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N.º 21. Sessão em 28 de Fevereiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 67 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

Correspondencia.

Officios: — 1.º Do Sr. Deputado L. J. Moniz, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á Sessão de hoje, e talvez a mais algumas. — Inteirada.

Do Ministerio do Reino, remettendo uma relação nominal de todos os Empregados da dependencia do mesmo Ministerio com designação dos respectivos ordenados e gratificações. — Para a Secretaria, e de lá á Commissão Especial do Orçamento.

O Sr. Freitas Costa: — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Moraes Soares encarregou-me de participar a V. Ex.ª que não pudera hontem comparecer á Sessão, nem comparece hoje, e talvez a mais algumas, por motivo de doença.

Por parte da Commissão do Codigo Penal vou mandar para a Meza o seguinte

Requerimento. — «Requeiro que pela Secretaria de listado dos Negocio Ecclesiasticos e de Justiça, seja mandado a esta Camara para ser presente á respectiva Comissão, um Projecto de Codigo Penal Militar, que alli existe, elaborado por uma Commissão de que foi Membro e Secretario Manoel Borges Carneiro.» — Freitas Costa.

Julgado urgente, foi logo approvado.

O Sr. Paes Villas-Boas: — É para participar a V. Ex.ª que o Sr. Deputado Passos Pimentel não póde comparecer á Sessão de hoje, nem talvez a mais algumas, por incommodo de saude.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, desde o principio desta Sessão, que estão nesta Camara uns papeis relativos á eleição de Gôa, e quasi ao mesmo tempo chegaram os Deputados Eleitos por aquella Provincia: parece-me, que é da dignidade da Camara abbreviar a discussão do Parecer da Commissão de Poderes, relativo áquella eleição. Isto não é nem a mais leve censura á Commissão de Poderes: estou persuadido, que a Commissão ha de ter dado attenção a este negocio, como costuma dar a todos, os que lhe são commettidos; mas parece-me, que é já tempo sufficiente (dois mezes) para se apresentar o Parecer da Commissão a este respeito.

Por esta occasião tambem pediria, porque me parece que ámanhã será dia de Commissão, á Commissão de Commercio e Artes, que queira ter a bondade de apresentar o seu Parecer a respeito do Projecto de Lei, apresentado por um Sr. Deputado pelo Minho, para a livre importação do Chá.

O Sr. Presidente: — As respectivas Commissões ouviram a recommendação do Sr. Deputado, e a tomarão na consideração devida.

Aproveito a occasião para lembrar aos Srs. Deputados, que são Secretarios de Commissões, que é do seu dever receber todos os papeis, que lhes forem remettidos pela Secretaria, não só nos dias de Commissões, mas em todos os outros dias; porque tem havido nisto recusa por parte de alguns Srs. Secretarios das Commissões, e muitas vezes em negocios, que a Camara declara urgentes; esta recusa dos Srs. Secretarios não é fundada; por consequencia, logo que lhes forem remettidos os papeis da Secretaria, devem recebel-os, e dar-lhes seguimento.

O Sr. Lacerda (D. José): — Eu pedi a palavra por parte da Commissão de Poderes, para declarar, que o Parecer sobre as eleições de Gôa já está lavrado; porém um dos Membros da Commissão, que não tinha podido comparecer na ultima reunião, tendo algumas duvidas sobre differentes pontos do mesmo Parecer, pediu-me que lhe fossem remettidos os papeis assim como o Parecer, a fim de os vêr com mais vagar; e no caso de vir á Camara, porque eu ainda aqui o não vejo, o Parecer será apresentado.

O Sr. Palmeirim: — Sr. Presidente, quando ainda agora tinha pedido a palavra, no ponto em que se tractava de approvar o Requerimento apresentado pelo Sr. Relator da Commissão do Codigo Penal, o que eu tinha a dizer, era, que o Requerimento era superfluo, porquanto os papeis aqui estão: e para evitar trabalho, é que eu achei conveniente fazer esta declaração.

O Sr. Ferreira Pontes: — Vendo que no Extracto da Sessão de antehontem se fizera menção d'um Officio do Ministerio da Fazenda, onde se diz, que já se havia satisfeito ao meu Requerimento, em que pedi esclarecimentos sobre as prestações das Religiosas: preciso que da Secretaria se mande vir esse Officio, e o outro a que se refere, assim como o meu Requerimento; e em chegando se me conceda a palavra para sobre elles fazer algumas considerações.

O Sr. Presidente: — Fica-lhe reservada a palavra para occasião opportuna.

Poz-se logo á discussão a seguinte

Proposta. — A Meza desta Camara em observancia do art. 119 do respectivo Regimento interno

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pertence dar um Regulamento á Secretaria, e mais repartições dependentes da Camara.

No desempenho desta attribuição sua pareceu summamente conveniente á Meza incluir no presente Regulamento as seguintes disposições que contrariam o determinado no art. 108, n.º 1. do Regimento Interno de 1827, e os art. 114, 118, e 124 do de 1837.

No Regimento Interno de 1827 art. 108 n.º 1, e no art. 114 do de 1837, determina-se que o Archivista, e Sub-Inspector do Palacio faça as vezes da Commissão Administrativa nos intervallos das Sessões das Côrtes, e o nosso Regulamento confere estas attribuições a uma Junta Administrativa composta do Official Maior Director da Secretaria, do Official Redactor e Sub-Director, e do Sub-Inspector do Palacio.

O art. 118 do Regimento ultimamente citado designa o Archivista como Chefe dos Empregados na ausencia da Commissão Administrativa, e o novo Regulamento dá esta prerogativa ao Official Maior, pelo que respeita aos Empregados da Secretaria, e á Junta Administrativa quanto aos mais Empregados da Camara.

Finalmente no art. 124 do dicto Regimento consideram-se immediatamente subordinados ao Archivista, e Sub-Inspector do Palacio os Empregados Subalternos, em cujo numero se suppoem incluidos os Serventes, e o novo Regulamento determina que elles sejam subordinados á Junta Administrativa, de que o mesmo Sub-Inspector faz parte.

Tendo pois a experiencia mostrado a necessidade de se fazerem as alterações propostas por conveniencia do serviço as submette á consideração e approvação da Camara.

Camara dos Deputados 27 de Fevereiro de 1849. — João Rebello da Costa Cabral, Presidente, Antonio Corrêa Caldeira, Deputado Secretario, Dr. João de Sande Magalhães Mexia Salema, Deputado Secretario.

Foi approvada sem discussão.

O Sr. Presidente: — Não ha segundas Leituras: passa-se á

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do Parecer N.º 6.

O Sr. Silva Cabral: — (Continuando no Discurso começado hontem) Eu disse quando tractei da conta da receita, que para ella ser verdadeira era necessario que estivesse em tudo conforme com os livros da escripturação geral, donde ella era extraída, e que todas as verbas apresentassem uma exactidão plena e completa; disse mais que desde o momento, em que n'uma conta corrente se demonstrasse haver receita ou despeza, em fim uma verba qualquer, cuja inexactidão fosse provada, toda a veracidade da conta caía completamente; porque era fóra de duvida que uma conta não podia admittir inexactidões de uma ou outra cifra, sem ser prejudicada toda a conta. Vejamos de que modo fez o illustre Deputado a sua conta de despeza e analysemos se por ventura della se não deduz que a despeza foi mais lançada aqui para se matar ou amortisar a receita, do que para apresentar uma verdade.

Quanto aos prets não dá o illustre Deputado pago nos seis mezes 339:525$950 réis: bem... O illustre Deputado pertendeu justificar-se contra a justa arguição, que lhe fóra feita de haver adiantado os pagamentos, asseverou na presença de toda esta Camara que durante esse tempo tinha pago 12 quinzenas: (Apoiados geraes) admittida esta verba vamos ao argumento. Quanto importam os prets do Exercito? Importam na sua totalidade, contando todos os Corpos, e incluindo o Batalhão Naval, Veteranos, Invalidos, e Corpo Telegráfico, e até as Guardas Municipaes em 1:400 e tantos contos de réis, pertencendo por consequencia ao semestre 700 contos.

Quanto se diz pago no semestre? 339 contos de réis. logo ou faltou á verdade, quando asseverou ter pago 12 quinzenas, ou é inexacto, conhecidamente inexacto, quando na conta rançou 339 contos para provar aquella asserção... (Ouçam, ouçam). Escolha o illustre Deputado; mas veja, que por maiores tractos, que der á sua imaginação, não póde salvar-se da contradicção, em que se envolveu. (Apoiado, apoiado)

A Camara Municipal. E o supprimento feito para as suas despezas uma segunda verba, com que procurou confeccionar-se a Tabella da despeza; e diz-se que no semestre se pagara á Camara Municipal 79:110$770 réis (O Sr. Falcão: — É o que mostram as Contas do Thesouro). O Orador: — Veja a Camara pela interrupção do illustre Deputado, a auctoridade que merecem as taes contas do Thesouro!... (Riso) E aqui vem á minha memoria a accusação, que já em 1843 ouvi dirigir nesta Camara contra ellas por um nobre Cavalheiro, que de certo não ha de ser reputado hospede em similhante materia, o Sr. Carlos Morato Roma. (Apoiados) Já então elle se queixava de que nada significavam, e os factos vieram confirmar a asserção então feita. (Apoiados)

Continuarei a fallar da verba para a Camara Municipal: disse-se na conta, que foram pagos no semestre 79:110$770 réis! Eu tive o cuidado de munir-me com o competente documento, que tenho na mão, porque nunca desejei, nem desejo, nem tenho motivo para vir aqui propalar uma cousa, de cuja veracidade não esteja convencido (Apoiados) e para que o faria eu?... Não me ouviam tantas mil pessoas? Aquillo que se diz aqui, não reflecte por ventura no Paiz inteiro? Para que o faria eu? Essas pessoas, a quem me referisse, não tinham penna, e bôca, para contrariarem, e rectificarem qualquer inexactidão, ou falsidade a respeito de cada um dos arguidos factos? (Apoiados)

As parcellas, dadas á Camara Municipal neste semestre, principiaram em 3 de Julho: foi neste dia, que a Camara recebeu a primeira prestação na quantia de 1:500$000 réis. Depois seguiram-se todas as mais até á somma de 71:500$000 réis, dando-se mais para a Repartição das Agoas Livres, a quantia de 5:016$675 réis, o que tudo importa em 76:675$000 réis, o que faz uma differença para menos contra a conta do Thesouro de réis 2:674$095. Eis aqui ainda uma segunda prova contra a veracidade de tal conta, unica e verdadeira, apresentada pelo illustre Deputado. (Riso)

Vamos a outra verba da conta — as despezas diversas — esta apresenta-a o illustre Deputado na sua conta, de um modo tão miseravel, que nem a soube ajustar com os balancetes, que da Secretaria da Fazenda tinham saido, porque na conta da despeza

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que aqui se apresentou, fixaram essas despezas em 100:445$041 réis, e pela conta que apresento, formada dos mesmos balancetes, a importancia dessas sóbe sómente a 89:712$065 réis, differença para menos em réis 10:732$976; como se vê do Mappa que vou lêr.

Mappa das diversas despezas dos Ministerios nos seis mezes de Julho a Dezembro de 1848 assim especificadas nas contas publicadas nos Diarios.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Ora eis aqui a razão porque eu disse, que quem tinha copiado esta conta, quem a tinha apresentado, não havia se não tractado de ajustar a receita com a despeza, em vez de apresentar a verdade, como ella devia ser apresentada em tão solemne, como grave occasião. (Os Srs. Pereira do Reis, e Lopes de Lima (Apoiado, apoiado).

Pondo de parte este vicio das contas, que visivelmente as inutilisa na presença dos principios applicaveis, assim mesmo o illustre Deputado não podia insistir sem grave perigo, em que tivesse amortisado, em que tivesse gasto toda a receita com a despeza que apresentou, porque se a despeza era tal qual se apresentou, e que se pertendeu legalisar com a conta de que tenho fallado, a consequencia era esta — «que sendo 2:410 contos a receita verdadeira, segundo a asserção do illustre Deputado, e tendo-se mostrado o não era; tendo-se tambem provado que o illustre Deputado, apresentando a despeza publica com relação a todo o Reino, não se fizera cargo se não da receita dos Cofies do Districto de Lisboa, e em fim que a receita de todo o Reino não podia reputar-se inferior (o effectuado no semestre) a 3:800 contos; havia toda a razão, todo o fundamento, toda a justiça para que a Opposição levantasse a sua voz, e perguntasse ao Ministro, e ao Gabinete, de que fizera parte, o que é que se tinha feito, como se tinham gasto esses 1:800 a 1:900 contos que faltavam? (Apoiados numerosos) Debaixo deste ponto de vista, eu dei-me ao trabalho ingrato de demonstrar quaes eram as quantias, que se tinham desviado da sua applicação legal, chegando até á somma de 411 contos de réis!!!

O illustre Deputado, conhecendo perfeitamente que não podia malar a receita que lhe ficava -em applicação conhecida, pertendeu no seu Discurso demonstrar, que elle tinha adiantado o pagamento das quinzenas ás differentes Divisões, e que se achavam hoje mais adiantadas do que estavam em 1847!

Mas desgraçadamente a conta, que o illustre Deputado apresentou, é a prova mais completa contra essa asserção, porque se 339 contos fosse a verdadeira despeza applicada para o pret; a consequencia era, que se tinham pago unicamente seis quinzenas como já disse; por consequencia o argumento

e eminentemente contra o ventre da propria conta. (Apoiados).

Mas será verdade, que as quinzenas se tenham adiantado! Poderá dizer-se com verdade, que o que eu disse em 17 de Janeiro, não fosse exacto? Não póde: eu disse em 17 de Janeiro preterito, que as quinzenas e soldos estavam nesta proporção.

A 1.ª Divisão Militar pagou-se ultimamente a 2.ª quinzena de Setembro, e soldos de Outubro.

A 2.ª — 2.ª quinzena de Agosto, e soldo de Set.

A 3.ª — 1.ª » de Dezembro»

A 4.ª – 1ª » de Novembro

A 5.ª — 1.ª » de Setembro

A 6.ª — 1.ª » de Outubro

A 7.ª — 1.ª «de»»»

A 8.ª — 1.ª » de Agosto

Em que estado estão hoje as quinzenas? Estão por ventura em estado differente? Em geral póde dizer-se, que, guardada a proporção devida na marcha dos pagamentos, se acham no mesmo estado que em 1847. As quinzenas quasi todas estão entre sete, e oito de atraso á excepção da terceira, e quarta, e parece-me que a segunda Divisão Militar. Adiantou-se alguma cousa á oitava, mas foi a unica, e porque se adiantou? Foi porque o General daquella Provincia, e o Chefe de Estado Maior representaram o grande atraso, em que se achava o pagamento naquella Divisão com 12 ou 13 quinzenas em atrazo, e que não era possivel continuar assim sem perigo para a segurança publica, e para a disciplina militar, e que se o Governo não providenciasse, elles se retiravam, porque não queriam dar occasião a um espectaculo triste. Foi a isso, ás vozes e clamores da Opposição, que se deveu o mandar o Ministerio uma embarcação com dinheiro para pagar algumas quinzenas; mas em geral, a differença não é notavel... (Apoiados) para o atraso entre Dezembro de 1847, em que se deviam 7 a 8 quinzenas, e a época actual. Asseverou-se tambem que se tinha adiantado o pagamento dos Empregados Publicos, e que se não tinham pago só tres mezes como eu disse, mas cinco!,. O illustre Deputado naturalmente contou os mezes de uma differente maneira do que são contados por esses desgraçados Empregados Publicos, cuja subsistencia esta dependen-

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te dos fatídicos annuncios do Diario do Governo. (Ouçam, ouçam.) Se eu fallasse sobre este assumpto sem ser ouvido pelos interessados, que sentem os funestos effeitos da falta de pagamento, muito bem: mas eu que fallei diante de tantas testimunhas sem poder ser contrariado, nem pela Imprensa, nem no Parlamento, julguei que não era possivel que alguem tivesse o fatal desaccordo de vir contrariar a verdade. (Muito bem) Não se quiz vêr, que nos Diarios mesmos estava a prova d'aquillo que eu affirmava. Peço que se leiam os Diarios do Governo designados com os n.ºs 161, 165, 186, 208, 209, 234, 269, e 301; e nelles se encontrára a prova completa do que avancei. No Mappa que tenho na máo, e que tambem offereço a consideração, da Camara vem esta materia levada a evidencia. Eis-aqui o Mappa,

MAPPA DOS MEZES E QUINZENAS QUE SE PAGARAM DE JULHO A DEZEMBRO DE 1848.

[VER DIARIO ORIGINAL]

O nobre Deputado contou cinco mezes, e podia contar seis, porque effectivamente vem mencionados na sua conta; mas em que consideração, e em que sentido. Para indicar a despeza corrente, e para designar o pagamento dos atrasados em conformidade da Lei de 23 de Maio. Mas que tem, ou póde ter a despeza corrente com a receita atrasada? Essa receita não vem para o caso: e ponto indubitavel: porque na Lei de 23 de Maio esta estabelecido o modo de pagamento para as dividas atrasadas. Essa Lei diz, que serão pagos esses vencimentos atrasados todos em Notas, e que da parte em metal que entrar nesses pagamentos, o Governo possa dispor para a despeza corrente. Estas sommas não entraram em consideração no Orçamento do corrente anno, por consequencia, se teem de ser consideradas, é para fazer muito maior carga ao Ministro, porque ha mais a imputar na receita a respectiva quarta parte em metal, a qual não consagrou uma verba na sua chamada conta unica e verdadeira.

O nobre Deputado fez muito bem em passar mui brevemente pela despeza feita com a companhia da Guarda Municipal. Que resposta tinha isto? Pois por ventura estamos nós n'um Paiz de cegos? Não estamos num Paiz em que se devem saber os principios? Não é verdade, que, alem das seis companhias, que compõem o Corpo da Guarda Municipal conforme a Lei, ha mais uma septima companhia. Não é verdade, que esta septima companhia nem foi mettida no Orçamento, nem auctorisada na respectiva Lei? Pois então não sabemos nós, que não se póde crear força alguma senão pelas Côrtes? (Apoiados) Que senão podem dispender os fundos publicos senão com auctorisação das mesmas Côrtes? (Apoiados) E isto que digo, não tem envolvida opposição alguma aos serviços e utilidade daquelle Corpo. (Apoiados) Se era necessario, porque senão veio render homenagem aos principios? (Apoiados) Porque não veio o Governo ao Parlamento apresentar a Lei para esse effeito? Que horror é este ás mais santas prescripções da Carta Constitucional, na divisão dos respectivos Poderes? (Apoiados numerosos) Por ventura alguem nesta Casa, se o Governo aqui viesse propor, que queria uma companhia mais da Guarda Municipal, porque se tornava necessaria para a segurança e tranquilidade publica da Capital, negar-lhe-ia o seu voto? (Vozes: — Não, não) (Apoiado) Será esta a questão, como lá fóra insidiosamente se tem querido apresentar em relação á voz, que aqui se tem levantado para propugnar pelos principios consagrados na Carta Constitucional, e nas Leis (Ouçam, ouçam) Esperar-se-ia acaso, que esta insinuação poderia fazer-me deslisar alguma cousa do que tivesse a dizer contra a existencia daquella companhia da Guarda Municipal, tendo eu a convicção de que o devia dizer, e a certeza de que ha abuso e infracção de Lei? (Apoiados) Eu não treino diante da Guarda Municipal, nem de pessoa alguma; tenho deveres perante a Carta, perante a Lei, perante a Nação: hei de levantar a minha voz desde mui perto do Throno até ao mais baixo gráo, e senão toco no Throno é porque o res-

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peito; é porque respeito os principios, é porque esta fóra das nossas discussões, é porque nelle não ha que discutir. (Apoiados numerosos)

Bem fez o nobre Deputado em passar ligeiramente pelos 170 contos de réis, com que o Governo augmentou a despeza do Exercito com a providencia adoptada no Decreto de 7 de Novembro, sem mesmo se ter dignado consultar o Corpo privativo, que pela Constituição, e pelas Leis esta expressamente designado para sei ouvido nestes objectos graves mas parece-mo que foi indiscreto, tractando da verba dos 164:900$000 réis das letras vulgarmente chamadas do Marechal, (que eu assim chamo, para designar que foram (note-se bem) assignadas pelo nobre Marechal, e que teem relação ás despezas feitas durante a gerencia da sua Logar-tenencia) em querer defender que o seu pagamento foi mandado effeituar na conformidade da Lei.

Sr. Presidente, não tem explicação, não, o ter-se reconhecido a veracidade do credito: mas a maneira porque se mandou fazer o pagamento! Eu vou explicar este caso como o tenho de parte insuspeita, farei depois a historia verdadeira com relação á administração do illustre Deputado para fazer vêr, que elle não póde subtrahir-se á responsabilidade, que lhe provem delle.

Eu sabia muito bem, que havia a Portaria de 13 de Outubro, na qual se mandavam pagar estas letras pelo producto do papel sellado, e que esta Portaria estava assignada pelo Sr. Franzini. Eu não só o sabia, porque tenha visto o Diario mas porque essa Portaria vem nos documentos apresentados pelo nobre Deputado com o Relatorio de 28 de Fevereiro. Ahi tudo o que tiver olhos para ver, ha de ver essa Portaria. Por tanto não precisava folhear os Diarios para saber se existia a Portaria. (Riso) Mas é sabida (e se o illustre Deputado não a sabia, vae sabe-la) a historia dessa Portaria. Houve as maiores instancias com o Sr. Franzini para annuir áquella Portaria; houve differentes conflictos entre os seus Collegas, e por fim elle com o Cavalheirismo que lhe é proprio, (e honra lhe seja) disse: «Eu não possa pagar mas venho a uma transacção para a boa harmonia, que deve haver na Administração; mando passar uma Portaria para se pagar de Janeiro por diante, porque as Côrtes para esse tempo estando abertas, lá fiscalisarão este assumpto, e o resolverão como for melhor.» Eis aqui o pensamento que envolve o facto na existencia d'aquella Portaria, (Apoiados) e torno a declarar, que o ouvi de parte insuspeita.

Continuemos a historia. O illustre Deputado, entrando no Ministerio, um dos seus primeiros actos foi mandar suspender os effeitos desta Portaria, conheceu que não devia ter execução. Louvores lhe deviam ser dados, se assim o levasse por diante. Mas fecharam-se as Côrtes em Agosto, e mandou pagar aquella somma e outras maiores que esta, (Ouçam, ouçam) fundando-se em a disposição d'alguns artigos tão subtilmente introduzidos na Lei, que eu que estive ao pé da sua confecção, nem remotamente os presenti, (Ouçam, ouçam) e não sou dos mais destituidos de memoria.

As letras mandaram-se pagar depois; mas mandaram-se pagar de que maneira? Dividiram-se em duas quantias, uma de 89 contos, e outra de 75. Para o pagamento da quantia dos 89 contos passaram-se letras sobre os cofres dos Districtos do Reino, a vencer desde o 1.º de Janeiro até ao ultimo de Dezembro de 1849: quer dizer, antecipou-se desde logo parte do rendimento do semestre do anno economico de 1849 a 1850, e foi juntar-se esta antecipação a todas aquellas que tem resultado das letras do subsidio litterario, e do real d'agua, a respeito das quaes já não ha senão duas, cuja importancia não esteja negociada, (Grande sensação na Camara) e para o resto daquella quantia, assignaram-se consignações de 5 contos mensaes pela Thesouraria da Fazenda. (Ouçam, ouçam).

Disse-se que se fallára em 76 contos de réis de dividas atrasadas, pagas indevidamente, que não sabendo porém a que dividas esta accusação dizia respeito, não podia dar explicações! Intendo que o illustre Deputado devia saber a que dividas me referia porque tinha passado todas as ordens para este pagamento. (Ouçam, ouçam).

Eu tenho aqui o numero das ordens, e referirei algumas quantias dellas (porque não quero cançar a Camara com longas leituras), para se conhecer que eu tinha razão para dizer que se tinham pago dividas atrasadas contra a expressa determinação da Lei.,Não contesto a justiça das dividas! Mas uma cousa e a justiça das dividas, outra cousa é a legalidade dos pagamentos; (Apoiados) a divida póde ser justa, mas o Governo póde não estar habilitado para a pagar, e é preciso vir pedir a auctorisação das Côrtes, porque o Governo não póde administrar senão em conformidade das Leis (Repetidos apoiados). Não se argumente pois, que eu impugno dividas sagradas; o que eu quero é que se observem os principios e as douctrinas constitucionaes; o que eu quero é que o Parlamento não seja um authomato; o que eu quero é que o Parlamento não seja constantemente desconsiderado e despresado (Apoiados).

As dividas a que me referi, são as seguintes: Julho.... A herdeira de Joaquim Ferreira da Costa Sampaio,.. 477$336

Juros Reaes.............. 3:000$000

A um Commissario....... 50$000

Agosto.. Juros Reaes............'.. 7:530$000

Pensões de 1833-1834 até

1817................. 17:910$007

Setembro. Juros Reaes............. 3:520$000

Outubro, indemnisações.......... 1:536$234

A um Pensionista........ 121$114

Novembro. Varios Pensionistas....... 704$889

E assim por diante outras da mesma especie. (Ouçam, ouçam)

Note-se bem que algumas destas verbas até podia ser questionado se estavam ou não sujeitas á capitalisação; porque eram muito anteriores a ella. Mas estivessem ou não, o que é fóra de duvida é, que ainda quando estas verbas fossem justas, não podiam ser solvidas sem auctorisação das Côrtes (Apoiado).

A respeito de algumas dellas podia haver contestação quanto á especie de moeda, porque deviam pagar-se, porque os Pensionarios respectivos pertenderam ser considerados fóra das Leis communs, não querendo reconhecer as Leis do Reino para entrarem nas reducções que se teem feito aos Funccionarios do Paiz. É esta uma questão que foi resolvida incompetentemente pelo Ministro, e que deu em resultado o passarem-se letras para S. Miguel.

O Sr. Falcão: — Apoiado.

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O Orador: — Estimo o apoiado do illustre Deputado, porque por esta fórma fica demonstrado, que a receita da Ilha de S. Miguel é uma receita verdadeira, e não zero, como se dizia, porque não se póde dizer que é zero uma receita, tendo-se passado sobre ella 50 e tantos contos de letras (Muitos apoiados).

Todas estas verbas, cuja velleidade é incontestavel, é que sommavam os taes 411 contos, que deduzi da receita, para a qual eu não via uma applicação legal; sem questionar que ella podesse existir: mas o caso e que nos Documento. Officiaes não apparece, e por isso perguntava eu ao Governo — Que fizestes vós d'uma quantia quasi igual a 5 milhões? Vinde dizer ao Parlamento em que os gastastes; porque o Paiz tem interesse em sabe-lo, e direito de vos pedir contas (Apoiados); 411 contos ainda se vê que foram distraídos da sua applicação legal; mas o mais, alem desta quantia, que applicação se lhe tem dado

E por esta occasião perguntarei eu, não ao illustre Deputado, mas ao illustre Ministro da Fazenda, que esta presente, para me responder com a franqueza, que o caracterisa, e não só para socego do Paiz; mas de todos aquelles que verdadeiramente se interessam na prosperidade publica, e dignidade da Nação; perguntarei, digo, se e verdade o que por aí se diz, e que de certo tem feito uma desagradavel sensação; e vem a ser, que a titulo de indemnisação de prezas, e outras despeza, se pagara uma quantia superior a 400 contos a Esquadra Ingleza, que veio a este Paiz em 1847? Se é verdade, que então se considerou pelos que tinham aprisionado as nossas Embarcações, essas Embarcações em que vinham sim adversarios Politicos; mas que nem por isso deixavam de ser Portuguezes, que as mesmas Embarcações, e mais effeitos, eram boa preza?.... (Sensação)

Eu desejo esta explicação do illustre Ministro, sem o menor annuo de lhe dirigir nem censura, nem accusação, desejo-a porque sou Portuguez: pertendo a para explicação da Nação, para honra do Governo Representativo, e para dignidade do Pai lido Cartista, porque se é verdade que é no, exigiu um similhante preço, como paga de um Protocollo hediondo, nós Portuguezes não podemos deixar de protestar contra similhante modo de proceder. (Muitos e repetidos apoiados)

Perguntarei ao Sr. Ministro, ainda com o mesmo espirito de que S. Ex.ª socegue o Publico, se por ventura se pagaram ou não 310 contos por letras passadas pelas indemnisações, e fornecimentos do tempo dos Francezes? … (Sensação)

É preciso que dos bancos dos Ministros, e não de individuos, de um ou de outro lado da Camara, se diga, e isto é ou não verdade; para que vá a responsabilidade áquem toca; para que estes zuns zuns que correm de bôca em bôca, de ouvidos em ouvidos, não prejudiquem o Partido a que me honro de pertencer. (Vozes: — É assim.)

Eu ouvirei as explicações em tempo competente, ouvirei as explicações do. Srs. Ministros, porque e delles que as devo ouvir; e quando as ouvir, então resolverei como me hei de haver. (Muito bem)

O illustre Deputado tinha proclamado em 27 de Junho, que os emprestimos eram ruinozissimos, tinhanos dicto, que Deos nos livrasse de voltar a elles; não só o tinha assim proclamado orando nesta Casa, mas tinha-o escripto em differentes Relatorios, e até no Relatorio, que acompanha o Orçamento deste anno o declara muito positivamente.

Mas, Sr. Presidente, como é que se combina esta theoria tão brilhante, tão verdadeira, e tão acceitavel, com os factos praticados pelo illustre Deputado!? … Fecharam-se as Côrtes em 14 de Agosto, o em 26 já estava feito um emprestimo de 120 contos, sendo 60 contos em dinheiro; 30 contos em Notas, e 30 contos em papeis anteriores a Junho de 1818; que eram justamente os que estavam a 40 e a 13 por cento em Notas, e para esse pagamento deu-se o espaço de seis mezes, que era o mesmo que torna-las ainda mais depreciadas. (Sensação)

Este emprestimo não foi o unico, repetiram-se antes as transacções quasi todos os quinze dias; não se fizeram nada menos do que seis dentro de poucos mezes; e em todas ellas dando-se não só entrada de Notas, mas a daquelles papeis, que apresentavam para a Fazenda Publica um resultado funestissimo, não podiam deixai de augmentar grandemente as difficuldades da situação. (O Sr. Agostinho Albana — É verdade)

Mas, perguntarei eu ainda á Camara, se houvesse um Ministro que n'uma conta, por exemplo, de uma Repartição Central do seu Ministerio, conta, a cargo de um Porteiro dessa Repartição, se houvesse, digo, um Ministro que lançasse um despacho, pouco mais ou menos como o que se segue; pague-se a quantia de 150$000 réis pelo Cofre das despezas miudas, sem que se exija recibo, servindo este de caução: 4 de Janeiro de 1848... como julgaria a Camara a responsabilidade, e capacidade deste Ministro? (Grande sensação)

Não lançaria esse Ministro sobre si, ainda mesmo que o seu comportamento fosse tão puro, como o dos Anjos, se Anjos houvessem cá na terra; não lançaria sobre si grande suspeita?... Deos nos livre da tentação de praticar estes actos! Porque ainda que sejam feitos com a mais boa fé; ainda que sejam feitos com a maior integridade, elles vão actuar infalivelmente no espirito publico (Apoiados)

Se houvesse outro Ministro, ou Repartição, em que, por exemplo, porque Fuão ou Beltrão era uma notabilidade, se dissesse que estava nas circumstancias de ser pago de dois contos e quatrocentos mil réis a titulo de indemnisações, que tivessem relação com os estragos -, feitos durante o cerco do Porto; quando essas indemnisações estão incluidas na Lei de 15 de Abril de 1835, o dependem de resolução do Corpo Legislativo. (Vozes: — É verdade.) Poderiamos nós admittir que se procedera com exactidão e legalidade? E se houvesse ainda terceiro Ministro, que sendo advertido, que n'uma Repartição, no Orçamento della, vem como receita de um anno aquillo, que é receita de um dia, e que avisado, nem adoptasse os meios de evitar-os effeitos deste mal, em virtude do qual o Thesouro perde 37 contos de réis, recebendo unicamente 104$000 réis? Poderiamos dizer que esse Ministro, ou esse Governo cuida dos seus deveres?... (Sensação) Poderiamos dizer que essa Administração era zelosa, e diligente?

Sr. Presidente, eu vou explicar este ultimo problema, porque não quero, que reste duvída sobre facto tão escandaloso. Abram os ilustres? Deputados o Orçamento na parte respectiva ao Terreiro Publi-

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co, vejam a ultima verba, que alli vem lançada, e verão que se dão para o gasto de um anno unicamente 1,314 arrobas de pão cosido cujos direitos veem calculados em 104$000 réis Uma Cidade como esta, gastar 1,314 arrobas de pão cosido, um anno, nem mesmo soffre analyse. E quer a Camara saber como isto é; eu vou explical-o. Dá-se como rendemento de um anno, a verba que deve pagar-se num dia Os padeiros matriculados, sem fallar dos que estão fóra da matricula, são 159, todos elles teem pelo menos duas cavalgaduras, e mesmo tres, mas eu não quero admittir senão uma. Cada cavalgadura leva de carga 8 arrobas, 8 multiplicadas por 80 réis que paga cada arroba produz 640 réis: os quaes multiplicados por l59 padeiros dão 101 $760 réis Logo dá-se como rendimento de um anno o que é rendimento de um dia com a pequena differença de alguns tostões, (Sensação) e perde-se para a Fazenda 37 000$000 réis. (Apoiado). E vem aqui dizer-se, não temos rendimentos, são precisos sacrificios, argumentem-se os que estão soffrendo os Empregados Publicos.. Não é possivel continuar isto assim!... É preciso ter coragem para cortar por uma vez estes abusos O modo como se fazem estes extravios, é muito conhecido, e o da falsificação das guias (Apoiados)

Presidente, ainda mais… Mas para que é fatigar-me em afcar o quadro das nossas desgraças, a dos funestos erros da administração?. Os effeitos desses erros, que estão todos soffrendo, não é nem a força da logica, nem a vehemencia da eloquencia, que podem desvanecel-os

O Orador Romano tractando da defeza de um Cidadão contra a violencia de um Proconsul, poz na sua boca as palavras — Civis sum romanus — Nós advogados do povo Portuguez, advogados, porque a Carta Constitucional nos confere esse titulo, digamos tambem como elle, Liberi Sumus, como já disseram em outro tempo os nossos paes em Almacave: mas accrescentemos, que não queremos ser livres se não com o Governo Representativo. Aquella idéa mostra o sentimento da independencia que preoccupava os nossos passados; não é isso bastante hoje. Nós queremos mais que a independencia, queremos a liberdade, a liberdade que tanto tem custado a Nação Portugueza (Apoiados), mas é preciso que esta liberdade não seja ficticia, para se exigir que os outros sejam justos, e preciso sê lo primeiro A influencia dos exemplos tem uma força muito grande naquelles que nos sãos subordinados (Apoiados) Sinto muito que tivesse de dizer verdades duras, mas pronunciei as com a convicção de que faço um bem ao meu Paiz, oxalá que todos prestemos homenagem a este, e a essas verdades, e que provemos pelos nossos actos, que o Paiz não espera debalde dos nossos esforços, e que nenhum caminho nos parecerá arduo para lhe promover o seu bem, e a sua prosperidade (Grande agitação na Camara muitos apoiados. O Orador senta-se no meio de applausos)

O Sr. Falcão — (Sobre a Ordem) Sr. Presidente, parece-me que tenho a para via no meu logar, mas desejava manifestar na Camara que aceito todas as responsabilidades mencionadas pelo illustre Deputado, e a unica cousa que não acceito é a dos 150$ réis

-O Sr. Vaz Preto: — (Sobre a Ordem) É para mandar para a Mesa um Parecer da Commissão Ecclesiastica sobre seis Representações. (Leu) Falta a assignatura do Sr. Passos Pimentel, que não esteve presente, o Sr. Ferreira Pontes não foi á Commissão, propuz-lhe o que se tinha tractado, conveio, mas não me atrevo a declarar que foi deste voto, sem elle querer assignar.

Ficou para se lhe dar seguimento opportunamente

E continuando-se na materia da Ordem do Dia, disse

O Sr Xavier da Silva: — Sr. Presidente, serei muito breve, para não cançar a Camara, e para o Sr. Deputado pela Estremadura ter occasião de Responder ao eloquente Discurso proferido pelo illustre Deputado, que me precedeu

Parecia-me, que não teria de fallar, depois do illustre Relator da Commissão haver tão cabalmente destruido todos os argumentos, que foram adduzidos por quem ainda pretende justificar a arrematação do rendimento da Alfandega das Sete Casas, e do Pescado, querendo defendel-a com as necessidades do Thesouro, todavia a Camara deve ter presente, que o Sr. Deputado, que exigiu a minha presença, fez algumas allusões, que me obrigaram a pedir a palavra, e tendo decorrido alguns dias limitar-me-hei a fazei algumas reflexões

Todos lamentam, que se tenha consumido tantos dias na discussão de um Parecer, em que a Commissão de Fazenda foi unanime, e que o Governo e a Camara não impugna sendo para admirai, que por incidente, se pretenda discutir, conjunctamente, a grande questão do deploravel estado de nossas Finanças, quando muito convem, que ella seja tractada separadamente, e com a extensão, que o seu estado exige.

Mal deste Paiz se a Camara não tiver coragem para, na presente Sessão, se occupar sériamente do seu exame. Lembre-se, que os males succedem-se uns aos outros com grande rapidez, que em certo estado ainda podem ter remedio, mas quando unicamente se lhe pretende applicar palliativos, a doença póde exacerbar-se, e chegar ao ponto de se tornar incuravel. Não pretendo dizer, que é para desesperar o estado da nossa Fazenda, entretanto e forçoso confessar que elle não e lisonjeiro, e apresenta symptomas mui graves, a que é preciso prestar toda a attenção, para não dai occasião a uma crise, que póde ser fatal para este Paiz

O Sr. Deputado, que incetou esta discussão, para justificar o que não provou, para defender o que confessa não sei bom, e para sustentar um Contracto, que todos concordam, que não deve approvar-se por não convir, nem economica, nem financeiramente, pretendeu justificar a sua obra soccorrendo-se a um argumento tirado da falla de meios do Thesouro, e de alguns Estabelecimentos monetarios se haverem denegado a prestar-lhe as sommas de que precisam para acudir a despezas urgentissimas do Estado, mas permitta-me a Camara, que eu refira o que precedeu este Contracto da arrematação das Sete Casas, para melhor poder avaliar a exactidão de um similhante argumento

Sr. Presidente, estava persuadido que o Sr. Deputado, que por tantos annos pertenceu ao Corpo do Commercio, que é Chefe de uma Repartição de Contabilidade, e que exerceu o elevado cargo de Ministro da Fazenda, devia apreciar o que é o Credito

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de um Estabelecimento, e quereria fazer a todos a justiça, que pretende lhe appliquem; mas infelizmente enganei-me, porque S. Ex.ª no seu Discurso usou de argumentos, fez insinuações, que não se conformam com a persuasão em que estava; e foi injusto com um Estabelecimento que, durante o tempo da sua administração, lhe deu provas da maior consideração, e prestou-lhe avultadas quantias em occasiões de grandes apuros do Thesouro.

Por muito tempo pareceu que S. Ex.ª não tinha indisposição alguma contra o Banco de Portugal, antes se apresentava como defensor e respeitador dos seus direitos; isto é, nos primeiros mezes da sua administração, S. Ex.ª soube ser reservado, e até não se dedignava de ir pessoalmente ao Banco sollicitar favoravel decisão aos seus continuos pedidos de adiantamentos; mas passada certa época S. Ex.ª mudou de systema, e agora mais desafogadamente fez bem conhecer quaes as suas intenções a respeito de um Estabelecimento, que tinha direito a esperar a sua valiosa protecção.

Disse porém o Sr. Deputado — Que em diversas occasiões, em que teve de recorrer ao Banco, este não póde auxiliar o Governo. — Sr. Presidente, o Banco de Portugal é um Estabelecimento que se governa por uma Lei sua propria, e os seus administradores, zelosos em administrar as fortunas de tantas familias, e em cumprir religiosamente a Lei que lhe foi imposta, não podiam, com quanto tivessem muita consideração por S. Ex.ª, exceder as attribuições que lhes estavam marcadas. Todavia, S. Ex.ª não póde deixar de confessar que a administração que dirige esse Estabelecimento,

fez a S. Ex. o que tem feito a todos os Srs. Ministros, isto é, dentro da orbita das suas attribuições, nunca se negou a prestar ao Governo os meios que estava ao seu alcance podér conceder.

Mas desde quando é que se diz que o Banco não emprestou dinheiro ao Governo? Diz-se, depois de ter passado o mez de Fevereiro de 1848. E desde quando é que se diz que esse Estabelecimento não serve para nada? Diz-se, depois de ter prestado a S. Ex.ª os meios para que estava auctorisado. Sr. Presidente, a Assembléa Geral do Banco de Portugal reuniu-se no dia 5 de Fevereiro de 1848, e auctorisou a sua Direcção para facilitar ao Governo um Credito até 100 contos de réis, os quaes foram todos entregues no mez de Fevereiro á Administração de que S. Ex.ª fazia parte, do modo seguinte: no dia 8 de Fevereiro de 1848 foi feito um Contracto, que S. Ex.ª assignou como Ministro da Fezenda, que então era, para o Banco de Portugal emprestar ao Governo a quantia de 30 contos de réis, a qual lhe foi facilitada por desconto das 6 Letras, n.º 6 a 11, de 5 contos de réis cada uma, para serem embolsadas estas quantias nos dias que lhe foram estipulados, de 29 do referido mez de Fevereiro, 15 e 30 dos mezes de Março e Abril, e 15 de Maio seguinte. No dia 12, quero dizer, com o intervallo de 4 dias, o Governo recorreu de novo a este Estabelecimento, e levantou outros 30 contos de réis com as Letras n.º 12 e 13, do 15 contos cada uma, com vencimento nos dias 30 de Março e 15 de Abril proximos futuros. No dia 22, intervallo de 10 dias, o Sr. Ministro da Fazenda, louvando muito a Direcção, pediu e levantou outros 30 contos de réis, pelo desconto das Letras 14 e 15 de 15 contos

de réis cada uma, com vencimento nos dias 30 de Abril e 15 de Maio, e pelas quaes, dizia a Portaria, o Estabelecimento seria embolsado daquelle Supprimento; e no dia 29 do mesmo mez de Fevereiro, isto é havendo mediado apenas 7 dias, S. Ex.ª pediu o levantou mais a quantia de 10 contos de réis pela Letra n.º 19, com vencimento em 15 de Junho. E eis ahi como o Governo, dentro de um mez, recebeu daquelle Estabelecimento um emprestimo de 100 contos de réis (Apoiados). Estas Letras tinham uma época certa e determinada para o seu pagamento, como já referi, e com quanto no Contracto celebrado entre o Governo e o Banco se estipulasse que ellas seriam pagas nos dias dos seus respectivos vencimentos, é facto que o Governo, obrigado pela força das circumstancias, viu-se na necessidade de as reformar seguidamente, uma, duas, tres, quatro e mais vezes, dentro do anno. E por esta maneira póde dizer-se que este Estabelecimento emprestou ao Governo não só a quantia de 100 contos, mas a de quatro e mais vezes 100 contos; porque tantas foram as reformas dessas mesmas Letras que houveram dentro do anno (Apoiados): aqui esta como o Governo dentro do anno de 1848 recebeu por emprestimo daquelle Estabelecimento 533 contos, e pagou 464 contos, porque no dia em que a Letra se reformava, pagava o antigo Supprimento, e contrahia um novo emprestimo dentro do Credito dos 100 contos de réis, para que a sua Direcção estava auctorisada pela Assembléa. Geral. Por consequencia não venha aqui dizer-se, nem se julgue lá fóra, que houve inexactidão no Resumo das operações do Banco de Portugal no segundo anno social findo em 1848, e publicado no Diario do Governo n.º 35 de 9 de Fevereiro, o ainda que algumas pessoas não intendam esse Resumo, de certo S. Ex.ª não póde dizer o mesmo, e creio que não deixará de reconhecer a sua exactidão, porque o facto é como o acabo de apresentar; pelo qual se evidenceia qual a importancia das Letras descontadas ao Governo, e a das cobradas, e se conhece que em Dezembro de 1848 ficaram por cobrar 94:300$000 réis.

Ora quando o Sr. Ministro da Fazenda veio pedir ao Parlamento em 13 de Março de 1848 uma auctorisação para levantar até 500 contos de réis, sobre o rendimento da Decima de 1847a 1848, apresentou um Orçamento dos recursos e encargos nos quatro mezes de Março a Junho de 1848, e nos encargos extraordinarios vem especificados, 95:000$000 de letras em favor do Banco de Portugal, por aquelles adiantamentos que enumerei, e 43:756$000 resto do Emprestimo dos 200:000$000 feito pelo mesmo Banco em 19 de Maio de 1847. E parece-me, que não se póde dizer com justiça, que o Estabelecimento deixou de coadjuvar o Governo, quando apesar de ter sido incluida nos encargos extraordinarios a sua divida de 95:000$000, para satisfazer a qual o Governo pediu meios ao Parlamento, e lhe foram concedidos, todavia não fez mais do que pedir reformas de suas letras em vez de as pagar. O Sr. Ministro da Fazenda, que então era, foi auctorisado pela Carta de Lei de 3 de Abril para levantar os 500 contos, e S. Ex.ª levantou-os ainda que com muito custo, do que ainda não deu conta, mas o Banco, que não é exigente, e que tem sempre dado provas de concorrer pela sua parte tanto quanto póde para acudir ás urgencias do Estado, com os

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seus poucos meios, consentio na reforma de suas Letras

Sr. Presidente, é verdade, que durante a Administração passada a que pertenceu o Seu Deputado, algumas vezes S. Ex.ª. como Ministro da Fazenda se dirigiu ao Banco pedindo differentes quantias, e não as póde levantar todas; no numero das quaes foi incluida a de 25 000$000, importancia de tres Letras, acceitas pelas Caixas Geraes do Contracto do Tabaco, remettidas com Portaria de 10 de Abril; mas S. Eª não diz tambem, que o Banco respondeu, que não podia emprestar aquelle somma, por estar preenchida a de 100.000000 para que estava auctorisado. E por esta occasião direi á Camara, que não foi essa a unica vez que S. Ex.ª se dirigiu ao Estabelecimento pedindo que lhe facilitasse mais meios, e o Banco lhos não póde flanqueai, mas pelas rasões que já expendi.

E daqui, Sr. Presidente, tirou S. Ex.ª o argumento de que o Banco não serve para nada!...

Sim, Senhor, o Banco não póde servir para tudo quanto imagina cada um dos Srs. Ministros da Fazenda, salvo se S. Ex.ª intende que o Banco é uma verba de receita para satisfazer a todas as despezas do Estado: em demasia tem aquelle Estabelecimento confiado seus capitaes ao Governo de Portugal; oxalá não tivesse confiado tanto, porque não estariam prejudicadas tantas familias, não haveria tantos portadores de Notas queixando-se pelos seus prejuiso, e não veriamos todos os dias o Governo recorrer ás operações ruinosas, que tem feito; porque esse Estabelecimento e os homens que tinham algum dinheiro, confiaram de mais as suas fortunas ao Governo, debaixo da esperança da organisação da Fazenda, que todos os dias se promette, quando se lhes pede dinheiro, e todos os dias se desvanece depois de o terem entregado.

É verdade, Sr. Presidente, que durante o anno findo alguns pagamentos se fizeram ao Banco, por conta do emprestimo dos 200 contos como consta do mesmo resumo; mas o Sr. Deputado que trouxe este argumento, devia lembrar-se, que este pagamento era o saldo do contracto feito com o Sr. Ministro da Fazenda, que então era o Sr. Conde do Tojal, e que devendo estai pago em Maio, comtudo, tendo sido muito morosa a arrecadação das Decimas, o Governo não póde satisfazel-o no tempo do seu vencimento, e tendo o Banco exigido o embolso deste saido de 43.756800, como era em Notas, e depois de satisfeito o Governo desembolsava legalmente os rendimentos que tinham sido dados como hypotheca, é verdade, que durante a Administração passada, e sendo S Ex Ministro mandou satisfazer em 22 de Agosto o dito saldo do capital, e 5.513$900 de juros do emprestimo dos 200 contos: por conseguinte S Ex.ª cumpriu um dever, e a boa fé de um contracto, boa fé que S. Ex.ª tanto recommenda, conhecedor como deve ser da conveniencia que teem os Govêrnos de sei exactos em cumprir fielmente os seus contractos, e ainda não sei a rasão porque S. Ex.ª. tanto quiz alardear com este pagamento.

Mas, Sr. Presidente, para que trazer aqui o pagamento destes 58 contos de réis, a não sei para dizer, que o credito do Estabelecimento para com o Governo este anno e menor que o anno passado? Perdôe-me o illustre Deputado, não e assim, porque o supprimento dos 100 contos não deve confundir-se com o anterior de 200 contos, e S. Ex.ª deve lembrar-se, que em Fevereiro recebeu os 100 contos metade em Notas do Banco de Lisboa, e a outra metade em moeda metalica, em Dezembro o credito do Banco era de 94:300$00, sendo 57.750$400 em Notas, e 36:549$600 em moeda metalica.

Mas que terão estas questões com a arremataçâo do rendimento das Sete Casas?... Para que é trazer aqui o estabelecimento do Banco á discussão, se não faltará occasião a & Ex.ª para poder impugnai a existencia desse util Estabelecimento, que parece lhe faz tanta sombra!... Sabe V. Ex.ª e a Camara a razão porque o Sr. Deputado trouxe, aqui este estabelecimento?.... Eu lha vou dizer. E um facto, Sr. Presidente, que, quando se tractava da arrematação das Sete Casas, o Banco de Portugal animou-se a dirigir a presença do Governo uma Deputação fazendo sentir os inconvenientes que entendia se seguiam, e já se conheciam, de similhante a arrematação; expôz as suas razões, disse com franqueza o que entendia sobre similhante arrematação; ponderou os inconvenientes que necessariamente haviam de seguir-se daí, mas era tal a tenacidade de. Ex. em querer sustentar essa arrematação, que por mais razões não quiz mudar do seu proposito, (O Sr. Agostinho Albano — Apoiado) não pela bondade da arrematação, mas pelos meios que della dizia lhe provinham, porque no nosso Paiz o Ministro da Fazenda no que cogita, e em ter meios para satisfazer despezas, a maior parte das quaes muitas vezes não esta enumeradas no Orçamento, mas que se pertende pagar para attende! a pretenções, e algumas são satisfeitas muito mais depressa do que outras muito importantes, como são soldos, ordenados, e prets. Para que serve isso tudo que se trouxe a respeito do Banco, Sr. Presidente, para que serve?... E para querer indispor o Publico, e a Camara contra o estabelecimento, e contra os homens que o dirigem, dizendo, que elles se negam a prestar ao Governo os meios que S. Ex-a lhes pedia, dizendo que era para satisfazer os vencimentos dos Servidores do Estado, os soldos, e os prets dos soldados, mas a Camara avaliai a devidamente este modo de argumentar.

Parece que S. Ex.ª para se justificar procurou querer fazer acreditar que o Banco e o culpado do procedimento de S. Ex.ª, porque os Srs. Ministros quando não tem com que se defender, servem-se desta lingoagem para se disculparem a si, e culpar os mais.

A Deputação do Banco de Portugal, composta de homens que se interessam pelo bem do Paiz, teve ainda a audacia de pretendei conhecer quaes eram os meios que o Governo suppunha tirar dessa arrematação, para vêr se podia evitar-se um grande mal a este Paiz, quero dizer, quiz ver se era possivel evitar a arrematação, mas S. Exª a respondeu — A arrematação das Sete Casas será muito má veremos o que da a Praça, mas eu não desisto, nem posso desistir della, porque o Governo tem perto de noventa contos cada mez

Sr. Presidente, veio o dia da arrematação, e note-se que a Deputação do Banco de Portugal teve logar antes, e no mesmo dia da arrematação a Direcção do Banco de Portugal dirigiu ao Governo uma respeitosa representação, pedindo que não se effectuasse similhante contracto, e declarando, que se o

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Governo era levado a fazer uma transacção tão lesiva para a Fazenda só pela falta de meios, indicasse quaes eram os de que carecia; porque a Direcção não tinha duvida em convocar os seus accionistas para lhes pedir as necessarias auctorisações até aonde permittissem os recursos do estabelecimento. E qual foi o procedimento de S. Ex.ª? Que resposta deu a isto? Continuou por diante com a arrematação, insistiu no seu proposito, e só depois de ver que a arrematação não podia sei approvada, que já não eram as intrigas do Banco como S. Ex.ª dizia, e como se pertendia fazer acreditar por toda a parte; mas a voz do Publico, e o proprio vicio do contracto, e que não houve remedio, e S. Ex. se decidiu a recorrer ao Banco pedindo 90 contos de réis mensaes, que é quanto se dizia que a arrematação havia de produzir, e que não será difficil demonstrar sei um calculo exaggerado Mas era tal o interesse que S. Ex.ª tomou em levar por diante este contracto das Sete Casas, que tudo quanto a respeito delle se ponderou, dizia serem objecções e intrigas, e respondia — «Dêem-me dinheiro, sem isso não desisto; dêem-me dinheiro»... — E fazia mais, exaggerava a cifra dessa arrematação impedindo assim que fosse possivel substituir-se, com o proposito da arrematação ir para diante.

Felizmente para este Paiz, a Commissão de Fazenda, e a Camara dos Srs. Deputados, muitas vezes se pronunciou sobre este negocio; e o Governo falto de meios não teve remedio senão recorrer ao Banco, a quem não quiz attender, e esse estabelecimento deu mais uma prova, das que tem dado centenares de vezes, que não e indifferente ás necessidades do Governo, e para livrar o Paiz de um mal como era a arrematação das Sete Casas, não duvidavam, aquelles que já tinham a sua fortuna compromettida nas mãos do Governo, concorrer com mais alguns meios, ate que no Parlamento se podesse tractar das medidas de Fazenda. Se não fossem essas circums-tancias extraordinarias, certamente o Banco não fazia o sacrificio de concorrer com 180 contos, porque os Bancos não são creados só para emprestar ao Governo; e muito alta a sua missão; e quando tem de emprestar os seus cabedaes ao Governo, em que naturalmente se dão sempre empates de longo praso, faltam ao Commercio, ao qual devem auxilio e soc-corros.

E qual foi o resultado de se adorar esse idolo,.. das Sete Casas? Eu tenho muito sentimento que o illustre Deputado como tal O alcunhasse porque tenho a consciencia de que S. Ex.ª não póde sei adorador de similhante idolo, é impossivel, repugna com o seu bom nome; S. Exª. não queria similhante contracto, S Exª. não deve querer tomar para si um idolo que não e seu, que não reconhece, que não quer adorar, mas que so serviu de pretexto... (O Sr. Falcão — É falso). O Sr. Deputado póde dizer o que quizer, mas esta é a minha persuasão.

Sr. Presidente, é um facto que na Praça de Lisboa, por intervenção do Banco de Portugal, o Governo tracta de levantar um emprestimo para sup-prir essa receita, que se diz havia de obter-se pelo contracto das Sete Casas. É um facto, Sr. Presidente, que o Banco de Portugal comprometteu-se a emprestar ao Governo 180 contos em prestações mensaes de 30 contos, não só porque lhe era difficultoso, e não podia no momento emprestar ao Governo toda

essa quantia, mas mesmo assentou convenientemente dividir os 180 contos nestas parcellas para ir acudindo as despezas mais urgentes do Estado, e para não acontecer que em um mez, dos resultados desses sacrificios e esforços, não houvesse um real nem para o pret, nem para os Empregados Publicos, nomes que sempre se invocam para pedir emprestimos; mas que só sei vem de pretexto, e que infelizmente não veem dinheiro.

O contracto, pelo que respeita ao Banco, tem sido cumprido religiosamente em todas as suas partes. Como costuma, e no tocante ao resto do emprestimo, apesar das profecias de S Ex.ª (mas diz o dictado, que ninguem póde ser profeta na sua terra espero que elle ha de realisar-se no todo, ou em grande parte, para que mais uma vez S Exª. se convença de quão erradamente procedeu a este respeito.

O emprestimo já excede de 360 contos, quer dizer, 200 em dinheiro, e 60 por cento dos papeis, que são 120 contos, faz 320 contos; note bem S. Exª. que estes papeis hão de desaffrontar o Governo da despeza do anno; não são os papeis dessas quinzenas desgraçadas, que não carregam a despeza do exercicio do anno, e que se venderam por vil preço áquelles que couberam antecedentemente a applicação que lhes podiam dai, e que os foram comprar a esses infelizes das Classes inactivas, que levados da fome que os mata, os venderam por uma bagatela. (Apoiados)

O praso para a subscripção do emprestimo foi curtissimo; na Praça do Porto, apenas lá póde chegar a noticia de que o emprestimo estava aber to, e apesar disso, por um Correio, que vieram informações, não deixam de ser muito favoraveis, porque a Praça do Porto tem tanto interesse pelo bem do Paiz, como a Praça de Lisboa, e com quanto alli tenham sido mais acautelados em não querer contactar directamente com o Governo, como acontece com o Banco do Porto, com tudo os seus accionistas, e outros cidadãos teem dado provas de que querem ajudar o Governo para o livrar dos contractos ruinosos, que de nada sei vem ao Governo, e prejudicam a todos.

Veremos se o emprestimo se faz ou não, mas o que é facto e que já com a cifra em que esta, elle proporciona ao Governo os meios, pouco mais ou menos, que elle tinha dessa ruinosa transacção das Sete Casas, e quando não houvesse outra vantagem, bastava a de livrar o Paiz de uma transacção similhante, porque arrematações daquellas serão para fazer a fortuna de alguem, mas não são para organisar a Fazenda.

Sr. Presidente, é verdade que o illustre Deputado por Vizeu, quando fallou sobre este objecto, disso o que tambem já tenho visto escripto, que este contracto, parecia que dependia da approvação das Côrtes, por ser um emprestimo, mas, Sr. Presidente, não esta muito longe a data de 26 d'Agosto, que é a da Lei de Meios, e por essa Lei o Governo esta auctorizado a levantar meios sobre a receita do anno, e a representar em bilhetes as decimas. O Sr. Ministro da Fazenda com a honradez que lhe é propria, com o desejo pelo bem do seu Paiz, entrando de novo em uma Administração difficil, antes de vêr o contracto, antes de insistir nelle, tractou de examinar se estava auctorisado para o fazer, porque Ex.ª tem dado provas no pouco tempo que esta na

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Administração, que prefere a tudo a sua honra e o seu nome, e o que quer é o cumprimento dos seus deveres, e estou certo que quando vir que as urgencias do Estado carecem de meios, ha de vir pedil-os ao Parlamento com a coragem que lhe é propria.

Sr. Presidente, não tracto de defender o Parecer, porque ainda não houve quem quizesse adorar o tal idolo.

A questão do Banco de Portugal espero que brevemente virá ao Parlamento. Já foi nomeada por esta Camara uma Commissão de Inquerito, que se tem reunido; e o caracter dos Cavalheiros que a compõem é sobeja garantia para que tragam ao Parlamento um juizo imparcial sobre a questão; a Camara ha de ser juiz, ha de julgar em ultima instancia sobre este negocio; então se apreciarão as razões desses que escrevinham, e se confrontará a necessidade que ha da conservação desse Estabelecimento, e das suas ligações com a Causa Publica.

Sinto ter sido forçado a fazer estas declarações, mas não podia deixar de ser, depois de ter ouvido fallar a respeito do Banco de Portugal e dizer-se: que as cousas estavam no modo, na hora e na occasião, e eu talvez podesse dizer, que o procedimento de muitos dos Srs. Ministros esta no modo, na hora e na occasião. Muitas vezes vim para esta Camara um pouco mais tarde do que a hora da reunião, por que os meus affazeres me obrigavam a demorar; não para tractar de negocios proprios, porque estes tenho a coragem de os pôr de parte para cumprir com os deveres de Deputado, mas para me occupar de negocios que tinham relação com a Causa Publica, e que me obrigavam a estar mais tempo n'um estabelecimento aonde elles se tractavam: o que é verdade é que no dia que se dizia que se sollicitava um emprestimo ou uma reforma, eu tinha a satisfação de ver S. Ex.ª que então era Ministro, a pedir a minha coadjuvação e a de todos aquelles que pertenciam áquelle estabelecimento; e no dia seguinte quando já sabia que o estabelecimento tinha cedido a esta exigencia, então já S. Ex.ª não queria saber de quem eram estes individuos, nem queria saber do estabelecimento. Eis aqui esta como se explica o modo e a occasião; em quanto os 100 contos não estavam recebidos, as portas do Banco eram frequentadas por S. Ex.ª, e honrava as cadeiras dos Directores; mas depois que sabia que o Banco não podia continuar a fazer outro emprestimo, o Banco já não era util, e de nada serve aos Governos, como talvez S. Ex.ª tenha dicto algumas vezes.

Sr. Presidente, ainda que esta discussão ha sido um pouco mais longa do que devia ser, com tudo tem-se tirado della muito grandes vantagens; a primeira é que se torne bem evidente para todos, e que o Parlamento se pronuncie bem francamente contra a arrematação das Sele Casas, por ser altamente ruinosa para o Estado: (Apoiados) para que não aconteça que passados dias, depois de fechado o Parlamento, a arrematação torne a apparecer debaixo d'outro pretexto; por que é verdade que este contracto não se fez durante o tempo em que as Camaras estavam reunidas, mas houve bastante coragem para o fazer quando ellas estavam fechadas; dizendo-se que se dava toda a publicidade, havendo apenas um praso de tempo que não era sufficiente para que nas Provincias se soubesse que o tal contracto se fazia. E bom é que todos levantem a voz

nesta Casa, e declarem em alto e bom som, que não convem que se faça uma similhante arrematação. (Apoiados) O Sr. Deputado pela Estremadura tem a palavra, e como deve estar desejoso de querer responder ao que acabou de dizer o illustre Deputado que me precedeu, e talvez mesmo áquillo que eu disse, restrinjo-me á discussão reservando-me para em occasião competente tractar deste bello catalogo de Portarias, assignado por S. Ex.ª como Ministro; e então conhecerá a Camara qual a justiça com que S. Ex.ª procedeu a este respeito, e qual a justiça com que tractou um estabelecimento, quando S. Ex.ª não tem senão a admirar a boa vontade com que mais d'uma vez elle entregou debaixo da direcção de S. Exª. capitaes, que podiam ser empregados com mais proveito, do que tendo sido entregues na mão do Governo.

O Sr. Lacerda (D. José): — Pedi a palavra por parte da Commissão de Poderes para ler o seguinte Parecer. (Leu)

Sr. Presidente, como a materia é grave, o que se comprehende da leitura do Parecer, eu pedia a V. Exª. que elle se mandasse imprimir, para ser distribuido pelos Srs. Deputados: e que se não entrasse na sua discussão sem terem mediado tres ou quatro dias, afim de que todos os Deputados possam habilitar-se convenientemente para tomarem parte nesta discussão. (Apoiados)

Mandou-se imprimir, e quando entrar em discussão se transcreverá.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, a dimensão que tem tomado esta discussão, não me obriga a segui-la em todas as suas partes; porque não me cumpre se não dar algumas explicações, ás quaes não podia faltar, pelo dever que me incumbe o lugar que occupo; além de um pouco mais a que fui chamado pelo Discurso do nobre Deputado meu antecessor, o Sr. Falcão. O objecto principal desta discussão é o contracto das Sete Casas, a respeito do qual a minha boa fortuna permittir, que eu muito antecipadamente a todas as occorrencias que tiveram lugar em Lisboa a este respeito, houvesse dado e emittido sufficiente e explicitamente a minha opinião. (Apoiados)

Sr. Presidente, na occasião em que eu na minha casa na Provincia recebi o Diario com o annuncio para a arrematação deste contracto, eu, pelo interesse que me move em todas as cousas publicas, pela lealdade com que costumo tractar os meus amigos, e por muitas considerações a que não posso deixar de ser presente, apressei-me neste mesmo correio a escrever a pessoas que podiam informar a S. Ex.ª os Cavalheiros que então formavam a Administração, para que não levassem por diante este contracto, o qual na minha opinião julgava que era altamente prejudicial. E escrevi não a uma pessoa só, mas a duas; (Apoiados) e sei que estes dois amigos tiveram a bondade de apresentar aos Cavalheiros que formavam a Administração, a minha opinião; e tenho muita satisfação que desde aquelle momento ficasse sendo conhecida dos illustres Ministros esta minha opinião.

Não podia eu, por consequencia, depois que cheguei a Lisboa, deixar de emittir esta mesma opinião, não só individualmente a todos os Cavalheiros que formavam o Ministerio naquelle tempo, mas tambem a todos os meus amigos dos quaes podia estar

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dependente a opinião de se approvar ou rejeitar o contracto e não só nas conversas a que os homens que tem de decidir sobre os negocios publicos, são chamados para emittir a sua opinião, mas já com a responsabilidade que pezava sobre mim como Membro da Commissão de Resposta ao Discurso da Corôa: eu por esta occasião aconselhei os Cavalheiros da Administração, e todos os meus amigos que tem em bastante consideração os interesses da Causa Publica, a modificarem, em quanto era tempo, a sua opinião, retirando o contracto do melhor modo possivel; porque eu não desejava que elle fosse trazido á Camara, pois receiava muito, vistas as opiniões dos Deputados das Provincias, que este contracto fosse rejeitado, e então as consequencias seriam mais para lamentar. E ainda fui mais adiante. Eu que havia visto o meu nome indicado (o nisso me faziam muita honra) para fazer parte da Commissão de Fazenda, por esta occasião pedi — ate pelo amor de Deos — a esses Cavalheiros para que a influencia que podiam exercer na eleição da Commissão, de nenhuma maneira a empregassem para que o meu nome fosse levado á lista; (Apoiados) porque dizia eu — antes quero como Deputado rejeitar o contracto, do que ver o meu nome assignado no Parecer em que elle fosse rejeitado; — (Apoiados) mas não o pude conseguir, e por um excesso de honra com que me tractavam, o meu nome appareceu na lista dos homens que deviam formar a Commissão de Fazenda, o foi effectivamente um daquelles, com que, continuando-me a Camara a mesma honra, se escreveu a lista que annunciou a organisação daquella Commissão.

Neste meio tempo, appareceu o contracto das Sete Casas na Camara, e a Commissão de Fazenda foi chamada a dar o seu Parecer sobre elle. logo nessas primeiras conferencias, eu que não podia faltar a opinião, que tinha emittido, apresentei novamente todas as considerações que me moviam de tanto tempo a rejeitar o contracto; todos os outros Membros foram unanimes na minha opinião, assentando que o contracto não podia ser approvado. — Mas a Commissão de Fazenda, tão leal, como o eram os homens de que ella se compunha, mostrou ao mesmo tempo, que, nesta rejeição, não havia senão um profundo sentimento, uma convicção pura pelo interesse publico, porque nessa mesma occasião declarou, que estavam promptos para approvar ao Governo qualquer meio, que substituisse esse em virtude do qual o Sr. Ministro de então entendia, que podia ter recursos para satisfazer ás despezas publicas: já se sabe, que esse outro qualquer meio era — o que estivesse em conformidade cora os verdadeiros principios — vê-se por tanto, que não era da intenção da maioria da Commissão, nem certamente da Maioria da Camara, negar ao Governo os meios de que precisava para satisfazei ás despezas publicas.

Neste meio tempo succedeu o que é publico, alguns dos Cavalheiros, que formavam a Administração, sanam, e eu de homem particular que era, em que já tinha omittido a minha opinião, e em que já tinha uma responsabilidade como Membro da Commissão de Fazenda, mas não tão grande como a de Ministro, para com a decisão desse negocio, vi-me desgraçadamente occupando o logar que dirige aquella Repartição, pela qual havia do ser tractado esse mesmo negocio; e então as minhas difficuldades até

esse tempo, que tão embaraçado me tinham collocado para não poder approvar esse Contracto, cresceram, porque era necessario conservar a dignidade do homem, que em todas as situações tinha apresentado a sua opinião em contrario, em harmonia com a dignidade do Ministerio, e com a dignidade do Ministro, que se devia apresentar não só perante a Commissão, mas perante o Parlamento, para responder com relação a essa responsabilidade, que da decisão deste negocio poderia vir ao Governo. Com quanto fossem bem manifestas as minhas opiniões, apresentei-me silencioso perante a Commissão, por que ella me convidou ás suas reuniões, e depois de todos os seus Membros ratificarem a opinião, que já tinham emittido por tantas vezes, opinião, e principios em que eu estava conforme, respondi, que eu não podia faltar ao que devia, e cumpria ao meu dever; dever com que me conformei, conformo, o não podia deixar de me conformar. Eis aqui esta qual é o sentido em que se deu o Parecer, não só em relação a Commissão, mas com relação ao Ministerio actual. O Ministerio actual já tinha estudado os meios que haviam de substituir os que dava o contracto das Sete Casas, eram legaes, e estavam em conformidade com os verdadeiros principios, restava-me a mim o segui-lo, segui-o, honro-me disso, não me apartando no mais pequeno ponto daquelles principios, que eu tive a honra, a franqueza, a lealdade de expor nas conferencias da Commissão de Fazenda, quando linha a honra de lhe pertencei. E o contracto que se fez com data de 14. de Fevereiro com o Banco, o illustre Deputado, meu Amigo, já fez menção deste contracto, e eu não poso deixar de o mencionar tambem, para dizer, que me honro de o haver feito, não só por sei o primeiro que faço na gerencia da Fazenda deste Paiz, mas porque delle espero, que haja effectivamente o principio de uma época de moralidade, e justiça, em virtude da qual resulte o credito verdadeiro, e fundado sobre os principios mais solidos, estou persuadido m sino, que deste contracto ha de resultar uma grande vantagem para o Banco, e q «e inspirara uma grande confiança em todos os homens, que podem ajudar ao Governo em circumstancias difficeis, porque, diga-se o que se disser, no estado em que se acha a administração da nossa Fazenda (e digo o desde já, para o futuro não se arguir, que se faltou a promessas) supponho, que ha de ser necessario, e indispensavel recorrer a mais alguma operação, mas ainda bem, que nós possamos recorrer a ellas, todas as vezes que as circumstancias o reclamarem, guardando sempre as considerações do Publico, e do Parlamento, e fazendo-as fundadas nos principio. pelos quaes esta foi regulada.

Sr. Presidente, nas circumstancias em que nos achamos, com uma somma immensa de receita por cobrar, com difficuldades innumeraveis que tinhamos para a fazer entrar nos cofres, o ainda mais, com a grande difficuldade de podermos fazer entrar nos cofres publicos aquellas sommas, que estão a ser destinadas para o exercicio do anno futuro, não podiamos deixar de appellar para esta operação, a qual em vez de ser prejudicial, é altamente vantajosa, á vista da condição especial (que é o grande interesse que vem de taes operações) de se considerarem os papeis que entraram como representando divida corrente. (apoiados) E certamente, todas as

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Vezes que nós consideramos os papeis que entram nestas transacções como divida corrente, acreditamos o Governo, e compensamos o lucro, que devem ler os seus possuidores; porque ninguem póde emprestar dinheiro de graça ao Governo: (Apoiados) demais estes papeis representam dinheiro, que o Governo tinha obrigação de pagar. (Apoiados) Por tanto estas operações são altamente vantajosas, e eu hei de me honrar todas as vezes, que vier ao Parlamento dar conta de haver feito Contractos destes.

A respeito do Contracto das Sete Casas, o Governo não póde deixar de concordar com a opinião -da illustre Commissão de Fazenda. (Apoiados) Os meios que substituem os que dava o Contracto, são, os do que fez menção o meu Amigo. Em quanto a este ponto não direi mais nada agora: o que resta -é a Camara pronunciar-se, e eu pediria que fosse com muita brevidade; porque ha aqui um outro ponto para o qual peço a attenção da Camara, Deste negocio esta dependendo a satisfação de um outro encargo a que o Governo esta compromettido; por que é certo, e não posso deixar de o dizer, que, em virtude do Contracto das Sete Casas, as circumstancias obrigaram o Governo a receber por conta do preço desse Contracto 52 contos, e para prevenir o caso de que a Camara rejeitasse o Contracto, fez-se um Subsidiario, em virtude do qual o Governo prometteu entregar aos Contractadores, Escriptos admissiveis na quarta parte dos direitos das Alfandegas, a venceram de Janeiro a Junho; e esses Contractadores com o receio, ou certeza moral, de que o Contracto não e approvado, entram-me constantemente na Secretaria a pedir-me esses Escriptos, e eu que não vejo senão adiante de mim a Lei para a cumprir, não os tenho querido largar do Thesouro em quanto não appareça a decisão da Camara, que é a que hei de cumprir, ou para entregar os Escriptos sendo rejeitado o Contracto, ou para lá ficarem dentro da Secretaria, se o Contracto for approvado. Pedia portanto á Camara, em attenção a que ámanhã é o primeiro dia, em que os Contractadores teem o direito de levar ás Alfandegas os Escriptos que se lhe prometteram, que, se fosse possivel, acabasse hoje, ou ámanhã esta questão, isto é um grande documento de boa fé da Camara, e do Governo; (Apoiados) e eu fallaria ao meu dever, se acaso neste momento não declarasse, qual era o compromettimento em que o Governo estava. (Apoiados)

Agora, Sr. Presidente, passarei a outro ponto. Fallou-se, ou fez-se referencia ás despezas legaes de que tracta a Portaria de 11 de Fevereiro; e com quanto haja occasião de se tractar esta materia mais largamente, com tudo não posso deixar de satisfazer, uo mais curto espaço de tempo, ao convite que me fez o meu illustre Amigo, e Antecessor o Sr. Falcão. (O Sr. Falcão: — Peço a palavra sobre a Ordem.) O Orador: — Por despeza legal, como se tracta naquella Portaria, não se entende, que estivesse auctorisada aquella, a respeito da qual o Governo não tivesse obrigação de satisfazer as suas respectivas importancias; e parece-me que já hoje ouvi aqui dizer, que a respeito de certas liquidações, e certos encargos, não se negava o direito, que os interessados tinham para haver essas importancias; mas o que era preciso ver, era se havia, ou não legalidade em satisfazer essa despeza das receitas correntes.

Sr. Presidente, eu sou o primeiro a reconhecer quaes são as difficuldades, e hoje mais do que nunca, quaes são o embaraços em que se veem os Ministros da Fazenda; são tantos os direitos que se veem allegar; são tantas as pertenções, fundadas nos motivos os mais plausiveis que se lhe apresentam, que a fallar a verdade, vendo-se a razão e o direito com que reclamam todos os pretendentes, é necessario uma coragem extraordinaria, para seguir os principios da justiça rigorosa; mas eu, Sr. Presidente, entrando na Administração da Fazenda Publica em tempo, que me parece poder dize-lo sem ser taxado de exaggerado, d'uma crise que não tem tido outro igual no Paiz, apezar de todos os compromissos e de todas as considerações que podesse ter diante de mim, não deixaria de adoptar esses principios de justiça rigorosa, fossem elles contra quem quer que fossem; e por tanto vendo, que pesava sobre o Thesouro despeza que não era legal, note-se bem, não porque se mandasse pagar o que não havia obrigação de se pagar, porque em toda a despeza ha certo direito para se pagar; mas vendo que estavam pezando sobre o Thesouro encargos d'uma somma consideravel; e que nos Cofres Publicos não se fazia, a differença entre a fonte de receita como se devia fazer, e vinham por tanto a concorrer com despezas a que o Thesouro é obrigado no exercicio do anno corrente, eu não podia deixar de obrar com este rigor, aliás justo, pondo de parte estes encargos (Apoiados), e dando preferencia áquelles que a Lei de 26 de Agosto marca, porque ella é bem explicita a respeito deste objecto. Estes encargos que eu puz de parte, mas que o Thesouro d'algum modo deve satisfazer, traziam ao Thesouro uma despeza de grande importancia, que eu podia lêr á Camara, porque tenho a conta diante de mim, e não são só estes, outros ha que são igualmente importantes; taes quantias ou taes encargos se por ventura se attendessem de prompto, haviam de causar um grave embaraço na satisfação de todos os encargos de despeza corrente (Apoiados). Por consequencia não são despezas illegaes, porque ellas importam encargos que o Governo deve satisfazer; mas são despezas illegaes, porque não são contempladas no exercicio do anno corrente (Apoiados), para as quaes são applicadas as receitas tambem correntes. Mas, Sr. Presidente, eu entendo mais, entendo que o pensamento que presidiu á confecção da Lei de 26 d'Agosto, foi que mesmo as receitas votadas, além das do exercicio do anno, não podiam ser applicadas para estes encargos, que foi a mente da Lei que quando aquellas não dessem o sufficiente, destas se lançasse mão para occorrer aos encargos, ou despezas dentro do exercicio do anno, e não para despezas pertencentes a annos anteriores, e muito menos a dois annos economicos anteriores áquelles de que falla a Lei de 26 d'Agosto de 1348 (Apoiados).

Sr. Presidente, esta occorrencia veio provar-me mais uma vez, que com quanto seja difficil, e ás vezes seja necessario ter uma força de gigante para estabelecer certos principios, resistindo a continuas e fortes pertenções, contrariando vontades até muitas vezes de seus mais intimos amigos, em se persistindo na resolução de manter esses principios de rigor e justiça, muitas vezes os proprios a quem se deixam d'attender, veem, depois deverem quaes os bons resultados que sempre se colhem de tal proceder, fazer justiça a quem o adoptou (Apoiados). Esses principios que eu tenho estabelecido, são todos para fazer justiça; no

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taram-me antes de vir para este logar que encontraria muitas difficuldades e muitos embaraços, encontrei uma e outra cousa, mas é certo que essas difficuldades e esses embaraços teem desapparecido.

Sr. Presidente, eu tenho feito conhecer á maior parte dos interessados nos encargos em que ha pouco fallei, que o Governo não esta desobrigado de os satisfazer, mas que precisa de medida legislativa para esse fim (Apoiados), e que precisando-a e minha intenção fazer consignar na Lei alguma disposição especial para satisfazer todos esses encargos (Apoiado, muito bem),

Sr. Presidente, parece-me que não poderei passar além das pequenas explicações que tenho dado; e a respeito propriamente da materia, ella tem chegado a um ponto de que me não encarrego de tractar agora, seria fóra de proposito occupar-me agora della, ha do haver occasião em que nós nos occuparemos de cada uma em particular. (Apoiados).

Porem resta-mo responder a um convite, que me fez um nobre Deputado que ainda hoje tomou parte na discussão do Parecer n.º 6; o nobre Deputado perguntou-me se eu sabia d'uns 400 contos d'indemnisações que se tinham dado á Esquadra Ingleza, creio que ao serviço nas Costas de Portugal durante a ultima lucta civil; perguntou mais se eu sabia d'uns 310 contos d'indemnisações do tempo da guerra Franceza: respondo ao nobre Deputado, que não estou habilitado para satisfazer desde já, só direi que nos exames que me tem sido possivel fazer do estado da Secretaria a meu cargo, nenhuma idéa tenho nem a respeito d'uma nem a respeito d'outra cousa; no entretanto se o nobre Deputado quer reduzir estes dois casos a uma Interpellação, eu não terei duvida alguma em vir aqui com os documentos e esclarecimentos que achar a fim d'informar com elles o nobre Deputado e a Camara de tudo quanto houver de verdade a este respeito. Na certeza que eu tenho, como já tive occasião de o dizer em outra vez, que não acho que em materia alguma, pelo menos pelos exames a que tenho procedido e espero continuar a proceder, que o nobre Deputado, o meu digno Antecessor, tenha faltado ao que é devido ao caracter do homem de bem, e á regra de dignidade, ligadas a um logar tão eminente como é este. (Apoiados — Muito bem.)

O outro facto que o nobre Deputado referiu com relação ao Terreiro Publico, em que orça por um anno aquillo que os padeiros devem pagar n'um dia, o facto é tão monstruoso que eu tomei nota delle, e faço tenção de indagar o que ha a este respeito, para saber se por ventura o certo que o Thesouro esta perdendo 37 contos de réis pelo menos, como o nobre Deputado disso.

Sr. Presidente, se acaso não estivesse tão adiantado a hora, eu notai ia a Camara que em vista da circumstancia que ha pouco lho apresentei, seria muito conveniente que ella continuasse a occupar-se hoje desta materia para vêr se a concluia; no entretanto vejo tambem que ha falla de numero; por isso era inutil o meu pedido, no entretanto faço esta consideração a Camara para lhe fazer sentir qual o interesse que havia em a questão terminar hoje.

O Sr. Presidente: — Na Camara ainda ha numero sufficiente para votar, porém a hora deu, e a Sessão não póde continuar sem haver Requerimento para esse fim. Não havendo prorogação digo que a Ordem do Dia para amanhã é a continuação da mesma em todas as suas partes; e teem de ficar as Commissões para o dia immediato pelos motivos de todos conhecidos (Apoiados) Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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