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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lhe ter o depoimento do sr. Pinto Bessa, que é insuspeito n'esta materia e que confessa o facto de que se trata da maneira mais solemne, clara e incontroversa.»

Ora, sr. presidente, como é que eu confesso o facto? Por mais que se queira encobrir a verdade, por mais habilidade que haja para obscurece-la, ella sempre apparece acima de tudo.

Nas proprias palavras do nobre deputado, que se encontram mais adiante no seu discurso, está demonstrada evidentemente a verdade dos factos.

Eu repelli e sacudi de mim o governador civil depois que elle me lançou a mão ao collete, e me arrancou uma porção de botões.

Foi depois d'esse acto de inaudita violencia que eu o repelli sem me importar para onde elle ía caír, nem se estava ou não no exercicio de suas funcções quando me aggrediu;

E isto o que está dito no meu depoimento, foi isto o que eu confessei. Se não ha d'isto prova por testemunhas, porque as não havia, ha, pelo menos, a minha propria confissão. E confessei-o, porque é esta a verdade, e eu sempre digo a verdade, seja ella contra quem for.

Repito, foi depois que elle me lançou a mão que eu o repelli, e não me arrependo de o ter feito. Se o não fizesse, eu seria indigno de estar n'este logar. Fiz o que faz sempre todo o homem de brio e de dignidade, repelli uma offensa, não me importando quem era o aggressor; repelli o insulto no logar onde elle me fui feito, e não me arrependo de assim ter procedido.

Sr. presidente, declaro a v. ex.ª que, fosse qual fosse a decisão d'esta camara, fosse qual fosse a decisão dos tribunaes, eu, em identicas circumstancias, hei de proceder como procedi então. Seria indigno de entrar as portas d'esta casa, e talvez o alvo dos motejos dos meus collegas, se eu não tivesse repellido in continenti a acção afrontosa que me foi feita.

Quero entrar aqui de cabeça levantada, e sem que me possam dizer que sou indigno de estar n'um assembléa de homens honrados e de dignidade.

Portanto, torno a repetir, ainda não me arrependi um só momento da linha de conducta que segui n'esta pendencia.

O receio dos ferros d'El-Rei e o horror das masmorras nunca poderão influir no meu espirito a ponto de me fazer perder o brio e a dignidade, que prezo de ter mantido até hoje.

Disse mais o nobre deputado: «O sr. Bessa acabado o conflicto, foi preso. E para o não ser, invocou a sua qualidade de commendador da Conceição».

Isto não é exacto, sr. presidente, e eu tenho necessidade de explicar á camara este facto como elle na realidade se passou. O nobre deputado n'estas palavras que acabei de ter quiz fazer acreditar á camara que eu resisti á ordem de prisão, que me foi intimada, invocando para isso a qualidade de commendador da Conceição.

Não é isto exacto, repito, eu não resisti á prisão, nem invoquei a qualidade de commendador da Conceição para furtar-me a ella, nem tão pouco o fiz por fanfarronada, porque não possuo essa boa qualidade.

Invoquei sim a qualidade de cavalleiro da Torre e Espada, para ser recolhido a uma prisão militar e não á cadeia. Cheguei mesmo a indicar ao governador civil que me mandasse para a casa pia ou para qualquer das prisões militares da cidade, mas o sr. governador civil que estava completamente irado, e fóra de sí, e que a unica lei que conhecia era a sua suprema vontade, retorquiu dizendo-me que eu havia de ser conduzido preso entre dois guardas civis e recolhido á cadeia. Desde esse momento submetti-me e assim segui, debaixo de prisão, pelas ruas mais publicas da cidade do Porto, como se fosse um ladrão ou um assassino.

Mas, sr. presidente, se effectivamente eu resistisse á prisão, estava no meu pleno direito, não havia nada que censurar-me, resistia com a lei na mão, com a lei que todos temos obrigação de acatar e respeitar, com a lei que deve estar acima de todos e de tudo; pois se a lei, em virtude de uma condecoração que me foi dada por quem direito tinha para isso, me garante uma immunidade militar, não estaria eu no meu pleno direito, se recusasse a obedecer á ordem do sr. governador civil, que me esbulhava d'essa immunidade? De certo que sim, nem o illustre deputado podia censurar esse meu procedimento, porque isso seria ir de encontro á sua propria opinião e aos principios por s. ex.ª emittidos n'esta camara, de que todos temos obrigação de acatar e respeitar a lei, que deve estar acima de tudo e de todos. E se isto é assim não podia eu ser censurado se tentasse resistir a uma ordem illegal do governador civil.

Diz s. ex.ª que todos devemos ser iguaes perante a lei, tenho a mesma opinião, estamos de perfeito accordo, mas por isso mesmo que quero igualdade perante a lei, é que quero tambem que a lei seja igual para todos, e por serem estas as minhas idéas é que estranhei, e muito, que o ilustre deputado, examinando tão minuciosamente o processo, não tivesse uma unica palavra de censura para o procedimento do delegado do ministerio publico, que instaurando processo de querela contra mim, deixou de o fazer a respeito do governador civil, que era complice no mesmo crime que me era imputado, e que era meu co-réu! Estranhei repito, que s. ex.ª não tocasse n'este ponto, e que passasse por elle tão de leve, pois pedia a justiça e a igualdade que emquanto se não averiguasse quem era o verdadeiro criminoso ou culpado, fosse o sr. governador civil mettido em processo e preso como eu fui, mas nada d'isto se fez, e emquanto eu estava preso nas cadeias da relação gosava de plena liberdade o sr. governador civil.

Se isto é a igualdade, e se é esta igualdade aquella que s. ex.ª aqui veiu proclamar, não me serve, hei de sempre revoltar-me contra ella por todos os modos e maneiras.

Quero que todos os cidadãos estejam sujeitos á lei, não quero que haja privilegios para ninguem, mas emquanto os houver, emquanto a lei que os garante não for derogada, o nobre deputado não póde levar a mal que eu me utilise d'elles a exemplo do que têem feito todos os que se têem achado em circumstancias identicas aquellas em que estive.

Disse s. ex.ª que o acto praticado tinha sido um escandalo que indignou toda a opinião illustrada do paiz; que assim tinha sido encarado aquelle conflicto.

Não sei qual é essa opinião illustrada do paiz a que s. ex.ª se referiu.

Houve, sr. presidente, uma certa epocha em que n'esta casa só se dava consideração á opinião da parte pensante do paiz, mas o nobre deputado agora vae muito alem, só lhe serve, só tem valor e consideração para elle a opinião da parte illustrada do paiz, porque o que não for essa opinião de nada vale, não póde nem deve merecer conceito algum. A sua opinião sobre os actos publicos deve ser completamente nulla e posta de parte.

Ora, sr. presidente, por mais que o illustre deputado se esforce em dizer que a opinião illustrada se indignou e reprovou o acto que pratiquei, eu não o acredito, porque não considero que a opinião illustrada do paiz esteja limitada aos amigos de s. ex.ª; mas ainda que assim fosse, essa opinião nada valeria diante da maioria do paiz, que, se não applaudiu, tambem não reprovou o acto. No systema constitucional, que felizmente nos tem regido, a opinião faz-se conhecer pelo maior numero, e s. ex.ª tem tido as provas d'isso por mais de uma vez.

Se o escandalo que pratiquei, como o sr. deputado diz, causou indignação, esta não reflectiu sobre mim, e a prova está em que recebi por essa occasião de grande parte dos habitantes da cidade do Porto, as maiores provas de estima e consideração que se podem dar a um homem nas circumstancias em que eu então estava. A prova de que não reflectiu em mim essa indignação, está na representação di-