares mechanicos, e de um engenho de engommar; encanelar e urdir, para os fins designados no relatorio junto.

«Art. 4.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

«Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = O deputado por Elvas, João José de Alcantara.»

Mappa do pessoal proposto para as diversas officinas da cordoaria

Officinas de cordoame

1 Mestre, a 1$000 réis................... 365$000

1 Contra-mestre a 700 réis............... 255$500

1 Mandador, a 500 réis................... 150$000

20 Officiaes, 400 réis.................. 2:400$000

6 Serventes, a 300 réis.................. 540$000

8 Aprendizes (media) a 120 réis.......... 288$000

Somma.............. 3.998$500

Officinas de fiações para tecidos, e tecidos

1 Mestre, a 1$000 réis................... 365$000

1 Mestre de fiações, a 400 réis.......... 146$000

1 Contra mestre (idem), a 240 réis....... 72$000

10 Fiadeiras de brim, a 180 réis......... 540$000

38 Ditas de lona, a 140 réis............. 1:598$000

8 Serventes de fios, a 80 e 50 réis...... 156$000

8 Ditas de sarilhos, a 80 e 50 réis...... 156$000

8 Ditas de rodas, a 120 réis............. 288$000

6 Lenheiros, a 200 réis.................. 468$000

1 Servente, a 300 réis................... 90$000

3 Serventes de maça, a 320 réis.......... 288$000

Somma......... 4:165$000

Artistas

1 Carpinteiro, a 600 raie................. 180$000

1 Serralheiro, a 600 réis................. 180$000

360$000

Arrecadação, fiscalisação e policia

2 Flets, a 600 réis...................... 438$000

1 Guarda da porta, a 320 réis............. 110$800

1 Servente do armazem, a 400 réis........... 146$000

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1 Escripturario, a 700 réis............. 255$500

1 Apontador, a 600 réis................ 219$000

Somma..................................1:175$300

Tecelagem mechanica................... 360$000

Total................................. 10:058$800

Sr. presidente, desculpe-me v. ex.ª, desculpe-me a camara, não só pelo tempo que lhe roubei, como pela impertinencia dos meus mal alinhavados argumentos.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

Leram se na mesa o projecto de lei e a proposta que foram admittidos.

O sr. Beirão: — Por parte da commissão de redacção, mando um parecer sobre o projecto de lei, relativo aos empregados civis com graduação militar, que pertenceram ao arsenal do exercito.

Lido na mesa, foi logo approvado, e mandou se expedir para a outra camara.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, era minha intenção desistir agora da palavra, para usar d'ella quando tivesse fallado o sr. deputado Barros e Cunha, que se segue, para responder a ambos os senhores ao mesmo tempo; como porém isso poderia parecer falta de consideração pelo meu amigo, o sr. Alcantara, usarei agora da palavra nos poucos minutos que restam da sessão, para levantar algumas asserções avançadas pelo illustre deputado que impugnou o parecer da commissão que está em discussão, reservando-me para mais tarde expor á camara quaes as idéas da commissão, de que tenho a honra de ser relator, com ralação ao orçamento da marinha.

O sr. deputado começou dizendo que achava inconveniente que por occasião do orçamento se alteraste a organisação dos serviços, e que por isso não podia approvar a extincção da repartição do commando da armada.

Ora, sr. presidente, a commissão não alterou nenhum ordenado, nem gratificação alguma; não (...) a organisação d'elles, a não ser a juncção das attribuições do commando com as da direcção de marinha, e a extincção do observatorio.

Mas o illustre deputado, esse, depois do que disse em contrario, é que mandou para a mesa um projecto de lei e quatro propostas que alteram essencialmente organisações de serviços, e organisações mesmo especialissimas, como a organisação e systema de trabalho de uma fabrica (apoiados).

O illustre deputado, propondo que volte à commissão de fazenda o parecer sobre o orçamento da marinha, para novamente ser considerado com as propostas que mandou para a mesa, está em manifesta contradicção com o que disse na primeira parte do seu discurso (apoiados).

Quer ou não quer que por occasião da discussão do orçamento se alterem as leis organicas dos serviços?

A commissão não alterou o systema e organisação de trabalho da cordoaria; o sr. deputado que a censurou por entrar nas organisações dos serviços, quer que com o orçamento se reorganise a cordoaria.

O sr. deputado propõe que se supprima do respectivo quadro o posto de engenheiro inspector naval; e isto como economia real e immediata, quando é certo, que a verba correspondente já vinha abatida, ao orçamento, e que só em 1874 o engenheiro chefe de 1.ª classe poderia ser promovido a inspector, porque a lei exige para isso quatro annos de bom serviço no posto anterior.

As propostas da commissão, segundo o dito do sr. deputado; são de economias imaginarias, e as suas é que são reaes e immediatas, não é verdade?

Esta, por exemplo, só em 1874 é que podia produzir effeito (apoiados

E que injustos e prejudiciaes effeitos para o serviço!

Foi o illustre deputado não conhece a importancia do serviço do engenheiro constructor?

Quantos centos de conta de réis não póde perder o estado com a má direcção das construcções navaes? (Apoiados.)

E a segurança e a vida das tripulações e a honra da bandeira?

Que habilitações scientificas tem o engenheiro naval!

E quer o illustre deputado tirar a importancia a esta importante classe, fazendo os acabar a carreira na graduação de capitães de fragata.

Os cirurgiões navaes, esses sim podem chegar á graduação de capitão de mar e guerra, e ser reformados com a graduação e soldo de contra almirante!

Os engenheiros do exercito de terra, esses ficam com accesso a generaes de divisão.

Duvido que haja quem approve tal projecto. Nem o proprio sr. deputado, cujo bom caracter eu reconheço, ha de approva-lo quando reflectir no que estou dizendo (apoiados).

A outra proposta do illustre deputado é tambem, segundo s. ex.ª, uma economia verdadeira e immediata; consiste em elevar as gratificações de director dos chefes militares das 1.ª e 2.ª repartições da direcção geral de marinha até que os seus vencimentos fiquem iguaes aos dos empregados civis da mesma categoria do mesmo ministerio.

Ora, sr. presidente, um augmento de gratificações nunca foi uma economia, mas nem mesmo anomalia vista pelo sr. deputado fica tão grande examinada à luz da rasão. O illustre deputado compara o vencimento dos empregados civis que chegaram ao maximo accesso da sua carreira, com o que recebem os militares em qualquer ponto afastado do termo da sua carreira (apoiados).

Compara quantidades heterogeneas, é por isso não admira que os resultados que tira sejam falsos.

Compare o militar em serviço na secretaria com o de igual patente a bordo de um navio no ultramar, e compare é empregado civil do ministerio da marinha com os empregadas civis dos outros ministerios, e verá como desapparece a tal anomalia (apoiados).

Bastava que fosse nomeado um contra almirante para director geral de marinha para ter de vencimento, l:920$O00 réis, isto é, mais 440$000 réis do que o director da direcção do ultramar, e se fosse vice almirante o vencimento seria 2:568$000 réis.

Queria o illustre deputado que, n'este caso o general da marinha tivesse de perder 1:088$000 réis dos seus vencimentos legaes, isto é, que ficasse com menor vencimento do que estando desempregado e sem servir!

Quer o illustre deputado ou não que se applique o mesmo para o ministerio da guerra e para o das obras publicas?

Vejam onde nos leva esta proposta de economia immediata!

O caso é que as gratificações dos chefes das repartições civis são inferiores ás dos militares, e a do director civil é muito inferior á do director militar.

É possivel que o que está se deva alterar, mas é caso serio, e que deve ser pensado e estudado maduramente nas estações competentes (apoiados).

Por esta rasão a commissão em geral não tocou em vencimentos fixados por lei, embora lhe pareça que alguma cousa se deva, fazer a tal respeito em alguns casos, mas isso póde e deve fazer-se quando, depois de fixado e effectivamente estabelecido o material maritimo permanente, se tratar das organisações respectivas a todos os serviços da armada (apoiados).

Tocou o illustre deputado em um ponto importante e gravissimo, e que não póde ficar sem resposta immediata, porque se effectivamente o numero de praça que a vossa commissão mantem não fosse o sufficiente para rendas as estações do ultramar, o parecer da commissão deveria ser mil vezes rejeitado.

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Para refutar as asserções do illustre deputado n'este ponto basta comparar a situação da força, segundo a proposta do governo, com a que a commissão propõe.

O governo pedia para o ultramar 1:229 praças, e para o serviço de Lisboa e Açores, bem como para render as estações do ultramar, 1:459; abatendo 193 vacaturas effectivas que ha nos quadros da marinhagem, segue-se que a força effectiva em Lisboa era de 1:226 praças.

Ora, para render as 1:229 das estações do ultramar eram necessarias 818 praças, segue-se que ficavam para outros serviços 448.

Pela proposta da commissão ficam nas estações do ultramar........ 947

Para o reino e ilhas, e para render as do ultramar ficam......... 1:143

2/3 de 947 para render as estações............. 630 513

Ficam portanto disponiveis para outros serviços mais 65 praças do que pela proposta do governo.

Se considerarmos o caso unicamente com relação ás praças do corpo de marinheiros militares, temos o seguinte:

Segundo a proposta do governo tinhamos para o ultramar:

Na canhoneira Zarco — praças............. 51

Na canhoneira Guadiana................... 26

Na corveta D. Henrique.................. 132

No brigue Pedro Nunes.................... 75

Na escuna Napier......................... 22

No hiate Penha Firme..................... 20

Na canhoneira Maria Anna................. 48

Na canhoneira Tejo....................... 47

Na corveta Duque de Palmella............ 121

Na corveta D. João I.................... 106

Na corveta Infante D. João.............. 106

Perfazendo o total...................... 754

Para Lisboa e Açores:

Corveta Estephania — praças.............. 245

Corveta Duque da Terceira................ 149

Vapor Mindello........................... 65

Fragata D. Fernando....................... 80

Barca Martinho de Mello................... 42

Corveta Sagres............................ 30

Canhoneira Rio Minho...................... 16

Corveta Goa.............................. 113

No quartel............................... 372 1:112

Deduzindo as vacaturas effectivas........ 193

Seria o effectivo........................ 919

2/3 de 754 para render as estações do ultramar... 502

Ficariam para outros serviços............. 417

Pela proposta da commissão para o ultramar.. 551

Em Lisboa:

Estephania............................... 245

Duque da Terceira........................ 149

Mindello................................. 65

Martinho de Mello......................... 42

No quartel............................... 372 853

2/3 de 551 para render as estações do ultramar. 366 507

Ficam, pois, pela proposta da commissão mais 90 praças do corpo de marinheiros disponiveis para qualquer serviço independente das estações do ultramar, do que ficavam pela proposta do governo.

Já a camara vê por isto quanto é improcedente a argumentação do illustre deputado n'esta parte.

O illustre deputado, tão depressa diz que as economias são ficticias, como que fica o ultramar desguarnecido (apoiados). Então se as economias são ficticias é porque não se desarmam navios alguns; e se se desarmam esses navios, supprimindo no orçamento a despeza das suas tripulações, então não é ficticia a economia (apoiados).

Pela proposta da commissão ficam nas estações do ultramar 3 corvetas e 4 canhonheiras a vapor, e 1 hiate de véla pagos pela metropole, e alem d'isso são pagos pelo ultramar 2 vapores e 7 navios de véla.

Em Macau fica 1 corveta, 1 canhoneira e 1 escuna. Não póde o illustre deputado dizer portanto, com rasão, que fica Timor desamparado.

O illustre deputado entende que abater do orçamento réis 9:744$000 por vacaturas de segundos tenentes, que durante o anno se não podem preencher, não é economia; pois entendo que é, não só porque o governo, não gastando em pagamento aos segundos tenentes aquella importancia, ficava auctorisado a gasta-la em qualquer outra despeza do mesmo capitulo, mas porque por lei tem auctorisação para a despender, como julgar conveniente, com o augmento de numero dos guardas marinhas e de aspirantes a guardas marinhas.

E veja a camara como em vez de 1:680$000 réis que no orçamento se pede para pagamento aos aspirantes, era a despeza effectiva de 7:053$126 réis.

A commissão, que poz a claro no orçamento este augmento de despeza, bem como a verba de 4:781$250 réis da subvenção contratada pelo governo para a navegação dos Açores antes de approvado o contrato pela camara, mostra bem que não quer fingir economias, mas que sejam reaes as que propõe (apoiados).

Deu a hora, sr. presidente, e eu termino; mais tarde acabarei de responder ao illustre deputado.

Vezes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Rectificações

No discurso do sr. deputado Alcantara, proferido na sessão de 10 de maio, a pag. 586, col. 2.ª, onde se lê — obsecrar = deve ler-se = obedecer =; a pag. 589, col. 2.ª, onde se lê = O illustre relator, passando a tratar da saude naval e do ultramar = deve ler-se — O illustre relator, passando a tratar da repartição de saude naval e do ultramar =.

Parecer

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente o requerimento em que D. Carlota Rita Borges de Moraes e Castro, viuva do major de infanteria addido a veteranos, Luiz de Almeida de Moraes e Castro, pede que lhe seja applicavel a carta de lei de 11 de março de 1862, para os effeitos de tornar a receber a pensão que tinha obtido pelos serviços de seu primeiro marido, e que perdeu por ter passado a segundas nupcias.

A vossa commissão considerando que a concessão pedida equivale ao requerimento de uma nova pensão, e tendo em vista o disposto no artigo 75.º da carta constitucional e as disposições da lei de 11 de junho de 1867, é de parecer que o referido requerimento seja remettido ao governo, para o tomar na consideração que for devida.

Sala das sessões da commissão, em 9 de maio de 1871. = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Antonio Rodrigues Sampaio = José Dionysio de Mello e Faro = João Henrique Ulrich = Mariano Cyrillo de Carvalho = Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Parecer

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foram presentes os requerimentos em que D. Emilia Schiappa Mon-

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teiro, D. Maria de Portugal e Castro Tinoco e D. Gualdina Urbana Nunes Torres pedem ás côrtes a concessão de pensões em remuneração dos serviços de seus defuntos maridos, allegando a segunda das requerentes tambem os serviços do seu fallecido pae.

A vossa commissão, tendo em vista o disposto no artigo 75.° da carta constitucional e na lei de 11 de junho de 1867, é de parecer que os referidos requerimentos sejam remettidos ao governo, para serem tomados na consideração que merecerem.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 9 de maio de 1871. = José Dionysio de Mello e Faro = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Mariano Cyrillo de Carvalho = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Antonio Rodrigues Sampaio = João Henrique Ulrich.

Em virtude de resolução da camara publicam-se as seguintes representações

Senhores deputados da nação portugueza. — O sublime principio da fraternidade, prendendo os individuos e as nações, é a pedra angular em que se apoia o magestoso edificio da civilisação. Tudo o que tende a desenvolve-la é uma conquista do progresso; todos os que n'ella trabalham são verdadeiros apostolos do futuro. Se ainda ha pouco vimos dois povos despedaçando-se n'uma guerra fratricida, em compensação presenciâmos diariamente a fraternidade irradiando nas exposições universaes, nos congressos scientificos, nas associações economicas, emfim em todos os angulos da moderna sociedade.

N'este sentido a lei hespanhola de 6 de fevereiro de 1869, que deu validade em Hespanha aos diplomas litterarios do nosso paiz, foi mais um laço que prendeu as duas nações da peninsula; e o projecto de lei do sr. deputado Caldas Aulete, alem de satisfazer a um dever de cortesia, é mais uma applicação do sacrosanto principio da solidariedade humana.

Os abaixo assignados, estudantes da universidade de Coimbra, vem por isso erguer a sua voz perante o parlamento portuguez, pedindo-lhe que não recuse a sua approvação a este projecto, cujos resultados promettem ser excellentes.

A instrucção publica em Portugal, embaraçada nas peias de uma organisação anachronica, ha muito que reclama a liberdade de ensino que a doire e fecunde.

O projecto do sr. Caldas Aulete, approximando nos d'este ideal, deve ser saudado como um progresso por todos os homens liberaes.

Demais, senhores, o principio da concorrencia universal, levantando o merecimento acima das mediocridades interesseiras é, como sabeis, a grande alavanca do progresso scientifico e industrial. Abra-se pois vasto campo a todas as actividades, e n'esta cruzada incessante obtenha cada um o premio e os louros conforme o seu trabalho e talento.

Admittindo ainda que o projecto apresentado offenda nos primeiros tempos o interesse de alguns individuos, como acontece com todas as medidas reformadoras, em breve as leis economicas restabelecerão o equilibrio levemente perturbado.

Quando se trata da verdade e da justiça emmudeça o egoismo, desappareçam os preconceitos e levante se triumphante a bandeira da liberdade.

Coimbra, 25 de abril de 1871. = Fernando Chrysostomo de Gouveia Pinto, estudante do 5.° anno juridico; Manuel Joaquim Massa, estudante do 4.° juridico; Adriano Anthero de Sousa Pinto, estudante do 4.°jurídico; Sebastião Antonio de Seixas, 3.° juridico; Luiz de Andrade, 1.° mathematico; Francisco de Meirelles Leite Pereira, 5.° juridico; Annibal Correia Taborda, 3.° juridico; Manuel de Campos Carvalho, 3.° juridico; José Guilherme Pereira Barreiros, 3.° juridico; João Taborda de Magalhães, 3.° juridico; Antonio Maria Pina de Azevedo Castel-branco, idem; José Lapa Fernandes Manuel, idem; Alves de Moraes, 3.° anno juridico; Eduardo Abranches Ferreira da Cunha, 5.º anno de direito; Augusto Alves de Almeida Araujo, 3.° anno juridico; Alvaro de Mendonça Machado e Araujo, 3.º anno juridico; Alfredo Carlos Passanha, 3.° anno juridico; Antonio Baptista de Sousa, 4.° anno juridico; José Rodrigues de Almeida Ribeiro, 2.º anno juridico; Manuel da Silva Tojeiro Guimarães Junior, 3.º anno juridico; Antonio Maria Jalles, 4.° anno juridico; Albano de Mello Ribeiro Pinto, 4.º anno de direito; Abel de Matos Abreu, 4.º anno juridico; E. R. Hintze Ribeiro, 5.° anno juridico; I. I. da Costa Pinto Sant’Tago, 1.º anno juridico; Gil da Silva, 2.º anno juridico; Albertino Carlos da Costa, 2.º anno juridico; João Manuel Correia Taborda, 5.º anno juridico; Vicente R. Monteiro, 5.° anno juridico; Bernardo Doutel, 5.° anno juridico; José Joaquim do Couto Feijó, 3.° juridico; Domingos Antonio Torres, 2.º juridico; Fernando Pereira Palha, 3.° juridico; Alberto de Sousa Larcher, 3.° juridico; A. Guerra Junqueiro, 3.° juridico; J. J. Borges de Azevedo Ennes, 3.° juridico; Matheus Teixeira de Azevedo, 3.° juridico; José Joaquim de Sousa Cavalheiro, 3.º juridico; João Penha, 3.° juridico; Alves da Veiga, 4.° juridico; José Neto Parra, 3.° juridico; José Antonio Correia da Silva, 2.° theologia e 3.° juridico; Sebastião Conde, 5.° juridico; Antonio Augusto Cabral, 5.º juridico; José Victorino de Freitas, 1.° anno mathematico e philosophico; Luiz Lopes de Mello, 1.° anno de mathematica; Augusto Cesar de Sá, João Manuel Martins Manso, 1.° anno juridico; José Augusto Alves de Magalhães, 1.° anno juridico; Anselmo Augusto Costa Xavier, 1.° anno juridico; Cazimiro Augusto Pinto de Magalhães, 1.° anno juridico; José Dias da Silva, 1.º anno juridico; Eduardo Roseiro de Matos Coelho, 1.º anno juridico; Manuel de Castro Sampaio, 1.° anno juridico; Joaquim Alves Cardoso Borges Carneiro, 1.º anno juridico; José A. Diniz Ferreira, 3.° anno juridico; João Victorio Pareto, 5.° anno juridico; José Julio Martins Correia, 1.° anno mathematico.

Senhores deputados da nação portugueza. — Os abaixo assignados, alumnos da escola medico cirurgica de Lisboa, vem perante o parlamento representar contra o projecto de lei do sr. deputado Caldas Aulete, de 10 de abril de 1871, no qual se estabelece que as certidões de exame e cartas de curso de qualquer escola de Hespanha sejam validas em Portugal sem dependencia de novo exame, isto é, que se faça na lei de 24 de abril de 1861 e demais legislação correlativa uma excepção exclusiva para o vizinho reino.

Contra a inconveniencia e insufficiencia d'aquelle projecto surgem tantas considerações e de tal ordem, que os alumnos da escola medico-cirurgica abaixo assignados entendem do seu dever aponta-las ao poder legislador, ao qual está confiado o alto encargo de regular, por meio de medidas sabias e prudentes, o bem estar dos povos.

Não caminhâmos de certo na vanguarda das nações mais civilisadas e ricas de illustração, para que não devamos estabelecer relações com as que mais avançadas nos progressos das sciencias, das artes, e das industrias nos podem transmittir parte da sua luz. Repudiar os meios que nos levassem ao contacto com as nações da Europa, onde a actividade humana tem attingido as mais brilhantes manifestações do genio, seria fugir ás leis do progresso, seria chamar sobre nós o desagradavel estygma de retrogados.

Toda a medida legislativa que não comprehenda, n'este sentido, a maxima communidade das nações cultas, é anti-liberal e incapaz de produzir em seus resultados os beneficios tendentes a melhorar as condições dos povos. Procura o fraco o auxilio do forte; o ignorante a luz do sabio; e se é por este principio que existem entre as grandes e pequenas nações as allianças offensivas e defensivas, porque não havemos nós de procurar nas mais illustradas os meios de nos illustrarmos tambem? Se o precisâmos, é erro imperdoavel que o amor proprio levante barreiras con-

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tra a alliança que naturalmente deve ser procurada pelo menos forte.

Tão convencida d'esta verdade estava a Hespanha que, logo depois da revolução de 1868, foram decretadas medidas tendentes a dar o maximo desenvolvimento aos differentes ramos da instrucção publica. Uma d’ellas nos chama especialmente a attenção: é o decreto de 21 de outubro d'aquelle anno, que instituiu a liberdade de ensino. A consequencia immediata e logica de tal decreto era a aceitação em Hespanha de todos os diplomas, de qualquer ramo scientifico, obtidos em paiz estrangeiro; e o governo hespanhol comprehendeu tão bem a fatalidade d'este cerollario, que em 6 de fevereiro de 1869 publicava um decreto, segundo o qual eram validos n'aquelle paiz os titulos scientificos obtidos não só em Portugal, mas em qualquer outra nação.

Hoje, dois annos depois da promulgação d'esta ultimo decreto, é apresentada no parlamento portuguez uma proposta de lei, pela qual os titulos scientificos obtidos em Hespanha são, validos em Portugal. Que vantagens poderão advir para o nosso paiz da adopção d'este exclusivismo, quer relativamente á sciencia, quer relativamente; à humanidade? Ou os medicos hespanhoes são acertos pela superioridade dos seus conhecimentos, ou elles vem soccorrer com os seus serviços a população enferma, em consequencia da falta de facultativos nacionaes. Na primeira hypothese, seria illogico e prejudicial o exclusivismo, que abre as portas aos facultativos hespanhoes, e as conserva fechadas aos de outras nações, por certo mais adiantadas na sciencia, privando-nos assim dos Nélton, dos Wirchow, dos Billoth, dos Chaurchil, dos Sigmund, e de tantos outros emfim cujos nomes firmam as mais brilhantes paginas das sciencias medicas. Se a sciencia é uma, se o progresso está na rasão directa da sua cultura, se na confraternidade dos homens mais eminentes nas sciencias e nas letras consiste o verdadeiro meio de generalisar a luz: que projecto é então esse que nos faculta apenas a luz reflexa da sciencia, privando-nos da que directamente dimana dos fócos onde ella é mais brilhante e poderosa?

Se considerâmos a segunda hypothese, todos sabem que nem a inferioridade de numero, nem a inferioridade de habilitações scientificas dos medicos portuguezes poderia adduzir-se como argumento em favor da opportunidade do projecto; porquanto n'um paiz de 4.000:000 habitantes é claro que os facultativos habilitados, e pelo modo por que o são nas nossas escolas, satisfaçam cabalmente às necessidades clinicas. A perfeita correlação entre essas necessidades, e o numero dos facultativos habilitados pelas nossas escolas para as satisfazer, já foi ponderada pelos alumnos, da escola medico cirurgica de Lisboa, quando em 1870 representaram contra a creação dos cirurgiões ministrantes em Portugal; e não podiam elles n'esta occasião ficar silenciosos, e deixar de reclamar, sob pena de incoherencia, contra um projecto de lei, que aos ministrantes portuguezes vem acrescentar os ministrantes hespanhoes, que ainda existem no vizinho reino; pois para aquelles, cirurgiões de meia sciencia não se faz excepção no alludido projecto.

Legislar simplesmente em virtude de reciprocidade internacional seria desconhecer ou olvidar rasões de mais alta conveniencia humanitaria. Se o projecto não é liberal, não basta a reciprocidade para o justificar; se pretende ser liberal, então eleve-se á altura dá idéa que deve representar, e dê-se-lhe a extensão em harmonia com os bons. principios da rasão e da liberdade. É innegavel que á Allemanha, á França e ás demais nações cultas devemos a maior parte, senão toda a nossa instrucção medica; e se para a Hespanha se invoca a cortezia, para aquellas invoque se ao menos a gratidão.

Não são sómente os diplomas e certidões que os estrangeiros obtem nos estabelecimentos de ensino dos seus paizes, que o exclusivismo do projecto invalida; essa injusta excepção alcança os das nossas proprias escolas e os nossos proprios irmãos. Attestam-o a existencia de lyceus de 1.ª e 2.ª classe, não tendo valor nos primeiros as certidões obtidas nos segundos; a obrigação imposta ao estudante de repetir os exames da mesma disciplina, quando pretende passar de uma para outra escola analoga, como succede entre a academia polytechnica do Porto e a escola polytechnica de Lisboa; a impossibilidade mesmo de o fazer quando de qualquer d'estas deseja transitar para a universidade. Ora, o artigo 1.° do projecto estabelece que «as certidões de approvação de qualquer estabelecimento de ensino publico de Hespanha serão válidas em Portugal». Será a disposição d'este artigo compativel com a legislação vigente do nosso paiz? De certo que não. Pois se as certidões de approvação, obtidas n'um lyceu de 2.ª classe, não têem valor n'um lyceu de 1.ª; pois se o mesmo facto se dá nas nossas academias, estabelecidas em igualdade de circumstancias; como podemos nós admittir, em face do projecto, a validade de certidões obtidas nos estabelecimentos scientificos de Hespanha para a mesma disciplina, quando não admittimos as dos nossos proprios estabelecimentos? Tendo as escolas de Hespanha diversas categorias, seria necessario que os cursos n'ellas professados estivessem em harmonia com os nossos, para que não houvesse vantagens para aquelles estrangeiros e injustiça para os nacionaes.

Pela nossa actual legislação, os medicos portuguezes formados em universidades estrangeiras, ainda de primeira ordem, são obrigados a passar pelo exame a que se refere o artigo 3.° da lei de 24 de abril de 1861, quando queiram exercer a profissão no seu paiz. Não seria justo, nos parece, que dessemos aos medicos hespanhoes direitos, dos quaes não vemos rasão para serem excluidos os medicos portuguezes. Apesar de formados em universidades estrangeiras, esses medicos continuam a ser cidadãos portuguezes; mas o projecto em questão priva-os de direitos, que aliás concede aos cidadãos hespanhoes.

Dado mesmo que esses medicos devam ser considerados como medicos estrangeiros, ainda é manifesta a injustiça. Como havemos nós de obrigar ás provas o medico allemão, o francez, o belga, quando os seus livros nos servem de compendios, quando a sua sciencia é a que domina as nossas escolas? Obrigar um Casper, um Tardieu a um exame de medicina legal; um Jaccoud a um exame de pathologia; um Sédillot a um exame de medicina operatoria.. seria cumprir a lei, mas seria tambem caír no ridiculo de auctorisar o discipulo a examinar o seu mestre.

É pois especialmente contra a insufficiencia do projecto que os alumnos da escola medico-cirurgica de Lisboa vem representar. Não vêem elles rasão alguma plausivel para que uma medida, sob pretexto de principio liberal, comece por abrir as portas do nosso paiz aos medicos hespanhoes, deixando-as cerradas aos das importantes escolas dos paizes, que nas sciencias e nas letras têem sempre dado a lei; a Hespanha vae, como nós, buscar ás origens d'onde dimana a grandes jorros a luz da sciencia todo o cabedal dos seus conhecimentos; a Hespanha começa por admittir no seu seio os medicos de todas as nações; nós, collocados em igualdade de circumstancias, repellimos os que se encarregam de diffundir e enriquecer com seus conhecimentos e trabalhos o capital scientifico; a Hespanha procura attrahir a si e dá livre pratica aos que são mestres em todo o mundo; nós rejeitâmos estes, e tentamos importar os discipulos, que tendo com elles aprendido raro os têem conseguido igualar.

Entre se, pois, francamente no caminho da liberdade, dêem-se desassombradamente os primeiros passos n'esta cruzada do progresso, decrete-se o livre ensino, uniformisem-se os estudos das escolas portuguezas; e abrindo os braços aos filhos dos estabelecimentos scientificos de todos os paizes cultos, procuremos converter o trabalho individual em proveito da humanidade. Lisboa, 6 de maio de 1871. = Clemente dos Santos, Agos-

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tinho Lucio e Silva, Antonio Monteiro Lopes Rebello da Silva, Francisco Augusto de Oliveira Feijão, Joaquim Pedro Alves Crespo, João de Cupertino Ribeiro, Joaquim de Matos Chaves, Justino Xavier da Silva Freire, Antonio Joaquim de Oliveira, José Emygdio da Conceição Flores, Antonio da Silva Oleiro, Rafael Antonio Pereira, José Damião Felix, João Antonio Fernandes Bragança, Antonio Ignacio de Sequeira, Abilio Pinto de Mascarenhas, Gregorio Rodrigues Fernandes Junior, Arthur Ravara, Marcellino Hermenegildo Egypto Peres, José Gregorio de Salles, Carlos José Moreira, João Guilherme Torquato dos Reis Campos, Ramiro Guedes, Agostinho Bernardo Vidal da Gama, Pedro Delfim de Aguiar, Joaquim Manuel Castelmo, Joaquim da Cunha e Sousa, João Victor de Albuquerque, João Vicente Barros da Fonseca, Arsenio Leonel de Medeiros, Olympio Pessoa, Ignacio França, Manuel Maria Bordallo Prostes Pinheiro, Guilherme Augusto de Faria Godinho, Joaquim Mario V. de Castro, Antonio José dos Santos Bastos, José Victor Carril Barbosa, Hypolito de Senna Barcellos, José Antonio Serrano, Salvador Maria de Sousa, Antonio Duarte Ramada Curto.

Os abaixo assignados, estudantes da escola medico-cirurgica do Porto, associam-se inteiramente ao pensamento dos seus collegas de Lisboa, relativo á representação que vae ser dirigida á camara dos senhores deputados, pedindo que seja rejeitado o projecto pelo qual se quer conferir aos individuos habilitados com titulos scientificos, passados em Hespanha, as garantias concedidas aos individuos habilitados nos nossos estabelecimentos scientificos.

Os estudantes do 1.° anno, José Francisco da Costa Santos, Antonio Fernandes, Antonio Joaquim de Matos, Albano Abilio de Sousa Correia, Antonio Ignacio Coimbra, Joaquim Germano Coelho de Sousa Leão, José Alves Teixeira, Manuel Francisco Ramos, Antonio Joaquim da Rocha, Bernardino de Senna e Almeida Morujão, Agostinho Antonio Leitão de Matos. — Os estudantes do 2.° anno, José de Mello Ferrari, Domingos Ennes Ramos Fontainhas, Silvino Augusto Ribeiro Abranches Castello Branco, Francisco de Sousa Oliveira, José Luciano Alves Quintella, Eugenio Mendes de Freitas Ribeiro, Antonio de Azevedo Maia, Joaquim Maria Dias, Antonio Maria Mendes Correia, Sebastião Simões Pereira, Manuel Lourenço Torres, Antonio Francisco da Silva Junior, Manuel Augusto Gonçalves Pavão, José Antonio Pinto Fontes, Antonio Augusto de Mello Pinto e Vasconcellos, Manuel Rodrigues Pereira de Carvalho, Antonio Joaquim de Oliveira Castro, Manuel Marques da Costa, Joaquim Augusto da Silva Ribeiro, Alfredo Augusto Leal. — Os estudantes do 3.º anno, Antonio Rodrigues de Oliveira Pinto, Manuel Rodrigues da Silva Pinto, José Antonio de Anciães Proença, Estanislau Grant, José Antonio Alves Ferreira de Lemos, Vicente Carlos de Sousa, Antonio Augusto da Costa Sampaio, José Augusto de Figueiredo, Pedro Augusto de Anciães Proença, Antonio Ramos Moutinho de Almeida e Sousa, João de Oliveira Baptista, Antonio Torquato Teixeira, Joaquim Rodrigues de Carvalho, Manuel de Jesus Antunes Lemos, Manuel Caetano da Cunha, Ayres de Araujo Maia, José Barbosa Leão, José de Mesquita Nogueira. — Os estudantes do 4.º anno, Lourenço Rodrigues Padim, Antonio Zagallo Gomes Coelho, João de Oliveira Gomes, Manuel Dias da Silva, José Manuel Teixeira de Castro, Domingos da Silva Pinho Martins, Antonio Bruno da Silva Maia, Leonardo Moreira Leão da Costa Torres. — Os estudantes do 5.° anno, Francisco da Silva e Castro, Eduardo Moreira Pinto, Joaquim Borges Garcia de Campos, Candido Ribeiro Novaes e Faria, Augusto Henrique de Almeida Brandão, José de Sousa Coelho, Manuel Antonio Ferreira Pinto da Cunha, José Pinto de Magalhães Aguiar, Ernesto Teixeira de Menezes e Lencastre, Thomás Tavares Coutinho.

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