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SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueîra

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de requerimentos, representações, notas de interpellação e projectos de lei. — Ordem do dia: Continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha.

Chamada — 40 srs. deputados.

Presentes á primeira chamada, á uma hora da tarde — os srs. Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Freire Falcão, Sousa de Menezes, Santos Viegas, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Coelho do Amaral, Barros Gomes, Zuzarte, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Mexia Salema, Julio Rainha, Affonseca, Marques Pires, Lisboa, D. Miguel Coutinho, Visconde de Montariol.

Presentes á segunda chamada, á uma hora e meia da tarde — os srs.: Alberto Carlos, Braamcamp, Antunes Guerreiro, Pequito, Augusto de Faria, Van-Zeller, Santos e Silva, Candido de Moraes, Gusmão, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, Teixeira de Queiroz, Luiz de Campos.

Entraram durante a sessão — os srs. Pereira de Miranda, Villaça, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, A. J. Teixeira, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Eça e Costa, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Costa e Silva, Bicudo Correia, F.M. da Cunha, Guilherme Quintino, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Lobo d'Avila, Dias Ferreira, Mello e Faro, José Luciano, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, Julio do Carvalhal, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha, Visconde de Valmór.

Não compareceram — os srs: Osorio de Vasconcellos, Pedroso dos Santos, Antonio de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Palma, Mártens Ferrão, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Augusto da Silva, Nogueira Soares, J. A. Maia, Figueiredo de Faria, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, José Tiberio, Lopo de Mello, Luiz Pimentel, Camara Leme, Pedro Franco, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINHO PELA MESA

Representações

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenharia districtal

1.ª Da camara municipal de Lamego.

2.ª Da camara municipal de Estarreja.

3.ª Da camara municipal da Arruda.

Pedindo que se lhes tornem extensivas as disposições da lei de 11 de setembro de 1861

Dos officiaes de diligencias da comarca de Lamego. Ácerca de outros assumptos

1.ª Dos empregados de 3.ª e 4.ª classe da direcção dos telegraphos e pharoes do reino, pedindo uma subvenção alimenticia emquanto se não fizer uma reforma geral d'esse serviço.

2.ª Dos alumnos dos cursos de veterinaria e engenharia, professados no instituto geral de agricultura, pedindo que não seja approvado o projecto de lei do sr. Caldas Aulete, relativo á validade em Portugal dos diplomas scientificos passados em Hespanha.

Foram remettidos ás respectivas commissões.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja mandada a esta camara, com urgencia, uma nota que mostre quando foi eleita a camara municipal de Chaves, que ora está funccionando, e quando tomou posse da gerencia municipal; indicando quaes os motivos do grande intervallo entre a eleição e a posse? Que protestos ou recursos houve? Que tramites seguiram? Quando e por quem foram decididos? Em que lei foi fundada a demora que houve na resolução d'este negocio?

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

2.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam mandadas a esta camara, copias das actas de todas as convocações e eleições que houve durante o anno passado, no concelho e villa de Valle Passos, para a eleição de dois procuradores á junta geral, indicando qual o resultado de tantas eleições e se depois d'ellas todas, foram chamados os novos eleitos, ou os procuradores do biennio anterior? E o porque?

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

3.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja exigida ao recebedor do concelho de Murça, e não ao escrivão de fazenda, e remettida depois a esta camara, uma nota dos quinze maiores contribuintes, por contribuição predial, e residentes n'aquelle concelho, indicando o que cada um d'elles pagou nos dois ultimos annos, por bens situados no mesmo concelho.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja mandada com urgencia, a esta camara, uma nota do custo da corveta Damão; e que indique quando foi começada e quando concluida; e o motivo da sua incapacidade para o serviço.

Requeiro tambem que, pelo mesmo ministerio, seja mandada outra nota, que mostre qual tem sido a duração da corveta D. João I desde que foi lançada ao mar, o qual foi a duração do brigue Villa Flor.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

5.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja mandada com urgencia a esta camara, uma nota demonstrativa do custo total de cada uma das quatro corvetas a vapor, Infante D. João, Sá da Bandeira, Duque de Palmella e Duque da Terceira; e das despezas que já depois de concluidos os quatro navios, foi mister fazer com elles em concertos e grandes reparações.

Peço outrosim que, pelo mesmo ministerio, seja remettida uma nota do custo da corveta Estephania, do tempo que tem de serviço, e dos gastos que se têem feito até hoje com as suas reparações.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

6.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja mandada a esta camara, com urgencia, uma nota que demonstre:

I. Em que dia foi apurado o concelho municipal de Murça, para o biennio que está correndo?

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II. Se a camara municipal é a mesma que serviu no bienio passado, n'aquelle concelho?

III. Que impedimento teve ella para não apurar o conselho municipal, nos dias marcados pelo codigo administrativo?

IV. Porque rasão não apurou para o concelho municipal os cinco cidadãos mais collectados por contribuição predial, residentes no concelho, e a maior parte d'estes na mesma villa de Murça?

V. Quando communicou aquella camara ao governador civil a organisação do seu conselho municipal?

VI. Quando foi recebida no governo civil esta communicação.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

7.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja mandada a esta camara uma nota, aonde com urgencia se satisfaça ao seguinte:

I. Porque foi desprezado pelo concelho de districto de Villa Real um requerimento, em que muitos dos maiores contribuintes do concelho de Murça se queixaram no anno passado de não terem sido chamados para fazerem parte do concelho municipal, e pediram que se lhes fizesse justiça cumprindo-se a lei?

II. Se a junta geral d'aquelle districto, que está funccionando, se compõe dos procuradores eleitos no anno passado, se dos do biennio anterior, se de uns e de outros? e a rasão porque?

III. E no caso de ser illegal a origem do concelho de districto, se são legaes os seus actos.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas ácerca dos seguintes pontos:

1.° Construcção do lazareto da Horta determinado por lei de 3 de dezembro de 1871.

2.° Projecto para a construcção de um porto artificial nas bahias da Horta determinado por lei de 20 de julho de 1864.

3.° Estações telegraphicas nas ilhas dos Açores.

Sala das sessões, 12 de maio de 1871. = João Candido de Moraes.

Mandou-se fazer a devida communicação.

Participações

1.° Participo a v. ex.ª que o sr. deputado Mendonça Cortez por incommodo de saude não assistiu á sessão de hontem nem póde assistir á de hoje.

Sala das sessões, 13 de maio de 1871. = Adriano Machado.

Inteirada.

2.ª Por motivo justificado não compareci á sessão de 9 do corrente.

Sala das sessões, 13 de maio de 1871. = Paes Villas Boas.

Inteirada.

O sr. Luiz de Campos: — Participo á camara que o sr. Francisco Antonio da Silva Mendes não tem podido comparecer ás ultimas sessões, em consequencia da grave doença de sua mãe, doença que deu em resultado a morte; e não póde comparecer hoje, nem a mais algumas sessões.

O sr. Presidente: — Será desanojado.

O sr. Pinheiro Borges: — O sr. visconde dos Olivaes encarregou-me de participar a v. ex.ª e á camara que não tem comparecido, em consequencia de lhe ter fallecido seu tio, o sr. visconde de Oleiros.

Aproveito a occasião para pedir ás illustres commissões de administração publica e de fazenda, que attendam ás representações que têem sido dirigidas a esta casa por algumas camaras municipaes, por causa da remissão dos fóros inferiores a certa quantia.

É uma providencia esta muito necessaria, que as camaras tem pedido, e que lhes hão de augmentar os recursos, principalmente aquellas que não têem grandes rendimentos proprios.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mandei hontem para a mesa alguns requerimentos, e desejei dizer algumas palavras na occasião em que os apresentei, mas, como não tive tempo para isso, faço-o agora.

Mandei dois requerimentos pedindo informações pelo ministerio da marinha, e pedi a urgencia d'elles, por ser de toda a conveniencia que os esclarecimentos que peço venham á camara emquanto se discute o orçamento do ministerio da marinha. Creio que aquelles esclarecimentos que peço, demonstrarão que muitas e rasoaveis economias podem fazer-se no orçamento d'aquelle ministerio, que está em discussão, e mais ainda nos orçamentos futuros.

Os outros são pedindo informações pelo ministerio da fazenda e pelo ministerio do reino, sobre acontecimentos que se deram no districto de Villa Real, por occasião da eleição dos procuradores á junta geral de districto.

Pedindo estes esclarecimentos, não é meu intuito fazer mal, nem promover qualquer castigo contra os individuos que influiram nos abusos praticados n'aquelle d'istricto; move-me a isto unicamente o desejo que tenho de que venham á camara os documentos que pedi, pelos quaes a illustre commissão de administração publica, que tem de dar parecer sobre um projecto meu, e outro do sr. ministro do reino, sobre reforma de algumas disposições do codigo administrativo, reconhecerá de quanto urgencia e necessidade é discutirem-se esses dois projectos sobre administração publica, que são, como disse, um do sr. ministro do reino e outro apresentado por mim.

O codigo administrativo teve rasão de ser na epocha em que foi promulgado; agora velho, rachitico como está, acha-se fraco para resistir ás tricas e aos ardis das facções, e não tem rasão de ser.

É de urgencia que se reforme quanto antes; e é para isso e para evitar abusos incriveis, como os que presenciei e sabe todo o districto, que mandei para a mesa o projecto, pedindo a reforma de alguns artigos do codigo administrativo, propondo medidas que hão de cortar futuros abusos. Não pretendo remediar e corrigir o passado, pretendo acudir ao futuro. Era vasto o assumpto se eu quizesse discorrer sobre elle, mas por hoje limito-me a isto, por não roubar tempo á camara.

Quando aquelles documentos vierem, v. ex.ª, aquella illustre commissão e a camara verá quanta rasão eu tive para apresentar aquelle projecto.

Tenho dito por hoje.

O sr. Freire Falcão: — Mando para a mesa uma representação dos recebedores de comarca do districto de Bragança, na qual pedem que seja melhorada a sua posição.

As rasões em que se fundam acham-se desenvolvidas na mesma representação, por isso limito-me a manda-la para a mesa e a pedir a v. ex.ª que lhe dê o destino que se tem dado a outras que têem sido apresentadas no mesmo sentido.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa uma representação dos srs. juizes da relação dos Açores.

Estes cavalheiros, conhecedores das circumstancias que se dão a respeito da administração da justiça nos Açores, e da deficiencia que realmente existe n'essa administração da justiça, e zelosos, como bons magistrados, da independencia do poder judicial, reclamam instantemente á camara dos senhores deputados, a fim de que ella se sirva concorrer para que se converta em lei o projecto sobre o despacho dos juizes de 1.ª e 2.ª instancia e agentes do ministerio publico, que foi apresentado á camara em 1870 pelo sr. José Luciano de Castro, cuja iniciativa foi renovada por s. ex.ª na ultima sessão, e deve hoje estar affecta á commissão de legislação.

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Não é a primeira vez que fallo na urgente necessidade de attender a este importante serviço, porque a fórma porque geralmente os governos têem procedido em relação á collocação dos juizes e agentes do ministerio publico nas comarcas e na relação dos Açores tem sido tal, que dá em resultado que a maior parte do tempo estão as comarcas vagas, com grave damno para o serviço da administração da justiça.

Da mesma sorte a relação dos Açores está impossibilitada de funccionar a maior parte do tempo, e sendo uma instituição tão justa e proveitosa para os povos açorianos, convinha que o sr. ministro da justiça tivesse mais alguma attenção para com ella.

Na presente occasião estão apenas quatro ou cinco juizes n'aquella relação.

O sr. Mexia Salema: — Estão seis.

O Orador: — Os signatarios da representação são apenas quatro, alem do sr. presidente da relação; creio que de facto depois que esta representação me foi enviada, foi para lá mandado mais um sr. juiz de direito. Mas é muito facil que dando-se o impedimento de um, a relação fique ainda assim impossibilitada de funccionar; e os processos terão de vir para a relação de Lisboa, se esta se não declara incompetente, com grave prejuizo das partes, que têem muito mais difficuldade em tratar cá dos seus negocios, e têem alem d'isto, de fazer despezas muito superioros.

Insisto portanto no pedido dos srs. juizes da relação dos Açores; espero que o sr. ministro da justiça me ha de auxiliar n'esta pretensão, e que a illustre commissão de legislação dará prompto andamento a projecto de lei que está em seu poder e que está dependente de uma resolução sua.

Estou convencido de que, se o projecto do sr. José Luciano não satisfaz completamente, o que para mim é puramente hypothetico, ás necessidades do serviço, é todavia uma optima base para sobre ella se apresentar um trabalho que satisfaça cabalmente.

Não faço a apreciação do projecto do sr. José Luciano, e v. ex.ª comprehende que devo abster-me de a fazer emquanto a commissão de legislação, a mais competente sem duvida para pronunciar a sua opinião a este respeito, não der o seu parecer, porque não me compete a mim mais do que manifestar o desejo que tenho de que se attenda com urgencia a um negocio que carece de uma prompta resolução.

Mando a representação para a mesa; e peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente que ella seja publicada no Diario do governo.

O sr. Affonseca: — Mando para a mesa duas representações: uma dos escreventes de cartorios e fieis da cidade do Funchal, reclamando contra a taxa industrial; e outra dos artistas e operarios do Funchal, reclamando no mesmo sentido.

Peço a v. ex.ª que mande dar-lhes o devido destino.

O sr. Braamcamp: — Ha dias occupei a attenção da camara pedindo alguns esclarecimentos ao sr. ministro do reino a respeito da dissolução da mesa da misericordia da villa de Monsão.

Estes esclarecimentos ainda não vieram. E á vista de novas queixas que se apresentam sobre o modo por que foi dada posse á nova mesa, e as circumstancias que acompanharam este facto, eu remetto para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino, pedindo a s. ex.ª que tome conhecimento d'estes factos, e se declare depois habilitado para responder á interpellação.

O sr. Mexia Salema: — Eu vi com muita satisfação que foi apresentada pelo meu collega e amigo, o sr. Candido de Moraes, uma representação assignada pelos meus distinctos collegas, juizes de 2.ª instancia, na relação dos Açores.

De certo s. ex.ª era mais competente do que eu para a apresentar, até mesmo porque representa os povos açorianos, a quem mais interessa o que se pede n'aquella representação.

Eu associo-me inteiramente ás idéas d'aquelles meus collegas, porém com a differença que eu já aqui fiz sentir uma vez, quando disse que entendia que era muito attendivel e que se devia, tomar em consideração o projecto apresentado pelo sr. Luciano de Castro, quando era ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, a respeito das transferencias dos juizes tanto de 1.ª como de 2.ª instancia do districto da relação dos Açores.

Eu disse que me não conformava com algumas das disposições d'esse projecto, mas entendia que a quasi totalidade d'ellas eram muito justas e muito aproveitaveis, e que era necessario tomar de prompto uma resolução sobre o seu assumpto, não só para bem dos povos do districto d'aquella relação, mas para bem dos proprios juizes, porque não era justo que elles continuassem ali esquecidos, e que fossem despachados para o reino juizes que ainda não eram da mesma categoria d'aquelles que lá estavam despachados (apoiados).

Eu disse por essa occasião que o sr. Luciano de Castro tinha renovado a iniciativa d'esse seu projecto e de outros mais, muito bem elaborados por s. ex.ª n'esse tempo em que foi ministro da justiça; e digo agora tambem que me parece que esses papeis ainda não se achavam na commissão de legislação, de que eu faço parte, porque não tenho conhecimento nenhum de que elles tenham sido distribuidos a algum dos membros da commissão.

E visto que os meus illustres collegas juizes pedem que se tome conhecimento d'esse projecto, uno o meu pedido ao seu pedido expressado na sua representação, e reclamado pelo illustre apresentante d'ella.

Em consequencia do que peço a v. ex.ª que faça remetter á commissão aquelle projecto, cuja iniciativa foi renovada pelo seu auctor o sr. José Luciano, para depois se estudar o projecto e ver o que o actual sr. ministro da justiça admitte n'elle.

O sr. Presidente: — Uma vez que foi renovada a iniciativa do projecto, vae ser enviado á commissão.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre um projecto para a concessão á empreza do theatro figueirense de um terreno conquistado ao rio Mondego, para a edificação de um theatro.

Mando tambem para a mesa o parecer ácerca do orçamento da junta do credito publico.

Aproveito a occasião para participar a v. ex.ª que não compareci ás sessões de 9, 10 e 12 do corrente por motivo de doença.

E mando para a mesa um projecto de lei (leu).

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa um requerimento do sr. Joaquim Possidonio Narciso da Silva, architecto civil que deliniou as obras da camara onde estou fallando e onde v. ex.ª está presidindo.

Ha dias, um dos meus honrados collegas n'esta casa o sr. Mello e Faro apresentou um requerimento a fim de se verificar o que se devia das obras da camara dos pares, e disse com muita rasão que era necessario liquidar essa quantia, porque achava pouco conveniente que o corpo legislativo, ou parte d'elle estivesse devendo o fructo do trabalho com que tinha sido feita a sala onde funccionava, mas não sabia eu que na mesma sala onde estou fallando se dava o mesmo inconveniente, isto é, que nós devemos tambem as obras da sala onde estamos funccionando.

Effectivamente esta sala foi feita em 1834 não como está hoje, porque o tecto então era de estuque e hoje é de lona. O antigo destruiu-se antes de estarem pagas as obras. Tanto se demorou o pagamento! Foi mandada fazer esta sala por ordem do Imperador, e fez-se em cincoenta e dois dias, não existindo, quando ella se principiou, nem uma parede. Trabalharam nos ultimos dias 1:200 operarios, do dia e do noite, para se concluir, pois estava proxima a epocha em que devia, abrir-se o parlamento.

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A obra fez-se como o Imperador ordenára, mas ficou-se ainda devendo ao architecto a quantia de 2:068$000 réis, quantia que por mais de uma vez o sr. Narciso da Silva tem requerido lhe seja paga. Já houve ordem de pagamento pelo parlamento em 1834, mas ainda se não realisou esse pagamento, por muitas rasões que ha sempre para não pagar.

Este negocio está ha muito tempo affecto á commissão administrativa d'esta camara, na qual já existe um requerimento pedindo este mesmo pagamento, mas como ainda não houve resolução alguma a este respeito, eu mando para a mesa outro requerimento, a que podem dar o nome de memorial, mas de facto é um requerimento como outro qualquer.

Visto que se toma em consideração a divida da camara dos pares, é justo que se pague o que se deve ainda das obras d'esta camara.

Aproveito a occasião de estar presente o sr. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros, para perguntar se s. ex.ª faz tenção, como imagino que deve fazer, de mandar os documentos diplomaticos impressos que costumam ser enviados a esta camara.

As circumstancias actuaes da Europa são muito graves, ou por outra, as relações dos differentes estados entre si, e portanto as do nosso pequeno estado com os outros estados da Europa, variaram completamente pelas alterações que soffreu o equilibrio europeu.

Todas as questões que prendem com estas alterações das circumstancias da Europa têem grande interesse para nós, e o parlamento, que fiscalisa todos os serviços, e que se instruo ácerca de todas as circumstancias que dizem respeito aos interesses do paiz, tanto nas suas relações internas como externas, é igualmente empenhado em estudar estas questões.

O sr. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros, que é um dos mais antigos parlamentares do nosso paiz, dos que mais zelaram sempre as prerogativas do parlamento, e que mais conhece a importancia d'ellas, de certo não estranha esta minha indicação, a qual não vae alem de uma simples pergunta, porque ainda que ácerca de outro qualquer assumpto relativo ás nossas relações diplomaticas eu podesse dizer mais alguma causa, escolheria antes o meio de mandar para a mesa uma interpellação. N'estes assumptos o governo não deve ser tomado de improviso, e tem o pleno direito de reservar as respostas para quando julgar conveniente, porque n'isso mesmo é interessada a nação, de que nós somos representantes.

O sr. Presidente de Conselho e Ministro dos Negocios Estrangeiros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Assevero ao illustre deputado que já dei ordens ha tempo para se fazer a collecção de todos os documentos que póde ser conveniente que sejam examinados no parlamento, pelas rasões que o illustre deputado produziu, e muito bem, e que eu escuso de repetir.

Tenho a agradecer ao illustre deputado as expressões benevolas que empregou a meu respeito.

Espero que essa collecção esteja prompta para ser distribuida a esta camara, emquanto estiver aberta, e mesmo que não chegasse a tempo, não tinha duvida de a mandar distribuir por casa dos srs. deputados; mas espero que a publicação esteja concluida dentro em pouco tempo, a fim de que aquelles documentos possam ser examinados pelos srs. deputados e fazer sobre elles as ponderações que julgarem convenientes.

O sr. Barjona de Freitas: — Mando para a mesa uma nota de interpellação (leu).

Entendo que não é agora a occasião propria para fazer considerações a este respeito.

O sr. Francisco Albuquerque: - Tive agora noticia de que tinha chegado á mesa a satisfação de um requerimento meu, já repetido em differentes sessões, pedindo um mappa ácerca da viação municipal; mappa que presta muitos esclarecimentos, e do qual julgo que a camara quererá ter conhecimento, por isso requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que esse mappa seja publicado no Diario das suas sessões. Julgo de maxima conveniencia que todos tenham conhecimento d'este mappa; não desejo ter o monopolio d'elle.

Aproveitando a occasião faço ao sr. presidente do conselho e ministro do reino o mesmo pedido, mas para outro fim, que lhe tem sido feito pelo meu illustre collega, o sr. Pedro Franco, para que s. ex.ª se dê por habilitado para responder á interpellação annunciada por aquelle deputado a que me referi, ácerca do procedimento da auctoridade administrativa do concelho de Belem.

Sobre aquella auctoridade pesa uma accusação gravissima. Era de maxima conveniencia que não se encerrasse a sessão sem que a interpellação se verificasse, porque do contrario podem ficar graves apprehensões ácerca da verdade dos factos e da responsabilidade d'aquelle funccionario, a ser verdadeira a accusação que lhe foi feita pelo sr. Pedro Franco.

Não desejo antecipar a discussão d'este assumpto aliás importante, e muito mais para aquelle funccionario, cuja dignidade se acha affectada; limito-me a chamar a attenção do sr. presidente do conselho para este assumpto, que é muito importante, pedindo-lhe que se dê por habilitado para responder á interpellação, porque é de maximo interesse para aquelle funccionario e em geral para todos os funccionarios. É bom que o procedimento das auctoridades seja discutido e analysado como realmente deve ser, e livre de quaesquer paixões politicas ou partidarias.

Tambem declaro que desejo tomar parte n'outra interpellação annunciada n'esta camara ácerca do procedimento tambem da auctoridade administrativa do concelho de Armamar.

Parece fado meu ter de defender accusações feitas a amigos meus, porque d'estes dois cavalheiros tive a satisfação de ser condiscipulo em todos os annos que frequentei a universidade; e por isso não podia deixar de me levantar para os defender, tanto mais quanto estão ausentes, e não têem assento n'esta camara.

Desejo, portanto, tomar parte nas interpellações, tanto em relação a este funccionario, como ao outro; e estou certo que as explicações que se derem, serão taes, que hão de deixar satisfeitos a camara e o paiz ácerca do procedimento d'estes dois funccionarios.

O sr. Presidente: — Queira mandar para a mesa por escripto o seu requerimento a respeito da impressão do mappa, para o sujeitar á votação.

O sr. Ministro do Reino (Marquez d'Avila e de Bolama): — Queria responder ao illustre deputado que pediu agora que me desse por habilitado quanto antes para responder sobre a interpellação que s. ex.ª deseja dirigir-me ácerca dos acontecimentos que tiveram logar em Belem, e do procedimento do administrador d'esse bairro. Quero unicamente assegurar a s. ex.ª, que d'este negocio me tenho occupado como devo; mas não posso declarar-me ainda habilitado para responder ao illustre deputado, porque não tenho ainda recebido todas as informações a que fiz proceder. Não tenho comtudo prejudicado a questão em cousa alguma.

Parece-me que comprehendo o espirito em que o illustre deputado quer fazer a sua interpellação.

Posso affirmar ao illustre deputado, que pelo procedimento que tenho tido, não tenho por fórma alguma compromettido qualquer decisão a favor ou contra o magistrado de que se trata. Não quero por fórma alguma fazer-lhe injustiça nem a pessoa alguma.

Concluo declarando que, logo que esteja habilitado com todos os documentos e com todas as informações a que mandei proceder, não terei duvida em me declarar prompto para responder á interpellação que me foi annunciada a este respeito.

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O sr. Arrobas (por parte da commissão de fazenda): — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda sobre dois requerimentos pedindo pensões.

A commissão conclue por que estes requerimentos sejam remettidos ao governo para os tomar na devida consideração.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Agradeço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a benevolencia com que respondeu á minha interpellação.

O sr. Candido de Moraes: — Eu tinha pedido a palavra para juntar as minhas instancias ás do illustre deputado, o sr. Francisco de Albuquerque, e por isso estimei muito que o sr. presidente do conselho desse ao sr. deputado algumas explicações que de certo o devem satisfazer, porque s. ex.ª disse que não se descuidaria de dar prompto andamento a este negocio.

Como o sr. presidente do conselho deu estas explicações, não digo mais nada.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Agradeço ao sr. presidente do conselho de ministros as explicações que teve a bondade de me dar; e declaro que não tive a intenção de lhe dirigir a minima insinuação.

Estou certo de que o sr. ministro se ha de dar por habilitado para responder á interpellação annunciada a este respeito; mas julgo este assumpto tão importante que entendi que era do meu dever chamar para elle a attenção de s. ex.ª; e como está pesando sobre aquelle funccionario uma gravissima accusação, por isso me parece que não deve acabar a actual sessão sem se verificar esta interpellação.

Mando para a mesa o requerimento que ha pouco enunciei.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer da commissão de fazenda ácerca do orçamento do ministerio da marinha

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barros Cunha.

O sr. Barros e Cunha: — Levanto-me unicamente, sr. presidente, não para atacar o parecer da commissão, que se discute actualmente, mas para pedir ao governo algumas informações que, por maiores que tenham sido as diligencias postas por mim para as deduzir d'este trabalho tão completo, tão minucioso e tão variado, não tenho podido conseguir.

De certo não usaria da palavra n'esta occasião, se não fosse quasi obrigado a isso pelo sr. relator, quando hontem declinou responder á analyse incisiva, que ao mesmo parecer e projectos de lei que o acompanham, foi feita pelo nosso collega o sr. deputado por Elvas.

Antes de passar adiante, devo declarar que o governo tem toda a competencia e toda a auctoridade para nos apresentar os projectos de lei que julgar convenientes, com a sua responsabilidade, sendo unicamente elle que conhece se precisa, ou não, consultar as repartições competentes e as pessoas especiaes; e da mesma maneira entendo que a qual quer dos membros da representação nacional pertence igualmente o direito de apresentar ao parlamento, seja sobre cordoaria, seja sobre o arsenal, as idéas que julgarem apropriadas n'uma ou n'outra occasião, sem que tenha de justificar os seus projectos, ou propostas, com voto extra-parlamentar.

Feita esta rectificação, que julgo indispensavel, porque, com ella ficaria duvidando, ou se tinha competencia para pedir ao governo a responsabilidade dos projectos, na parte em que a commissão diz que foram feitos de accordo com elle; ou se tambem para, pela minha parte, como representante do paiz, na occasião em que se discute o orçamento, de uma repartição a que sou inteiramente estranho, me assiste o direito de pugnar pela boa gerencia dos negocios da repartição de marinha e pelos interesses coloniaes.

Diz o sr. José Estevão, e a citação d'este nome explica perante a camara que não é pretensão minha o tomar parte n'esta questão, mas unicamente cumprimento de um dever; sem isso não lembraria aquelle grande vulto, que me parece ainda estar vendo levantar-se n'aquelle logar (apontando a extrema esquerda) a defender os interesses sagrados das nossas colonias, quando mão indiscreta tentára offende-los. Dizia o sr. José Estevão, que o navio era a idéa, a espada e o caminho.

Cifra-se n'elle para nós hoje, alem d'isso, a esperança d'esta terra na prosperidade, no desenvolvimento e no futuro das nossas colonias (apoiados).

Como esse futuro ha de segurar-se, como essa esperança ha de ser garantida sem a idéa, sem o caminho e sem a espada? Eu não o posso comprehender (apoiados).

Entretanto, analysando o parecer da commissão, vejo n'elle que presidiram principalmente á sua difiicil laboração e trabalho tres maximas: a economia, a boa ordem dos serviços e os direitos adquiridos.

Estas tres virtudes theologaes traduzem-se em simplificar, reduzir e supprimir, sem faltar aos bons principios de administração.

Uma das cousas que mais me admirou, porém, foi ver quatro membros unicamente, incluindo o sr. relator, aceitarem estes principios e a sua definição, porque quatorze dos dezoito membros assignam este parecer ou vencidos, ou com declarações. E não é isso um dos pontos que menos impressão fez sobre o meu espirito para provocar declarações dos representantes de todos os partidos que discordaram do parecer, para que nos declarem os pontos em que não estão de accordo com elle.

Diz o parecer «não se acha organisada a administração de marinha de modo que tenhamos chegado ao estabelecimento effectivo do quadro permanente dos navios que devem constituir a força de mar, em tempo de paz, bem como á determinação dos meios mais adequados para manter a permanencia d'esse material e o seu bom estado de conservação. Esta situação constitue a maior difficuldade para a organisação regular do orçamento, e não permitte o mesmo efficaz e economico emprego da força de mar em muitos casos».

Como pretende, porém, a minoria da commissão, na parte em que está de accordo com o governo, e na parte em que se limita a dar ao governo um conselho, que elle, por virtude das circumstancias extraordinarias e imperiosas em que nos achâmos deve mais tarde traduzir em propostas de lei; como é que a minoria da commissão pretende resolver esta difficuldade? Do seguinte modo: supprime o orçamento naval, supprime o pessoal, pára com as construcções navaes, julga caros, infructiferos e impossiveis os reparos na maior parte dos navios; acaba por consequencia com o arsenal e com a cordoaria, pelo menos propõe-se a isso; acabados os navios e acabado o pessoal, clarissimo está que não é necessario o hospital da marinha; e depois de tudo isto supprime o subsidio que se dá á navegação accelerada para as nossas colonias.

Sobre este ponto eu terei de perguntar ao sr. ministro, se por acaso s. ex.ª está perfeitamente seguro de que, passado o periodo, pelo qual tem contratado com a companhia de navegação para a Africa a communicação com as nossas colonias, não precisa renovar esse contracto ou substitui-lo por outro.

Como ía dizendo, a commissão para resolver a difficuldade acaba comtudo; pelo menos é este o pensamento que se deriva tanto das propostas que são apresentadas no fim do parecer, como sobretudo, do espirito do relatorio que as precede.

Sr. presidente, é sem duvida importantissima a pasta da marinha. Ainda que esta pasta tenha sido aquella que parece destinada para os ministros que novamente entram no gabinete fazerem a sua aprendizagem, não é menos verdade que para essa pasta, desde Martinho de Mello, desde o marquez de Sá da Bandeira, desde o sr. duque de Loulé até aos srs. Mendes Leal, Latino Coelho e Rebello da Silva, os ministros têem sido escolhidos de entre os mais

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distinctos e de entre os mais notaveis homens de letras e homens d'estado e de governo d'esta terra. Não creio que alguem possa offender-se com esta distincção que eu faço, ou com esta menção especial, porque me parece que ninguem póde ter direito a ter inveja do variado, profundo e distincto talento do sr. Latino Coelho, nem das qualidades que tornaram tão notavel o sr. Rebello da Silva na sua passagem por aquella repartição do estado (apoiados).

Todos estes homens têem procurado dar ás nossas colonias as communicações indispensaveis, a protecção, a policia e segurança, ás quaes são obrigados todos os tutores para com os tutelados.

Cumpre, como que mergulhar, n'aquelles terrenos tão ferteis e ainda virgens, e por tanto tempo abandonados, um braço do tronco velho da metropole que vá ali fortificar; esse braço é o navio; o navio para a protecção aos capitaes que ali principiam, depois que o homem deixou de ser escravo, a procurar um emprego mais productivo do que caçar o homem preto para o ir vender ao imperio do Brazil ou ás outras possessões, onde elle era obrigado a fazer o serviço de machina.

Propõe o relatorio, porém, que essa protecção se restrinja na importante provincia de Angola e que o serviço seja reduzido a uma corveta, uma canhoneira e a um hiate.

O hiate para guarda de uma costa que tem 13 ou 14 graus, como é a costa da provincia de Angola! Creio que não será posta em duvida a proficuidade das suas funcções n'este serviço, nem mesmo pelo mais subtil defensor das economias.

Não tendo eu conhecimento especial e pratica das cousas das colonias, pois a minha instrucção a este respeito e a minha opinião provém unicamente dos trabalhos feitos pelo illustre marquez de Sá da Bandeira, e outros de differentes officiaes e governadores das provincias ultramarinas, e dos relatorios e mais documentos que têem sido enviados para a metropole, digo que este projecto vae deixar completamente abandonados os filhos d'este paiz, que ali estão trabalhando e tratando de desenvolver a agricultura e estreitando as relações entre a patria e aquellas possessões, as quaes nós temos obrigação de velar e administrar devidamente.

O sr. Latino Coelho, de quem não me cansarei de citar á camara a opinião competente (apoiados), opinião conscienciosa, porque ninguem póde duvidar da grande consciencia com que aquelle homem d'estado tratou de reformar a repartição que lhe foi confiada, dizia o seguinte:

«Os successos d'este seculo mudando inteiramente as condições da nossa vida social, foram determinando a progressiva reducção da nossa armada, até que não ha ainda muitos annos, pelas graves difficuldades do thesouro, parecia imminente e inevitavel a sua inteira decadencia, recente e viva ainda a da tradição dos brilhantes serviços que prestára na restauração das liberdades nacionaes.

«A marinha de guerra portugueza não podia porém, sem que renunciassemos aos fóros de nação, deixar vazio o logar que tão honradamente ganhára por seus feitos admiraveis e por suas gloriosas expedições. Algum impulso se foi dando ao seu melhoramento, segundo o iam consentindo os recursos de que podiamos dispor.

Será um erro deploravel não attender aos aperfeiçoamentos e progressos da nossa força naval. Uma nação que possue ainda tão vastas e productivas provincias ultramarinas em tão afastadas regiões do globo, é forçosamente uma nação maritima, e a decadencia total da sua marinha significaria a sua tacita abdicação como paiz colonial.

«E é principalmente para o serviço dos dominios portuguezes no ultramar que devemos calcular as nossas forças navaes, sem deixar de attender os serviços importantes que para a defeza do nosso litoral e dos nossos portos póde prestar a marinha nacional convenientemente organisada.»

Eu não occuparia a attenção da camara com a leitura d'este documento, que de certo os illustres deputados terão meditado no remanso do seu gabinete, se effectivamente me sentisse com auctoridade necessaria para emittir aqui opinião minha, e por isso peço desculpa de fazer esta leitura na parte em que me parece essencial.

Eis o que diz o sr. Latino Coelho:

«Duas corvetas grandes, tres navios mais pequenos movidos por vapor, um navio de véla destinado a servir de navio escola de marinhagem, e um outro em que esteja instituida a escola de artilheria, são sufficientes para o serviço do continente, se lhes dermos por auxiliares indispensaveis dois navios couraçados, pelo menos, do systema mais accommodado á defeza dos nossos portos.

«O serviço colonial exige tres estações: a primeira deve comprehender a Africa occidental e a America do sul; a segunda, a Africa oriental e o Oceano indico; a terceira, o mar da China, o Japão e a Oceania.»

Se não fosse conhecida a delicadeza, a vivacidade, o relevo e as qualidades distinctas de que o sr. Latino Coelho tem dado provas como escriptor, para honrar o nome d'esse cavalheiro, bastava dizer: aqui está o que elle escreveu.

(Mostrando o livro á esquerda da camara.)

Não era preciso mais.

Diz ainda mais o sr. Latino Coelho: que a marinha é a segurança das colonias e defeza do litoral no continente.

Note bem a camara.

Fallando da estação de Angola, para a qual a commissão propõe 1 corveta, 1 canhoneira e 1 hiate, dizia o sr. Latino Coelho que era preciso o seguinte:

1 Corveta de maior lotação.

2 Corvetas menores.

4 ou 5 Canhoneiras a vapor.

Para a estação de Macau propoz o sr. Latino Coelho:

1 Corveta a vapor.

2 Canhoneiras.

A commissão propõe para Angola 1 corveta, 1 canhoneira, não torno mais a fallar no hiate, porque me parece que o hiate tinha de representar o papel que os hulanos representaram no sitio de París, isto é, preencher o vacuo entre uma corveta e uma canhoneira.

Collocava-se a corveta na extremidade do sul da nossa costa da provincia de Angola, a canhoneira ao norte, e o hiate ficava preenchendo este espaço de 13 a 14 graus entre um e outro ponto. É admiravel!

Que dirá a isto o sr. Latino Coelho? Posso eu de maneira alguma duvidar que a força que o sr. Latino Coelho propoz é absolutamente indispensavel para a estação de Angola?

O sr. Latino Coelho que procurou reduzir na repartição a seu cargo, principiando pelo concelho ultramarino, todas as despezas que julgou indispensaveis, não escrevia o que a camara ouviu, nem o propunha ao parlamento se julgasse que o serviço se podia fazer mais economicamente (apoiados).

Dou muito pela opinião de s. ex.ª a este respeito.

Entretanto visto a commissão dizer que este serviço se póde fazer com 1 corveta e 1 canhoneira, não fallando no hiate; se a opinião do sr. Latino Coelho não fosse sufficiente, citaria a opinião do sr. Rebello da Silva, com o mesmo cuidado, com o mesmo zêlo e com a mesma dedicação pelo ultramar, no exercicio do cargo que tanto honrou (apoiados), tambem propunha a mesma força que o sr. Latino Coelho, não porque não considerasse que era precisa muito maior, mas unicamente porque os recursos, de que podia dispor o não habilitavam para satisfazer tanto quanto era necessario ao serviço naval d'aquella provincia, que temos obrigação de zelar, e zelar com todo o cuidado.

No total da nossa força naval propunha o sr. Latino Coelho 2 corvetas grandes, 3 navios mais pequenos movidos por vapor, 1 navio de véla destinado ao serviço e escola de marinhagem, e outro bem que estivesse empre-

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gado na escola de artilheria, que são sufficientes para o serviço do continente se lhe dermos por auxiliares indispensaveis 2 navios couraçados.

O sr. Latino Coelho pedia dois navios couraçados e eu tambem os peço.

O que propõe a commissão para ficar no porto de Lisboa? Não sei.

A commissão dirá a que ficâmos reduzidos. Mas entendo que se o porto de Lisboa ficar sem força naval sufficiente, a capital ficará aberta por mar como já o está por terra, e sem defeza o reino inteiro (apoiados).

A este respeito o sr. Rebello da Silva (e visto que citei o sr. Latino Coelho, não devem levar a mal que eu cite o nosso collega o sr. Rebello da Silva, cavalheiro que n'este momento não póde vir tomar o seu logar no parlamento para tratar d'esta questão em que tem toda a competencia, eu creio que todos lamentam a causa que o priva de estar na outra casa do parlamento, onde não deixaria de tomar a peito a defeza das colonias, ás quaes, bem como á marinha nacional, dedicou por alguns mezes a sua energia, a sua intelligencia, e o seu interesse por tudo quanto é nacional.

Ora, reduzindo-se como a commissão propõe, a força naval é quasi mais de nada, e estando como o relatorio diz, em um estado deploravel os navios que possuimos, o que admira sobretudo é não ver seguir a este desarmamento e reducção proposta, os meios de substituir no interesse da communicação com as colonias e no interesse do paiz, o que o mesmo relatorio confessa que nos falta.

Emquanto aos conselhos que a commissão dá ao governo para que as construcções senão façam por conta do estado, e á opinião que no parecer vem exagerada, de que o nosso arsenal só póde servir para pequenos reparos, eu tambem desejava que o sr. ministro nos dissesse qual era a sua opinião a este respeito.

O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra.

O sr. Arrobas: — Peço a palavra por parte da commissão.

O Orador: — Muito estimo que o sr. ministro da marinha pedisse a palavra, e que o illustre relator não julgasse que era sufficiente ter o sr. ministro pedido a palavra, porque a questão mais esclarecida ficará; digo que as opiniões são de tal modo variadas que s. ex.ªs fazem-me muita honra esclarecendo-me a este respeito, cada um de per si ou ambos ao mesmo tempo.

Em todas as nações que têem necessidade de ter armamento naval, ha estaleiros nacionaes, e comtudo nos casos urgentes recorrem á industria particular; mas apesar das industrias particulares poderem construir muito e muito bem, não se dispensam os estaleiros nacionaes onde em casos ordinarios se fazem as construcções e reparos, porque se tem conhecido que as nações, n'estes casos, não podem depender de um particular. Ultimamente se deu em Inglaterra o caso de que antes de se declarar a guerra entre a França e a Prussia, esta comprou em Inglaterra tres navios; e a questão do Alabama, que ameaça perturbar a paz entre a Inglaterra e os Estados Unidos da America, não foi senão pelo facto da compra d'este navio pelos estados do sul. E qualquer d'estas nações têem estaleiros onde fabricam os seus navios.

Na questão da cordoaria, tenho receio de dizer alguma cousa que não seja conveniente a respeito dos cabos de segurança que sei agora, que não são cabos de policia.

Mas digo, que tenho muito receio de que se vá destruir a cordoaria nacional, porque a Inglaterra n'estas circumstancias julgou necessario mandar fazer um estabelecimento para fornecer de cabos á sua marinha de guerra, ou ás suas esquadras.

E se, n'aquellas nações não admirava nada que o estado, bem seguro de que a industria particular lhe podia fornecer de momento para outro tudo quando em uma circumstancia repentina póde exigir uma nação, ellas que o não fazem e por que ha momentos, nos quaes, em cousa de guerra só o governo póde imprimir direcção uniforme, efficaz e discreta para ser igual ás necessidades da salvação publica, porém entre nós pergunto: quaes são os estaleiros particulares em que o estado póde fornecer-se dos navios de guerra do systema moderno? Se de um momento para o outro tivermos necessidade de navios, onde é que podemos contar com elles? E, se tivermos necessidade de cabos e de velame para os navios do estado, onde poderemos obte-los nas circumstancias devidas, no momento em que for preciso occorrer a uma d'estas necessidades imperiosas, como foi, por exemplo, a questão da Zambezia, e a questão que foi resolvida pelo sr. presidente do conselho de ministros, que vejo diante de mim, e em quem tão bem assenta o titulo que marca um dos serviços mais importantes feitos por s. ex.ª aos interesses d'este paiz? (Muitos apoiados.)

Todos os dias estamos a ver que ou uma ou outra nação está cubiçosamente lançando a vista para os limites das nossas colonias, e essa cubiça ha de crescer como o crescimento da riqueza e prosperidade d'ellas; todos os dias sabemos que um ou outro ponto é occupado aqui, é ameaçado acolá, que ha uma sublevação suscitada pelos interesses dos estrangeiros que se estão estabelecendo nos pontos onde temos o dominio de direito, mas onde o não temos de facto.

Quem dirá que não teremos necessidade ámanhã de fazer um ultimo esforço; de pôr no mar quantos navios esta nação tenha poder para comprar ou alugar para mandar ali defender a propriedade dos nossos concidadãos que póde ser de repente ameaçada?

Acabemos com o arsenal, com a cordoaria, com tudo, se quizerem; mas digam-nos o que fica em logar d'isso?!

Isto é a unica cousa que peço, principalmente ao sr. ministro, que espero que, apesar do reforço que immediatamente lhe chegou, na pessoa do sr. relator da commissão, pela sua superioridade official me fará a honra de responder em especial a este ponto, porque o relatorio não declara que s. ex.ª o aceitou, mas que lhe foi incumbido para apresentar á camara esta reforma traduzida n'um projecto de lei.

Este parecer, depois das considerações que fiz, e nas quaes não serei mais minucioso, porque ainda estão de pé as arguições que foram feitas pelo illustre deputado por Elvas, parece que sacrifica, na minha opinião, estes grandes interesses, que devem ser primeiro que tudo attendidos pelo governo e pela representação nacional, a outro grande principio, o das economias. Mas ha economias insensatas e falsas.

Se ámanhã o oidium atacar as vinhas, que eu infelizmente possuo no concelho de Torres Vedras, e deixar de as enxofrar, faço uma grande economia, poupo a despeza do enxofre. Se tivesse deixado de as cavar tambem fazia uma economia. E da mesma maneira se não as tivesse mandado podar; e creio que tambem, sem duvida, teria de fazer a economia da vindima (riso). Era a consequencia d'estas economias!

Eu desejo economias, todos nós as queremos, e todos nós entendemos que ellas são indispensaveis no estado do thesouro, e que se podem fazer no ministerio da marinha (apoiados).

O sr. Latino Coelho fez economias no ministerio da marinha, e o sr. Rebello da Silva tambem as fez. O sr. Latino Coelho extinguiu o conselho ultramarino, extinguiu o major general; creou os escreventes e os fieis; creou os intendentes; e o sr. Rebello da Silva extinguiu os intendentes para crear o commando geral, e assim fez maior economia.

(Interrupção que se não percebeu.)

Mas reparem os illustres deputados que eu, citando o nome do sr. Latino Coelho, não tenho outro intuito que não seja o de prestar homenagem aos verdadeiros e relevantes serviços prestados por aquelle cavalheiro (apoiados).

O sr. Latino Coelho tratou de organisar a intendencia da marinha, que depois o sr. Rebello da Silva entendeu

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que não correspondia inteiramente ás necessidades do serviço e substituiu-a pelo commando geral da armada, destruindo assim a obra do sr. Latino Coelho. E n'isto fez ainda o sr. Rebello da Silva uma economia.

O sr. Latino Coelho procurou, tanto quanto póde, acabar com os desperdicios que havia no arsenal, mas não conseguiu meio nem de ter contas, nem de organisar a escripturação dos armazens; porém, depois o sr. Rebello da Silva ainda entendeu que devia melhorar mais esse serviço (apoiados).

Classificar os depositos, libertar armazens para acondicionar as madeiras, que apodreciam, sendo de 19:500$000 réis, a perda de 28:000$000 réis, em que importou a compra feita na America em 1866.

De 295 pranchas de carvalho, guardadas na cordoaria, 95 estavam podres e 200 com tres partes arruinadas, e isto já existia no ministerio do sr. Latino Coelho, devendo-se a reforma e economia d'este serviço ao sr. Rebello da Silva. A camara dispensar-me-ha de certo de lhe indicar os serviços prestados por estes dois cavalheiros especialisando-os; e devemos acreditar que talentos d'esta ordem, quando têem o intuito de occorrer ás imperiosas necessidades que exigem economias, o não fazem com a indiscrição com que parece que este trabalho está feito, a não ser que signifique uma censura aquelles illustres ministros, o que não posso de maneira nenhuma acreditar.

Mas, sr. presidente, eu perguntarei a v. ex.ª onde é que se fazem estas economias! Provoco sobre este ponto a attenção do sr. ministro da marinha e do sr. presidente do conselho, que julgo competentissimos n'esta materia, para que me digam onde estão aqui as economias!

E de passagem direi, para não voltar a esta questão que era exacto o reparo feito pelo sr. deputado por Elvas, quando mostrou que a comparação entre a mão de obra e os productos da cordoaria não era tal como a tinha apresentado o sr. relator da commissão no seu relatorio, por isso que se pede no orçamento para o pessoal a seguinte:

Pessoal..................... 15:691$100

1 Porteiro.................. 219$600

Fieis....................... 366$000

Guardas..................... 263$520

Supranumerarios............. 662$500

Gratificação ao director.... 480$000

Somma....................... 17:682$720

Ora, o sr. relator da commissão diz: a verba pedida para pessoal é de 27:682$720 réis; a verba para material é de 25:000$000 réis, portanto estes algarismos para uma fabrica de lonas e cabos, mostra o inconveniente de ter o estado uma fabrica para o fornecimento dos seus navios.

E portanto, diz o relatorio: «á vossa commissão parece que deve ser extincta a cordoaria nacional»; nem mais, nem menos.

A differença dos 10:000$000 réis que vem calculada a mais no pessoal, não creio que fosse senão erro de typographia, ou talvez illusão em sommar os provisorios do arsenal nos operarios da cordoaria; emfim um equivoco é muito facil de succeder, por alguma outra circumstancia.

Esta differença, entretanto, dos 10:000$000 réis a mais, calculados na despeza com o passoal da cordoaria, não póde deixar de lançar uma impressão desfavoravel nas pessoas que não vão estudar os orçamentos da despeza para poderem compara-los com os orçamentos da receita.

É mais facil censurar de leve do que estudar com cuidado.

Passando porém á analyse das economias, vejo no parecer em discussão o seguinte:

A commissão apresenta como economia 268:286$801 réis.

Aceito completamente a descripção que vem feita em especial e os algarismos que ali se mencionam. Vamos porém a ver aonde é que se fazem estas economias.

A primeira economia é de 29 segundos tenentes, e importa em 9:744$000 réis. Esta economia é proveniente de vacaturas que existem já no quadro.

A segunda economia é de 2 engenheiros subalternos de 1.ª classe, e importa em 720$000 réis. Tambem dimana da existencia de duas vacaturas no quadro legal.

A terceira é de 1 segundo official de fazenda, e importa em 360$000 réis. Ainda uma vacatura já existente no quadro naval.

A quarta economia é de 258 praças que estão vagas e que vem incluidas no orçamento. Estas 258 praças correspondem a 17:469$600 réis, de soldadas e prets 17:469$400 réis, de rações 16:008$900 réis, calculadas a 170 réis diarios.

A quinta economia é dos officiaes marinheiros, e importa em 2:088$000 réis. São cinco logares de officiaes marinheiros, que estão vagos no quadro legal.

A sexta economia é dos fieis e escreventes que tambem foram creados pelo sr. Latino Coelho, e importa em réis 158$400. Tambem provém da vacatura d'estes logares.

A setima economia é do arsenal nas ferias, e importa em 4:321$300 réis; 50:869$800 réis é pois o total, que se nos quer dar como economia, e que se o é já existe de facto, porque esta somma não se despende.

Ora, pergunto eu, se por acaso o calculo d'estas verbas deduzidas e eliminadas no orçamento, significa economia? Pois se os homens não estavam lá, se se lhes não pagavam, o resultado é que o sr. ministro da marinha não mandava pedir ao seu collega da fazenda o dinheiro correspondente a esta despeza.

A unica cousa que se propõe aqui é que esta somma correspondente ás vacaturas não seja computada no orçamento, isto é que o orçamento seja feito pelos factos accidentaes, e não como deve ser pelas leis que regulam os quadros do pessoal; mas esta fórma de calcular não significa economia, significa alteração do regulamento geral de contabilidade, confusão e nada mais.

Temos em seguida outra economia, e essa será verdadeira, se por acaso o sr. ministro da marinha poder responder ás observações que tenho de fazer-lhe sobre este assumpto.

Na referencia aos 184 grumetes, que no parecer da commissão (se propõe que sejam eliminados vejo uma violação de lei. É muito facil architectar economias, barulhando, confundindo e destruindo tudo.

Desde que não quizermos respeitar a constituição, a independencia dos poderes; desde que nos julgarmos dispensados de respeitar as leis; os direitos individuaes, illude-se a salvo o generoso sentimento do povo, fazendo-lhe pagar realmente mais caro o serviço, o que se lhe representa mais barato por uma astuta ficção.

A minha opinião é que estes 184 grumetes ficam recebendo as soldadas e as rações, e as soldadas e as rações importam na quantia de 19:049$200 réis. Nem posso comprehender as cousas d'outra maneira. Pois como é que o governo póde despedir do serviço naval homens que vão ali pagar o tributo de sangue votado por esta camara? Como é que o governo póde despedir sem lei especial votada pelo parlamento, estes homens do serviço? E digo, sem lei especial, porque é nossa a iniciativa sobre a questão de impostos e recrutamento. Como é, pois, que o sr. ministro da marinha póde dar baixa a estes homens?

O sr. Ministro da Marinha: — Alguns têem direito a ella.

O Orador: — Importam as baixas vencidas em 184? Isto é outra questão.

O sr. Arrobas: — Talvez.

O Orador: — N'esse caso vão para o quadro das vacaturas. Eu acoito isto que está aqui. Aceito as explicações que me quizerem dar; e só peço que me respondam com a boa fé com que faço as perguntas (apoiados).

Na minha opinião o sr. ministro da marinha não tem au-

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ctoridade de suspender do serviço da armada os homens que foram recrutados para isso, em virtude da lei do imposto de sangue votado por esta camara, que s. ex.ª não póde alterar de maneira nenhuma. Se os despedir do serviço ha de pagar-lhes. O sr. ministro da marinha não póde dizer aos homens que pela lei foram recrutados para servir nos annos A e B, despeça-os para servirem nos annos C e D, isto é, quando tiver necessidade do seu serviço. Ha de despedi-los do serviço para chamar os outros? Como, se elles não estão obrigados pela lei a substitui-los? Não o póde fazer. S. ex.ª ha de aceitar os meus argumentos. S. ex.ª ha de fazer uma rectificação. S. ex.ª se não está habilitado, ha de habilitar-se para me dizer se estes 184 grumetes têem baixa. Se têem baixa, então aceito as cento e oitenta e quatro vacaturas de grumetes; mas a economia! Não. Aceito a questão como quizerem.

Temos em seguida uma economia tambem importante, que não e economia, e á qual já me referi, é esta economia de 148:999$535 réis, da verba que vem calculada no orçamento, e que se ha de fazer depois de acabado o actual contrato feito com a companhia de navegação a vapor de Africa, se o governo não tem idéa de renovar o contrato, isto não é uma economia; só póde ser uma economia se aquelle serviço se fizesse da mesma maneira que é feito e o exigem as necessidades do ultramar, sem se pagar nada por elle.

Se o governo tem de despender este dinheiro, por qualquer outra fórma não sei a maneira como o sr. ministro se ha de haver em outubro, quando se encontrar sem meios votados pela camara para continuar a ter communicação regular com as colonias.

Os factos mostram, a não ter s. ex.ª alguma idéa que não conheço, que s. ex.ª tem necessidade de renovar o contrato ou de fazer outro similhante.

Eu pedia ao nobre presidente do conselho que n'estas circumstancias extremas me auxiliasse com as suas explicações, sendo isso de sua vontade, porque não comprehendo como a commissão, o relator da commissão, ou a maioria da commissão de accordo com o governo ousou trazer á camara uma proposta d'esta ordem, querendo fazer aceitar como economia a somma que é pedida para o serviço, que só podia considerar-se economia se esse serviço se fizesse sem essa verba se gastar. Não me parece que n'esta parte eu possa ver combatido. Temos em seguida uma transferencia de verba por Moçambique de 30:353$700 réis.

Para dar á camara uma prova da minha boa fé, direi que temos 80:000$000 réis já pedidos para subsidio á provincia de Moçambique, e pedido sob proposta apresentada pelo actual sr. ministro da marinha, na sessão de 25 de abril do corrente anno, que está impressa no Diario do governo n.° 92.

E se eu unicamente calculo em 49:045$300 réis é em consequencia da transferencia da verba dos 30:353$700 réis.

Se eu não tivesse a intenção de apresentar á camara as difficuldades reaes em que me encontrei para poder apreciar estes documentos, eu juntaria os 80:000$000 réis; mas não faço conta senão com os 49:645$300 réis, dando-me tudo em consequencia o resultado seguinte:

Importancia das economias propostas no relatorio................. 268:286$801

1.ª Economia — vacatura de 29 segundos tenentes.................. 9:744$000

2.ª Economia — vacatura de 2 engenheiros... 720$000

3.ª Economia — vacatura de 1 official de fazenda................. 360$000

4.ª Economia — vacatura de 258 praças...... 33:478$500

5.ª Economia — vacatura de 5 officiaes marinheiros............... 2:088$000

6.ª Economia — vacatura de 2 fieis........ 158$000

7.ª Economia — vacatura no arsenal........ 4:321$300

8.ª Economia — 184 grumetes, soldadas orações............... 19:049$200

Subsidio á navegação de Africa........... 118:645$835

Transferencia de verba................. 30:353$700

Despeza proposta para Moçambique, deduzindo a verba transferida...... 49:646$300

268:564$835

Augmento da despeza.... 278$034

Comparado isto com as economias propostas pela commissão ha um augmento de despeza de 278$034 réis.

Póde ser que eu esteja em erro; e de certo, tanto o sr. ministro como o sr. relator vão provar ao paiz que ou eu ou elles; como aquelle alfaiate de que falla Nicolau Tolentino, que,

Falhando a obra, maldiz

A empreza, que lhe incumbiram,

Fez nigromancias em giz,

Sete vezes lhe caíram

Os oculos do nariz.

Ou eu ou elles fazem sem duvida uma economia e um capote.

Quem faz a economia ou quem faz o capote?... Não sei... O capote é para mim (riso).

Eu aceito-o com muito gosto, porque não tenho tanta vaidade que queira á custa d'ella deixar de reconhecer a verdade que existe nos documentos officiaes sobre que tenho de dar o meu voto, a minha vaidade é muito menor do que pensam.

Contra-examinando este calculo, fazendo-o pelo systema synthetico em vez de ser pelo analytico, e tomando tanto o orçamento do governo como o rectificado do illustre relator da commissão, eu acho o seguinte:

Orçamento proposto pelo governo:

Despeza ordinaria.................... 1.357:584$131

Despeza extraordinaria................ 90:000$000 1.447:584$131

Orçamento proposto pela commissão:

Despeza ordinaria.................... 1.040:443$165

Despeza extraordinaria da marinha...... 90:000$000

Despeza extraordinaria do ultramar...... 48:854$165 1.179:297$330

Juntando:

As vacaturas já existentes............. 50:866$800

As vacaturas, de 184 grumetes, propostas 19:049$200

A verba correspondente ao subsidio á navegação para Africa.. 118:645$835

Subsidio á provincia de Moçambique....... 80:000$000 1.447:862$165

Despeza a mais proposta pela commissão.. 278$034

Se o calculo e a demonstração ainda os não satisfaz, vou faze-la de outra maneira.

Despeza ordinaria e extraordinaria proposta pela commissão.... 1.179:297$330

Despeza ordinaria e extraordinaria proposta pelo governo...... 1.44.7:584$131

Deduzindo — vacaturas existentes........... 50:869$800

Deduzindo — vacaturas propostas............ 19:049$200

Subsidio á navegação....................... 118:645$835

Despeza da provincia de Moçambique...... 80:000$000 - 268.564$8351 - 179:019$296

Differença a menos no orçamento do governo....... 278$034

O balanço é a mesma cousa exactissimamente, 278$034 réis em todas as demonstrações, quer addicione, quer deduza as fantasticas economias do relatorio.

Estes calculos porém, ainda que não sejam exactos, têem em seu auxilio os factos consumados que me dão o seguinte: o voto que o parlamento aqui dá ao orçamento, que é

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proposto por qualquer dos srs. ministros, não significa que a despeza se faça e se gaste toda a verba votada. E o sr. ministro da fazenda, que chegou muito a tempo, sabe muitissimo bem que isto é assim.

O orçamento, tanto da receita como da despeza varia extraordinariamente, tem de se calcular pelas contas dos annos anteriores segundo o que determina o regulamento geral de contabilidade. E, se nós não podemos determinar exactamente o que a receita do estado deve render, como podemos determinar exactamente que em tal ou tal ministerio se não ha de dar esta ou aquella vacatura, esta ou aquella alteração nas despezas que forem aqui propostas?

O que se segue é que essas despezas que os accidentes imprevistos vêem diminuir, se não podem nem devem fazer; assim como, quando esses accidentes são no sentido contrario, se occorre a ellas, ou transferindo verbas, ou por orçamento supplementar.

E a não ser que eu tivesse contra o sr. ministro da marinha, uma prevenção que me levasse a rejeitar in limine a proposta, e não tivesse, como tenho, a maior confiança na honestidade pessoal de todos os srs. ministros (muitos apoiados), não sei o que sirva estar a reduzir os meios que elle legalmente pediu para os quadros legaes, em honra dos factos, que novos factos podem vir alterar.

Mas não nos afastemos dos factos. E nos factos acharei a mais segura confirmação de que me são indispensaveis as informações que solicito.

Desde 1852-1853 despendeu-se no ministerio da marinha até 1869-1870 as seguintes sommas, que comparadas com as que foram orçadas, mostram que importancia se póde dar a esta rectificação, que pretendem fazer passar aos olhos do vulgo credulo e pouco esclarecido, por economias verdadeiras, effectivas e claras. Não o são, nem o podem ser, senão vejamos:

[Ver Diário Original]

(a) Liquido de 43:000$000 réis de deducções.

(b) Liquido de 18:000$000 réis de seis mezes de deducções.

(c) Liquido de 35:000$000 réis de deducções.

Como é portanto que, o vir calculada no orçamento a despeza pelos quadros legaes, e depois deduzir d'essa dotação aquillo que pertence ás vacaturas, ou ás sommas que se não sabe se se gastam, ou que são provenientes do abandono de uma despeza que se não faz, como é, digo, que isto significa uma economia? Esta economia podemos nós fazer em milhares e milhares de contos de réis.

Calculemos que cada um de nós vae fazer uma despeza extraordinaria. Façamos um grande orçamento, e depois d'isso reduzamos o nosso orçamento, e temos transformado em economia toda a somma que nós não estavamos habilitados a gastar, ou da qual não se fez o serviço para que era destinada. Ensinaram-me isto quando aprendi economia politica; e são estas as confirmações dos documentos officiaes, nos quaes eu tenho obrigação de acreditar que são exactos na pratica. Em todos estes annos se orçou para o ministerio da marinha muito menos do que o que se gastou. Em 1853-1854 foi a despeza a maior 687:000$000 réis, e nos dois annos em que foi menor foi de 35:000$000 réis. Paga se quando é maior, não se paga quando é menor.

Conclue a commissão com projectos de lei, um dos quaes é o que determina que as vacaturas que occorrerem nos quadros dos differentes serviços publicos serão preenchidas por empregados addidos, supranumerarios ou fóra dos quadros legaes que tiverem graduação e vencimentos correspondentes ou analogos ao logar vago, uma vez que n'elles concorram aptidão e todas as qualidades necessarias para bem os desempenhar, ou por empregados dos quadros nas mesmas condições e pertencentes a onde haja addidos da categoria ou vencimento iguaes ou analogos aos do logar vago.

Encontro no Diario de 31 de outubro de 1870, n.º 248, um decreto referendado pelo illustre presidente do conselho de ministros, pelo sr. bispo de Vizeu, pelo sr. Saraiva de Carvalho, pelo sr. Carlos Bento e pelos dois illustres ministros que n'esta occasião tenho o prazer de ver sentados n'estas cadeiras, da guerra e marinha, acho, digo, um decreto com disposições iguaes.

Desejo portanto, que o governo me diga, se este projecto de lei é unica e especialmente para a marinha, ou, se as disposições referendadas pelos mesmos ministros no decreto a que acabo de me referir, precisam ser revalidadas por um projecto de lei votado n'esta camara. N'este caso mesmo, referindo-se só á marinha, desejo saber como é que se ha de entender o artigo 2.° para o qual tomo a liberdade de chamar a attenção da camara.

O artigo 2.° diz: «As nomeações que forem feitas em contravenção do artigo 1.° d'esta lei são nullas, e o contraventor fica incurso na pena de multa igual á importancia dos pagamentos feitos pelo estado em virtude da nomeação legal.»

Pergunto, se o governo aceita a disposição d'este artigo (apoiados dos bancos dos ministros.) N'esse caso, pergunto que tribunal julga d'estas contravenções, desde que ao governo fica o arbitrio de julgar das habilitações que no artigo 1.° se estabelecem.

(Interrupção do sr. ministro da marinha.)

Parece-me que o sr. ministro da marinha está respondendo...

O sr. Ministro da Marinha: — Estava fallando com o sr. presidente do conselho.

O Orador: — Eu contentava-me com as explicações de

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s. ex.ª que me haviam de satisfazer, e escusava continuar com estas considerações, que são para mim mortificantes, póde crê-lo.

Pergunto: quem é que julga entre o governo e estes factos? Qual é o tribunal que aprecia se o governo poz em execução este principio consignado no artigo 1.°? Desejo saber isto.

E como aqui se costuma sempre auctorisar o governo para fazer regulamentos, quando esta questão se tratar na especialidade, pedirei que o governo fique auctorisado para fazer os regulamentos necessarios para a boa execução das disposições d'esta lei.

O segundo projecto de lei determina a extincção dos fieis e escreventes.

Isto era creação do sr. Latino Coelho. E basta ser do sr. Latino Coelho, para que eu a tenha como boa, util, necessaria e indispensavel.

Entretanto sinto muito não ver n'esta occasião presente aquelle illustre ornamento da imprensa e da tribuna, para tomar severas contas a quem ousou tão indiscretamente tocar nos monumentos que elle deixou na sua passagem pela administração do estado.

O terceiro trata da extincção do commandante geral da armada, quer dizer, extingue a entidade que era representada pelo major general da armada, pelo intendente que era creação do sr. Latino Coelho, e pelo commandante geral que era do sr. Rebello da Silva.

Desejo que o governo me diga se entende sufficiente que o commando da força armada seja dirigido pelo ministerio a seu cargo.

Não farei reflexões mais largas a este respeito, porque não quero incorrer na accusação que com menos reflexão me podia ser feita de que eu pretendia conservar, á custa dos pequenos que são aqui atacados e aggredidos, o posto de um homem eminente e notavel.

A minha questão, n'esta parte, cifra-se unicamente na que respeita á utilidade do serviço, ao bom regimen, á disciplina e á rapida execução das ordens e da unidade do movimento que de um momento para o outro póde ser necessario fazer na disposição da força de marinhagem militar e até de navios de guerra.

O outro projecto de lei é o que se refere aos empregados do arsenal, dos quaes se mandam acabar os quadros.

Sobre este assumpto tenho a fazer á camara as mesmas reflexões que já fiz.

O relatorio em todos os pontos que se refere a direitos adquiridos é muito escrupuloso. Pergunto, pois: se nós não abandonarmos as nossas construcções navaes, os operarios do arsenal da cordoaria serão despedidos ou conservaremos um quadro fixo? E n'este ultimo caso poderemos deixar de dar uma remuneração aquelles que por uma taxa certa e determinada consagram a sua vida aos trabalhos nacionaes?

Se por acaso conservâmos o arsenal, temos de nos sujeitar a uma de duas: ou havemos de nos conformar com as regras e com as leis, que em todos os outros ramos de industria determinam as relações entre o que recebe o serviço e o que o presta, ou havemos de estabelecer um quadro fixo com taxas tambem fixas.

No primeiro caso, quando precisarmos de calafates, carpinteiros, etc. havemos de lhes pagar o que a concorrencia da industria particular n'essa occasião determinar que se lhes pague; no segundo caso havemos de manter permanentemente o quadro com as taxas votadas aqui para o orçamento aos empregados d'aquelle estabelecimento, e então creio que não ha nada mais injusto do que deixar de dar remuneração aquelles que, com uma taxa que nunca valia, se impossibilitam no serviço do paiz.

Isto não auctorisa, o abuso de se reformarem os que estão no caso de servir, mas eu não sei como nós, tendo estabelecido para as differentes repartições e para os differentes tribunaes gratificações, ordenados de aposentadoria e reformas, poderemos dizer aos desgraçados que estão com o machado e com o martello, trabalhando no casco de uma nau: vós, depois de receberdes apenas aquillo que nós vos quizemos dar, sois condemnados a morrer á mingua encostados a uma parede velha (apoiados).

É preciso mais meditação n'estes assumptos. É necessario darmos o exemplo da educação e da moralidade ao povo, se queremos que elle seja obediente, e se queremos que confie na justiça que lhe é devida, justiça a que têem tanto direito os pequenos como os grandes.

Se se acabar com os estabelecimentos de construcção, de certo acabam os encargos que elles trazem comsigo; mas se os estabelecimentos se conservarem, não sei qual será mais util para o estado: se ir buscar á praça publica os operarios na occasião em que precisar d'elles, se manter um quadro com ordenados fixos, garantindo-se aos que se impossibilitarem o pão que elles ganharam consagrando-se toda a vida ao serviço publico. Não sei qual das duas cousas será mais util.

Outro projecto e aquelle que tambem de certo mais me surprehendeu, é o que manda applicar o producto da venda dos navios velhos á despeza das novas construcções.

Eu não sei se o sr. ministro da marinha calculou bem quanto estes navios velhos podem produzir. Não sei quaes serão os concorrentes que virão á licitação publica, no caso de elles serem vendidos em praça, e não sei se s. ex.ª julgará mais util manda-los desmanchar vendendo os em particular em lenha para fogões.

Parece-me que o sr. ministro não carecia d'esta auctorisação que se lhe dá. Vejo no orçamento do estado calculada uma verba de vendas inuteis, e parece-me que os navios inuteis são uma verdadeira inutilidade, e portanto, repito, que o ministro não precisa d'esta auctorisação.

Eu, porém, não tenho duvida em a votar, no que tenho duvida é sobre a utilidade que ella poderá ter, applicando-se o producto d'estas vendas que deverá entrar na receita geral do estado, especialmente para novas construcções, a não ser que se mandem construir os taes pangaios em que nos fallou hontem o illustre relator da commissão, para fazerem a policia e vigilancia nas nossas costas do ultramar.

A não ser para isto, não me parece que esta verba possa dar ao parlamento nenhuma esperança de que d'ella se possa assentar uma quilha de hiate, sequer que seja para nova construcção.

É de certo muito triste este quadro que nos foi apresentado no relatorio. Demais conhecemos nós as angustias por que o paiz está passando, e demasiado triste é o futuro que nos espera, se continuarmos n'este caminho (apoiados).

É necessario termos mais coragem, mais confiança em nós, e ter mais confiança nos sentimentos do paiz. Os sentimentos do paiz são o amor pela patria, a sua dedicação para fazer sacrificios para a salvar. Não illudamos, declaremos a verdade, só a verdade (apoiados), porque a verdade é exactissimamente o que se tem occultado constantemente aos olhos do povo.

Nós temos os nossos dominios ameaçados constantemente. A China, a India, a Africa estão constantemente em perigo de nos serem roubados. Não vejo meio nenhum de os defender senão por meio de uma força naval respeitavel (apoiados).

Não ha nenhum outro. Ou havemos de abandonar as colonias ou vende-las, como dizia um homem que ahi escreveu um livro muito volumoso, que estava já a ver e a indicar quaes os licitantes que haviam de concorrer a este ou aquelle farrapo da monarchia. Vende las, como se nós tivessemos direito de vender uma parte da monarchia que temos obrigação de civilisar e habilitar para que possa para o futuro com as suas transações commerciaes ser de utilidade á mãe patria!

Vender as colonias! Póde aqui ouvir-se estas palavras

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depois que o nobre marquez de Sá da Bandeira declarou que na costa de Africa o homem era tão livre como o homem no continente, depois que a escravatura foi abolida em toda a parte? Poderemos nós pensar e devemos abandonar aquellas riquissimas rigiões?

Quando no futuro algum dos governadores de qualquer fortaleza de alem mar, apertado pelo gentio revolto e barbaro, carecer de dar animo aos nossos soldados, já não poderá dizer-lhe, como D. João de Mascarenhas aos sitiados de Diu: «Camaradas, lá temos um D. João de Castro, que virá com a espada na bôca nadando por debaixo das ondas para vos soccorrer e salvar.»

Não, porque nem o governador terá confiança para o dizer; nem o soldado coração para o heroismo, que na patria, uma avareza sem exemplo condemna com desprezo n'este documento, se por acaso a camara o votar.

É necessario que este nivel se levante de uma vez, e que não estejamos aqui a mesquinhar e a reduzir em nome de uma idéa sympathica, mas n'uma das suas physionomias absolutamente falsa a amesquinhar os sentimentos de dignidade, que estou bem certo existem mais vivos, mais profundos e mais radicados do que nunca no coração dos filhos d'este paiz.

É necessario que os estrangeiros como o sr. baron de Septenville, como mr. Major na historia do infante D. Henrique o navegador nos estejam a dizer todos os dias: «Em toda a parte se encontram os nossos vestigios, no Oriente, na Africa, na China, na America, em toda a parte ha signaes da nossa passagem. Vós fostes grandes; prestastes grandes serviços á humanidade».

É necessario que todos os dias nos estejam os estrangeiros a dizer que os padrões da nossa gloria não podem morrer, porque a historia toma conta de os recordar sempre á memoria dos povos civilisados. E nós aqui duvidâmos de nós mesmos; duvidâmos da patria, duvidâmos de Deus!

Quasi não temos navios, não tratâmos de concertar os que nos restam, não fazemos diligencia de os substituir por outros; mata-se tudo, aniquila-se e acaba-se tudo; não se propõe construir cousa alguma; que é o que mais me surprehende n'este documento que aqui está. Não se nos dá sequer uma esperança, dizem-aos «não nos fique nada, abandonemos tudo!» (Sensação.)

Não temos navios sufficientes. Pois bem. Ha ahi uns pangaios, uns hiates pequenos, uns chavecos velhos, nos quaes se não póde embarcar, isso é sufficiente para guardar as colonias, para guardar aquellas joias da corôa portugueza, aquellas joias que custaram tanto sangue, tanto trabalho e tão grandes sacrificios a este paiz, e que n'este momento já se habilitam para nos indemnisar! (Apoiados.)

Estamos constantemente aqui attribuindo a cousas imaginarias o que não é senão o defeito das pessoas que se julgam com a competencia necessaria para dirigir os negocios publicos, ou a uma falta de fé e de confiança, que felizmente ainda não chegou o momento de affectar tão geralmente como se julga o coração do povo portuguez (apoiados).

As colonias desenvolvem-se, e é necessario saber a rasão porque. Emquanto existia a escravatura, o estado de guerra era o estado normal d'aquelles povos. Era necessario que os regulos fizessem guerra uns aos outros para haver escravos. D'ahi seguia-se como consequencia, que a venda d'esses escravos no Brazil e nas colonias das outras nações habilitava os povos d'esses paizes a produzirem por meio do homem-machina os generos agricolas muito mais baratos. Hoje porém desde que a escravidão se aboliu e no Brazil estão n'este momento as assembléas provinciaes, o governo do imperador, e os cidadãos em massa, fazendo enormes sacrificios para remir esse resto de escravatura que ainda ali se encontra, desde que no sul da America o escravo passou a cidadão, o trabalho livre d'aquelle principiou a ser mais caro, e nas nossas colonias principiou a ser mais barato.

A rasão é simples. Desde que não ha exportação do homem como mercadoria, desde que se lhe tirou da fronte esse ferrete, e nós fomos os primeiros que nos associámos em 1810 para reprimir o trafico da escravatura, alem do de conquistadores, cabe-nos esse grande titulo, esse grande diploma dos nossos serviços á civilisação; digo desde que se acabou com a exportação do homem machina, os habitantes das nossas colonias que deixam de ser todos os dias perturbados e opprimidos com as guerras dos seus regulos, occupam se no trabalho e na cultura agricola da terra em que nasceram, e vão successivamente creando necessidades, vão conhecendo o que lhes era inteiramente desconhecido; porque a exportação de escravos esterilisava tudo n'aquellas possessões, e era uma cousa atroz de decadencia e de ruina. Só na provincia de Angola é calculado em 60:000 a 70:000 escravos cada anno, que pagavam direitos e se registavam para exportação, fóra os que eram clandestinamente exportados.

A este novo estado de civilisação corresponde o facto de que aquelles que saíam do paiz para irem ser mercadores de escravos no Brazil, vão applicar a sua actividade como agricultores e fazendeiros. A exportação e importação crescem successivamente, e em alguns pontos duplicam.

Temos em Cabo Verde o café, a cochonilha, a urzella, o sal e o tabaco.

Em Angola o algodão, anil, a canna de assucar, café, tabaco, a ginguba, a urzella e todos os productos que se possam desejar.

Em Moçambique a natureza é tão prodiga que as fazendas postas em cultura em tres ou quatro annos remuneram liberalmente o trabalho que se lhe consagra, e restituem o capital que se confia á terra com ampla generosidade.

O rendimento das alfandegas em todas as nossas possessões tem crescido com a paz interna e com a protecção que lhes temos dado.

Agora principiam ellas a dar rendimento para as suas proprias necessidades.

Como podemos nós deixar sem protecção os immensos capitaes que ali estão empregados? Pois é possivel, quando nós queremos tirar proveito das nossas colonias, quando todos os dias dizemos que é preciso promover a sua prosperidade, porque ellas é que hão de salvar a mãe patria, é possivel digo, que a protecção que lhe vamos dar seja acabar com a marinha, retirando mesmo os poucos navios que lá existem sem os substituir por outros? A camara dos deputados não póde votar similhante iniquidade.

D. João de Castro mandou desenterrar os ossos de seu filho D. Fernando que succumbíra n'um dos baluartes em Diu para os hypothecar ás sommas necessarias para reconstruir a fortaleza d'El-Rei; empenhou os cabellos das barbas e achou n'aquella epocha todo o apoio nas donas de Chaul, que lhe mandaram as joias e na camara de Goa, incentivo para mandar o ultimo real que pôde levantar; e nós que fazemos para remediar estes males? O que é que a commissão nos apresenta no seu relatorio? As cinzas dos chavecos velhos! É com isto que havemos de reparar a esquadra que ha de ir a essas paragens longiquas dar protecção aos filhos d'esta terra!

Pela minha parte protesto e voto contra estas idéas do parecer da commissão.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): — Sr. presidente, por pouca que seja a minha vontade de tomar parte n'este debate, seria de todo o ponto desusado que o ministro da marinha ficasse silencioso quando se discute a carta magna da sua gerencia, o estatuto fundamental do seu exercicio, mormente quando o illustre deputado que acaba de fallar dirigiu perguntas ao governo de que espera resposta. Mas antes que eu comece a satisfazer este dever, permitta-me a camara que eu leia duas linhas de um documento authentico que corre impresso e vem a pêllo para esta discussão.

«Nós não podemos de repente crear uma marinha. A

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nossa está reduzida á ultima miseria. V. ex.ª sabe muito bem que todos os annos as côrtes não têem feito senão córtes no orçamento da marinha, etc.»

Assim respondia, no dia 23 de novembro de 1854, o sr. barão de Lazarim a uma interrogação que lhe fazia o sr. general Palmeirim, n'uma sessão da commissão de inquerito parlamentar, que foi votado por esta camara a requerimento (creio eu) do illustre relator da commissão, e da qual era presidente o nobre marquez d'Avila e de Bolama.

Já vê v. ex.ª que isto é um sestro a que não fugimos por nenhum modo, é sina nossa fazer córtes na marinha. Propõe córtes o parecer em discussão; e para que ninguem se escuse a este condão fatal de retalhar na marinha militar até o mesmo illustre deputado, o sr. Alcantara, que impugnou o parecer, e que o fez com tanto zêlo e energia, terminou o seu discuso propondo ainda mais córtes em alguns serviços da administração da marinha!

Mas nem o illustre deputado, nem a commissão, nem o parlamento são inimigos da marinha, porque não ha portuguez algum que lhe seja desaffecto. O nobre deputado já nos mostrou quanto zela as conveniencias d'este importante serviço, e a commissão e a camara hão de mostrar tambem, no decurso da discussão, que se os parlamentos são por vezes severos na apreciação das despezas ordinarias d'esta gerencia, nunca se escusarão a dota-la extraordinariamente com todos os recursos que exige o bom serviço do paiz, como acaba de nos provar o illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, quando nos revelou o excesso de despeza sobre os creditos orçamentaes, realisada em alguns annos com a marinha militar, e que não póde ser outra cousa senão a importancia de creditos supplementares ou extraordinarios auctorisados pelo parlamento a acudir ás necessidades da marinha. Dito isto por uma divagação curiosa que recorda a nossa inclinação de todos os tempos para economisar no serviço de marinha, pensemos seriamente em melhora-lo como é desejo e dever de todos nós, e muito recommendam as opiniões já manifestadas n'este debate.

É altamente conveniente que os cavalheiros que se sentem bastante illuminados para apreciar de um golpe de vista o que na organisação da marinha militar exigem as nossas relações politicas e commerciaes, o serviço de protecção que devemos ás nossas colonias, o que requer a defeza do paiz n'este extenso litoral que elle occupa, a concordancia que deve existir entre o armamento naval e as forças militares de terra para que todas concorram efficazmente na defeza da integridade do territorio e independencia do reino e seus dominios; e finalmente os meios financeiros que podem ser destinados para este fim, para de tudo deduzir um plano de armamento naval que satisfaça perfeitamente ás condições da existencia economica e politica d'este paiz; é conveniente, digo, que discutam o assumpto agora e sempre que para isso se offerecer occasião, para esclarecerem a opinião e prepararem a rasão publica a aceitar as suas idéas sobre um ponto de administração da mais elevada importancia e que reclama com urgencia a mais séria attenção dos poderes publicos.

Eu penso ha muito tempo que um paiz como o nosso, que a Providencia poz no extremo occidente do continente europeu, á beira do oceano, tinha naturalmente indicados os campos do seu trabalho e actividade. No interior a agricultura dos seus montes e dos seus valles; e no exterior a exploração dos mares do mundo. Tenho sonhado muitas vezes com uma marinha mercante, rica e grande, que servisse o commercio de todas as nações e occupasse e multiplicasse com todas as condições possiveis de prosperidade e de fortuna as nossas populações do litoral, que tanta vocação e aptidão têem para as fadigas e perigos da vida do mar, e tanta riqueza podiam trazer por este genero de industria para este canto de terra que todos adorâmos. Seria então indispensavel inverter as auctorisações orçamentaes da guerra e da marinha militar, porque esta deveria desenvolver-se em grandeza parallelamente á marinha mercante para poder levar a sua flamula a toda a parte aonde os interesses portuguezes reclamassem a sua protecção.

Mas, sr. presidente, este futuro de prosperidade ainda está longe, e não se caminha para elle pela armada, vae-se lá pelo trabalho activo e aperfeiçoado da industria agricola no reino e nas colonias, que creará abundancia de productos para levar ao estrangeiro; vae-se tambem pela suppressão de todos os estorvos que difficultarem as armações mercantes, quer ellas venham de injustificaveis disposições fiscaes internas, quer procedam da resistencia da legislação estrangeira, devendo nós solicitar dos governos respectivos as modificações que nos possam ser uteis.

Não devemos, porém, desviar cuidados da nossa marinha militar, porque estamos distantes d'este ideal de prosperidade nacional, em vez d'isso é urgente que tratemos de melhorar pouco a pouco e em harmonia com os nossos recursos o que existe, de modo que satisfaça com mais utilidade ás necessidades da nossa administração, taes como as define a nossa situação social e as condições de progresso que ella admitte.

É para sentir que quando se trata de determinar as condições em que deve ser organisada a marinha militar, variem os conceitos e sejam tantos os alvitres quantos os discursadores que, ou por dedicação sincera ás cousas publicas, ou por simples desenfado, se occupam d'estes assumptos.

Cada um se colloca no seu ponto de vista especial, real ou imaginario, e discorre livremente desprendido de todos os embaraços.

Este quer uma marinha para a guerra capaz de afrontar com as potencias navaes conflictos bellicosos que felizmente não temos com ninguem, e que devemos evitar cuidadosamente, sendo justos com toda a gente, e prudentes em toda a occasião, que é o meio infallivel de prevenir difficuldades.

Aquelle pede-a para mostrar a nossa bandeira em todos os mares do globo a titulo de proteger o nosso commercio que, ainda mal, tão circumscripto e limitado anda. Este outro não descansa em ver as nossas colonias bloqueadas pela nossa marinha militar para dar força á nossa auctoridade, garantir o nosso dominio, intimidando as raças indigenas que (coitadas!) sabe Deus quantas vezes se queixam com sede de justiça! E, finalmente, não falta quem diga, como alguem a quem alludiu o illustre deputado que me precedeu, nem guerra nem commercio nos devem levar a attenção para armamentos navaes, que para a nossa marinha composta só de corvetas de segunda ordem, escunas e canhoneiras, deve ser muitissimo limitada, e unicamente para proteger as colonias da Africa occidental e oriental, porque nos outros pontos não precisâmos de marinha, visto que n'elles as nossas colonias se sustentam mais pela tolerancia dos nossos vizinhos do que pelo vigor da nossa auctoridade; e tanto nos vale, dizem elles, muita como pouca ou nenhuma força material!

Eu, sr. presidente, não vou com nenhuma d'estas idéas exclusivas, e entendo que temos necessidades e obrigações de armamento naval, que não podemos preterir, tanto quanto forem compativeis com os nossos recursos. Assim parece-me que, alem das necessidades que nos impõe a nossa situação de nação colonial, não podemos dispensar-nos de cumprir o tratado que nos obriga a ter navios armados, e com elle concorrer com a marinha de outras nações para a repressão do trafico da escravatura (apoiados).

Não podemos escusar a presença da nossa bandeira n'essas remotas regiões aonde temos dominio, aonde o pavilhão nacional é sempre festejado, e são por vezes necessarios os navios de guerra para golpes de vigor, como o que ha pouco foi dado no gentio da Guiné, que não teria sido tão bem succedido, e provavelmente nem se quer tentado, se n'aquella provincia não tivessemos aquelles dois pequenos barcos de guerra, a Zarco e a Tejo. É mister que nas nossas colonias possamos ao menos fazer respeitar a auctori-

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dade, e proteger a vida e a fazenda dos subditos da nação portugueza (apoiados).

Se é indispensavel ter nas colonias uma guarnição naval sufficiente para prevenir ou reprimir attentados contra o livre exercicio da nossa auctoridade, é tambem necessario para a ordem publica do reino ter no porto de Lisboa uma força maritima decorosa e disponivel, e de incontestavel utilidade mandar a nossa flamula visitar os consulados onde temos interesses commerciaes tão avultados e tantos residentes portuguezes, como no Brazil (apoiados). E note a camara que não é para demonstração de força, nem ostentação de auctoridade (ás vezes necessaria nas colonias) que eu desejo principalmente mostrar n'aquellas paragens a nossa marinha militar, é para mostrar a bandeira da patria aos que estão longe d'ella, certificar-lhes assim que são n'ella lembrados com saudade, e apertar-lhes esses laços de affeição, que são a melhor garantia que podemos desejar do seu zêlo e dedicação em a bem servir (apoiados).

Mas para estes effeitos que plano de armamento havemos de adoptar? Conservaremos estes ou procuraremos outros navios? Quem der ouvidos aos praguentos condemna tudo. Mas como as pragas pouco remedeiam, iremos aproveitando o que temos do melhor modo que for possivel, governando este serviço com toda a economia que elle admittir, para, com o resultado de uma judiciosa administração, nos habilitarmos a começar, sem custoso gravame do thesouro, a transformação do material da nossa marinha de guerra pela acquisição de alguns e melhores navios, para o que terei a honra de apresentar á camara a competente proposta na proxima semana, proposta a que não é estranha a illustre commissão de fazenda, que ouviu do governo a resolução de a apresentar, e teve a benevolencia de a ella se referir no principio do parecer que se discute sobre o orçamento de marinha.

É d'este parecer que agora tenho de me occupar um pouco. Vê-se summariamente que elle contém quatro especies distinctas de resoluções; a primeira comprehende deducções de despeza por vacatura e outros accidentes, que a fazem improvavel de se realisar, e que em todos os orçamentos é costume diminuir da despeza proposta, que sempre vem descripta pelo governo, em harmonia com os quadros legaes do serviço publico.

E com louvavel zêlo andou a illustre commissão de fazenda em liquidar a despeza effectiva a que se tem de occorrer pelo ministerio da marinha no futuro anno economico, para mostrar ao paiz o que effectivamente tem de despender n'esta gerencia, estando o governo inteiramente de accordo n'estas deducções, que são de pratica corrente em todos os exames de orçamento e não prejudicam nenhum serviço (apoiados).

A segunda especie de resoluções em que assentou a commissão são diminuições de despeza por effeito de restricções de serviços.

Tantos estas como as resoluções da primeira especie de que fallei, contidas no parecer, são de effeito temporario, para durar só no anno economico de que tratâmos, e não affectam de nenhuma fórma as organisações dos quadros dos serviços da marinha.

Decidiu mais a illustre commissão supprimir as despezas do observatorio de marinha e do commando geral da armada, extinguindo estas repartições; e estas providencias constituem a terceira especie das suas resoluções.

A quarta e ultima especie dos seus accordãos são conselhos ao governo, que lhe chamam a attenção sobre differentes ramos da administração do ministerio, criticando a situação em que se acham, e requisitando para elles as reformas convenientes ao bem do serviço e á economia do thesouro.

O governo acata com toda a veneração as indicações da illustre commissão, persuade se de que ella tem grandes fundamentos de observação e de sciencia, e sobretudo de zêlo pelo bem publico, para aconselhar as reformas que recommenda se estudem e proponham na proxima sessão legislativa, mas não toma perante a camara outro compromisso senão o de lhe apresentar sobre os differentes pontos que a commissão indicou ao estudo do governo, o que achar justo e necessario ao melhor serviço publico, ao credito do paiz e á mais severa economia, e resultar do consciencioso exame a que vae dedicar-se sobre estes interessantes assumptos, aonde ha de ouvir todas as opiniões auctorisadas, compulsar todos os documentos e averiguar os factos com toda a imparcialidade e desejo sincero de acertar.

Estando portanto os assumptos que comprehendem os conselhos da commissão dependentes de ulteriores averiguações, não me parece que elles possam fazer objecto de vivas discussões n'esta occasião, a menos que a camara não queira ir mais adianto do que a commissão, julgando-se desde já habilitada para tomar sobre elles outras decisões.

Pelo que pertence á eliminação de despezas, por effeitos de restricções de serviços, devo confessar francamente á camara, que tive certa repugnancia em aceitar o armamento naval, indicado no parecer, não pela quantidade e qualidade dos navios designados, porque o governo póde armar estes ou outros que lhe forem necessarios, e para isso é sempre auctorisado pelo parlamento, mas pelas restricções das guarnições, e especialmente do corpo de marinheiros.

É certo que no estado em que estão os nossos navios de guerra, sabendo que não podemos dispor de certo numero d'elles, porque estão necessitados de fabrico, que ha de levar mais de anno a fazer, não ha probabilidade de os armar e portanto não é urgente ter nas fileiras do corpo de marinheiros mais do que a força que hoje existe; isto é, menos de duzentos e cincoenta e tantas praças do estado completo.

Por este fundamento disse eu á illustre commissão, que não tinha duvida em concordar em que a despeza relativa a essas vacaturas fosse para este anno economico sómente deduzida no orçamento; a commissão porém quiz ir mais longe, reduzindo 442 praças.

É extremamente louvavel o seu intento de reduzir quanto possivel os encargos do thesouro, mas eu que tenho outras responsabilidades a attender, declarei solemnemente no seio da commissão ao meu collega o sr. ministro da fazenda que, vingando esta idéa, eu faria immediatamente recolher, logo que me fosse necessario, ás corporações da armada as guarnições das embarcações da fiscalisação das alfandegas (apoiados). S. ex.ª assentiu a esta declaração, e portanto julgo-me habilitado para poder occorrer ao serviço de marinhagem da armada com iguaes recursos pouco mais ou menos aos de que hoje disponho.

Dois assumptos que tambem me prenderam em hesitações, foram a extincção do observatorio da marinha e a do commando geral da armada.

Ácerca do observatorio tive eu a honra de dizer na commissão, que servindo este estabelecimento ao ensino pratico dos alumnos de astronomia, navegação, hydrographia e geodesia pratica das escolas polytechnica, naval e do exercito, as quaes não tinham outro que facultasse aos seus alumnos o conhecimento dos instrumentos astronomicos, e a pratica da applicação d'elles ás observações necessarias ao estudo das disciplinas dos seus cursos, não me decidia a deliberar a sua extincção, por muito auctorisadas que fossem para mim as opiniões dos cavalheiros que a votavam, sem ouvir os conselhos escolares dos institutos, aos quaes o estabelecimento interessava.

É claro que o governo não podia ter o desejo pueril de guardar no arsenal de marinha um observatorio astronomico que não era necessario, nem podia satisfazer aos seus fins, como se dizia, mas é tambem evidente que o juizo competente para sentenciar este pleito eram as escolas; tanto mais que não me parecia a mim muito clara a possibilidade, que se inculcava, de ser o observatorio de marinha substituido

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para o ensino dos alumnos das escolas pelo real observatorio da Ajuda.

Ouvi pois os estabelecimentos scientificos que mandavam ou deviam mandar os seus alumnos ao observatorio de marinha, e depois que li as suas consultas não tive duvida em acompanhar a commissão de fazenda na sua resolução.

Vou ter a consulta da escola polytechnica e por ella verá a camara que a extincção do observatorio de marinha, cujo edificio, aliás, está a desabar, não encontra difficuldade alguma.

«Não é possivel centralisar n'um unico observatorio de estudo a pratica dos alumnos dos estabelecimentos da capital, não só porque isso traria inconvenientes com relação á frequencia das aulas n'esses estabelecimentos, pela difficuldade em harmonisar os horarios, e com relação ao transtorno que causaria aos lentos e aos alumnos, que tivessem de saír de um estabelecimento para outro, onde existisse o observatorio, mas tambem porque a indole do ensino pratico é diversa segundo o destino dos alumnos. Assim, emquanto os alumnos da escola polytechnica precisam adquirir a pratica das observações referidas ao zenith, e das distancias entre objectos terrestres, os alumnos da escola naval têem de ser exercitados, de preferencia, em outra ordem de trabalhos, como são as observações com instrumentos de reflexão referidos ao horizonte, as distancias lunares e a pratica da mareação com a agulha. Deve pois em cada escola haver um estabelecimento de estudo pratico, do mesmo modo que ha um gabinete de physica e um laboratorio de chimica em cada um dos estabelecimentos onde se professam estas sciencias. Nem se pense que estes observatorios de estudo sejam despendiosos, porquanto se reduzem apenas a ter uma casa onde exista um instrumento de passagens, um theodolito, um universal de Repsold, uma pendula e alguns oculos; e com os instrumentos que actualmente existem no observatorio de marinha, e parte dos quaes pertencem á escola polytechnica, ha material, alem do sufficiente, para guarnecer dois até tres pequenos observatorios para estudo.»

Sendo esta a opinião da escola polytechnica, e conformando-se substancialmente com ella a escola do exercito e a escola naval, o governo ficou em completa harmonia com a opinião da commissão. (Vozes: - Muito bem.)

Vou agora á questão do commando geral da armada. Quando se lêem os diplomas organicos do commando geral da armada e da direcção geral da marinha, encontra-se n'elles a enumeração de muitos serviços identicos. E desde logo conclue se com uma certa apparencia de rigor logico que ha duplicação de serviços, trabalho escusado e despeza inutil. E na verdade se o encargo do commando geral da armada fosse só escrever livros e papeis, receber e expedir officios, não poderia haver inconveniente em que este trabalho passasse a ser feito na direcção geral de marinha. Era uma simples questão de braços, que não podia ter duvida grave. Mas, a meu ver, não ha só isso no commando geral da armada, ha a questão da unidade no commando, e do vigor da disciplina que deve fazer hesitar os que têem este interesse militar em alguma conta (apoiados).

Eu disse francamente á commissão que discordava do seu parecer sobre este assumpto, mas que o governo não fazia d'elle questão ministerial. Assim é. O governo entrega o negocio ao juizo da camara, e esta que tem em si todas as illustrações, e todas as responsabilidades legislativas póde na sua sabedoria julgar defeituosa esta organisação militar e preferir outro systema ainda que não seja senão como experiencia, e em todo o caso resolva com o seu direito e com a sua responsabilidade (apoiados).

Attente porém a camara em que o commando geral da armada é uma auctoridade que se interpoz sempre entre o governo e a corporação da marinha militar, e que veiu até aos nossos dias com differentes denominações desde os regulamentos do Senhor Rei D. Affonso V, aonde se chamava general do mar, tendo depois os nomes de almirante, general das galés, capitão general até ao anno de 1736, em que se creou a secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, que co-existiu sempre com o capitão general, que em 1777 mudou o nome para o de inspector geral de marinha.

Em 1788 falleceu o inspector geral, e o ministro da marinha absorveu nas suas as funcções d'esta auctoridade; e note a camara que este unico exemplo do systema que se propõe foi assignalado por uma decadencia rapida da marinha militar, que fez necessaria sete annos depois a creação do conselho do almirantado, que viveu até 1822, sendo este substituido pelo major general, que até á data de hoje tem alternado os nomes com os de chefe d'estado maior general, intendente de marinha e commandante geral da armada.

Aqui tem a camara porque tendo eu encontrado sempre na organisação da corporação da nossa marinha uma auctoridade superior singular ou collectiva, que a governava sob as immediatas ordens do governo, hesitei em arrojar ás faces de quatro seculos o desmentido da sua experiencia sem rasão fundada, porque o não é de certo para similhante alteração em assumpto tão importante a economia, em nome da qual se pretende decretar (apoiados).

Responderei agora, muito resumidamente, a algumas das considerações feitas pelos illustres deputados que tomaram a palavra n'este debate.

Referiu-se o sr. Alcantara á desigualdade e desproporção de vencimentos de alguns empregados do ministerio da marinha.

A este respeito responderei de um modo geral, como já respondeu o illustre relator da commissão.

A commissão assentou o principio de respeitar inviolavelmente os direitos adquiridos, e em obediencia a este principio deixou as cousas, n'essa parte, como estavam definidas e reguladas por lei. Se ha no ministerio da marinha, como em outros, empregados que têem maiores vencimentos que os seus chefes, é isso resultado das viciosas organisações dos serviços; e tambem ás vezes de accidentes imperiosos, que nem agora se discutem, nem podiamos remediar n'este logar. O illustre deputado póde, querendo, por meio de sua iniciativa, propor o remedio que podemos dar a estes males, e muito agradecido lhe ficará o governo de lhe mostrar o caminho d'estas reparações.

Outros pontos seguidos pelos illustres deputados, como as do emprego das praças de marinhagem nos serviços de guardas, de ordenanças, e do registo, etc. foram já respondidos pelo illustre relator da commissão, o sr. Arrobas.

Só me resta dizer duas palavras com relação ao importantissimo assumpto da navegação para a Africa.

O governo ainda não resolveu este negocio; mas occupa-se incessantemente das negociações que o devem definir e com a firme resolução de o trazer sem demora decidido á presença do parlamento.

E ao reparo feito pelo illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, com relação á não descripção no orçamento da verba do subsidio para essa navegação, bastar-me-ha observar que era impossivel lançar no orçamento uma verba de encargos desconhecidos, porque ainda não temos novo contrato que os defina, não podendo figurar hoje n'este documento senão as obrigações que temos a desempenhar até ao fim do contrato velho.

Agradeço á camara a benigna attenção com que me escutou, e tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(S. ex.ª foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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