O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

2.ª SESSÃO ORDINARIA DA 3.ª LEGISLATURA

Depois da Restauração da Carta Constitucional.

PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.

VOL. 3.º = MARÇO = 1849.

LISBOA

1849.

Página 2

DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

2.ª SESSÃO ORDINARIA DA 3.ª LEGISLATURA

Depois da Restauração da Carta Constitucional.

PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.

VOL. 3.º = MARÇO = 1849.

LISBOA

1849.

Página 3

DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

N.º 1. SESSÃO EM 1 DE MARÇO. 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 55 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

CORRESPONDENCIA.

Officios. — 1.º Do Ministerio da Guerra, enviando o Requerimento do Capitão João Filippe de Almeida, e dando alguns esclarecimentos sobre uma pertenção, que este Official tem pendente da Camara, satisfazendo assim a um Requerimento da Commissão de Guerra. — A Commissão de Guerra.

2.º Do Ministerio da Fazenda, remettendo copia do Mappa relativo á importação do assucar e café das nossas Possessões Ultramarinas nos annos de 1846, 1847 e 1848, com a nota dos direitos, que produziu; satisfazendo assim ao Requerimento do Sr. Fontes Pereira de Mello. — Para a Secretaria.

3.º Do Ministerio da Marinha e Ultramar, devolvendo os documentos relativos á Proposta da pensão para as Irmãs do Barão do Candal. — A Commissão de Fazenda.

O Sr. Vaz Preto; — Participo a V. Ex.ª e á Camara, que o Sr. Passos Pimentel não veio hontem á Sessão, nem vem hoje, e faltára ainda a mais algumas, por incommodo de saude.

Ordem do dia

Continuação da discussão do Parecer n.º 6, sobre o Contracto dos rendimentos da Alfandega das Sete Casas.

O Sr. Falcão: — Sr. Presidente, eu lastimo de todo o meu coração a necessidade inevitavel, que forçosamente ainda tenho, depois de tanta provocação, de me explicar nesta Camara ácerca dos negocios da Fazenda Publica, que estiveram a meu cargo, durante o tempo que eu occupei os bancos do Ministerio. A Camara, fazendo justiça a essa necessidade, benevolamente me concedeu, por occasião de se discutir o Parecer sobre o Contracto das Sete Casas, que podesse explicar-me com a maior largueza sobre todos os actos da minha gerencia, e sobre todas essas allusões infundadas que se fizeram ácerca de receitas distraídas, pagamentos em atrazo, e tambem applicações illegaes. A minha posição era especial, e os violentos ataques me levaram a uma demonstração geral ácerca de toda a minha vida Ministerial; mas lastimo que essa exposição attraisse um debate a esta Camara, que lhe tem assim roubado o tempo, tempo aliás precioso para os immensos trabalhos que lhe estão submettidos: eu, respeitando esta situação, e não querendo abusar, farei por ser o mais conciso possivel, respondendo a uma parte dessa vastidão de objectos em que se repetiram e addicionaram as maiores inexactidões, algumas dellas gravissimas; temo com tudo, que, por mais que eu me queira restringir, de vir a ser extenso além do que desejára, visto que ha cousas, que não importam só á minha pessoa, ás quaes não póde deixar de haver um respeito, pela sua transcendencia, se bem que destituidas de fundamento, e mesmo não sei se poderia dizer inventadas.

Sr. Presidente, eu quero ser o mais commedido possivel: eu respeito o credito do Governo Representativo, respeito o Parlamento e a decencia da Camara, e por consequencia não serei eu que fallando novamente neste assumpto, responda a insultos e a indecencias; essa honra, essa gloria deixo-a ao seu Auctor, a quem se fará a devida justiça.

Direi simplesmente, que tractando-se de responder ao que eu dissera, fui tractado com injurias é expressões acres, que não é costume usarem-se aqui, quando eu no meu Discurso tractei de ser o mais commedido, e só me lembro de duas expressões que poderiam offender; que foi quando disse, que os êrros commettidos pelo illustre Orador em mais de 400 contos, na avaliação da receita, que fizera pelos Diarios do Governo, duplicando os saldos que passavam de um para outro mez, o não teria feito um rapaz de escóla; e tambem me recordo de ter dito, que as arguições de occultar ou distrair receita causavam a deshonra dos Ministros, se estes não provassem o contrario; mas que verificado ser infundado e não fundadas as arguições, quando assim se não reconhecesse causaria a deshonra de accusador: isto não merecia ser retribuido com injuriosas expressões, especialmente quando no fim do meu Discurso eu havia pedido á Camara, que me relevasse qualquer excesso ou expressão menos reflectida, que me escapasse em um tão longo e violento debate, e que

Página 4

(004)

as minhas intenções eram somente defender e provar, e não atacar ou offender pessoa alguma. Defendia-me, e defendia o Governo de ataques injustos, na materia a mais grave, qual a distracção de fundos: fallava com vehemencia, levado de verdade, e parecia-me que essa generosidade, que se tem querido conceder em algarismos, o que é novo, se devia ler usado para a argumentação; abandono por consequencia toda esta parte da questão, e irei unicamente tractar daquella a que o meu dever me impõe a obrigação de responder.

Sr. Presidente, o assumpto tem sido tão vasto que eu confesso ser difficilimo seguir mesmo a ordem das minhas notas; portanto as idéas virão vindo talvez em confusão; mas eu que não tenho pretenções de Orador, apezar dessa mediocridade e insufficiencia com o que o meu antagonista me honra, tractarei de responder como puder; e espero em Deos que essa mediocridade e insufficiencia não será tão pequena e tão despresivel, que quando eu apresentar a verdade, ella seja desconhecida, e senão possa perceber, porque a verdade para se mostrar não necessita de eloquencia: a verdade para se conhecer não necessita de atavios.

Esta questão resume-se em duas accusações geraes —. que na Administração a que pertenci, houve falha de receita, que se não mencionou nas contas, sobre as quaes o illustre Orador discorreu — e que as despezas que ai se apresentaram em uma conta, foram inventadas ou arranjadas unicamente para caberem dentro da receita — temos pois duas cousas, temos que se occulta a receita, e que a despeza não é verdadeira; e daqui se fez resultar uma terceira especie, e o que os pagamentos falharam, porque se distraíram receitas para applicações illegaes, ou para cousas que não se deviam pagar quando o foram.

Sr. Presidente, o Governo Representativo depende de certas condições, que por infelicidade nossa se vão todos os dias despresando, de maneira que mos vão conduzindo não sei para onde; por desgraça tem-se apresentado esta questão, conhecendo-se aliás n sua simplicidade, fóra da sua verdadeira base, fóra do verdadeiro ponto de que se tractava.

Sr. Presidente, o meu antagonista, o illustre Orador que fallou nestes dois ultimos dias, combatendo-me, veio ultimamente a um recurso para achar os seus 3:890 contos, dizendo, que quando fallára da receita alludira á receita de todo o Paiz, e quando da primeira vez fallára, ainda tinha supprimido muitas receitas de que não tinha feito menção. Ora, Sr. Presidente, se se provar que a questão da receita reunida de todo o Paiz, ou de todos os Districtos, que o Sr. Deputado agora tractou, é muito diversa daquella de que eu me occupei, e mesmo diversa do sentido em que primeiro fallára o mesmo Sr. Deputado, fica evidente a confusão a que se tem querido levar um assumpto, que por sua importancia é indispensavel esclarecel-o a ponto que não restem duvidas. Antes deste desenvolvimento, peço a attenção da Camara, para dar uma ligeira explicação do modo como se fórma a conta que se publica no Diario do Governo, chamada da Thesouraria, conta sobre a qual, e com os proprios Diarios do Governo, o Sr. Deputado se serviu para a sua argumentação, de que tirou todas essas citadas consequencias que se disseram, e se publicaram. Eu temo muito fatigar; mas isto é indispensavel, se bem que da primeira vez que fallei, ou declarei quanto era sufficiente a este respeito.

Esta conta da Thesouraria do Ministerio da Fazenda compõe-se de todos os rendimentos publicos, de que immediatamente o Ministro póde dispor no Districto de Lisboa (e alli vem em separado, ou excluido o que pertence ao Fundo de Amortisação, e Junta do Credito do Publico, e os 10 por cento para amortisação das Notas), o rendimento da Alfandega Grande de Lisboa, das Sete Casas, do Terreiro Publico, do Correio, o resultado de qualquer Emprestimo ou Operação, dos rendimentos que se arrecadam na Cofre Central d6 Districto de Lisboa, o dos outros Districtos só comprehende o resultado de qualquer transferencia de fundos, que se ordenam que passem para Lisboa, quando isso é possivel, á vista das Tabellas de receita e despeza dos. outros Districtos, Tabellas que no meu tempo ordenei se remettessem para Lisboa todas as semanas,

Em uma palavra, não ha uma unica receita que venha, para os Cofres do Districto Central de Lisboa, de que o Governo disponha, que não appareça naquella conta; e é desta maneira que se formou a receita de 2:476 contos de réis, que na primeira vez mencionei, e que é a reunião das receita, publicas dos seis mezes de Julho a Dezembro do ultimo anno: desta somma é que se fizeram as despezas contidas, nos mesmos Diarios do Governo, e não a da despeza que o Sr. Deputado foi inventar, e poetisar, despeza só (ilha da sua imaginação, como eu hoje terei occasião de mostrar.

Mas acaso neguei eu, que havia outras receitas no Paiz? Acaso neguei eu, que o Governo não dispunha dessas receitas?.... Não; o que eu disse e que não se tractava dessas receitas naquella conta. Ora vamos a ver que influencia teem estas receitas dos outros Districtos para a questão.

Sr. Presidente, nos outros Districtos do Reino apuram-se os rendimentos publicos provenientes das Decimas, dos Proprios Nacionaes, Sisas, Omissões, e em fim de todos os outros rendimentos, que estão a cargo de cada um dos dezeseis Governadores Civis; e esta receita é consumida em cada um desses, Districtos, e eu fallo diante de pessoas que teem tractado destas contas, que tractam dellas todos os dias, e que teem obrigação de as intender, o espero não ser contradictado; quando eu estiver em erro, espero que m'o digam com franqueza; espero que aquelles que teem tractado dessas contas, e que teem por isso responsabilidade, me digam se ha nisto algum erro....

O Sr. Silva Cabral disse algumas palavras em voz tão baixa, que não as percebemos

Orador: — f Com vehemencia) Não preciso de que o nobre Deputado me interrompa; eu não interrompi o nobre Deputado, espero tambem que me não interrompa, não tem direito para o fazer.

O Sr. Silva Cabral: Pois eu interrompi o Sr. Deputado?...

O Orador: — Não tem direito de interromper-me; peço que se chame o Sr. Deputado á Ordem.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem direito a não ser interrompido; mas note-se.»...

O Sr. Silva, Cabral: — Eu peço até votação da Camara sobre se devo ser chamado á Ordem, porque não interrompi o Sr. Deputado.

Página 5

(5)

O Sr. Presidente: — Eu desejo que todos queiram o mesmo para si, (Apoiados) que todos queiram para si a mesma Lei: (Apoiados) o Regimento não permitte interrupções, e estimo que ninguem interrompa o Orador que esta fallando.

O Orador: — Eu pedi sempre venia ao nobre Deputado todas as vezes que no meio do seu Discurso quiz dar alguma explicação, mas não o interrompi. Eu, apesar dessas interrupções, não perco o fio da questão, apesar de altamente accusado e combatido pelo Orador de mais força que se conhece, comtudo não estou acobardado, não lhe tenho medo, porque tracto de apresentar a verdade, e hei de destruir asserções com que o Governo, e eu temos sido injustamente accusados.

Estas receitas, Sr. Presidente, (Proseguindo o seu Discurso) que se apuram nos outros Districtos do Reino, são ahi consumidas desta maneira: os Ministros mandam alli fazer pagamentos por conta dos seus Ministerios, mas nenhum Ministro (O Sr. Silva Cabral: — Peço a palavra para uma explicação, se me não chegar na materia) manda fazer um pagamento sem que o Ministro da Fazenda tenha dado o seu consentimento por um documento que se chama Aviso de Credito; o Ministro da Fazenda expede Avisos de Credito aos seus Collegas, e estes mandam realisar esses Creditos nas respectivas localidades; e é desta maneira que se consomem as receitas desses Districtos. Ora agora digo eu que nesses Districtos ha de sempre acontecer uma de duas, ou naquelles cofres ha uma falta, ou naquelles cofres ha uma sobra; quando esta sobra é pequena, e não e necessaria n'outro Districto, deixa-se ficar, mas muitas vezes ha cofres, que têem muitos meios, e outros que os não têem; e quando o Ministro encontra uma sobra importante n'um Districto e vê que em outro ha falta de meios, manda transferir o dinheiro de um Districto para outro, por exemplo do Porto para Vizeu, e para Bragança, e para outros Districtos, de Aveiro para o Porto, e vice versa; mas quando estas transferencias são feitas para Lisboa, nesse caso esse dinheiro que vem para os cofres de Lisboa, entra na conta publica chamada de Thesouraria. Ora eis aqui esta explicado o que é a conta de Thesouraria, e o explicação que me parece que é entendida. O nobre Deputado, na segunda vez que fallou, quiz dizer que fizera uma distincção no seu primeiro Discurso, mas lealmente tal distincção se não fez, nem isso se colhe do que esta escripto no Estandarte, que tractava de toda a receita do Paiz, o calculando esta receita toda do Paiz a seu modo, veio depois oppor-lhe uma despeza, a qual foi toda de probabilidades. Mas, continuando ainda com a receita, depois de explicar o que é a conta da Thesouraria, e demonstrar a separação que é preciso fazer das contas de cada um dos Districtos da conta de Lisboa, irei a um ponto concreto provar que o nobre Deputado, que quiz acusar o Ministerio de ter occultado ceitas receitas, e de excessos de despezas, não foi exacto

Sr. Presidente, em primeiro logar o illustre Deputado, para rectificar o seu primeiro Discurso, depois que eu fallei, reconheceu que effectivamente tinha errado nos saldos dos mezes, cujas contas estavam no Diario do Governo, e este erro confessou o proprio Sr. Deputado que tinha commettido, e que importava para cima de 400 contos de réis; mas o illustre

Deputado não rectificou outras circumstancias especiaes. O illustre Deputado accusou o Governo que não tinha incluido na sua conta o rendimento do Pescado, e até nos mostrou um grande mappa feito pelo Sr. João Antonio de Almeida. Pois, Sr. Presidente, o illustre Deputado póde negar que nas contas da Thesouraria não está o rendimento do Pescado? Não o póde negar; o rendimento do Pescado esta effectivamente naquellas contas; fallo do Pescado de Lisboa. Eu bem sei o que diz o illustre Deputado; o illustre Deputado quer dizer o rendimento do Pescado de todo o Reino; mas nestas contas não se tracta senão do rendimento do Pescado de Lisboa, e o dos outros Districtos lá esta nas contas dos cofies dos respectivos Districtos. Disse mais o illustre Deputado que não tinha incluido nas contas o dinheiro das operações, que nestas contas não estava o dinheiro que se tinha levantado pelas diversas operações que se fizeram; mas no Diario do Governo, onde essas contas se lêem, vem incluida, como já disse, toda a receita publica de que o Governo dispõe; por consequencia lá esta tambem a das operações que o Governo fez.

Disse mais o illustre Deputado que tambem nas contas faltavam essas sobras ou excessos que os Contractadores do Tabaco deviam dai ao Governo; e até aonde se póde levar a vontade de querer accusar o Governo!... Pois não sabe o illustre Deputado, não sabe toda a Camara, que o Contracto do Tabaco não dá cinco réis ao Governo, e que todo o rendimento que resulta ao Estado actualmente desse Contracto, vai para a Junta do Credito Publico? Se isto que eu digo, não e exacto, eu peço ao illustre Deputado que o prove; isto não são contas feitas pela Moral nem pela Politica, o eu logo lhe direi o que são contas de Moral, e de Politica. Por consequencia, Sr. Presidente, o Pescado lá esta nas contas da receita, o producto das operações lá esta tambem; são factos, não é preciso tanta eloquencia perdida, para mostrar o contrario do que todos veem, e quanto ao que diz respeito ao Contracto do Tabaco, do qual todo o rendimento é entregue a Junta do Credito Publico, aqui estão alguns Cavalheiros interessados naquelle Contracto que o podem dizer Por consequencia tudo quanto o illustre Deputado imaginou de omissões destas receitas, é falso, e senão venham as provas do contrario, porque as que apresentou, esta provado que são inexactas; e, resumindo, digo á Camara, tomando á minha questão, que toda a receita publica de que o Governo dispoz em Lisboa, esta nas contas publicadas no Diario do Governo, e que de toda a receita publica de que dispoz nas Provincias, existem os documentos em cada um dos Discursos, e não ha por consequencia omissões de receita.

Quanto aos cofres de Lisboa disse eu que o Governo tinha disposto em Lisboa de quantia igual a receita, quero dizei a quantia da receita era de2:476 contos, e a despeza era de 2:410, e que, tirado o saldo d'o anno velho para o novo, o Governo effectivamente só dispozera dos dictos 2.4 10 contos de réis, e isto mesmo disse eu em um documento que o illustre Deputado trouxe depois para cantai uma especie de victoria, por pie appareceu no Diario do Governo a conta de Dezembro de 1848, e não appareceu o transporte para o anno novo dos 65 contos de réis, e appareceram só 23 contos, parecendo

Página 6

(6)

que havia uma falha de 42 contos, e que foram distrahidos, pois eu digo ao illustre Deputado que não ha tal distracção, nem ainda é engano, e se o Sr. Deputado se der ao trabalho de consultar os Diarios do Governo, onde vem as contas de Outubro e a de Novembro de 1848, ha de ver que esses 42 contos foram mandados entregar a Junta do Credito Publico, e la esta no Diario a explicação disso, e isto, Sr. Presidente, que prova? É que o Governo tambem não dispoz desses 42 contos Por consequencia esta explicada a questão da receita, a questão dos saldos, e de que só dispoz de 2 410 contos e tanto.

Agora quanto á despeza, o illustre Deputado entrando nesta parte da questão, quiz contrariar de uma maneira muito notavel a despeza que se apresenta na conta dos 2 410 contos, e para isso valeu-se do documento que mandei para a Mesa, e vem transcripto no Diario do Governo n º 50 (Neste Diario vem o resumo desta despeza com um erro typographico, dizendo-se na somma 2 400 863/001, quando deve ser 2 410 863$000;) e veio tractar deste negocio como se fosse uma conta desenvolvida, com todas as circumstancia Sr. Presidente, é necessario não estar a confundir tudo Eu disse nesta Casa que me tinha dado ao trabalho de mandar fazer um resumo da conta geral de toda a despeza que se achava e cripta e publicada nos cinco Diarios do Governo, base das accusações do nobre Deputado, e que eu lhe juntei a despeza do sexto mez que ainda não estava publica, e de que tinha um documento official Para se fazer este resumo, que mandei para a Mesa, se addicionaram de todos os Diarios as despezas homogeneas, prets com prets, soldos com soldos, e servi-me para esse trabalho da propria e exacta nomenclatura contida nos Diarios, e apresentei uma conta resumo das eis contas, e se o illustre Deputado quizesse contrariar ou negar a exactidão deste trabalho de uma forma regular, devia mandar, por alguns dos seus amanuenses que lhe tem tractado destes negocios de contas, sommar a importancia dessas despezas, e acharia um resultado igual, mas o nobre Deputado acha mais commodo servir-se das contas publicadas em parte para o que lhe convem, e para certos resultados suppre de sua cabeça, abandonando o que está nas proprias e contas.

Por consequencia e grande temeridade dizer que esta despeza foi arranjada de proposito para matar a receita, e uma pura invenção, e quando quiz des cer a uma pequena demonstração (commeteu erros tão graves, que, apresentados elles, bastaria para dar por altamente inexacto tudo quanto o illustre Deputado tem aventurado em materia tão seria, e eu lh'o vou provar O illustre Deputado, tractando de combater aquelle resumo, fallou em duas addições que alli se contem, a dos prets, e a da Camara Municipal. Ora peço a attenção da Camara para que note o erro constante, em bases falsas com que o illustre Deputado esteve sempre a fallar nesta Casa, confundindo a receita publica de todo o Reino com a de Lisboa, unica contida naquella conta, para tirar o resultado que tirou.

A respeito dos prets, o illustre Deputado foi ao Orçamento e sommou os prets de todo o Exercito, os prets da Guarda Municipal, os prets do Batalhão Naval, os prets dos Veteranos, e depois de sommados todo, disse, todos estes prets importam em 1 400

contos de réis, tudo quanto é pret, disse o illustre Deputado, e torno a pedir a attenção da Camara para mostrar que o illustre Deputado andou sempre sobre uma base falsa, importa em 1 400 contos cada anno, logo seis mezes de pret são 700 contos de réis o Ministerio apresenta nesta conta 300 e tantos contos de pret, logo aqui esta a prova de que o Ministro não pagou senão tres mezes de pret, porque se pagasse seis, havia apresentar a despeza de 700 contos, e não 300 como apresentou. Pois eu assevero que paguei mais de seis mezes de pret. O illustre Deputado confundiu o pret de todo o Exercito com o pret que se paga pela Thesouraria de Lisboa. A thesouraria só paga o pret á primeira Divisão Militar, Batalhão Naval, e Guarda Municipal de Lisboa Isto não admitte resposta, e aqui esta o engano, o illustre Deputado confundiu todo o Exercito com a primeira Divisão, Guarda Municipal, e Batalhão Naval, e por isso chegou a tão notavel conclusão, mas, Sr. Presidente, nesta matem e preciso dizer mais — naquelle resumo que apresentei da conta da Thesouraria, conservei, como já disse, a mesma nomenclatura que as despezas tem nesses cinco Diarios, mas essa nomenclatura usada no Ministerio da Fazenda não e sempre a mesma que se usa para a mesma cousa, nos outros Ministerios

Trarei um exemplo o Ministro da Marinha manda fazer a requisição para as soldadas dos marinheiros e como se suppõe no Thesouro que estas têem a natureza de pret, quando se expede o Aviso, chama-se a isto, no thesouro, pret, porque alli reputa-se que as soldadas têem a natureza de pret, e aqui têem uma especie que o illustre Deputado Ignota todas estas miudezas são necessarias a quem se propõe fazer accusações, mas esta confusão de pret de todo o Reino, para o comparai com uma Conta que tem só o pret e soldadas em Lisboa, não tem desculpa alguma, depois da discussão que tem havido, senão a vontade de querer confundir e embaralhai

O segundo erro que o illustre Deputado quer achar na Conta, e em que tambem vai apparecer muito infeliz, foi o da Camara Municipal, e isto porque se não deu ao cuidado de examinar, com aquella seriedade precisa, este negocio como caminha, e não fiar-se nos seus Corretores, alguns dos quaes eu conheço, que vão por essas Repartições..

O Sr. Silva Cabral: — Eu peço que se tome nota destas palavras.

O Orador — O nobre Deputado disse no seu Discurso — Que não mencionava os nomes das pessoas que tinham dado estas informações, porque não queria que lhes acontecesse a sorte do Sr. Antonio Pereira dos Reis — Isto disse o nobre Deputado, e por esta forma nos revelou que usa destes meios reprovados e corruptos para obter das Repartições papeis e informações, que podem muitas vezes vir destituidas de verdade, e de muitas circumstancias sobre taes meios formular accusações nos assumptos os mais graves, e isto, Sr. Presidente, parece incrivel que o dissesse e practicasse um homem que foi Ministro, e occupou os primeiros logares do Estado, actos que em outras épocas foram fulminados, e com justiça, pelo proprio Orador, quando alguem os tentara, e isto quando na qualidade de Deputado ha o direito de vir a Camara requerer as informações que se desejam (Apoiados)

Página 7

(7)

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — É meio da Opposição.

O Orador: — Pois é meio do Opposição usar de similhantes meios, levar algum Empregado a commetter actos contra os seus deveres, e por este modo conseguir papeis que se dizem documentos, que muitas vezes podem não conter a verdade, resultando d'aqui muito mal? Mas é proveitoso saber que a Opposição se val destes meios.

O segundo erro a que alludi, descoberto pelo nobre Deputado, e achar que aquelle resumo se lê, que se pagaram á Camara Municipal 79 contos e tantos réis, e pelos calculos que lhe forneceram os seus Agentes, acha que ha uma differença, creio que disse de 3 contos de réis; são notaveis estas conclusões do nobre Deputado: em que se deve acreditar mais, naquellas Contas publicas, que contêem a somma dos Avisos de Credito do Livros, que estão no Thesouro Publico; Avisos, que se expediram a favor da Camara Municipal, ou uma nota que o illustre Deputado aqui nos apresenta, mandada por esses de quem não quer dizer os nomes?

Já se vê que estes 3 contos de réis, se devem vêr pelo mesmo prisma, que tem mostrado essa serie de enganos em que se tem envolvido o illustre Deputado, pela confusão das Contas, e de especies de que tem tractado; mas eu, sem me importar donde parte esse engano, confirmando a verdade dessa Conta que aí esta, direi como algumas vezes se póde dar discrepancia em Livros de diversas Repartições, tractando de uma e mesma cousa. Apresento uma hypothese d'entre outras que se podem dar.

Supponhamos que no fim de um anno o Thesouro expede um Aviso de 3:000$000 a favor da Camara Municipal; esta somma é escripturada no Thesouro ainda dentro do anno em que se expediu o Aviso; mas a Repartição que devo receber, não tendo realisação a cobrança senão dias depois, escriptura nos seus Livros já em dia diverso; por consequencia se se mandar á Repartição que recebeu, tirar a Conta, em relação ao dia ultimo do anno, as quantias não hão de combinar com a da Repartição do Thesouro, ao mesmo tempo que ha verdade em ambas as Repartições. Ora quem se quer dar ao trabalho de conhecer a verdade, teria de combinar o numero das Ordens expedidas e recebidas, e havia de achar que as que o Thesouro manifesta, são verdadeiras, e se acharão nos Livros da Repartição que recebe; mas em diverso dia. Dão-se ainda outros casos que podem explicar estas differenças, e é temeridade accusar, sem se dar ao trabalho de todas estas necessarias indagações, e confiar em documentos isolados, o dados ás occultas, sem a necessaria indagação e legalidade.

Eis-aqui como se tem tirado falsas conclusões; eu podia demonstrar que em nenhuma das verbas o nobre Deputado podia tirar a Consequencia que tirou; o que o nobre Deputado não póde negar, é que effectivamente do Thesouro Publico saíram as Ordens para as diversas Repartições, na importancia do 2:410 contos, como em resumo se mostra naquella Conta.

Ora o nobre Deputado, depois de todo este arranjo decifras o Contas do Thesouro, que parece que nunca teve dellas conhecimento pela maneira por que apresentou aqui esta questão, veio fazer uma accusação nos Empregados do Thesouro.

Septenciando a Conta com tão inexacto fundamento, exclamou que isto mostra tambem o credito que nos deviam merecer as Contas do Thesouro, as quaes o Sr. Morato Roma tinha altamente em outro tempo censurado nesta Casa em um Parecer.

Esta immerecida censura do illustre Deputado é altamente injuriosa áquella Repartição; porque, ou o Ministro arranja estas Contas com conhecimento dos Empregados, ou os Empregados do Thesouro as confeccionam cheias dos defeitos, que o illustre Deputado lhes quer debalde encontrar. Sr. Presidente, cumpre aqui que ou defenda com todas as minhas forças a honradez e intelligencia com que se cumprem as obrigações da Repartição a que presidi; e estas accusações a uma Repartição respeitavel, assentadas em documentos particulares, e pela fórma que tenho demonstrado, não deviam servir ao illustre Orador para desconceituar uma Repartição desta ordem.

O illustre Orador tem confundido tudo, no seu esforço de accusar; mas eu heide ir mostrando o campo errado em que se collocou; é inexacto que o Sr. Carlos Morato Roma fizesse essa censura ao Thesouro Publico no Parecer citado pelo illustre Deputado. O que o Sr. Carlos Morato Roma censurou, foi as Contas de diversos Ministerios, que mostravam, em alguns annos, excederem em determinados Capitulos as quantias votadas nas Leis do Orçamento, e não terem os respectivos Ministros vindo apresentar, ou pedir á Camara Creditos que legalisassem esse excesso; e posso asseverar, Sem receio algum, que o proprio Sr. Morato Roma fazia aqui outra justiça a estes Empregados; porque muitos que alli existem, são homens que foram escolhidos para muitas das funcções que exercem, e elle sabia distinguir as capacidades o os merecimentos.

Tenho pois provado que toda a receita publica applicada pela Thesouraria de Lisboa se contém naquella Conta — que esta não esta deficiente de nenhuma das addições que o illustre Orador aqui fallou, e que a receita e despeza das Provincias lá tem a prova na Lei, e documentos de cada Districto, o é por esta fórma que se deviam avaliar as Contas, e não por calculos de probabilidade, e por concessões que o illustre Deputado ora faz, ora retira. A receita publica em calculos de probabilidade, nem pela propria Lei de Meios se poderia avaliar, porque o que esta Lei concede para a despeza do Thesouro, ordinaria e extraordinaria, este anno, não é que decide; convinha indagar se se tinham cobrado dessa Lei, de todas as verbas, seis mezes — se se tinha cobrado pouco ou muito da receita anterior — se se tinha mesmo antecipado, e eis aqui que só em face das Contas é que se póde avaliar a verdadeira receita, que estava á disposição do Governo para a sua gerencia; e estas Contas avaliam-se da fórma que tenho dito, e observe-se, que a Conta que se apresenta, e aquellas dos Districtos, quando accusam estas sommas geraes, comprehendem, em resumo, receita corrente e anteriores, e moeda forte e fraca, sem distincção. E a Conta da gerencia annual depois, que deve apresentar todas as distincções. Não merecerão nunca credito algum calculos de probabilidade, nem medir-se a despeza publica por certo numero de mezes arbitrarios, que o illustre Deputado disse inexactamente terem só sido pagos: repito pois, que não é sobre um calculo de probabilidade

Página 8

(8)

que o nobre Deputado podia tirar a conclusão que tirou; são outros os meios. (Apoiados)

Sr. Presidente, realmente isto é uma argumentação de algarismos, e por mais que nos cancemos em demonstrações, e questão difficil poder-se prestar toda a attenção a uma discussão de calculos; mas o que não é difficil e avaliar os dados e fundamentos com que se discorrreu, quando se accusou o Governo; basta lembrar-nos o que o illustre Deputado disse em alguma parte do seu Discurso, que as Contas tambem se deviam avaliar pela Moral e Politica, disse — que tendo se-lhe achado um erro de perto de 400 contos de réis (eu peço a attenção da Camara sobre este objecto que me parece muito serio, e que não posso deixar de tocar para mostrar o caminho errado que o nobre Deputado seguiu sempre nesta questão), e que apezar do êrro que elle confessava da duplicação dos saidos, o nobre Deputado tambem tinha concedido uma despeza de 590 contos, a qual eu dissera não existir, e que uma cousa compensava a outra; e que a Moral pedia que se não fallasse mais em erros, porque havia um erro da parte do nobre Deputado que se tinha enganado em 400 coutos na duplicação dos saldos, e que havia para mim, tambem por outro êrro do nobre Deputado, um favor de 590 contos, e que então ficava uma cousa pela outra: isto chamam-se contas avaliadas pela Moral; quando isto se diz em materias de Contas, e em accusações, basta para se fazer um juizo do conceito que estes meios devem merecer a uma Camara illustrada, e aos homens imparciaes.

Apresentarei ainda neste logar á Camara outro exemplo para que forme o seu conceito ácerca da solidez dos argumentos do illustre Orador.

Disse-nos o illustre Deputado, que na sua primeira falla havia concedido (concessões em Contas!) que o Governo tivesse remettido para Inglaterra 355 contos; mas que depois descobriu que nada se tinha pago para Inglaterra, e que apenas se tentava contractar o que não reprovava: ora, disse o nobre Deputado, se nada se tem pago, muito mais resultava si favor dos seus argumentos quanto á distracção de receita, ou falha de pagamentos, e isto descobriu o nobre Deputado pelos meios que se diz, que a Opposição se serve para obter esclarecimentos. Vou lêr a Camara uma. nota que se deve reputar official, e que conservo da Repartição competente, extrahida dos assentamentos legaes, e por ella verá a Camara se nada se tem remettido para Inglaterra para a despeza extraordinaria. São pois as remessas para Londres e saques de Londres effectuados pelo cofre de Lisboa e Alfandega do Porto, os seguintes: Letras a favor de William

Simpson, remessa para Londres.................... £ 2.080

Ao dito, letras pagas nas Alfandegas____........ Rs. 9:600$000

Letras a favor de Richard Thorton, remessas para Londres.................... 6.600

Ditas a favor do Barão de Goldsmith, pagas nas Alfandegas................ 41:538$510

Ditas a favor de Alexandre Antonio de Mello, paga»

51:138$510 8$680

Transporte...... 51:138$510 £ 8.680

nas Alfandegas para a divida de Simpson.......... 13:374$760

Remessas para os Titulos liquidados da Commissão

Mixta.................. £ 8.000

Ditas para as letras de Macáo.................... 3.000

Rs. 64:513$270 £19$680

Com estes pagamentos se amortisou a maior parte de uma divida que a Fazenda pagava, nada menos de 30 por cento para mais do onus annual.

Agora veja a Camara como se aventuram estas cousas, e veja o illustre Deputado que se enganou, e que o enganaram os homens que arranjaram essas informações; esses homens que andam mendigando estes papeis, não os copiam com exactidão o de fonte legal; e o nobre Deputado deve desconfiar dos seus Empregados. O que acabo de dizer é fundado em documentos officiaes.

Partiram-se por consequencia dentro de um semestre £ 19:680, o que anda por perto de 90 contos de réis de remessas, com 64 contos de saques de Inglaterra, tudo para as ditas applicações, são 154 contos de réis. A divida estava no Orçamento em 300 e tantos conto, e posso concluir que o Governo dentro do semestre pagou perto da metade desta divida. Eis-aqui esta toda essa exaggeração de calculo que o nobre Deputado aqui trouxe, e com que tanta impressão pretendeu fazer! Não bastava para produzir essa impressão, que se trouxessem de uma maneira deslocada os 170 contos de despezas de augmento da força Militar; o que se dispende com mais uma companhia da Guarda Municipal; o que se dispende na Policia Preventiva; a dissipação do rendimentos do Subsidio Litterario, Real d'agoa, falha das sobras do Pescado, e todos esses extraordinarios nas contas das Provincias, para tirar os resultados que quiz, o que tudo já foi respondido, e se mostra que mesmo essas despezas e receitas se achavam nos devidos logares, nas contas apresentadas: não bastavam todas essas exaggerações de algarismos que o nobre Deputado aqui apresentou por uma maneira viciosa, porque é vicioso tudo quanto V tirado de bases falsas, como aquellas que foi buscar o nobre Deputado, e como tudo aquillo que é tirado clandestinamente? Veio ainda no seu ultimo Discurso dar mais este documento de inexactidão.

Não sei se acaso me terei explicado bem. Mostrei o modo como se devem analysar estas Contas; mostrei a differença que ha na applicação dos rendimentos daquillo que se cobra pelos cofres de Lisboa, e do que se cobra pelos cofres das Provincias; mostrei que se da receita nas Provincias se fazem transferencias para Lisboa, lá se encontra isso nas Contas; mostrei que era inexacto não se achar nas Contas o que se disse do Pescado e de outros rendimentos; mostrei que o que se disse da receita do Contracto do Tabaco para o Thesouro era imaginario, e é assim que mostro que o illustre Deputado, empregando como argumento uma architectura de cifras por uma fórma muito irregular, achou os seus immensos resultados, achou essa falla immensa de cinco ou seis milhões de cruzados; e a isto respondeu-se-me, que se lesse o Estandarte, acharia isto recli-

Página 9

(9)

ficado nas erratas. Vemos pois que nas erratas é que vem os calculos certos do Sr. Deputado, nesse lastimoso resultado que tira de todos os seus argumentos, de que vou agora occupar-me.

O nobre Deputado, reconhecendo que não era exacto, confessou a final nas erratas, que faltavam effectivamente 2:200 e tantos contos de réis; e para não nos deixar nesta falta enorme de tão avultada somma, esforçou-se em arranjar uma conta de despezas que o nobre Deputado passou a enumerar. Mas todas estas despezas, boas ou más, de que o nobre Deputado fallou — excesso da Companhia da Guarda Municipal; esses augmentos de praças de pret no Exercito; as despezas da Policia Preventiva, etc., não lhe avultando além de 400 e tantos contos, ainda faltam por consequencia 1:800 e tantos contos de réis. Mas uma vez que eu provei, que essas despezas, na parte em que effectivamente se fizeram, estão na minha Conta, faltam por tanto sempre 2:200 e tantos contos; e podia chegar a 20:000 contos se quizesse, porque ha de estar-se sempre n'um grande erro quando se vem fazer Contas, que assentam em bazes como aquellas de que se tiraram taes resultados. Mas de um resultado assim falso é que o illustre Deputado tentou tirar um grande partido, e depois de se me dizer que eu havia gasto quarenta dias para vir a esta Casa tractar destes assumptos, querendo inculcar-se que me tenho achado em difficuldades, como se para sommar ou mandar sommar o que se achava já publico na Folha Official, fossem necessarios quarenta dias, que é a final o que bastava para rebater esses improvisos.

Depois de se ter dado lá fóra a este assumpto todo o caracter de solemnidade para chegar ao resultado que se pretendia, com alguns preparativos, anunciando-se por uma especie de cartazes, chamando-se a todos os homens de todas as classes para virem ouvir as tremendas accusações feitas a um Ministro, da dissipação dos fundos publicos. Depois de dispostos assim os animos, depois de enumeradas as despezas; já enunciadas, não se tendo arranjado mais que 400 e tantos contos (que eu nego], e como faltasse muito para chegar aos celebres cinco milhões de cruzados de extravio da receita publica, veio aqui exclamar-se: — Será verdade o que se diz lá fóra, que se tem pago 400 contos de réis pelas despezas da Esquadra Ingleza do Protocollo!... Será verdade que se tem pago 310 contos de réis Letras de França?!.. — Para que é isto, Sr. Presidente? Pois o nobre Deputado, que teve e achou gente á sua disposição nessas Repartições para achar essas diversas informações de extravios de insignificantes quesitos, a que tenho alludido, não achou ninguem para lhe dar esclarecimentos sobre uma cousa que devia ser tão publica? (Apoiado, Apoiado.) Despezas e pagamento de 400 contos de réis!!.. De 310 contos!!

Nós que andámos ás vezes afflictos para pagar as despezas mais urgentes do Estado (Apoiados) que para pagar um pret ao Exercito, e um mez aos Empregados, recorremos muitas vezes a varias portas, e meios conhecidos de todo o Mundo, e pagam-se assim 710 contos de íeis no maior silencio? (Apoiados.) E o nobre Deputado vem aqui exclamar innocentemente: — Será crivel o que se diz por ahi ácerca destes pagamentos?!.. — Quem é que o diz? Pretenderá o Sr. Deputado apresentar-se ao Publico como o patrono desta Nação; como o unico defensor dos direitos constitucionaes; como o homem mais zeloso de todos os interesses do Povo?!.. Oh! Sr. Presidente, não são os escriptos de ninguem, não são essas palavras pomposas em objectos de similhante natureza, que decidem os homens de bom senso, que fazem impressão no Publico; o nosso Paiz é muito pequeno para que não se avalie devidamente o fundamento de similhantes accusações — a estrategia e os fins. Primeiro accusou-se; não se póde provar o que se disse; faltava encher uma lacuna de algarismos, e conclue-se com estas exclamações!

Declaro solemnemente á Camara e ao Paiz, que é uma falsidade pura o que se diz a similhante respeito. (Apoiados.) Nem se pagou, nem nunca veiu uma unica requisição, nem pessoa alguma até agora fallou em tal: a primeira vez que o ouvi, foi nesta Casa. Será util, Sr. Presidente, para o Paiz, que aqui se tragam proposições desta ordem? Será conveniente ao Systema Representativo? Não será isto enfraquecer a acção governativa, tractando desta fórma de desacreditar tudo e todos! Não luctâmos nós já com bastantes difficuldades, vindas dos nossos males reaes; faltavam estes inventos para aggravar á situação! Não temos senão a lastimar no fim de tudo o resultado destas scenas.

Mas eu vou por diante. O nobre Deputado que não achou os taes 710 contos de réis, com que fez tanta impressão nesta Camara e no Publico, foi achar 150 réis n'um documento vicioso, ou em uma Ordem, que pela fórma com que se apresentou, nessa occasião em que se tractava de dissipações, tendia a augmentar as taes impressões, que se tinham em vista, exclamando-se contra o proceder de um Ministro, que ousara ordenar um pagamento, sem que a parte passasse recibo, e isto por uma Ordem assignada pelo Ministro para se entregarem 150$000 réis, A que vinha tambem isto, Sr. Presidente?!... Que fim teve o nobre Deputado?!... Que conclusão se deverá tirar daqui?!... Que eu tinha talvez embolsado estes 150$000 réis! (Uma voz: — Era o vicio do documento.) Sei muito bem que era o vicio do documento — mas o nobre Deputado tambem sabe, porque já foi Ministro, que ha algumas despezas extraordinarias sobre que se toma responsabilidade, e que é preciso faze-las (Apoiados), e que se se pagaram esses 150$000 réis, eram provenientes de despeza, necessaria para o serviço publico. Tenho muita pena que não esteja presente o Sr. Ministro da Fazenda, para lhe pedir que na Repartição competente distinga que documento é esse, e depois se convença da applicação que teve esta somma, e se achará que é uma despeza publica, que se fez como outras muitas que se fazem, que tem a explicação regular, e que se provam serem despezas de serviço publico, e que podem ser apresentadas e avaliadas devidamente por esta Camara. O illustre Deputado sabe muito bem que ha uma verba no Orçamento de Fazenda consignada expressamente para despezas eventuaes, e as ha nos mais Ministerios; porque póde haver uma eventualidade em que seja precisa a sua applicação, necessidade que aliás o Ministro é obrigado a justificar. Mas era necessario, para se fazer sensação profunda, que se lançasse máo deste documento, que aqui se viesse apresentar este facto de uma maneira tão insolita, numa occasião em que se precisava, ou em que se queria provar que havia distracção de fun-

Página 10

(1o)

Do! E sabe V. Ex.ª o resultado que isto tem? Vou dize-lo á Camara para desgraça do Systema Representativo; é o descredito desse Systema, é o enfraquecimento da auctoridade publica (Apoiado), é quebrarem-se todos os meios de governo (Apoiado.) Oh! Sr. Presidente, qual é o resultado de tudo isto? E que com o titulo, e o pretexto de defeza dos bons principios e de defeza do Povo, com accusações infundadas hoje na Tribuna, ámanhã em vastos inventos pela Imprensa, tudo se desacreditará; e isto e tanto mais lamentavel, quando parte de um homem que já foi Ministro, e que constantemente reprova esses meios. Tenho algumas provas particulares disto mesmo, e pessoaes: muitas vezes recebi cartas anonymas, que exigindo certo pagamento, me alcunhavam de ladrão, e me faziam outros insultos, e em algumas se me diz, que a prova estava no que publicava o Estandarte: eis-aqui está qual é o resultado dessas impressões, que o nobre Deputado quer fazer suscitar lá fóra; é desacreditar um homem, que tem sempre procurado viver com honra e verdade.

Sr. Presidente, eu não cançarei por mais tempo a Camara comeste debate, porque é muito superior ás minhas forças, e não teria mesmo incommodado a sua attenção, senão fosse obrigado a tomar a defeza, porque se tem feito as maiores injurias á minha pessoa; e por conseguinte, se por acaso tenho dicto algumas cousas desagradaveis, e porque tenho sido altamente obrigado a isso. Tudo quanto tem lembrado, se tem assacado sobre mim; todo o Mundo fallava ha tempos na compra de um grande pinhal comprado pelo Ministro da Fazenda: em algum Periodico se publicou, disseram-mo, eu não o vi; mas o certo era que muitos procuravam pelo pinhal, e eu mesmo não o sabia; mas o fim consegue-se até certo ponto; consegue-se, para vergonha de seus Auctores, a quem perante esta Camara faço solemne doação desse pinhal e de todas essas quintas e terras de sua triste invenção, para depois destas falsidades inventadas, vir fallar-se em extravios da Fazenda Publica.

Sr. Presidente, em quanto á questão das cifras, tão grandemente alteradas pelo illustre Deputado, tenho respondido; entretanto a Camara me permitiu á, que eu diga ainda ligeiramente alguma cousa sobre certas allusões, que se me dirigiram, responder ás quaes me parece indispensavel, deixando de responder a muita cousa.

Crimina-me o Sr. Deputado por eu dizer, que a Lei de Meios vinha falha de 50 conto, provenientes de calculos feitos nas reducções dos soldos, e ordenados, que a Lei estimou em mais do que essas reducções produziram, e avançou com a corte/ia com que me tem tractado, que esses erros se deviam attribuir a mim, que não soubera calcular essas reducções. Não me pertenceu o exame dessas reducções, vieram estimadas pela Commissão de Fazenda no meu Parecer, em que se fundou a Lei de Meios; mas, cada um dos Srs. Ministros descendo ao desenvolvimento dessas reducções, que depois se decretaram com as Tabellas competentes, deram ellas esse resultado para menos.

Disse tambem o Sr. Deputado, que o Ministerio estava incurso na penalidade da Lei de 26 de Agosto, porque não tinha remettido para a Junta do Credito Publico a somma, que devia ter entregado em virtude da Lei de 3 de Abril. É verdade que, em virtude daquella Lei, a Fazenda deve á Junta,. 220

e tantos contos; mas a Camara sabe, que para essa antecipação é que a Lei de 26 de Agosto concedeu um semestre de decima extraordinaria; que esse pagamento a final deve saír da cobrança dos impostos directos. Ora já se demonstrou aqui que de toda a decima do terceiro semestre votado, donde deve sair esta divida, não chegou toda a cobrança no Paiz a 400 contos — 120 destes haviam sido cobrados em Abril, e Maio de 1848 — dos restantes 280, tem a Junta recebido pelo Districto de Lisboa e Porto toda a decima que se arrecada, que não andará hoje por menos de -200 contos, restaria ao Governo cousa de 80 contos, com que o nobre Deputado quer que pague mais de 200. A Junta tem a sua divida representada na decima por cobrar; e a que se tem cobrado posterior á Lei de 26 de Agosto de 1848, lhe tem sido entregue na conformidade da Lei.

O mesmo direi ser inexacto, que, da Lei de 23 de Maio, tinham havido sobras para outras despezas, que não fossem para o pagamento dos mezes de 1847. O Sr. Ministro da Fazenda apresentára a Conta final, e quando tiver as Tabellas dos pagamentos dos mezes de Novembro, e Dezembro ultimos, verá que ainda talvez seja credor áquella receita.

Disse o nobre Deputado, que o Governo não tinha dado tambem execução á Lei de 26 de Agosto, por que não tinha feito a applicação della quanto ás fianças dos Exactores, e dos Recebedores Sr. Presidente, o que posso dizer a este respeito, é que, logo depois da publicação da Lei de Meios, expediram-se Ordens, e Portarias a este respeito ao Thesouro, e ao Governador Civil, que é a quem compete tomar as fianças, e tomar contas aos Exactores da Fazenda; eu poderia agora ler estas peças officiaes, que as tenho aqui no Boletim da Fazenda; mas isto cançaria muito a Camara, e esta tudo publicado no Diario do Governo, e por elle se verá, que o Governo não esteve em ocio! Pois o Governo havia de deitar fóra dos logares estes homens, sem primeiro lhes mandar tomar contas, e sem ver se pelo resultado dellas, elles estavam alcançados para com a Fazenda? Demais este negocio esta incumbido exclusivamente ao Tribunal do Thesouro, e portanto a elle pertence a sua fiscalisação Acerca da reforma das Alfandega, direi tambem, que já haviam trabalhos importantes feito, e se estivesse presente o Sr. Visconde de Castellões, elle daria testimunho desta verdade.

Fallou-se tambem a respeito de uns 65 contos, que se tinham distraído em despezas illegaes, e parece-me que ouvi fallar em algumas pensões, pagas a Lord Wellington, sobre as Ilha, e a Lord Beres-ford; ouvi tambem fallar de uma quantia, que se tinha pago aos herdeiros do Conselheiro Sampaio... Tambem se fez menção de uns 2:400$000 réis, relativos a restituições de dinheiro tirados em 1833.

Sr. Presidente, é verdade que me recordo de ter assignado algumas Ordens de Pagamento a favor de familias herdeiras de Pensionistas, cujas liquidações sempre reputei legaes; neste caso estava a liquidação que se fez a favor da familia do Conselheiro do Thesouro Sampaio, que ficou na maior desgraça.

As liquidações a favor de Lord Wellington, Bersford, e Almirante Napier, são dividas legalissimas, e que se não fossem liquidadas-, e estabelecido o modo de pagamento, poderia isto ser muito nocivo

Página 11

(1l)

para a Fazenda Publica, e o illustre Orador sabe muito bem, o que já aqui se passou na liquidação destas pensões, sobre ás quaes se pagaram juros. Todas estas operações vinham no meu Relatorio Geral, e por se ter accusado sem provas é que se tem caído no erro de confundir liquidação com pagamento, a maior parte destes credito, na parte pagamento: não são de grande vulto as quantias, as maiores são do que esta, por pagar, e reconhecido o direito na liquidação, e a respeito de algumas, nas letras que se deram, e para a parte pagar, tinha eu sufficientissima auctorisação no art. 22º da Lei de 26 de Agosto, artigo que sei bem o fim com que foi inserido na Lei, que é de pagar dividas anteriores com creditos anteriores, o passivo com o activo da mesma época.

Ora o nobre Deputado disse-nos aqui, que o meu illustre Antecessor, o Sr. Franzini, resistira ao pagamento da divida do Exercito de Operações, e que consentiu em consignar pagamentos para terem logar de Janeiro de 1848 em diante, quando se devia abrir o Parlamento; tambem eu poderei responder o mesmo a respeito da liquidação dessa mesma divida — da divida das pensões dos Lords Wellington, e Beresford, e de outros, porque as letras e as consignações que a isso se destinavam, tinham na sua maior parte o vencimento a contar de Janeiro de 1849, época em que o Parlamento se reuniu, época em que apresentava o meu Relatorio Geral, época em que teria que pedir as necessarias providencia», quando as da Lei existente não bastassem, e era isso tudo ligado com a medida em discussão aqui tem o nobre Deputado a resposta de muitas cousas; ao menos nesta parte e quasi unica, veio a um ponto concreta, e resume-se o negocio a dizer-se que pela parte que se pagar em effectivo para todos esses destinos eram de pouca importancia as quantias, que para essas havia margem na receita legal, que por isso mesmo se prova que taes pagamentos não podiam offender, nem causai o atraso de outros pagamentos, atrasos que se exaggeraram, e que o Governo, obrando assim, obrou com justiça e legalidade, não podendo negar os direitos a cada um, e muito menos deixando de liquidar e estabelecer o modo de pagamento futuro

Tudo isto vinha documentado no meu Relatorio Geral, cujos documentos hei de pedir instantemente ao Sr. Ministro da Fazenda, que os mande imprimir, porque esses documentos com tudo quanto tenho dicto em tão graves assumptos, darão toda a luz e mostrarão a verdade, que não póde ser contrariada por esses calculos de probabilidade.

Sr. Presidente, eu fui aqui altamente atacado, fui eu e o Ministerio accusado da cousa mais grave que podia haver; é da distracção de Fundos Publicos — pois eu peço licença ao nobre Deputado para lhe dizer que sustento todas as applicações que dei aos Fundos Publicos. Mas como provou o nobre Deputado essa sua asserção. Seria com as cifras que apresentou? De certo não. Porém o nobre Deputado fez bem a diligencia para vêr se podia provar este seu enunciado, e disse que era levado a entrar nesta questão, porque era um homem que tinha aqui uma Cadeira, que queria desempenhar os encargos a ella ligados, que era homem que só queria o direito, a justiça, a economia, e satisfazer aos seus deveres; louvo o nobre Deputado por todas estas circumstancias, mas o que não louvo é que, para isto, fosse buscar

factos que não provou, nem podia nunca provar (Apoiados). O nobre Deputado fallo de tudo que podesse dar algum caracter de verdade á sua proposição, foi a esse invento célebre em que me veio aqui fallar de uns 400 contos de réis de um Protocolo, e uns 310 contos da Guerra Franceza, quando nem uma nem outra cousa se deu, nem se pensou: aqui esta como o nobre Deputado andou em todas as asserções que apresentou a esta Camara; nenhuma prova convenientemente, nem o podia fazer, porque as fundava sobre dados e factos que não existiam.

Sr. Presidente, eu preso-me de ter sido economico, tenho feito algumas operações que sempre teem merecido toda a attenção, em nenhuma dellas deixei de ser muito cauteloso em que fôssem sempre acompanhadas de circumstancias de serem o menos onerosas possivel para o Thesouro. É verdade, Sr. Presidente, que tambem no desempenho de meus deveres aqui estou para responder á Camara, declaro tambem que no desempenho de meus deveres resisti a muitos contractos que se pertendiam fazer, poderia citar muitos; poderia citar aquelle, por exemplo, a que um Periodico desta Capital alludiu: e direi, Sr. Presidente, que tendo um Periodico desta Capital publicado, quando eu apresentei em Março de 48 o Orçamento nesta Casa, quando apresentei o Projecto que me acarretou tantos odios, tantas opposições, e tantos inimigos, fallo da reducção dos juros, e reducção nos vencimentos dos Empregados Publicos, quando apresentei todas essas medidas, um Periodico desta Capital veio annunciar que na Repartição de Fazenda, na Secretaria de Fazenda, se estava tractando de um contracto oneroso para a Fazenda Publica, das condições do qual haviam de resultar muitos mil contos de onus, e encargos de natureza tal que haviam de invalidar todas quantas medidas esta Camara adoptasse a respeito de Fezenda Pública; achei isto muito grave, tive conhecimento desta declaração aqui mesmo nesta Camara, e eu em seguida pedi a palavra e declarei muito positivamente que era falso, que não existia liquidação nenhuma de contos, que não se tractava de operação nenhuma, nem se tractava de onerar a Fazenda com novos encargos além dos já declarados nas medidas apresentadas; mas, Sr. Presidente, posteriormente a esta declaração, tractei de saber se havia algum ajustamento de Contas, e achei que se fazia em outra Repartição, o da Companhia das Obras Publicas, com relação ás Estradas, vi que se tractava de liquidar estas Contas sem a desligação da despeza feita pela Companhia, e sobre as Contas apresentadas, como indemnisação dos lúcios cessantes, se estipulavam 10 por cento sobre a importancia desses fundos, que se diziam empregados; esta questão pareceu-me grave e importante, não só pela liquidação da Conta que era preciso tractar convenientemente, mas tambem sobre o premio dos 10 por cento: vi que se queria que a Conta fosse por diante, que se fizesse uma operação a respeito da qual parecia que já haviam umas certas bases entre os Emprezarios da Companhia e o Governo pelo Ministerio do Reino, e isto caminhava assim porque o meu Collega, então do Reino, queria esta questão desembaraçada, a fim de vêr se se dava andamento a alguns trabalhos sobre estrada. Julguei que não era possivel admittir nem a liquidação, nem a operação, nem a Conta como se apresentava: não era só a questão dos! 0 por cento por indemnisa

Página 12

(12)

ções de quantias não bem conhecidas competentemente, mas porque era preciso dar perto de 3:000 contos em Inscripções de 5 rcento para satisfazer as Contas que se apresentavam, attender ao preço das Inscripções, e ao agio das Notas que as mesmas Inscripções representavam. Eu claramente me oppuz a isto, por muitas razões, e especialmente, porque no Decreto de 19 de Novembro de 1846, que tracta do fundo de amortisação, esta comprehendida a despeza da Companhia das Obras Publicas. Houve a este respeito diversas conferencias, e em uma dellas se convidaram mais alguns Cavalheiros, alguns Dignos Pares e Deputados: não me lembro de todos que estavam presentes; recordo-me que estavam os Dignos Pares Visconde de Castro, e Conde de Thomar, e os Srs. Deputados Sá Vargas, Pereira de Mello, e estava tambem presente o nobre Deputado Silva Cabral; e eu não vi impugnar pelo nobre Deputado aquella liquidação, e a possibilidade de se fazer o contracto, ou de fazer-se a operação. (O Sr. Silva Cabral: — Engana-se perfeitamente). O nobre Deputado sustentou a Conta que não estava examinada pela Repartição competente, e pelos meios que sempre se seguem em objectos desta natureza. Como podia o nobre Deputado sustentar uma Conta que estava desacompanhada de todas estas circumstancias, e que nem ao menos lembrou que fosse preciso nomear uma Commissão para tractar dessa liquidação como depois se nomeou?... O nobre Deputado que ha tempos a esta parte tem mostrado tanta opposição a todas as operações de uma muito inferior importancia, como podia admittir esta? Como era possivel assentir a essa Conta, dar um premio de 10 por cento, dar Inscripções de 5 por cento no valor de perto de 3:000 contos, sem esse objecto vir á sancção do Corpo Legislativo? E sem se ter examinado o negocio devidamente? Trago isto para mostrar que tambem durante o tempo do meu Ministerio resisti a muitos contractos; resisti a este, e a muitos outros, dos quaes me parecia que vinham grandes onus ao Paiz, e que eu não podia admittir sem a sancção do Parlamento.

Agora, a respeito dos 150$000, digo, que como não tive duvida de pôr o meu nome, não tinha duvída de correr as consequencias; mas, Sr. Presidente, tenho muita pena de descer a estas coisas nesta questão, porque eu não queria ser taxado do mesmo vicio de que ha pouco ouvi criminar o nobre Deputado de tornar esta Casa uma scena de coisas, que não convem de maneira nenhuma para aqui; mas o que hei de fazer, Sr. Presidente? Eu que fui atacado de uma maneira tão espantosa, e tractado de uma maneira tão irregular, e tão pouco esperada, com insultos, injurias, e a final accusado pela coisa mais séria que ha por distracção de dinheiros publicos!... E isto porque o illustre Deputado se quer inculcar o mais zeloso, o mais economico a respeito dos fundos publicos!... Eu posso apresentar documentos para mostrar que muitas vezes resisti, e resisti ao nobre Deputado; e desde esses tempos veio a opposição que o illustre Deputado fará a todos os Ministerios, que lhe não queiram obedecer aos seus decretos e aos seus mandatos; e eu resisti, intendi que assim o devia fazer, que assim era conveniente á Causa Publica, e irei provando isso com mais documentos e factos.

Ora o nobre Deputado tinha sido restituido a Conselheiro d'Estado, e parecia-me que estavam satisfeitos os seus desejos; não era assim; não parou aqui, o nobre Deputado mandou-me uma carta...

O Sr. Presidente: — Noto ao Sr. Deputado que aqui não se tracta de negocios pessoaes.

O Sr. Silva Cabral: — Espero que o Sr. Deputado diga isso que ía a dizer, porque eu hei de explicar-me, e muito positivamente.

O Sr. Presidente: — Negocios pessoaes não vem para aqui: eu estou muito arrependido de ter deixado desde o principio toda a latitude á discussão do Parecer n.º 6; a Camara quiz esta latitude, mas digo a face da Camara, que desta discussão não tem vindo senão males para a Causa Publica (Apoiados) ', e no futuro hei de ser muito austero em fazer observar o Regimento, e não hei de deixar sair nenhum Orador, por um ou outro lado, da materia quanto á Ordem, e quanto á questão.

O Orador: — Eu reconheço isso que V. Exª. diz, e sou o primeiro a reconhecer o desaire que vem destas questões: e por isso eu tambem retiro immediatamente o que principiava a dizer.

O Sr. Silva Cabral: — Mas com a condição de que eu hei de explicar-me.

O Orador — Sr. Presidente, eu na questão principal não devo enfadar mais a Camara, e mesmo vou de todo concluir; mas digo que lamento, digo a V. Ex.ª que estou muito arrependido de ter ido tão longe; mas se eu fui longe, forçaram-me a ír, porque não esta isso nos meus habitos: eu peço testemunho á Camara de qual tem sido sempre o meu procedimento nesta Casa, constantemente ha nove annos; peço a Camara que me escuta, que diga se eu sou homem que traga scenas que possam affligir os meus Collegas, e prejudicar a decencia e o Systema Representativo: sempre que tenho fallado, tenho attendido á dignidade deste logar; e desde este dia hei de sómente fallar quando uma necessidade absoluta a isso me levar no desempenho do meu dever; esta questão acabou para mim: tudo quanto tenho dito era indispensavel, não me podia ser negado depois do que se tinha dito do lado contrario. Vou concluir, Sr. Presidente, sem responder a algumas coisas que alguns Oradores disseram depois que eu fallei, para o que usarei convenientemente da palavra em discussão da materia opportuna, não me dispensando agora de dizer pouco como unicamente em resposta ao que disse o illustre Orador, que fallou antes de mim: lastimo alta e profundamente o vêr-me contrariado de uma maneira espantosa por quem eu não esperava se-lo, por este Sr. Deputado, não sei se é pelo Douro (Uma voz: — Por Traz-os-Montes) que foi meu Collega no Ministerio: este meu Collega era Ministro da Marinha, quando eu o era da Fazenda; por infelicidade minha, por infelicidade nossa, quando se formou essa Administração a que ultimamente pertenci, trocaram-se as partes, eu não devia ser Ministro da Fazenda, era o meu nobre Collega que o devia ser, porque os seus conhecimentos, as suas habilitações, a minha mediocridade e inferioridade, reclamavam o nobre Deputado para aquelle logar. O nobre Deputado combateu a immoralidade da Lei de 23 de Maio, disse que era immoral, por se dar um favor aos devedores, combateu o Orçamento, e combateu outras medidas; o nobre Deputado saiu do Ministerio, foi exonerado a 29 de Março; estas medidas estavam

Página 13

(13)

na Casa antes desse dia, essas medidas foram elaboradas com conhecimento do nobre Deputado, foram essas questões ventiladas entre nós, merecia delle mais amisade: não me deu auxilio, deixou-me correr á perdição, e ser auctor de medidas immoraes. (O Sr. Corrêa Leal: — Apoiado) Não merecia vir ser atacado por S. Exª poderia se-lo muito embora, por qualquer outro Membro desta Casa: era preciso que S. Ex.ª fizesse outra coisa; era preciso vir concordar naquillo para que elle proprio cooperou (O Sr. A. Albano: — Não tive parte nenhuma nisso). Tivemos conferencias (O Sr. A. Albano: — Nem a mais pequena). O Orador. — Eu provarei que esta esquecido, e se não elaborou, ao menos tem então a responsabilidade indirecta; e eu não merecia da parte do nobre Deputado, não merecia da parte de S. Ex.ª, ser contrariado dessa maneira.

Eis aqui, Sr. Presidente, com que concluo; e peço á Camara novamente que me releve todos os excessos em que por ventura caisse, e qualquer expressão impropria, e que se possa considerar menos digna da Casa; se incorri em qualquer destes defeito?, não póde ser isso filho das minhas intenções; e se fui um pouco mais adiante, foi para tomar a defeza, quando tinha sido injustissimamente accusado. Repito que outras questões ficam pendentes sobre que os trabalhos da Casa me darão occasião de fazer as devidas observações.

O Sr. Silva Cabral: (N. B. — O Sr. Deputado não restituiu o seu Discurso a tempo de ser publicado neste logar, e por isso publicar-se-ha no fim do Volume por appendice).,

O Sr. Presidente: — Eu preciso declarar a razão porque entendi, que o Sr. Deputado Falcão não podia continuar a fazer allusões, e referencias a factos particulares estranhos á questão. O Sr. Deputado fez primeiramente uma allusão a uma conferencia sobre Obras Publicas, que teve logar fóra desta Casa; eu deixei fallar o Sr. Deputado; não devia talvez deixa-lo fallar; e teria sido isso muito melhor. — (Apoiados) Depois disso principiava a fazer uma allusão muito especial, e então entendi, que devia fazer acabar a discussão neste ponto; e declaro que se eu podesse prever a extensão que se dava á discussão logo pelo primeiro Orador, por bem da questão, e da Causa Pubblica não leria consentido essa extensão nem por uma, nem por outra parte (Apoiados.) A allusão da maneira que principiava a ser feita, podia trazer máos resultados para a ordem desta Casa. Entendi portanto, que não devia deixar continuar a fallar o Sr. Deputado a tal respeito, e S. Exª. teve a bondade de acquiescer, e de reconhecer que fiz justiça, e que procedi convenientemente, apoiado nas disposições do Regimento; e ainda bem que o Sr. Deputado, a quem se dirigia a allusão, comprehendeu a sua, e nossa posição, quando lhe respondeu!

Não havia mais ninguem inscripto sobre a materia; mas devo dizer, que ultimamente pediram a palavra para Explicações, no caso de lhes não chegar a palavra sobre a materia, (o que importa tambem o pedido de palavra sobre a materia) os Srs. Gorjão Henriques, e Agostinho Albano, e sómente para Explicação o Sr. Silva Cabral. Tambem pediu a palavra sobre a Ordem o Sr. Guedes; mas o Sr. Rodrigues da Costa pediu a palavra para um Requerimento, que, segundo a disposição do Regimento

tem preferencia. Tem portanto a palavra para um Requerimento o Sr. Rodrigues da Costa.

O Sr. Rodrigues da Costa: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara, se julga a materia sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O Sr. Xavier da Silva: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara, se quer votação nominal; desejo saber quem approva, e quem rejeita o contracto das Sete Casas.

Resolveu-se que não houvesse votação nominal.

O Sr. Agostinho Albano: — Peço a V. Ex.ª que se declare o numero dos que approvam, e dos que rejeitam. (Apoiados)

Posto o Parecer á votação, foi approvado.

O Sr. Presidente: — Esta approvado por 79 votos contra 2. Segundo a disposição do Regimento não podem ter logar agora as Explicações.

O Sr. Gorjão Henriques: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara, sobre se dispensa o Regimento, a fim de poderem ter logar desde já as Explicações.

Resolveu-se affirmativamente.

O Sr. Gorjão Henriques: — Vou usar da palavra, e confesso, que se não fosse o melindre da minha posição, desejaria que as minhas Explicações não tivessem logar hoje; mas entendi, que não as devia retardar nem uni momento, visto que sou forçado a da-las depois da allusão, que o nobre ex-Ministro, hoje Deputado, me dirigiu.

Sr. Presidente, o que vou dizer é perfeitamente um improviso; porque apezar de ter quasi uma certeza de que, em alguma occasião, havia de ser forçado pelas circumstancias a dar mais largamente estas Explicações, com tudo parecia-me, que não seria hoje que fosse a isto provocado; e esperava ser chamado a este campo, principalmente quando se apresentasse nesta Casa, como tem de se apresentar, o resultado dos trabalhos da Commissão encarregada da liquidação das contas da Companhia das Obras Publicas. Como se deve suppôr, eu tinha promptos os documentos necessarios para entrar nestas Explicações, quando para isso se offerecesse occasião, ou mesmo para serem presentes nesta Casa, ou pela Imprensa. Mas sendo provocado de repente pelo Discurso do illustre ex-Ministro, não tenho aqui apontamento algum, nem posso servir-me desses documentos, porque estão em minha casa. Espero porém, independentemente desses documentos, dizer ainda quanto seja sufficiente para a Camara formar o seu juizo na questão do que se tracta. Torno a repetir, que não tenho aqui apontamento algum; mas o que vou dizer é a verdade, e só a verdade. (Apoiados) Tenho visto nesta Casa pessoas, a quem tem esquecido os seus apontamentos, e fazerem o seus Discursos, conforme podem, e no fim os Periodicos dizerem que foram muito bons; (Hilaridade) e assim tambem espero, que ámanhã uns digam, que eu disse muito bem, e outros que disse muito mal. Entretanto persuado-me do que só hei de fallar a verdade; (Apoiados) e se, do que eu disser, merecer condemnação, quero sujeitar-me a ella; e quero que sobre mim recáia a pena.

Sr. Presidente, no tempo em que eu tive a honra de sei chamado aos Conselhos da Soberana, em que era Presidente cio Conselho de Ministros o nobre Duque do Saldanha, e em que era meu Collega, Ministro da Marinha, o Sr. Agostinho Albano, é ínques-

Página 14

(14)

tionnavel, que não havia a devida regularidade nos, trabalhos Ministeriaes. A primeira cousa que eu reclamei foi um livro, para se lançarem as Actas das Sessões do Conselho de Ministros, e nunca foi possivel consegui-lo. Perdoem-se-me estas declarações; mas eu hei de dizer as verdades nuas, e cruas. Só passado consideravel espaço de tempo é que eu apresentei um livro em branco para aquellas Actas, visto não se ter podido obter até então, não obstante as instancias para esse fim, e o Sr. Ministro da Guerra, que era o mais moderno, alli escrevinhava algumas vezes alguns apontamentos, (O Sr. Barão de Francos: — Peço a palavra.) Isto é verdade. Perdia-se muito tempo naquellas conferencias. (O Sr. Agostinho Albano: — Apoiado, é verdade.) E. nem sempre se tractavam dos objectos para que eramos chamados. Tantas vezes fallava o Sr. Presidente do Concelho, outras vezes? o Sr. Ministro da Fazenda, e assim se passava o tempo sem nada se fazer. Quantas vezes pedi eu Conselho de Ministros sobre objectos de grave interesse, que então se tractavam, como os que diziam respeito a medidas sanitarias, recrutamento, questões com a Commissão Administrativa da Sancta Casa da Misericordia de Lisboa, e com a Companhia dos Canaes de Azambuja, e outros muitos, que não posso fazer-me ao cargo de enumerar agora? E qual foi o resultado? Poucas ou nenhumas vezes pude conseguir, que o Conselho de Ministros m occupasse destes importantes objectos, que submettia á sua deliberação. Devo accrescentar, que nela muita confiança que os Membros do Ministerio tinham uns nos outros, cada um se encarregava de adoptar as medidas necessarias, e privativas a cada uni dos seus Ministerios. E verdade tambem, que o Sr. Ministro da Fazenda nos apparecia de quando em quando com as suas papeladas, e dizia-nos: — Acabei de fazer isto; acabei de fazer essoutro; acabei de tractar com o Banco um negocio, que deve produzir este resultado; e depois passava a referir por extracto o que continham esses papeis, e alguns de nós outros ficavamos conservando a mesma fé Implicita, que tinhamos na boa gerencia do Sr. Ministro da Fazenda. — Esta é a verdade. Portanto as suas Propostas, e medidas foram quasi todas concebidas, e executadas por S. Ex. sem dependencia da approvação dos outros Ministros, por isso que confiavamos na sua intelligencia, e zêlo pelo bem publico.

Ora, Sr. Presidente, corre por ahi, e todos sabem, que não era eu o Ministro que tinha mais simpathias de alguns dos Membros cio Gabinete, (Apoiados) e neste ponto, eu darei a esta Camara e ao Publico as provas que tenho para esta minha asserção. Agitavam-se differentes negocios, e entre elles era um o das listradas. De toda a parte eram reclamados estes trabalhos, de toda a parte se pedia, que se activasse este objecto. Nesta Camara alguns Srs. Deputados se tinham dirigido a mim, como Ministro do Reino, e eu lhe disse, que espetava aplanar cedas difficuldades para curar désse objecto, cujo interesse eu era o primeiro a reconhecer. Effectivamente depois de varias correspondencias, linha dirigido um convite aos Directores da Companhia, em virtude do qual algum delles compareceu na Secretaria do Reino, porém nessa occasião pouco se adiantou o negocio. Depois houve ainda outra reunião com os representantes da Companhia, e com interessados nas outras Companhias e Emprezas, que a ela estavam ligadas por differentes contractos, para saber sobre que pontos se poderia formular uma Proposta, vindo primeiro a um accôrdo, o qual eu proporia depois em Conselho de Ministros. Eu penso que isto não deve ser negado ao Ministro de qualquer Repartição; porque escrever umas bazes parà as apresentar aos seis Collegas em Conselho; entendo que era obrar com lo aí d ad1, e cumprir um dever, que senão tinha cumprido para comigo, nem com alguns dos meus Collegas. (Apoiados) Foi o que fiz; se estão bem, ou mal redigidas essas bazes, não o sei; ellas aqui estão; se disto ha culpa, eu quero sujeitar-me a ella. (Uma voz: — Mas, que tem isso.) Tem muito, e eu o direi.

Sr. Presidente, a Companhia queria uma somma avultada, não como disse o nobre Deputado deo:Q0Q contos; mas sim, se a memoria me não falha, de menos de 1:000 contos. Na reunião a que alludo, pude vir a um accôrdo, para ser reduzido a 10 por cento o premio dos capitaes desembolsados, em vez de 15 por cento, que os interessados pediam; e pertendendo elles que se lhes pagasse por differente modo do que estava estabelecido no Decreto de 19 de Novembro de 1846, nenhuma declaração se fez a tal respeito na fixação daquellas bazes, assim como nada de positivo sobre o quantum que se pedia.

Sr. Presidente, eu, pela minha parte hesitava, principalmente, sobre o modo como se havia tractar este negocio, emquanto a considerar-se a questão, se tinha ou não caducado o contracto entre o Governo e a Companhia das Obras Publicas. Apresentei duvidas sobre este objecto, o ainda hoje duvido, se se póde tractar da feitura de uma Lei de Estradas, sem previamente se julgar caduco o contracto das Obras com a Companhia, e tenho a meu favor n opinião emittida neste mesmo negocio pelo Procurador Geral da Fazenda. Tocarei sòmente alguns dos fundamento5.

Parecia-me pelo simples facto da cessarão dos trabalhos nas Estradas por parte da Companhia das Obras Publicas, em consequencia dos acontecimentos de Maio de 1816, não estar o Governo auctorisado para rescindir por si só aquelle contracto; pois que aquella cessação de trabalhos teve origem na extincção da Contribuição de Repartirão, donde saía anotação annual de 600 contos de réis á Junta do Credito Publico, da qual se deviam satisfazer os titulos á Companhia. Devia portanto esta designação ser feita por uma Lei posterior ao dito contracto, o que poderia ser supprida por outra qualquer, que uma Lei tambem designasse, se assim se julgasse conveniente. Mas aquelle modo de pagamento não foi parte essencial, e expressa condição naquelle contracto. E destes principios, que podem largamente desenvolver-se, podia muito bem deduzir-se sem absurdo, que sendo legitimo o facto da supervisão dos trabalhos nas Estradas pela falta dos rendimentos á Junta do Credito Publico, não póde o Governo achar-se por elle auctorisado para rescindir o contracto sem o consentimento da Companhia; opinião esta que sem duvida é a de muitos, e muito competentes na materia. (Apoiados)

Além disto a Companhia, propondo-se ao distracte do contracto, parecia torna-lo dependente do reconhecimento de seus proprios direitos, que com justiça devem ser attendidos? (Apoiados) e da fixação dos meios para serem reparados.

Página 15

(15)

A par desta o outras muitas duvidas, sobre as quaes eu pertendia ouvir a opinião dos meus Collegas, tambem se me offerecia aquella sobre o modo de terminar legalmente este negocio, ainda mesmo depois de resolvidas as mais difficuldades. Isto e, se o Governo tinha em si auctoridade bastante para rescindir de commum accôrdo com a Companhia aquelle contracto, ou, se, conforme eu entendia e ainda entendo, a dissolução delle não póde ser havida por valida sem a confirmação de uma Lei, visto haver sido o mesmo contracto approvado por uma Lei, que é a de 19 de Abril de 1845, e por tanto ser minha opinião que este objecto devia ser trazido ao Corpo Legislativo, assim como outros pertencentes a este negocio, que dependem de actos Legislativos. (Muitos apoiados)

Disso ha pouco o Sr. ex-Ministro da Fazenda, que nesse tempo se queria vencer que se pagasse á Companhia das Obras Publicas 3.000 o tantos contos; é preciso que S. Exª prove que se queria, e isto é o que me parece que senão póde provar; o eis aqui para que serve a Explicação, revestida de circumstancias, cuja enumeração a alguem parecerão importunas, mas que se torna essencia!. (Apoiados)

Sr. Presidente, já tempo antes de ter andamento este negocio, conheci que havia notavel differença para comigo no modo, porque se exigia de mim o exercicio das funcções do meu Ministerio, no qual entendia não dever fazer unicamente as funcções

Sub-Secretario. (Muitos apoiados) E como eu não sou homem que adoeça a meu belo prazer, nem sujeito a atribulações imaginadas por outrem, (Riso)

bem conhecia que se havia do procurar occasião, ou

antes excogitar um protexto para a minha saída do

Ministerio.

Appareceu com effeito esse motivo ostensivo, mas envolvido em um véo tão diáfano, que bem deixa entrever que outras razões havia; e que a opinião pronunciada attribuia a desintelligencias procedidas de entender ou, que tambem podia o devia ler em objectos de minha competencia, vontade, e acção propria. (Apoiados) E em verdade algumas divergencias com o Sr. Presidente de Ministros sobre objectos, em que a minha gerencia ora a competente, haviam já produzido aquillo, a que se chama arrufos, e ate se havia combinado a saída do Ministerio) por parte de S. Exª; mas que se não effectuou, apezar das denegações, que se fizeram a varias Propostas, para que podesse, pela sua satisfação, não verificar-se o funesto acontecimento da saída de S. Ex.ª do Ministerio. Eu tenho em meu poder cartas e apontamentos de S. Exª, donde se tira prova irrecusavel do que deixo dito.

Mas, Sr. Presidente, voltamos ao ponto principal Para obrar sempre accordo com os meus Collegas, pedi eu que no dia 22 de Março me fizessem a honra de comparecer em minha casa para conselho, para objecto do qual, entre outros, havia eu annunciado este de que me occupo, relativo á Companhia das Obras Publicas. Chegou a noite desse dia, e por signal que o primeiro que appareceu em minha casa foi o Sr. Bispo de Vizeu, Ministro da Justiça; os demais Collegas foram chegando progressivamente, menos o Sr. Presidente do Conselho, que me mandou uma carta em que dizia pouco mais ou menos isto: «Que por objecto de serviço não poderia

Comparecer á hora ajustada; mas que não esperassemos por S. Ex. para começar a tractar do negocio, Esta carta existe em meu poder. Na ausencia pois do Presidente de Conselho de Ministros fui informando os meus Collegas do estado em que estava a questão, e para mais esclarecimento tanto dos meus Collegas como, de futuro, de mais alguem, convoquei o competente Chefe da Repartição, o Sr. Roboredo, para que se eu falhasse, elle podesse depois informar de tudo que houvesse a esse respeito. Apresentei pois o meu relatorio com todas as duvidas que existiam sobre o objecto, o esse relatorio o fiz lêr pelo Chefe da Repartição; tenho esse documento original, dado por este Cavalheiro; e se fôr preciso mandarei reconhecer a letra, e publica-lo-hei em algum Periodico. Todos os pontos de duvida apresentei nessa conferencia, e lembro-me bem de que o Sr. Ministro da Marinha notou, por bem fundadas razões, que não se podia acceder ao pedido da Companhia das Obras Publicas em quanto á forma de pagamento (O Sr. A. Albano: — Apoiado) Em quanto porem ao ponto de direito, disse que o Governo podia por uma auctoridade fazer a liquidação do Contracto. Houveram differentes opiniões, o cada um sustentou a sua. Apresentou se, e leu-se por esta occasião, um documento exarado na Secretoria do Reino, e nesse documento nada havia dotei minado de positivo; eram sómente uns apontamentos exactos e assignados na conferencia, havida u) Ministerio do Reino com os Directores e interessados na Companhia das Obras Publicas. Estavamos neste ponto, quando já mui tarde appareceu o Sr. Presidente do Conselho; recapitulei tudo o que se tinha tractado a respeito do negocio das Obras Publicos; e S. Ex.ªs conheceu que em alguns dos pontos havia divergencia de opinião entre os Membros do Ministerio, sendo este o unico resultado. Fallou-se nessa occasião muito á pressa a respeito da questão da Misericordia, e S. Exª a approvou o pensamento que eu manifestei; assim como tambem se fallou a respeito da proxima abertura do Canal da Azambuja, e a respeito deste livre eu do tomar um expediente só por mim, e estou persuadido que faz honra ao Ministerio, porque os resultados o estão demonstrando. Mas o que é certo é que nesta conferencia nada se deliberou a respeito do objecto da Companhia das Obras Publicas. Porem pedi de novo aos meus Collegas que nos tornassemos ajuntar no dia de quinta feira, 23 de Março; accordou-se nessa reunião, e se resolveu que ella tivesse logar no Governo Civil, o disse eu que me parecia justo, visto que o negocio era tão grave, que se ouvissem as opiniões de alguns Cavalheiros, Membros de uma e de outra Camara; e assentando-se nisto, com effeito esta reunião teve logar.

Verificada a reunião com os Cavalheiros convocados, fez se a leitura do competente relatorio, fallaram diversos Oradores, appareciam duvidas sobre o objecto, e especialmente na parte que dizia respeito ao modo ou fórma de pagamento. Parece-me que tenho bem presente o logar, onde estava sentado o Sr. Ministro da Fazenda, e tenho idéa que não prestava muita attenção ao objecto; o motivo não sei, mas creio ser por ter já a sua opinião formada a respeito delle. O Sr. Ministro da Marinha, esse sei eu que conversava largamente sobre o objecto; o devo notar, porque é

preciso que se saiba, que o sr.

Página 16

(16)

Presidente de Conselho não assistiu a essa reunião. Debateram-se as differentes opiniões nessa reunião; e quando eu apresentei o documento a que já alludi, alguem disse que a questão mudava de figura, porque parecia haver já uma obrigação entabolada entre o Governo e a Companhia, e eu. sempre melindroso em tudo quanto é responsabilidade, confesso que á primeira vista estremeci um pouco; no entretanto fiz vêr que essa opinião não podia valer mesmo em presença da forma, e das proprias expressões desse documento. Esquecia-me dizer que nessa reunião a opinião do Sr. Deputado Silva Cabral foi aquella que ha pouco acabou de apresentar; nunca teve outra, havendo certamente falta de reminiscencia da parte do illustre ex-Ministro, quando outra lhe attribuiu.

Depois de algum debate nessa reunião, os Cavalheiros presentes disseram que não tinham mais alli que fazer; que já tinham manifestado as suas opiniões em relação aos differentes pontos da questão, e o Governo fana o que entendesse. Assim acabou esta reunião.

Agora, Sr. Presidente, não deixarei de ler á Camara esse documento que fez tanta bulha, e que foi apresentado como corpo de delicto, e se desse documento puder vir alguma responsabilidade ou imputação moral, eu não tenho duvída alguma em sujeitai-me a ellas.

Tenho diante de mim uma copia desse documento, que a pedido desta Camara, por minha sollicitação, se acha com outros na Commissão d'Administração Publica. Mas tenho tambem em minha casa uma publica forma desse documento, que francamente deixei na Secretaria do Reino; e nessa publica forma estão as declarações de que o papel, de que foi trasladada não era sellado, (e, digo eu, bem ordinario era,) (Riso) que nelle se achavam algumas palavras e lettras riscadas, outras entrelinhadas, as quaes a mesma publica fórma especifica. O que serve para demonstrar que aquelle papel não continha mais do que uns apontamentos, pelo qual não se contrahia obrigação alguma, nem mesmo sobre os pontos, de que nelle se fazia menção, e assim foi sempre entendido pelas partes, que nelle figuravam, por que nenhuma dellas se lembrou mais de tal escripturação, nem reclamou ad implementum de coisa alguma alli escripta, tanto no tempo, em que ainda fui Ministro, como ate hoje. (Vozes. — Muito bem) Não sei se a Camara quer que leia este documento por inteiro, ou sómente o ultimo artigo, que relativamente ao ponto, que de presente se tracta, termina a questão. (Vozes — Basta esse, basta esse) Diz pois este documento no § 4.º «Que reduzidas a escriptura publica as presentes bases, e ultimado o contracto, as partes contractantes cedem simultanea a e reciprocamente de qualquer reclamação, a que podessem ainda julgar-se com direito.

Note-se bem que é diz: reduzidas a escriptura publica as presentes bases, e ultimado o contracto. Logo, Sr. Presidente, que é isto? Aonde esta aqui o contracto?... Aonde esta aqui o quantum e a forma do pagamento; sem o que se não podia dizer que existia materia do contracto? (Apoiados) Este documento não foi exarado senão para obter a assignatura dos Representantes da Companhia, e poder assim apresentar este negocio com toda a clareza e idéas fixas aos meus Collegas, e justamente o diz nas

noites de 22 e de 23 de Março Como é que, em vista d'este documento, é nobre Deputado podia dizei que se queria fazer responsavel o Governo por enormes quantias? Não disse eu que queria consultar os meus Collegas, e não o fiz assim? Decidi eu como Ministro alguma cousa de positivo a esse respeito? Por outro lado não podia eu fazer todos quantos actos julgasse necessarios para apresentar esta questão nos seus devidos termos?... Não é isto uma attribuição e obrigação de cada um dos Ministros nas suas Repartições? Disse eu por ventura que esta questão não viesse a Camara? Então como é que se diz — queria-se? Esta expressão do nobre Deputado, tenho a coragem bastante, valor civico, e a minha consciencia para dizer que nunca a consentirei. (Apoiado1-)

Sr. Presidente, volto ao ponto, e digo que para o sabbado seguinte á quinta-feira de que ha pouco fallei, estava determinada uma outra reunião no Governo Civil, não se verificou, por ser dia santificado, não obstante eu não sabia que se tinha tomado a resolução de não haver reunião nesse dia, e no dicto sabbado encaminhava-me para la, quando no caminho fui informado de que a reunião não tinha logar pelo motivo indicado. Já antes dessa hora tinha recebido uma carta do Sr. Presidente do Conselho, em que se me dizia, pouco mais ou menos isto (e peço que se note) dizia S. Ex.ª: «Que em virtude de uma carta que tinha recebido do Sr. «Ministro da Fazenda, participando-lhe o que se tinha passado na reunião de 23 no Governo Civil, «sentia infinito ter que dizer-me que era de absoluta «necessidade, que ou eu ou S. Ex/e o Sr. Ministro da Fazenda dessemos a nossa demissão de Ministros da Corôa. (Sensação).» Recebi esta communicação, e fiquei fume na resolução de não pedir a minha demissão, sujeitando-me ás eventualidades. Na qualidade de Ministro do Reino, cargo que exerci pelo espaço de cem dias, que tambem para mim foram um seculo considerei que as minhas Propostas não tinham sido rejeitadas nas Camaras em occasião alguma; tinha portanto a meu favor a Maioria Parlamentar; linha a consciencia de ter cumprido as obrigações ligadas ao meu encargo, sem pie guiado pelos interesses do meu Paiz. (Apoiados) O estado do Paiz em circumstancias tão melindrosas attestava as minhas fadigas pela manutenção da ordem e socego publico; em fim parecia-me poder persuadir-me de que apesar das difficuldades, que experimentava, eu havia dirigido a minha marcha governativa franca e lealmente pelas indicações do verdadeiro Partido Carlista, sob cujos auspicios eu tivera a honra de ser chamado aos Conselhos da Soberana. (Muitos apoiados)

Entendi pois que não devendo pedir a minha demissão, bastava resignar-me á vontade do Chefe do Estado, como era meu dever.

Respondi a esta carta: que não podia encontrar em tudo quanto se havia passado nas reuniões -de minha casa e do Governo Civil, motivo algum, que justificasse citação tão definitiva, e tanta irascibilidade, e que no Governo Civil, onde nos encontrariamos, faltariamos sobre isto.

Como já disse a reunião da Maioria com o Ministerio não se verificou nessa noite, porém tendo eu ido ao Governo Civil, encontrei reunidos o Sr. Presidente do Conselho, o Sr. Barão d'Ourem, então

Página 17

(17)

Governador Civil, e mais outro Cavalheiro; este se retirou á minha chegada, e eu interroguei S. Ex.ª sobre os motivos, que tinha para me dirigir ultimamente, aquella intimação. Repeti-lhe que nada havia que justificasse tal pertenção; e finalmente que examinasse S. Exª. bem aquelle documento, e veria que elle não era contracto, nem por elle se contrahia obrigação ou responsabilidade alguma. A isto teve S. Ex.ªs bondade, já por muitas vezes usada para comigo e para com os meus Collegas, de dizer que nessas coisas de Legislação e outras privativas de differentes Ministerios, não se reconhecia por muito competente para formar um juiso. (Hilaridade) E nada mais alli se passou.

Continuarei pois, e em breve terminarei este incidente. No dia 27 á noite fez-me a honra de procurar-me um Cavalheiro (o Sr. Barão d'Ourem) e disse-me que vinha do Paço, e que Sua Magestade havia determinado reconstruir o seu Ministerio, saindo o Sr. Bispo de Vizeu, o Sr. Ministro da Marinha, e eu, e que visse eu se consentia em que no meu Decreto de exoneração se pozesse por haver pedido. Eu respondi que não pedia a minha demissão, e que portanto aquella clausula não devia entrar no Decreto de minha exoneração, e que se entrasse, eu protestaria contra ella; pois que em negocios de tão alta monta verdade, e sómente verdade (Apoiados.). Que quem podia demittir-me, tinha todo o direito não sómente a faze-lo, mas ate a dizer que eu havia servido mal, se assim o entendesse; mas exonerar-me declarando-se que eu o pedíra, para isso não havia direito. E se para me serem conservadas as honras, era preciso que eu desse esse passo, eu, ainda que com muito sentimento, declinava essas honras. Depois appareceu o Decreto da minha exoneração, da maneira que todos sabem

O que acabo de referir já foi em outra occasião produzido por mim, e confirmado pelo Sr. Presidente do Conselho nesta Camara. (Muitos apoiados, é verdade, é verdade.)

Do que fica dicto prova-se: 1.º que é inexacta, e offensiva a expressão menos pensada de S. Ex.ª o Sr. ex-Ministro da Fazenda, quando disse que se queria fazer pagar ao Governo uma enorme quantia em beneficio da Companhia das Obras Publicas; porque o Ministro do Reino nada decidiu a tal respeito, antes sujeitou por vezes esse objecto á consideração dos seus Collegas: 2.º que o mesmo Sr. ex-Ministro da Fazenda não foi exacto, querendo aggredir o Sr. Deputado Silva Cabral, como sendo de opinião que tal somma se pagasse, pois foi o contrario: 3.º que em vista do comportamento por mim havido em todo este negocio não podia elle dar motivo fundado para que me fosse intimado pedir eu a minha demissão, nem razão sufficiente para a merecer, e que foi mais um resultado dos reservados, e vivos desejos de alguem, para que eu deixasse de fazer parte do Ministerio, e para obter o qual fim se tinham reunido tantas diligencias dos que não querem o corte dos abusos. E finalmente que tambem não é exacto haver S. Exª. o Sr. ex-Ministro dicto, ou querido fazer parecer, que não interviera no facto da minha demissão; porque da carta do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, que conservo, se collige que foi o mesmo Sr. ex-Ministro, quem fez aproveitar uma occasião, que apesar de mal escolhida, parecia favorecer a pertenção da minha saída do Ministerio.

Paro aqui, Sr. Presidente; se este objecto voltar á Camara, tambem eu voltarei a elle de novo. Peço á Camara que me desculpe, se houve alguma irregularidade na minha exposição, aliás difficil, porque difficil é poder calar muita coisa, que conviria saber-se para minha justificação O Publico me fará justiça, quando entendo que, em cousas taes, antes perder por carta de menos do que por carta demais. (Muitos apoiadas — muito bem, muito bem.)

O Sr. Presidente: — A Camara decidiu em sua sabedoria, que tivessem logar as Explicações na hora da prorogação; continuo portanto a dar a palavra. Tem a palavra o Sr. Silva Cabral.

O Sr. Silva Cabral: — Cedo da palavra.

O Sr. Agostinho Albano: — Sr. Presidente, deploro muito que a discussão sobre o Parecer nº6 tomasse as alturas a que chegou (Apoiados); deploro muito, e deploro ainda mais que o nobre Deputado de quem tive a honra de sei Collega, do que ainda me préso muito, houvesse de querer attenuar, ou exprobar o que proferi sobre um ponto em que por certo eu não o offendi, nem offendi esta Camara. Que eu chamasse immoral á Carta de Lei, que deu moratorias aos máos pagadores do Estado, ninguem m'o ouviu dizer na Camara. (O Sr. Falcão: — Ao Projecto.) Quando vi eu o Projecto?.. Reporto-me em tudo ao que disse o nobre Deputado ex-Ministro do Reino.

Sr. Presidente, a verdade é esta: nos negocios da Fazenda se alguma vez o meu humilde Voto foi ouvido, só foi com rapidez tal, que eu nem podia fazer idéa de muitos dos objectos, que me foram apresentados: sobre negocios de Marinha consultei muitas, e muitas vezes o nobre ex Ministro da Fazenda, que se acha presente, rarissimos serão talvez os meus actos naquella Repartição em que eu não o consultasse; mas eu não me aproveitarei desta occasião para tocar em uma especie, ou em um ponto, a respeito do qual só tenho muito a lembrar-me da honra que recebi da Soberana de ter servido com seu agrado, e de conservar-me as honras de Ministro distado, porque desse tempo não só não tenho saudade, mas tenho muitissimo pesai: ao oitavo dia (e appello para alguem que me houve) em que fui Ministro, eu estava bem arrependido de o ser e disse a algumas pessoas, que desejaria muito um pretexto, ou um motivo honroso para podér sair do Ministerio; calo o mais, apenas digo esta circumstancia, porque nunca tive adhesão á Pasta com que fui honrado, nem a essa, nem a outra qualquer: presava, e aspirava muito a essa honra; não póde ser jámais culpavel, não digo esse desejo, mas essa ambição, que é uma ambição nobre e honrosa, na qual muitos outros me tinham precedido, ou nessa ambição, ou nesses desejos... Mas é negocio este, Sr. Presidente, sobre o que eu não devo entreter a Camara nem mais um instante, reporto-me unicamente ao que a Camara acaba de ouvir, e poderia invocar tambem o testemunho de um illustre Collega, que vejo presente, a quem por algumas vezes communiquei os meus pensamentos.

Sr. Presidente, a Lei da moratoria, ou antes o Projecto de Lei da moratoria do Estado nunca me pareceu bom, ainda hoje me não parece boa a Lei que foi approvada nesta Casa. Pois eu não sustentei naquelle logar (a primeira cadeira da esquerda) esta proposição geral, quando sobre elle fallei por essa

Página 18

(18)

occasião? Invoco o testemunho do nobre Deputado eu não podia de maneira nenhuma approvar um acto que havia de ter por consequencia necessaria a immoralidade publica, o não a moralidade. Eu fiz ver a necessidade que havia de procurar-se uma arrecadação prompta dessa divida preterita ate o ponto possivel, e de fazer passar nesta Camara uma Lei que houvesse de dar ao Paiz um melhor lançamento de impostos directos, e uma melhor arrecadação; eis-aqui, Sr. Presidente, o que eu disse no meu Discurso, e o que o nobre Deputado vem exprobrar-mo, como se acaso eu o houvesse atacado, ou houvesse querido invectivar suas opiniões, ou o seu Discurso, ou sustentar o Parecer da Commissão com improprias palavras; nem nas palavras que eu disse, nem nas intenções, estava de maneira nenhuma a conclusão ou a exprobração, que injustamente o nobre Deputado me fez, digo injustamente, e espero que S. Ex.ª haja de retirar a maneira com que procurou trazer o meu nome á questão. Por essa occasião eu procurei sustentar e defender o Parecer da Commissão, mostrando que estava lançado sobre fundamentos inconcussos, referindo-me á Lei de 23 de Maio, Lei que por tal contracto fóra calcada, ou rasgaria; assim como as demais condições não pareceram, nem effectivamente eram convenientes: e uso agora destes termos, mas nem delles me servi quando fallei sobre este assumpto, uso delles como uma especie de desforço.

Sr. Presidente, eu na qualidade do Collega do illustre Deputado, e elle na qualidade de meu Collega, tinhamos tambem outra qualidade, a de mutuos subditos, se podesse dar-se esta circumstancia no momento em que nós ambos servimos, porque estavamos ambos fóra do exercicio dos respectivos logares, S. Ex.ª do seu logar de Contador Geral da Marinha, que exerceu sempre com toda a dignidade, o (mi do logar de Membro do Conselho Fiscal de Contas, porque nestas qualidades eramos subditos um do outro; mas na occasião em que oramos Ministros, não eramos senão Collegas: entretanto até desta circumstancia se quiz tirar partido, como se um Deputado da Nação Portugueza não fosse só unicamente responsavel pelas suas opiniões para com o Paiz, e para com esta Camara. Por ventura o nobre Deputado revestido desta qualidade não tem obrigação legitima para com os seus constituintes de omittir aqui suas opiniões com toda a verdade da -ua convicção?... Se algum damno deste legitimo proceder podesse resultar para o Deputado na sua qualidade de servidor do listado, seria sempre um acto de immoralidade, não espero que tal acto se pratique; alto e bom som o digo, so neste sentido alguem que esteja nos Conselhos da Soberana, lhe submettesse uma demissão, esse acto seria immoral, não presumo que podesse practicar-se, mas as ameaças muitas vezes teem soado, o, inda mal, proferidas por quem as não devêra proferir!...

Voltando ao ponto, Sr. Presidente, digo que eu não laxarei de immoral o Projecto, o que taxei de immoral foi as consequencia, de uma disposição de Lei, e se por lai maneira eu tivesse tractado o Projecto, a accusação poderia ser-me com mais justiça feita pelo Corpo Legislativo do que pelo nobre Ministro que foi da Fazenda, com quem não estou nem directa, nem indirectamente desavindo nem na intenção, nem na expressão: não esperava por tanto do

nobre Deputado que olhando para mim neste ponto do seu Discurso me chamasse a juiso para exprobrar-me expressões, que eu não tinha proferido, nem linha na intenção proferir; ainda hoje diria o que então disse; se bem me recordo, disse ou então no meu Discurso, que a consequencia de uma Lei tal era a continuação da immoralidade, que nós estamos vendo em tudo quanto respeita ao pagamento dos rendimentos publicos; quem deve, pague, e deve pagar, a concessão désse beneficio, concessão que eu espero que não mais se reproduza, não póde deixar de não trazer a continuação dos maos pagamentos, mais do que actualmente se ressentem muito os Cofres publicos. Eis-aqui, Sr. Presidente, o sentido com que me expressei; e disse até que se em quaesquer observações que eu tivesse feito, houvesse erro, eu estimaria muito ser convencido, e se o fosse, eu que nunca tractei de sustentar com capricho opiniões minhas, prestaria toda a homenagem á verdade; porque já mais tive outra intenção que não fosse a da sustentação da verdade; se acaso se houvessem destruido as minhas asserções com argumentos, com razões, com provas, eu seria o primeiro que havia de curvar-me perante esses argumentos e essas provas. Foi isto justamente o que eu disse; e quem assim se expressa, quando se tractava de uma questão de tal ordem, não mostra senão o maior comedimento nas suas expressões, e no seu modo de combater, de julgar, e do raciocinar sobre qualquer assumpto. Eu espero que o nobre Deputado que me conhece, e se me não conhece, devia conhecer-me, tempo linha para isso, renda mais justiça á sinceridade do meu coração, á nobreza dos meus sentimentos, e á lealdade da amizade que sempre lhe consagrei.

Tenho dado as minhas explicações, não me remontarei a circumstancias passadas durante esse tempo, em que fiz parte da Administração, tempo tambem muitissimo doloroso para mim, e concluo asseverando que quanto agora disse o Sr. Deputado, Ministro do Reino daquelle tempo, a respeito do que então se passou, é exacto, e é verdadeiro. O Sr. Falcão: — Cedo da palavra. O Sr. J. I. Guedes: — Pedi a palavra sobre a Ordem, para rogar a V. Ex.ª que consulte a Camara, se a exemplo do que se acaba de praticar com um illustre Deputado que foi Ministro da Corôa, me é concedida a palavra para dar uma Explicação.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado está no seu direito; póde usar da palavra, sem para isso ser necessaria resolução da Camara.

O Orador: — Eu tomarei á Camara muito poucos momentos.

Sr. Presidente, no Relatorio do Ministerio da Fazenda, apresentado a esta Camara com o Projecto da arrematação da Alfandega das Sete Casas, e n'um Discurso que um illustre Deputado daquelle lado fez, por occasião da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa, fizeram-se allusões e muito serias, á Companhia do Contracto do Tabaco Sabão e Polvora, allusões que podem trazer em resultado duvida sob e se a Companhia tem ou não cumprido com o seu dever; o Ministerio dizendo que tinha recebido menos rendimentos publicos do que esperava, entre outras coisas disse, que a Companhia do Contracto do Tabaco, Sabão e Polvora Unha deixado do pagar 221 contos. Ora pela maneira deste enunciado póde talvez subintender-se que

Página 19

(19)

a Companhia não quis pagar Sr. Presidente, eu como Deputado da Nação Portugueza não venho aqui advogar os interesses da Companhia do Tabaco, Sabão e Polvora, repugna isso com os meus habitos, mas não posso deixar d'explicar uma asserção, que por ser exposta com menos clareza póde alterar a verdade dos factos, que a Camara apreciará saber com toda a exactidão, e o illustre Deputado que acabou de ser Ministro da Corôa, e o nobre Deputado que se senta na direita da Camara, estimarão ouvir esta ratificação.

Sr. Presidente, o Decreto de 27 de Outubro de 1846, baixando o preço do tabaco de rolo, cigarros, e folha picada, desobrigou a Companhia de pagar a quantia de 118 118080 réis. Não se fez menção disso no Orçamento passado, porque é habito, desgraçadamente, nesta terra não se fazer do Orçamento uma realidade, defeito que ainda continua no Orçamento deste anno (Apoiados) Sabia-se que estava convertido em Lei o Decreto de 27 de Outubro; que o facto da reducção dos preços dos generos estava consumado; que o Contracto não pagava aquella quantia; e não obstante tudo isto a ficção continuava, porque desgraçadamente, repito, não se tem ate hoje fallado a verdade toda ao Paiz, e em logar disso, diz-se que não ha deficit pois e melhor, é necessario que sejamos francos, e que senão queira encobrir o que já e impossivel occultar; ha um deficit, e um deficit que se não póde matai facilmente (Apoiados).

O illustre Deputado a quem me refiro, veio aqui apresentar asserções destituidas de fundamento, eu acredito que o illustre Deputado não quiz fazer offensa á Companhia do Tabaco, Sabão, e Polvora; mas o que é certo, e que o fez, não por vontade, já disse, mas por falta de informações convenientes, e se o illustre Deputado não fosse tão adiantado em idade, e tão respeitavel por todos os titulos, atrevia-me a dai-lhe de conselho que se informasse primeiro da verdade, e exactidão dos factos antes de se apresentar a fazer censuras.

O illustre Deputado disse, que a Companhia tinha retido endevidamente esses 221 contos, pois a Companhia do Contracto do Tabaco, Sabão, e Polvora podia ser obrigada a pagai uma quantia, que a Lei lhe diz que não pague? Mas as expressões do Sr. Ministro indicam tambem pela fraze deixou de pagar — que a Companhia tinha obrigação de o fazer.

Pois, Sr. Presidente, não ha tal obrigação; os illustres Deputados bem podem saber, que o Contracto da Polvora ainda não foi entregue á Companhia, e que isto é uma parte importante do Confiado, cuja liquidação os Caixas Geraes tem pedido instantemente. Os 148.118$080 réis não e um abatimento em consequencia de reducções nos preços do Tabaco? Não foi um favor directo que se quiz fazer á Companhia do Tabaco, porque a reducção nos preços não foi só reclamada pela Companhia, mas sim por muitas Auctoridades Mililares, e Civis, que requerem, que sendo o Tabaco de fumo aquelle e pesava mais sobre as classes pobres, não era possivel augmentar-se o preço, vendendo em vez de doze, dez ciganos por um vintem, como era costume.

Esta questão dos 148 contos, e um negocio que os Ministerios anteriores a Outubro de 1846, tinham considerado; em que depois de consultado por vezes

o tribunal do Thesouro Publico os Procuradores da Corôa, e da Fazenda, a Commissão Externa de Fazenda, e em que todas estas Corporações tinham estado de accordo, não faltava senão passar-se o Decreto neste sentido, e se teria passado por aquelle Ministerio, se não fossem os acontecimentos de Outubro daquelle anno O Ministerio de 6 do Outubro não fez senão decretar e publicar una cousa, por assim dizer decidida.

Já se ve pois, que quando o Contracto do Tabaco não tem pago esta quantia, não tem senão feito o seu devei; nem a tem retido em seu poder; e o illustre Deputado fazia uma grande censura ao Ministerio, que no seu Discurso queria defendei, suppondo que elle tinha direito para receber dos Contractadores uma somma importante, como esta, e que a havia deixar estar sem a receber.

Concluo, Sr. Presidente, que a Companhia do Contracto do Tabaco, Sabão, e Polvora, não tem satisfeito, nem satisfaz esta quantia, porque a não deve.

O Sr. Barão de Francos — Eu tambem digo, como um illustre Deputado, que deploro que a Camara esteja gastando tempo com estes objectos, mas o motivo que me leva a isso, e um pouco differente do sentido que lhe deu o illustre Deputado. Deploro, digo, que repitam aqui factos, que se passaram nas Sessões do Ministerio, no tempo em que eu fiz parte do Gabinete.

Parece-me que se disse, que as Actas das Sessões do Ministerio não se lançaram nos Livros; eu peço licença ao meu nobre Collega e Deputado, para lhe dizer, que desde o tempo que entrei no Ministerio, as Actas lançavam-se nos Livros. Ouvi dizer, que eu tinha sido encarregado de fazer rabiscas, ou escrevinhar alli umas Actas, não sei o sentido em que isto se disse; se foi pela dicção não sei boa, ou pela letra sei ma, confesso-me muito inferior ao illustre Deputado, mas S. Exª. ha de conceder tambem, que para redigir uma Acta daquella naturesa não se precisa de glandes talentos.

Digo pois ao illustre Deputado, que essas Actas se fizeram, e estão lançadas nos Livros, e parece-me que com grande clareza, e talvez que se o illustre Deputado as consultasse agora, se convencesse de que esta em contradicção com o que hoje diz, e que a sua memoria o enganou.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo. que não me parece muito Parlamentar, e proprio que se estejam contestando factos que se passam no Ministerio, e que se estivesse alludindo ao Presidente do Conselho sem elle estar presente.

O Sr. Gorjão_ Henriques: — Sr. Presidente, eu já disse muito claramente, que por muito tempo não houveram Livros em que se lançassem as Actas, e eu e que mandei para alli um Livro; é uma verdade, que no tempo do Sr. Barão de Francos se tiravam apontamentos; mas não ha de apparecer em nenhuma Acta o meu nome, nem o dos outros Srs. Ministros. (O Sr. A. Albano — Apoiado) Não se fasiam as Actas perante o Conselho de Ministros, e ordinariamente só se tomavam alguns apontamentos; isto era o que se passava no Conselho de Ministros. Não sei se o Sr. Ministro da Guerra terá depois regularisado as Actas, mas affirmo que não estão assignadas por mim, e creio que o mesmo por alguns dos meus Collegas. (O Sr. A. Albano — Apoiado) Não me

Página 20

(20)

lembra de fallar em rabiscas, ou escrevinhar, mas se o disse, retiro a fraze, e só queria exprimir essa ideia de apontamentos sem regularidade: tendo a accrescentar, que das conferencias em minha casa, e no Governo Civil, sobre o negocio de que se tem tractado relativo ás Obras Publicas, não só se não fez Acta, mas nem mesmo se tomaram apontamentos nessa occasião. O processo foi simplesmente oral.

Concluo dizendo, que não sou homem que ataque pelas costas; mas entendo, como homem de bem, a quem se pertende lançar desfavor em sua honra e caracter, que não posso esperar, que se consiga a difficuldade que ha de estar presente o Sr. Presidente do Conselho, para repellir a aggressão injusta. No momento e logar em que se faz a offensa, deve logo apparecer desaggravo. (Apoiados, muito bem)

O Sr. Presidente: — A Ordem do Dia para ámanhã são Commissões, e para depois são os Projectos n.ºs 103, 48, 8, e 9. Está levantada a Sessão. Eram quatro horas e um quarto da tarde,

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×