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N.° 47

SESSÃO DE 18 DE MARÇO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os exmos. srs.:
Antonio Teixeira Sousa
Matheus Teixeira de Azevedo

SUMMARIO

Lêem-se na mesa tres officios, dois do ministerio da marinha e um do das obras publicas. - O sr. Theophilo Ferreira insiste no seu pedido de documentos, e apresenta um requerimento. - O sr. Abilio Lobo, perguntando por documentos que pedíra, e que considera indispensaveis para realisar a sua interpellação ao sr. ministro da justiça, pede ao governo que olhe pela situação do operariado, faz algumas considerações sobre uma declaração do sr. ministro do reino e manda para a mesa uma proposta, cuja urgencia a camara não reconhece. - O sr. presidente dá uma explicação. - O sr. Moraes Sarmento apresenta um parecer da commissão de infracções. - O sr. presidente dá conta de uma representação que lhe fôra enviada por donos de fabricas de alcool. - O sr. Alberto Pimentel apresenta um parecer das commissões de administração publica e de obras publicas, reunidas. -Trocam-se explicações entre os srs. Arriaga e presidente sobre a entrada, em tabella, dos projectos dados para ordem do dia. - O sr. Arriaga apresenta uma proposta, para a qual pede a urgencia. A camara não reconhece a urgencia da referida proposta, que fica para segunda leitura. - O sr. Costa Moraes apresenta um projecto de lei. - O sr. Ruivo Godinho lamenta que a camara não houvesse approvado a urgencia da proposta do sr. Arriaga, esperando que a approve a segunda leitura; apresenta um projecto de lei, e pretende chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o serviço do caminho de ferro da Beira Baixa. - O sr. Avellar Machado apresenta um requerimento, e pede que entrem em discussão alguns projectos. A camara, resolvendo affirmativamente, approva os projectos nos. 21, 22, 23 e 4 sem discussão. - O sr. Francisco de Campos declara concordar com a proposta do sr. Arriaga, ácerca da qual faz algumas considerações. - O sr. Costa Pinto pede que o governo de trabalho aos operarios que d'elle careçam. - O sr. presidente do conselho declara que dará trabalho aos operarios que o pedirem. - Dá-se conta da ultima redacção dos projectos de lei nos. 4, 21, 22 e 23. - O sr. Francisco Machado apresenta um projecto de lei sobre o alcool, cuja urgencia a camara reconhece, e manda para a mesa uma representação. - O sr. Adriano Monteiro manda para a mesa uma representação. - O sr. Torres Fevereiro justifica faltas ás sessões.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto da lei de meios na generalidade e especialidade. - O sr. Fuschini, como questão prévia, apresenta, uma proposta, que largamente fundamenta, e a qual, sendo admittida, fica em discussão conjunctamente com o projecto. - O sr. Possollo de Sousa discursa largamente, contestando algumas verbas do projecto, e lembrando novos meios de receita; conclue por ler a sua moção. - O sr. presidente do conselho declara destituidas de fundamento as noticias dadas pela imprensa sobre as bases combinadas entre o governo e os representantes dos portadores de titulos da divida externa. - O sr. Carrilho, relator, responde ao discurso do sr. Possollo de Sousa. - O sr. Dias Costa, tendo a palavra para antes de se encerrar a sessão, discursa ácerca do ultimo concurso para lentes da escola do exercito, manda para a mesa um requerimento e faz algumas considerações com relação á reforma da mesma escola.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 44 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto José Pereira Leite, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduaudo de Jesus Teixeira, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco do Barros Coelho e Campos, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João Alves Bebiano, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Simões Ferreira, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Julio Rodrigues, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luciano Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel de Arriaga, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Vieira de Andrade, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Arroyo, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Cardoso, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Mota, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Frederico Ressano Garcia, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Eduardo Sotto Maior de Lencastre e Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Dias Ferreira, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira doa Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, José de Sampaio Torres Fevereiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel d'Assumpção, Manuel Pinheiro Chagas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Victor da Costa Sequeira e Tito Augusto de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Ennes, Antonio José Pereira Borges, Antonio Maria Jal-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

les, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros Sá, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Caetano Pereira Sanches de Castro, Conde do Covo, Conde de Villa Real Eduardo Abreu, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José de Medeiros, Francisco Severino de Avelar, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, João de Barros Mimoso, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Antonio de Almeida, José Bento Ferreira de Almeida, José Freire Lobo do Amaral, José Maria Charters Henrique de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, José Simões Dias, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Julio Antonio Luna de Moura, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro de Lencastre (D.), Roberto Alves de Sousa Ferreira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da marinha, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado F. J. Machado, que nenhuma correspondencia postal ou telegraphica do actual governador geral da provincia de Moçambique se refere especificadamente a actos do seu antecessor.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo nota dos subsidios pedidos pelo sr. deputado F. J. Machado em sessão de 27 de maio ultimo, e que foram pagos por este ministerio.
Para a secretaria.

Do ministerio das obras publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Adriano Monteiro, copia do parecer do procurador geral da corôa e fazenda a respeito da abolição do celleiro commum de Borba.
Para a secretaria.

REPRESENTAÇÕES

De proprietarios e representantes de fabricas de alcool do Porto, pedindo que seja alterada a proposta de lei, apresentada em 4 do corrente mez pelo sr. ministro da fazenda e relativa aos alcooes, no sentido de lhes serem garantidos os seus interesses.
Apresentada pelo sr, presidente da camara, enviada á commissão respectiva e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Arraiolos, pedindo auctorisação para augmentar de mais 6 por cento a actual percentagem de 50 por cento sobre as contribuições geraes do estado.
Apresentada pelo sr. deputado Adriano Monteiro e enviada á commissão de administração publica.
Dos empregados do governo civil de Leiria, pedindo a revogação da lei de meios de 30 de junho proximo passado, na parte que os privou dos emolumentos provenientes de passaportes a nacionaes.
Apresentada pelo sr. deputado F. J. Machado, enviada á commissão do orçamento e mandada publicar no Diario do Governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, com urgencia, me sejam fornecidos, pelas respectivas direcções, no ministerio das obras publicas os seguintes documentos:
1.° Nota das despezas efectuadas, desde 1886, com a construcção e instlláção de pharoes, pharolins, luzes de porto e signaes sonoros no continente do reino e ilhas adjacentes;
2.° Nota dos pharoes, pharolins, luzes de porto e signaes sonoros construidos e em construcção, e verbas despendidas com cada um, desde a publicação da lei de 23 de março de 1883;
3.° Nota das causas que motivaram a transferencia da execução das obras dos pharoes, pharolins, luzes de porto e signaes de porto da respectiva repartição technica para a de obras publicas, em 1886. = O deputado, Theophilo Ferreira.

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada a nota de todos os estudos já realisados para se dar cumprimento á portaria de 17 de agosto de 1891, publicada no Diario do governo n.° 184, de 20 d'aquelle mez, ácerca das remodelações a introduzir no serviço de conducção de malas do correio, tendo em vista a reducção na respectiva despeza. = Avellar Machado.

Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios da guerra, sejam remettidos, com a possivel brevidade, a esta camara, os seguintes documentos, originaes ou copias:
1.° Officio da escola do exercito á secretaria da guerra, de 3 de novembro do 1891, e programma annexo;
2.° Officio da secretaria da guerra á escola do exercito, de 13 de novembro de 1891, em resposta ao mencionado officio de 3 de novembro;
3.° Officio da escola do exercito á secretaria da guerra, de 16 de novembro de 1891, e programma annexo;
4.° Declaração 14.ª da ordem do exercito n.° 33 de 18 de novembro de 1891;
5.° Nota da direcção geral da secretaria da guerra, declarando se até ao dia 15 de janeiro ao anno corrente foi apresentada na mesma secretaria d'estado qualquer reclamação contra as disposições do programma e declaração a que se referem os nos. 3.° e 4.° d'este requerimento;
Officios da repartição do gabinete e da terceira repartição da direcção geral da secretaria da guerra de 23 de janeiro de 1892, e officio da escola do exercito que motivou aquelles dois;
7.° Officio da escola do exercito á secretaria da guerra de 4 do corrente mez, resposta da mesma secretaria em 5. = F. F. Dias Costa.
Mandou se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTA

Participo a v. exa. e á camara que tenho faltado a a umas sessões por motivo justificado. = José de Sampaio Torres Fevereiro.
Para a secretaria.

O sr. Theophilo Ferreira: - Desejava saber se já foi satisfeito o pedido que fiz na sessão de 9 do corrente. O sr. Presidente: - Ainda não foi satisfeito.

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O Orador: - Cumprindo a minha promessa, mando para a mesa um novo requerimento impresso, para me poupar ao trabalho de estar a escrever um todos os dias. E assim continuarei.
O requerimento vae publicado a pag. 2 d'este Diario.

O sr. Abilio Lobo: - Desejava saber se já chegaram á mesa alguns documentos que pedi ha já algumas sessões, pelos ministerios do reino e da justiça, tendentes a habilitar-me para eu discutir aqui com o sr. ministro da justiça negocios relativos á administração da justiça, na comarca de Oliveira de Azemeis.
O sr. Presidente: - Ainda não vieram.
O Orador: - Peço a v. exa. que inste novamente por elles. A sessão está a chegar ao seu termo natural, e eu preciso interpellar o sr. ministro da justiça sobre esse assumpto.
Alguns factos que se deram n'aquella comarca motivaram, não digo um justo, mas desculpavel desforço da parte de alguns individuos. Estou convencido que esses individuos se excederam no desforço que tomaram; mas o facto é que elles apenas fizeram o que é natural que se faça, quando alguem se vê perseguido por arbitrariedades. Perderam a cabeça e commetteram actos que podem, ser desatinos. Esses individuos foram ultimamente levados á audiencia, que não se levou a effeito em virtude de um dos pretendidos réus, commovido por se encontrar n'aquella situação em presença de um grande apparato bellico que o juiz fez dentro e fóra do tribunal, em forças de infanteria e cavallaria, foi atacado de doença repentina. Esse homem teve uma congestão e morreu, deixando viuva e orphãos. Não attribuo, é certo, a responsabilidade da morte ao juiz, mas attribuo-a aos factos que occorreram n'aquella comarca. É preciso evitar que este estado de cousas se prolongue n'aquella comarca e é pois por isto que insisto para verificar a minha interpellação ao sr. ministro da justiça.
V. exa. comprehende que sem esses documentos não posso realisar e é absolutamente indispensavel fazel-o antes de se encerrar o parlamento.
Eu lastimo a ausencia dos srs. ministros, pelo menos d'aquelles ministros que, segundo a doutrina do sr. conselheiro Dias Ferreira, deviam estar n'esta casa, aquelles que podem cá vir e têem assento n'ella. Eu tenho de tratar de alguns assumptos que precisam necessariamente da presença de qualquer membro do governo, pois que me são indispensaveis respostas. Occupar-me-hei, pois, primeiramente d'aquelles assumptos que poderei fallar sem que urgentemente precise da presença de qualquer membro do poder executivo.
Eu pedia a este governo, como já pedi ao governo transacto, que olhasse attentamente para as circumstancias em que está o operariado portuguez.
É facto averiguado que, por falta de trabalho, muitas familias honestas, pertencentes a operarios, estão passando as maiores miserias. Este facto, que é averiguado e demonstrado, carece da solicitude do governo.
É possivel que o governo não possa occupar todos os braços disponiveis; mas o governo tem obrigação, e, a meu ver, restricta obrigação, de attender á miseria e de matar a fome a quem a soffre.
Lembrei já por mais de uma vez que se instituisse uma sopa economica, para se soccorrer quem anda faminto.
Eu entendo que no meio d'essa gente esfomeada, anda porventura alguem que trata de explorar a candura dos operarios, que trata de especular com a situação do operariado, e parece-me que era de boa administração destrinçar bem quem tivesse verdadeira necessidade de soccorro d'aquelles que aproveitam a occasião para vadiar e para pedir esmola de chapéu na cabeça; é necessario destrinçar os que têem fome daquelles que se encobertam com a miseria alheia, e que têem um modo pouco exemplar de se dirigirem aos transeuntes.
Portanto, peço pão para os que têem fome e algum pau para os que são incorrigiveis.
Lembrei tambem já por varias vezes que se torna indispensavel que o governo, ou auxilie a santa casa da misericordia, para ampliar a sopa economica que já distribue, ou a estabelecesse por sua conta em mais larga escala, de maneira que se possa acudir á miseria que é verdadeira, e de modo que se eliminem os pretextos para perturbações de ordem publica.
Agora vou referir-me a um assumpto que reputo importante.
Depois que o sr. Dias Ferreira, que não está presente, mas que lerá as minhas palavras no extracto da sessão, teve que fallar um pouco coagido para responder á interpellação do sr. Elvino de Brito, ácerca dos lanificios para o exercito, o sr. conselheiro Dias Ferreira, digo, faz aqui afirmações muito para meditar e que não podem passar sem reparo.
Vou ler as declarações que s. exa. fez sobre a vinda ou não vinda do sr. ministro da guerra á camara.
Disse s. exa.:
«Elle devia lembrar que o sr. ministro da guerra não era par nem deputado, o que não lhe tirava o direito de entrar na camara, mas tambem não lhe impunha a obrigação de vir a ella senão quando lhe fosse annunciada qualquer interpellação.»
De maneira que o sr. Dias Ferreira entende que só tem obrigação de vir á camara quem tem assento em qualquer das casas do parlamento. Ministro que não tiver assento na camara dos deputados ou na camara dos pares não é obrigado a vir ao parlamento, salvo sendo-lhe annunciada qualquer interpellação. Pois o sr. ministro da guerra, que ainda não veiu ao parlamento, apesar das vivas solicitações de alguns dos seus membros, annunciada que lhe foi uma interpellação, e apesar da doutrina do seu presidente do conselho, teve o procedimento correctissimo de não vir responder á interpellação annunciada.
Acatando o artigo 84.° do nosso regimento, eu não posso deixar passar em julgado uma affirmação d'esta ordem, que vae prejudicar os meus direitos e os de toda a camara, sem um protesto condigno. Os absurdos que resultariam da doutrina do sr. presidente do conselho, alem de atacar os direitos dos deputados da nação, seriam de um comico irresistivel.
V. exa. comprehende que, se a tal doutrina fosse verdadeira e fosse applicada aos srs. ministros d'estado antes da promulgação do novo acto addicional, haveria um momento em que a esta casa do parlamento não poderia vir nenhum membro do poder executivo.
Aquelles que fossem pares não seriam obrigados a vir aqui, segundo a doutrina do, sr. conselheiro José Dias Ferreira; os que fossem deputados, tendo perdido o seu logar de deputados, não seriam tambem obrigados a assistir ás sessões, de fórma que, para ministros da teimosia e respeito parlamentar como o actual sr. ministro da guerra, haveria occasiões em que o parlamento não existiria.
Disse ainda o nobre presidente do conselho:
«A propria carta constitucional determinava que os srs. ministros podessem mandar pelos seus collegas as propostas de lei.»
Digam-me com franqueza, que importa isto para se executar o artigo 84.° do nosso regimento? A faculdade que um ministro tem de mandar por outro as proposta de lei em nada prejudica a sua obrigação de vir aqui responder ás perguntas que se lhe façam. Continua o illustre conselheiro sr. José Dias Ferreira:
«Era evidente que os ministros precisavam do apoio e confiança parlamentares; mas as suas attribuições eram muito distinctas, e por isso havia a divisão dos poderes.»
Triste modo de angariar o apoio e confiança parlamentares! Desconsiderar o parlamento, e ainda em cima ironisal-o, fallando da necessidade do seu apoio e confiança. O

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sr. ministro da guerra não assiste ás sessões do parlamento, instado por varios deputados, não vem a esta camara, e, mangando com esta tropa, ainda lhe manda pedir por procuração o seu apoio. Francamente, isso parecia troça de mais.
Mas, sr. presidente, é exactamente por haver divisão de poderes que o parlamento tem a obrigação de fiscalisar os actos, as obras ou serviços que prestam ou praticam os membros do poder executivo, e como cumprir esse dever-se ministros ha que se negam a vir dar á camara explicações dos seus actos e se ha um presidente do conselho que sustenta a peregrina doutrina de que ministros ha que não têem obrigação de aqui vir?!
Ainda mais nos disse o sr. presidente do conselho:
«Imaginava alguem que o sr. ministro da guerra estava fazendo menos serviço na sua secretaria do que vindo á camara assistir aos torneios parlamentares?»
Não sei se o sr. conselheiro Dias Ferreira se referiu a mim quando lançou esta phrase; se é a mim que essa phrase se refere, eu tenho a responder que não duvido nada de que os serviços que está prestando o sr. ministro da guerra são dos mais importantes; mas do que não duvido tambem é de que estou aqui no pleno uso de um direito e no cumprimento de um dever, e, no uso desse direito, tenho de perguntar ao sr. ministro da guerra por muitos actos seus que importam á boa administração d'aquella mesma secretaria d'estado.
Torneios parlamentares, disse o notavel estadista.
Evidentemente é ironica esta phrase do sr. conselheiro José Dias Ferreira, e parece-me um pouco fóra de cabimento se a mim foi dirigida.
Eu, sr. presidente, não sou d'aquelles que têem descido á liça sendo espreitados e applaudidos pela dama dos seus pensamentos. Eu quando fallo aqui tenho sempre ausencia completa de espectadores principalmente femininos.
Postas assim as cousas no são, sustentada a verdadeira doutrina, eu vou demonstrar á camara que não quero criar attritos ao governo, que não quero collocal-o n'uma posição embaraçosa e insustentavel.
Salvaguardados os direitos e prerogativas dos deputados da nação posso transigir com os caprichos do sr. ministro da guerra, e isso conseguir-se-ha approvando-se a proposta que vou ter a honra de mandar para a mesa e para a qual peço a urgencia.
«Considerando que o artigo 84.° do regimento da camara dos senhores deputados auctorisa estes a fazer perguntas aos ministros antes da ordem do dia;
«Considerando que a larga pratica do systema parlamentar, no nosso paiz, ainda que o regimento o não auctorisasse, tinha conferido esse direito aos deputados da nação;
«Considerando que todos os membros, á excepção do ministro da guerra do actual ministerio, têem respeitado esse citado artigo 84.° do regimento, conformando-se com essa longa praxe;
«Considerando que o actual sr. ministro da guerra, reclamado por muitas vezes por varios deputados da nação, e frequentemente instado pelo digno presidente d'esta camara, para que compareça ás suas sessões, systematicamente o não tem feito;
«Considerando que a camara dos senhores deputados não deve, com o seu silencio, sanccionar tão grande abuso, attentatorio dos seus direitos e prerogativas;
«Considerando que uma censura aspera e um procedimento energico por parte da camara dos senhores deputados, para com o actual ministro da guerra, de fórma a fazer cumprir os deveres d'este e a respeitar os direitos d'aquella, poderia provocar uma crise politica, assás perigosa e prejudicial n'este momento:
«Proponho:
«Que a camara, dos senhores deputados dispense o actual ministro da guerra de comparecer ás suas sessões.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 18 de março de 1892. = O deputado da nação, Abilio Eduardo da Costa Lobo.»
Como v. exa. muito bem comprehende, uma de duas acontece, ou a camara vota esta proposta, e o sr. ministro da guerra fica por nossa deliberação, isto é, abdicando nós temporariamente de um direito, dispensado de vir ao parlamento, ou a camara rejeita a proposta, e o sr. ministro da guerra ipso facto fica obrigado a vir aqui.
Como v. exas. comprehendem, desde que o sr. Dias Ferreira veiu aqui affirmar a doutrina que consta do extracto das sessões, por mim lido ha pouco, isto não é uma questão de um deputado, é uma questão da camara toda. No emtanto v. exas. farão o que julgarem conveniente, tendo todavia em attenção que, cedendo agora de um direito, porventura amanhã verão cerceados outros mais importantes. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - O sr. deputado Abilio Lobo mandou para a mesa uma proposta precedida de differentes considerandos, um dos quaes é o seguinte:
«Considerando que o actual ministro da guerra, reclamado muitas vezes por varios deputados da nação, e frequentemente instado pelo digno presidente d'esta camara para que compareça ás suas sessões, systematicamente o não tem feito.»
Ora eu tenho a dizer que não instei pela comparencia do sr. ministro da guerra, nem tenho faculdade no regimento para o fazer. Unicamente a minha acção se tem limitado a communicar ao sr. ministro da guerra e aos outros ministros que alguns srs. deputados desejam fazer-lhes perguntas; mas a minha acção não póde ir até ao ponto de instar que compareçam, porque não tenho faculdade para isso.
O sr. Abilio Lobo: - V. exa. já tem pedido com instancia a sua comparencia?
O sr. Presidente: - Não tenho pedido, porque não posso pedir cousa nenhuma. Nem o regimento, nem a carta, nem outro qualquer diploma me dão essa faculdade. Unicamente me tenho limitado a communicar ao sr. ministro da guerra, ou aos outros ministros, que qualquer sr. deputado lhes deseja fazer perguntas sobre este ou aquelle assumpto; e em outras occasiões tenho me limitado a fazer transmittir-lhes, pela secretaria, os extractos das sessões para que fiquem scientes das perguntas que se lhes fazem e por essa fórma habilitarem-se a responder.
Cora relação ás perguntas do sr. Manuel de Arriaga procedi do mesmo modo.
Portanto, este considerando contém algumas palavras que não frisam fielmente a fórma do meu proceder.
Vae ler-se a proposta do sr. Abilio Lobo, para ser ou não votada a sua urgência.
Leu-se a seguinte:

Proposta
Considerando que o artigo 84.° do regimento da camara dos senhores deputados auctorisa estes a fazer perguntas aos ministros antes da ordem do dia;
Considerando que a larga pratica do systema parlamentar, no nosso paiz, ainda que o regimento o não auctorisasse, tinha conferido esse direito aos deputados da nação;
Considerando que todos os membros, á excepção do ministro da guerra do actual ministerio, tem respeitado esse citado artigo 84.° do regimento, e conformando-se com essa longa praxe;
Considerando que o actual ministro da guerra, reclamado por muitas vezes por vários deputados da nação, e frequentemente instado pelo digno presidente desta camara, para que compareça ás suas sessões, systematicamente o não tem feito;
Considerando que a camara dos, senhores deputados não deve, com o seu silencio, sanccionar tão grande abuso attentatorio dos seus direitos e prerogativas;
Considerando que uma censura aspera e um procedimento energico por parte da camara dos senhores deputa-

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dos, para com o actual ministro da guerra, de fórma a fazer cumprir os deveres d'este e a respeitar os direitos d'aquella, poderia provocar uma crise politica, assás perigosa e prejudicial n'este momento:
Proponho:
Que a camara dos senhores deputados dispense o actual ministro da guerra de comparecer ás suas sessões.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 18 de março de 1892. = deputado da nação, Abilio Eduardo da Costa Lobo.
Foi rejeitada a urgencia, ficando para segunda leitura.

O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa o, parecer da commissão de infracções, relativo á proposta do sr. Manuel de Arriaga, propondo a accusação do ex-ministro da fazenda sr. Marianno de Carvalho.
Mando igualmente os documentos que foram enviados á mesma commissão e que serviram de base para ella dar o seu parecer. Peço a v. exa. que os mande pôr na secretaria á disposição de todos os srs. deputados que os queiram consultar.
O sr. Presidente: - Foi-me enviada uma representação de proprietarios e representantes de fabricas de alcool do Porto, pedindo alterações na proposta de lei relativa ao regimen do alcool.
Esta representação vae ser enviada á commissão respectiva.
Foi auctorisada a sua publicação no Diario do governo.
O sr. Alberto Piinentel: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica sobre um projecto auctorisando a camara municipal de Cascaes a desviar uma certa quantia dos cofres da viação.
Mando tambem para a mesa ,a seguinte proposta em nome da commissão de instrucção primaria e secundaria.
O parecer mandou-se imprimir.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que seja aggregado á commissão de instrucção primaria e secundaria o sr. deputado Alves Passos. = Alberto Pimentel.

oi approvada.

O sr. Mannel de Arriaga: - Pedi a palavra para levantar mais uma vez esta velha questão de regularisar os trabalhos parlamentares com algumas garantias para as poposições, sobretudo para a opposição republicana, que não póde nem por convenios, nem por accordos, estar de leve ao facto dos mysterios da administração do estado. Eu comprehendo que entre os partidos monarchicos haja hoje uma tal harmonia; que os que estão d'este lado saibam o que dizem os que estão d'aquelle lado; eu é que nada sei, estou completamente separado de qualquer accordo.
(Interrupção do sr. Beirão.)
Que bom seria que v. exas. estivessem todos separados segundo os seus ideiaes, unidos apenas sob as suas bandeiras politicas...
O que é certo é que eu não posso adivinhar a ordem dos trabalhos parlamentares.
E como quer s. exa, sr. presidente, com a imparcialidade que o caracterisa (Apoiados.) e a que eu n'este momento presto homenagem (Apoiados.); como quer s. exa. que um deputado na minha posição se habilite a entrar no debate de dez pareceres, que tantos são os que estão dados para ordem do dia (nove que estão na tabella e um que entra agora); como ha de um deputado da opposição habilitar-se, com consciencia e com estudo, a entrar na discussão?
Já apresentei uma medida, que obviava a este estado de cousas, no interesse de nós todos; mas esta minha proposta foi para a commissão respectiva e lá morreu.
Apresentou-se ante-hontem n'esta casa um projecto de resposta ao discurso da corôa, que não tinha sido indicado para entrar na ordem do dia.
O sr. Presidente: - O projecto de resposta ao discurso da corôa estava na tabella ha muitos dias.
O Orador: - O que tinha pedido da outra vez e que peço de novo, é que, independentemente do parecer ser posto na tabella, indique-nos s. exa. na vespera o numero dos projectos que entram em discussão e a ordem por que elles entram.
O sr. Presidente: - Parece-me que tenho feito sempre a leitura dos projectos que devem entrar em discussão.
O Orador: - V. exa. não annunciou a discussão da resposta ao discurso da corôa.
Ora, como v. exa. tem nove projectos para escolher, escolhe dois ou tres, diz-nos os numeros d'esses projectos e a ordem por que entrarão e já temos vinte e quatro horas para estudarmos o assumpto.
O sr. Presidente: - Fiz exactamente isso na ultima sessão, li o numero do projecto de resposta ao discurso da corôa. (Muitos apoiados.)
O Orador : - Eu não ouvi.
O sr. Presidente: - Eu leio de sorte que todos os srs. deputados ouçam. (Apoiados.) Consta dos annaees da camara que eu fiz a declaração de que entraria na primeira parte da ordem do dia a discussão da resposta ao discurso da corôa.
O Orador: - Com relação ao parecer apresentado ha pouco, eu mando para a mesa um requerimento ou proposta, que altera um pouco o pedido feito pelo sr. relator, e vem a ser.
(Leu.)
O sr. relator pediu que os documentos fossem para a secretaria. Ora, imagine v. exa. a posição em que ficam os deputados que quizerem examinar esses documentos, a não ser que houvesse um praso de oito ou dez dias, para poderem ir á secretaria a certas e determinadas horas a fim de estudarem esses documentos. O que se deve fazer é imprimil-os e distribuil-os, porque a verdade é que têem valor sempre, e quem d'ella se arreceia, é porque suppõe que ella molesta alguem.
Como estou com a palavra, chamo ainda a attenção de s. exa. para a situação especial e diificil em que me vejo collocação. Se venho cedo para a camara, não vejo aqui nenhum membro do governo; se venho um pouco tarde de mais, os ministros já não respondem antes da ordem do dia. Outro dia, o sr. presidente do conselho deu-se por habilitado para responder ás minhas perguntas, sobre as notas do banco emissor, mas v. exa. disse-me que já não teria tempo para isso. O que eu desejava portanto era que o sr. presidente do conselho designasse um dia certo para vir responder ás minhas perguntas; e como s. exa. não está presente, eu pedia a v. exa. que convidasse o sr. presidente do conselho a marcar dia, quando entender, para vir responder ás minhas perguntas, comtanto que se saiba ao certo o dia em que s. exa. vem.
E para terminar por hoje lembro ainda a necessidade de por decoro parlamentar, e para garantia dos nossos direitos, empregarem-se todos os esforços para que sejam enviados á camara os documentos por nós pedidos ao governo.
Se fosse possivel que algum deputado pedisse documentos sómente com o fim de embaraçar a marcha do governo ou dos trabalhos parlamentares, eu comprehendia ainda que o governo não empregasse uma grande actividade e zêlo para satisfazer esses pedidos; mas desde que nós pedimos documentos unicamente com o fim de nos habilitarmos para o exame dos differentes assumptos sujeitos á nossa apreciação, o dever rigoroso do governo é não faltar á remessa d'esses esclarecimentos. Em 1890, creio eu, pedi que fosse enviado á camara o parecer da procuradoria geral da corôa sobre o processo da fava, e que esse parecer

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

fosse depois publicado. Estamos em 1892, e ainda não chegou esse parecer, creio eu. Portanto, pedia a V. exa. que usasse da sua auctoridade, que é grande, para que esse documento fosse enviado á camara, e publicado no Diario do governo para esclarecimento de todos nós.
Concluo, pedindo a urgencia da minha proposta.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Requeiro que o parecer da commissão de infracções sobre a minha proposta para accusação do ex-ministro da fazenda Marianno Cyrillo de Carvalho, e dos mais que com elle se mostrassem culpados, seja impresso com os documentos que foram consultados e serviram de base ao parecer, é distribuido por todos os deputados, em harmonia com o artigo 134.° do regimento da camara. = O deputado, Manuel de Arriaga.

O sr. Presidente: -Vou consultar a camara sobre a urgencia da proposta do sr. Arriaga.
Foi rejeitada a urgencia, ficando para segunda leitura.
O sr. Moraes Sarmento: - Não tendo a camara approvado a proposta do sr. Arriaga, desisto da palavra que tinha pedido como relator do parecer.
O sr. Costa Moraes: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorisando a camara municipal do concelho de Villa Flor a desviar do cofre de viação uma determinada quantia para as obras do encanamento de aguas.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, antes de entrar no assumpto para que pedi a palavra, permitta-me v. exa. que eu me refira primeiro á votação que acaba de ter logar.
Lamento profundamente que a camara não tivesse votado a urgencia da proposta do sr. deputado Manuel de Arriaga, que pede a publicação dos documentos a que se refere o parecer da commissão de infracções sobre a proposta do mesmo sr. deputado para que seja decretada a accusação do sr. Marianno Cyrillo de Carvalho.
Eu desejava que a camara votasse a urgencia da referida proposta e que logo em seguida annuisse á publicação dos documentos, a que se refere o sr. Arriaga.
Faço esta declaração, em meu nome, e não da commissão, a que tenho a honra de pertencer, porque não tenho auctorisação para isso, nem sei qual é a este respeito a opinião dos meus collegas, que não consultei. Mas não me preoccupo com isso, porque,:qualquer que seja a opinião dos meus collegas, a minha é que se devem publicar todos os documentos que possam esclarecer a camara e o publico, e folgo de ter este ensejo de manifestar esta opinião, porque eu desejo que todos os srs. deputados possam votar com conhecimento de causa, como eu votei, e que o publico, que quizer ser imparcial, possa avaliar tambem com conhecimento de causa a parcialidade ou imparcialidade do voto de cada um.
N'uma questão d'esta magnitude toda a luz será pouca para se ver bem; mas ao menos faça-se diligencia por se ver tudo. Não basta que os documentos figurem na secretaria á disposição dos srs. deputados, é bom que cada um os tenha em sua casa bem á mão para os examinar bem á sua vontade e pausadamente, como convém.
E não basta que os vejam os deputados que hão de julgar, é preciso que os veja tambem o publico, que não póde vir á secretaria da camara; por isso é que julgo, que devia votar-se a urgencia da proposta do. sr. Arriaga, e espero que a camara, compenetrada d'estas rasões, senão votou a urgencia talvez por se não ter percebido de que se tratava, não deixará de votar ámanhã a proposta, quando essa tiver a segunda leitura.
Felicitando-me por ter tido occasião de manifestar a minha opinião a respeito da proposta do sr. Arriaga, vou agora ao motivo ou fim para que tinha pedido a palavra, que é para, apresentar um projecto de lei, que tem por fim a creação de um officio de tabellião de notas na villa de Olleiros, da comarca da Certã.
Peço á camara me dispense da leitura do projecto, para lhe poupar o incommodo de o ouvir, mas para a camara ver já a justiça d'este projecto basta dizer-lhe que a villa de Olleiros não tem tabellião senão a 20 kilometros de distancia através, de serras quasi inaccessiveis; e por esta simples declaração poderá calcular quantos contratos e quantos testamentos deixarão de se fazer por falta de tabellião e com grande prejuizo do proprio thesouro, e que por isso deixa de receber as contribuições a que elles dariam logar.
Para isto é que eu tinha pedido a palavra; mas se v. exa. me dá licença aproveito tambem a accasião para me referir a um outro assumpto e chamar a attenção de v. exa. para o modo por que se satisfaz aos pedidos d'esta camara.
Em dezembro passado pedi eu nota das cadeiras que estavam fechadas na universidade de Coimbra com indicação do motivo por que isso acontecia.
Não me sendo remettida logo essa nota, instei mais tarde por ella e por fim
foi-me enviada, não a nota que eu tinha pedido, que, como disse, era de quantas cadeiras estavam fechadas na universidade, mas uma nota dos lentes que estavam ausentes, que aliás eram em numero de vinte.
Ora, sr. presidente, não era isto que eu pedia e não devia por isso ser isto que me deviam dizer.
Já me não é precisa a nota que eu pedia, porque o fim que eu tinha em vista foi prevenido com a reforma do conselho superior de instrucção publica, e com a extincção da inspecção permanente de instrucção secundaria, que tinham arredado muitos lentes da regencia das suas cadeiras com grave prejuizo do ensino; mas não posso deixar de protestar contra esta sophismação do pedido; e se não fosse aquelle motivo de estar prevenido o meu fim, eu havia de empregar todos os meus esforços para que se satisfizesse rigorosamente a minha requisição.
Queria referir-me novamente ao modo por que se faz o serviço dos comboios na linha ferrea da Beira Baixa a que já aqui me referi; queria dizer ao sr. ministro das obras publicas que as linhas continuam como estavam no estado anterior ás observações, que eu tive occasião de fazer aqui e ás promessas e boas esperanças que o sr. ministro me deu, apesar das suas boas palavras e até dos seus bons desejos, porque as communicações com a Beira Baixa continuam a ser mais demoradas do que eram antes do caminho de ferro, e tudo no mesmo estado ou peior e a companhia real a importar-se pouco de quem soffre; mas como o sr. ministro das obras publicas não está presente, aproveitarei uma occasião em que s. exa. aqui esteja para lhe fazer algumas ponderações sobre este assumpto e outro da sua pasta.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Avellar Machado: - Mandou para a mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada a nota de todos os estudos já realisados para se dar cumprimento á portaria de 17 de agosto de 1891, publicada no Diario do governo n.° 184, de 20 d'aquelle mez, acerca das remodelações a introduzir no serviço de conducção de malas do correio, tendo em vista a reducção na respectiva despeza. = Avellar Machado.»
Pediu que se instasse pela remessa urgente d'estes documentos, por se tratar de um assumpto importante, e em que se póde fazer uma economia consideravel.
Pediu que entrassem em discussão os projectos n.° 4 e outros, que já estão em ordem do dia.
O requerimento mandou-se expedir.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se

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SESSÃO N.° 47 DE 18 DE MARÇO DE 1892 7

permitte que entrem em discussão os projectos indicados no pedido do sr. Avellar Machado.
A camara resolveu afirmativamente.
Leram-se os seguintes:

PROJECTO DE LEI N.° 21

Senhores. - A vossa commissão de legislação civil examinou com todo o cuidado a proposta de lei n.° 12-C, e pelas rasões expostas no relatorio que a precede, tem a honra de sujeitar á vossa esclarecida apreciação, de accordo com o governo, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A comarca de Odemira fica dividida nos cinco districtos de juizo de paz constantes, da tabelia junta.
Art. 2.° Os actuaes funccionarios dos districtos de paz a que esta lei se refere deixarão de ter competencia para exercer as suas attribuições dentro da area dos districtos agora indicados, quaesquer que ellas sejam, desde que seja nomeado e ajuramentado o novo pessoal.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em, contrario.

Tabella dos districtos de paz da comarca de Odemira a que se refere o projecto que antecede

[Ver tabela na imagem]

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 9 de março de 1892. = Joaquim Germano de Sequeira = Pinto Moreira = Amandio Eduardo da Mota Veiga = Custodio Joaquim da Cunha e Almeida = Eugenio Augusto Ribeiro de Castro = Manuel d'Assumpção = Jacinto Candido da Silva = João de Paiva.

N.º 12-C

Senhores deputados da nação. - Para a conveniente administração da justiça e bem entendida commodidade dos povos, são divididas as comarcas em differentes circumscripções compostas de uma ou mais freguezias.
Essas circumscrições têem o nome de districtos de juiz de paz, conservando assim o antigo nome, embora sejam differentes as attribuições que por lei pertencem aos actuaes juizes de paz.
Já eram muito imperfeitas essas antigas divisões creadas pelos decretos de 15, 18, 20, 27, 28 e 30 de outubro e 2, 6, 8, 12, 15, 16, 19, 22 e 24 de novembro de 1841; e essa imperfeição accentua-se hoje muito mais.
Concorreu para isso a mudança de freguezias de umas para outras comarcas, a mudança de algumas sédes de comarca, a creação de novas comarcas, as novas attribuições dadas ultimamente aos juizes de paz e as alterações de progresso ou de decadencia a que estão sujeitas as povoações pela differença de condições economicas em que ordinariamente se encontram passadas que sejam algumas dezenas de annos.
Essas é outras causas dão em resultado que n'uma boa parte das comarcas a divisão tal qual está toca as raias do absurdo, e bem longe de satisfazer ao seu fim, antes cria por vezes embaraços o n'uma grande par dos casos
os juizes de paz mal podem com a indispensavel promptidão que os negocios judiciaes reclamam e com a conveniente commodidade sua e dos povos satisfazer á sua importante missão.
Não é raro o encontrarem-se divisões em que pertencem a concelho differente, a comarca differente e até a districto differente, algumas das freguezias ou a séde do districto do juiz de paz, resultando d'ahi não só os inconvenientes já apontados, mas ainda outros, taes como os de um tabellião de comarca alheia (escrivão de paz), ir exercer as funcções de tabellião noutra comarca, isto é, nas freguezias que pertencem ao juizo de paz, mas que fazem parte de uma outra comarca differente d'aquella a que pertence a séde d'esse mesmo districto de paz. Todos esses inconvenientes dão-se na actual divisão dos districtos de paz da comarca de Odemira, sem que ao menos falte o ultimo acima apontado, pois que o tabellião do Cercal exerce o seu mister numa grande parte da comarca de Odemira, não obstante o Cercal pertencer á comarca de S. Thiago de Cacem, districto de Lisboa, e abrange algumas das freguezias da comarca de Odemira, districto de Beja, indo, portanto, o tabellião exercer as suas funcções a um concelho differente, comarca differente, districto differente e até provincia differente!
É de urgencia que se ponha termo a esta confusão, a esta divisão absurda, com que tanto se prejudica o publico e tanto se atraza ou difficulta a acção da justiça.
E no projecto que apresento tive o cuidado de aproveitar da antiga divisão o que a mesma tem de conveniente, respeitando assim os habitos dos povos e os direitos adquiridos, e acrescento ou modifico sómente o que basta para que a divisão fique racional, tendo em vista a commodidade dos povos, a acção da justiça, a situação da séde do districto de paz, a importancia relativa das freguezias, as suas relações economicas e a facilidade de communicações.
É de urgencia que o mal se remedeie; e espero que assim aconteça, porque confio plenamente no bom criterio e profunda illustração da camara, a cuja esclarecida apreciação submetto o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A comarca de Odemira fica dividida nos cinco districtos de juizo de paz constantes da tabella junta.
Art. 2.° Os actuaes funccionarios dos districtos de paz a que esta lei se refere deixarão de ter competencia para exercer as, suas attribuições dentro da área dos districtos agora indicados, quaesquer que ellas sejam, desde que seja nomeado e ajuramentado o novo pessoal.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 20 de junho de 1891. = O deputado, João de Paiva.
Tabella dos districtos de paz da comarca de Odemira a que se refere o projecto que antecede

[Ver tabela na imagem]

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 26 de junho de 1891. = O deputado, João de Paiva.
Foi approvado sem discussão.

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PROJECTO DE LEI N.° 22

Senhores. - A vossa commissão de legislação civil examinou com todo o cuidado a proposta de lei n.° 12-D, e pelas rasões expostas no relatorio que a precede, tem a honra de sujeitar á vossa esclarecida apreciação, de accordo com o governo, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A comarca de Ourique fica dividida nos seis districtos de juizo de paz, constantes da tabella junta.
Art. 2.° Nomeado e ajuramentado o novo pessoal cessam as attribuições dos funccionarios anteriores.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella dos districtos do juizo de paz da comarca de Ourique a que se refere o projecto de lei que antecede

[Ver tabela na imagem]

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 9 de março de 1892. = Joaquim Germano de Sequeira = João Pinto Moreira = Amandio Eduardo da Mota Veiga = Custodio Joaquim da Cunha e Almeida = Eugenio Augusto Ribeiro de Castro = Manuel d'Assumpção = Jacinto Candido da Silva = João de Paiva.

N.º 12-D

Senhores. - A divisão dos districtos de juiz de paz não satisfaz ao seu fim n'uma grande parte das comarcas.
É o que acontece na comarca de Ourique, cujas condições conheço, porque tive a honra de ser ali juiz de direito.
Não se attendeu de ha muito a esse grande mal, porque não se tornava elle tão sensivel como agora, quando eram muito restrictas as funções dos juizes de paz
Hoje, porém, tendo passado para elles as attribuições dos juizes ordinarios, o mal accentua-se por tal fórma que reclama urgente e inadiavel remedio.
Não ignoro que, pelo artigo 5.º da novissima reforma judiciaria, o numero de juizes de paz e o districto de cada um deviam ser fixados por decreto, e por isso talvez alguem sustente que, para este fim, não era necessario um projecto de lei, pois que dependia sómente de decreto qualquer conveniente alteração.
Creio, porém, que não é essa a opinião que deve seguir-se. Aquelle artigo mandou fixar por decreto o numero de juizes de paz e o districto de cada um, mas não diz que, depois de fixados, possam alterar-se de novo por um simples decreto; e, quando o dissesse, nem por isso ficavam inhibidas as camaras legislatoivas do exercicio da sua faculdade, relativamente áquelle ponto.
É possivel que se diga que melhor seria providenciar a esse respeito, qundo tenha de fazer-se uma nova divisão de districtos de paz em todas as comarcas do reino. Não vejo, porém, inconveniente em que deixe de se guardar para então este melhoramento, não só porque esse beneficio para todas as comarcas póde levar ainda alguns annos, mas tambem porque os districtos de paz de qualquer comarca era nada se prendem ou devem prender com os das comarcas vizinhas, podendo, pois, legislar-se ácerca dos de qualquer comarca, sem que isso embarace as modificações que mais tarde possam fazer-se nos districtos de outras comarcas.
Mando, pois, para a mesa o seguinte projecto de ler que tenho a honra de submetter á illustradissima apreciação da camara.
Artigo l.º A comarca de Ourique fica dividida nos seis districtos de juizo de paz, constantes da tabella junta.
Art. 2.° Nomeado e ajuramentado o novo pessoal, cessam as attribuições dos funccionarios anteriores.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella dos districtos do juizo de paz da comarca de Ourique a que se refere o projecto de lei que antecede

[Ver tabela na imagem]

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 26 de junho de 1891. = O deputado, João de Paiva.
Foi approvado sem discussão.

PROJECTO DE LEI N.º 23

Senhores. - Á vossa commissão de administração publica foi presente o projecto de lei n.º 18-A, apresentado pelo illustre deputado José de Azevedo Castello Branco, com o fim de facilitar o mais prompto e commodo accesso á urna aos eleitores do circulo n.º 54, o qual é composto dos concelhos de Mondim, Armamar e Tabuaço.
Não pretende o apresentante do projecto alterar numero de assembléas, mas collocar uma d'ellas na freguezia mais rica e central, o que de certo dará maior commodidade aos povos, a que se deve attender para o effeito da formação das assembléas.
Tendo a vossa commissão de administração publica colhido todas as informações, e compenetrada da vantagem que traz as informações, e compenetrada da vantagem que traz aos povos a mudança da assembléa eleitoral da freguezia de Granja Nova para a de Salzedas, é de parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O concelho de Mondim da Beira, que faz parte do circulo n.º 54 (Armamar), continúa, para os effeitos eleitoraes, dividido em duas assembléas, a primeira, com a séde na freguezia da cabeça do concelho, e a segunda formada com as freguezias de Cimbres, Granja Nova e Salzedas, com a séde n'esta ultima parochia.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 9 de março de 1892. = F. Arou-

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SESSÃO N.° 47 DE 18 DE MARÇO DE 1892 9

ca = Joaquim Germano de Sequeira = Marcellino Mesquita = Arthur Hintze Ribeiro = A. Eduardo da Mota Veiga = Alberto Pimentel = Luciano Monteiro = Jayme da Costa Pinto, relator.

N.° 18-A

Senhores. - O concelho de Mondim fórma, com os concelhos de Armamar e Tabuaço, o circulo n.° 54. Comquanto em todo o circulo á distribuição das assembléas eleitoraes, ao agrupamento das freguezias, tenha presidido um sensato criterio favoravel á commodidade dos povos; certamente, por erro de informação, uma das assembléas eleitoraes do concelho de Mondim da Beira está organisada por fórma a prejudicar, pela sua excentricidade, o proprio acto eleitoral.
O concelho de Mondim da Beira está dividido em duas assembléas, uma com a séde na cabeça do concelho e outra na Granja Nova, composta de tres freguezias, de Cimbres, Granja Nova e Salzedas. De todas estas freguezias a maior e mais rica, a mais central é a de Salzedas, que em si só contém um numero de eleitores superiores ás duas outras. Acresce ainda a circumstancia de ser mais distante da séde da freguezia ás populações suffraganeas, que d'aquelle ponto ao extremo de qualquer das outras parochias constitutivas de assembléa. Por isso mais de uma vez os povos têem reclamado, e n'este sentido tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O concelho de Mondim da Beira, que faz parte do circulo n.° 54, continuúa, para os effeitos eleitoraes, dividido em duas assembléas, a primeira com a séde na freguezia da cabeça do concelho e a segunda formada com as freguezias de Cimbres, Granja Nova e Salzedas, com a séde n'esta ultima parochia.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 7 de março de 1892. = José de Azevedo Castello Branco.
Foi approvado sem discussão.

PROJECTO DE LEI N.° 4

Senhores. - A vossa commissão de administração publica examinou com o habitual cuidado o projecto de lei que tem por fim tornar definitiva a concessão provisoria feita á camara municipal de Abrantes, do ex-convento de Nossa Senhora da Graça, da ordem de S. Domingos, e que se acha em adiantada ruina.
As rasões que levaram o governo a fazer a concessão provisoria são mais do que sufficientes para justificar o nosso voto favoravel ao projecto, tanto mais que é certo não poder a mencionada camara proceder aos grandes trabalhos de reconstrucção de que o edificio carece sem ter a certeza de que continua a possuil-o pacificamente depois de haver gasto n'elle valiosas quantias.
É, pois, de parecer a vossa commissão que seja convertido em lei o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É tornada definitiva para os effeitos legaes a concessão provisoria feita á camara municipal de Abrantes, por decreto de 3 de dezembro ultimo, de todo o edificio e respectiva cerca do supprimido convento de Nossa Senhora da Graça, d'aquella villa, para installação das repartições publicas e de varios serviços a cargo do municipio.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 27 de janeiro de 1892. = Amandio Eduardo da Mota Veiga = Arthur Hintze Ribeiro = Joaquim Germano de Sequeira = Adolpho Pimentel = Pestana de Vasconcellos = Marcellino Mesquita = Santos Viegas = Pereira Leite = Jayme da Costa Pinto, relator.

Senhores. - A commissão de fazenda não tem que oppor a este projecto, tanto mais que, entre os restantes bens do convento de que se trata, se encontram os recursos necessarios para satisfarão do prescripto na, lei de 4 de julho de 1889, que estabeleceu o fundo para a construcção de hospitaes de alienados.
Sala da commissão, em 8 de março de 1892. = Franco Castello Branco = Pinheiro Chagas = F. Arouca = Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva = Serpa Pinto = Lopes Navarro = L. Cordeiro = João Arroyo = Abilio Lobo = Arthur Hintze Ribeiro = Antonio M. P. Carrilho, relator. - Tem voto dos srs.: = Campos Henriques = José Novaes = José Lobo = José de Castro = Adolpho Pimentel.

N.° 1-B

Senhores. - Pela morte da ultima religiosa professa do extincto convento de Nossa Senhora da Graça, da villa de Abrantes, vagou para o estado o respectivo edificio e pequena cerca annexa.
Não obstante a quasi completa ruina em que se acha o edificio, póde ainda ser vantajosamente aproveitado pela camara municipal d'aquelle concelho para installação economica das repartições publicas, das aulas municipaes, bibliothecas, etc., que actualmente funccionam em casas de renda, dispersas pela villa, com gravosos encargos para o cofre municipal.
Foi em attenção a tão justificadas rasões que o governo de Sua Magestade, por decreto de 3 de dezembro ultimo, publicado no Diario do governo n.° 281, conformando-se com as informações das estações competentes, concedeu provisoriamente á camara municipal de Abrantes o edificio de que se trata, e suas dependencias, para installação dos serviços municipaes, deixando a concessão definitiva dependente da approvação dos corpos legislativos.
Comprehende-se facilmente que não póde uma administração severa e previdente proceder ás obras de grande despendio de que carece o edificio de que se trata, para o adequar aos fins a que é destinado, sem ter a certeza de que não corre o risco de perder as bemfeitorias executadas, o que sómente lhe póde ser assegurado pela approvação das côrtes ao acto do governo.
Por estas rasões, temos a honra de submetter ao vosso illustrado exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É tornada definitiva para os effeitos legaes a concessão provisoria feita á camara municipal de Abrantes, por decreto de 3 de dezembro ultimo, de todo o edificio e respectiva cerca do supprimido convento de Nossa Senhora da Graça, d'aquella villa, para installação das repartições publicas e de varios serviços a cargo do municipio.
Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario.
Camara, 8 de janeiro de 1892. = Avellar Machado, deputado pelo circulo n.° 86.
Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae passar se á ordem do dia.
O sr. Francisco de Campos: - Eu pedia a v. exa. que me concedesse a palavra para dar uma explicação.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Era vista da manifestação da camara, tem a palavra o sr. Francisco de Campos.
O sr. Francisco de Campos: - Agradeço á camara a sua benevolencia em me conceder a palavra.
Eu tinha pedido a palavra para dizer pouca cousa com a relação ao incidente levantado pelo sr. Manuel de Arriaga.
Eu concordo com a resposta dada pelo sr. Ruivo Godinho, mas ainda acrescento mais alguma cousa.
O sr. Manuel de Arriaga fez uma proposta, que foi lida na mesa, mas que não foi ouvida n'este logar; e se eu a tivesse ouvido teria votado a sua urgencia, porque ninguem na commissão, e muito principalmente o digno e esclarecido relator, teria o mais pequeno empenho, antes pelo contrario, em que decorresse um minuto que fosse, sem que fossem publicados esses documentos.
Ora, n'estas circumstancias, eu tenho ainda a dizer, não só que a commissão tem esse desejo, e por isso lamento que não fosse, votada a urgencia para que sejam publica-

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dos os documentos; mas que foi tão escrupulosa, e o trabalho do sr. relator é tão importante, que não ha um Unico documento, por ella consultado que não esteja relatado no parecer. Dada esta explicação, eu renovo os meus agradecimentos a v. exa. e a camara.
O sr. Presidente : - Vae passar-se á ordem do dia. O sr. Costa Pinto: - Pedia a palavra para um negocio de ordem publica, para o que pouco tempo tomarei camara.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem a palavra o sr. deputado. Peço a s. exa. que seja breve.
O sr. Costa Pinto: - Agradeço á camara e a v. exa. a sua benevolencia permittindo-me que eu diga duas palavras sobre negocio urgentissimo.
Trata-se de uma questão de ordem publica, trata-se da questão dos operarios. (Apoiados.)
Todos sabem que a classe operaria, tanto no norte como no sul do paiz, queixa-se de não ter trabalho. Ainda hontem se deu em Lisboa um facto grave. Um grupo de operarios dirigia-se a um dos regimentos da capital, pedindo aos soldados que repartissem com elles do seu rancho. Quando as cousas chegam a este estado a situação é gravissima. (Apoiados.) Ou os operarios têem fome e n'este caso compete aos poderes publicos empregar todos os esforços para attender a esta classe, que é digna de commiseração, quando as suas manifestações são sinceras; ou então, averiguando-se que ha especulação politica, acabamos de uma vez para sempre de dizer que não ha que fazer, e que os operarios morrem de fome. (Apoiados.)
Para acudir á crise do trabalho estão-se abrindo obras, havendo muitos operarios que têem rejeitado trabalho n'essas obras, mas, a par d'esses sei que outros muito dignos o têem acceitado porque precisam; e conhecendo a boa vontade que o sr. ministro das obras publicas tem mostrado a este respeito, e constando-me que muitos dos operarios se queixam por não poderem acceitar trabalho longe da cidade onde vivem, porque o salario não lhes chega para se sustentarem a si e a suas familias, lembrava ao governo ,que se podia n'esta occasião abrir um trabalho, que é urgentissimo, proximo da capital.
Uma voz: - Em Cascaes.
O Orador (com vehemencia): - Não é em Cascaes, podia ser - e se lá houvesse n'esta occasião qualquer trabalho urgente a fazer, tanto pediria para Cascaes, como para outro qualquer ponto, porque estou sempre prompto, como deputado da nação, a trabalhar para bem do meu paiz, sem me importar que seja Cascaes ou o circulo que represento n'esta casa, embora mal, mas com o desejo de bem servir aquelles que me trouxeram ao parlamento. (Apoiados.)
Quando o outro dia tratei da questão do alumiamento das costas, não era para Cascaes, nem para Caparica, era para toda a navegação no oceano, navegação precisa de guia em noites escuras para não naufragar nas costas de Portugal, que são muito perigosas.
Tenho tratado no parlamento de outras questões que são tambem muito importantes para differentes pontos do puiz, o que prova que eu não trato unica e exclusivamente dos interesses do concelho de Cascaes.
A questão operaria é de grande importancia para a tranquillidade do paiz e não directa e exclusivamente para o circulo que represento n'esta casa, o que não quer dizer que não me honro muito todas ás vezes que posso defender os interesses d'aquelles que quizeram confiar em mim, elegendo-me.
Na obra a que me refiro podem empregar-se os braços de alguns d'esses homens que se diz por ahi que têem fome.
Quando se tem fome, não se deve olhar a qualquer officio; quando se tem fome tudo serve; todo o trabalho honrado convem a quem precisa matar a fome á mulher e aos filhos.
Lembro, pois, ao governo que muito proximo de Lisboa ha reparações urgentissimas a fazer, n'uma estrada que pertence justamente ao circulo de Almada, que represento n'esta casa.
Por esta estrada, que se acha num estado vergonhoso, transitam os passageiros que obrigados a fazer quarentena no lazareto, em grande numero estrangeiros, vem a Lisboa por Cacilhas.
Refiro-me á estrada de Cacilhas á Costa de Caparica, e a Cezimbra.
Podem ali ter emprego muitos operarios que gritam que têem fome, acabando-se de vez com a lenda de que não ha trabalho ao pé de Lisboa.
Tenho dito; e agradeço á camara, tanto a consideração que me dispensou, como a attenção com que me ouviu.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Pedi a palavra unicamente para dizer ao illustre deputado e á camara que todos os operarios que quizerem trabalhar têem trabalho em serviço do estado.
Tenho-o dito mais de uma vez n'esta casa, tem-o dito o meu collega das obras publicas, e repito-o agora: os que quizerem trabalhar têem trabalho do estado.
Vozes: - Muito bem.
Deu-se conta na mesa da ultima redacção dos projectos de lei nos. 4, 21, 22 e 23, senão remettidos para a camara dos dignos pares.
O sr. Presidente: - O sr. Francisco Machado póde mandar o seu projecto para a mesa. Eu já disse que os srs. deputados que tivessem papeis a mandar para a mesa o podem fazer.
O sr. Adriano Monteiro: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Arraiollos, pedindo auctorisação para augmento de mais 6 por cento á actual percentagem de 50 por cento sobre as contribuições do estado.
A representação teve o destino indicado a pag. 2 d'este Diario.
Foram mandados imprimir dois pareceres, um da commissão de administração publica e outro das commissões de administração publica e obras publicas.
O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, n'uma das sessões anteriores, quando tive a honra de discutir as medidas financeiras, eu disse que o paiz podia tirar do alcool uma receita de 1:800 ou 1:900 contos de réis.
Esta minha affirmação creio que causou algum abalo em muitos dos meus collegas e até me parece que no sr. ministro da fazenda.
Sr. presidente, quando trato uma questão d'esta ordem é depois de ter estudado o mais que posso e de me ter convencido das proposições que venho affirmar á camara.
Como me parecesse que a minha affirmação tinha causado algum reparo, fui obrigado a estudar mais detidamente este assumpto, para apresentar á camara um projecto de lei onde podesse comprovar a minha asserção, com dados irrefutaveis por quem tivesse em mira unicamente os interesses do paiz.
Mandei vir de França alguns livros, para basear o meu estudo, fiz todos os calculos, e em virtude d'estes calculos e d'este estudo redigi um projecto de lei que vou ter a honra de mandar para a mesa, para que v. exa. se digne envial-o á commissão que está n'este momento estudando a proposta do governo sobre o assumpto, commissão que poderá tirar d'este trabalho tudo o que julgar conveniente para melhorar aquella proposta.
Eu não tenho a pretensão de affirmar que este projecto não tenha incorrecções que seja necessario attender, o que desejo é que a commissão o estude minuciosamente e que, se n'elle achar alguma cousa de util, a aproveite. O meu fim foi procurar ao paiz 1:800 ou 1:900 contos de réis de receita, que me parece ser importante n'este momento.

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As circumstancias em que elaborei este projecto são as seguintes:
Eu sei que a producção media de alcool nos Açores é de 50:000 hectolitros por anno.
Sei que a despeza por hectolitro é de 9$000 réis, e portanto a despeza total é de:

50:000 x 9$000 = 450:000$000

Este alcool vende-se a 25$000 réis por hectolitro, e por consequencia o producto total da venda é de:

50:000 x 25$000 = 1.250:000$000
Lucro total 800:000$000, ou 177,7 por cento!

Estes enormissimos, estes fabulosos lucros, acima de tudo quanto se podia imaginar, não têem contribuido absolutamente nada para o estado!
O rendimento do alcool é a receita mais importante de quasi todos os paizes, onde se trata d'estes negocios a serio ; e é necessario que n'este momento angustioso o paiz tire as receitas que póde tirar do alcool. Sustento tudo quanto disse no discurso que tive a honra de proferir a respeito das questões de fazenda, relativamente ás receitas que os diversos paizes tiram do imposto do alcool.
Não me alongo em mais considerações, por isso que a camara deseja entrar brevemente na ordem do dia e limito-me a ler o meu projecto de lei, e reservo-me para quando se discutir este assumpto entrar no debate e sustentar o que affirmo com os documentos na mão.
(Leu.)
Mando, pois, o meu projecto para a mesa, e peço a v. exa. que tenha a bondade de consultar a camara, se permitte que seja publicado no Diario do governo e que seja immediatamente enviado á commissão respectiva, ou para adoptal-o ou para tirar d'elle os esclarecimentos que julgar convenientes, caso elles lhe mereçam a sua consideração.
Aproveito a occasião, para mandar para a mesa uma representação dos empregados do governo civil de Leiria, em que pedem que seja abolida a disposição pela qual foram incluidos nas receitas do estado os emolumentos dos passaportes estrangeiros.
Peço tambem a v exa. para consultar a camara, a fim de auctorisar a publicação d'esta representação no Diario do governo.
Tenho dito.
Dispensado o regimento leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Senhores. - Quando a todos se impõem pesados sacrificos e duras privações para salvar a honra e o futuro do paiz, quando os credores do estado nos cercam por todos os lados não é occasião para recorrer a expedientes, a medidas dilatorias; é preciso atacar de frente a questão e recorrer a medidas radicaes, heroicas.
A questão dos alcools dura ha quatro annos e já gastou tres ministerios, e se se considera a proposta que o sr. ministro da fazenda acaba de apresentar n'esta camara, deve concluir-se que ainda está longe de ser satisfactoriamente resolvida.
Donde provém estas difficuldades? Vem principalmente dos productores, porque o governo tem tratado por muitas vezes de se entender com elles para alcançar um imposto equitativo para o thesouro, mas até hoje não tem sido possivel chegar a um accordo, estabelecer um modus vivendi por causa das suas exageradas pretensões.
Vem a proposito citar os factos seguintes: A producção do alcool estrangeiro custa em geral 35 a 40 francos por hectolitro. Em Portugal quero admittir que a producção do alcool custe 10$000 réis por hectolitro, comprehendidas
todas as despezas. Ora quereis saber a que preço se vende o alcool entre nós? A 23$000 e 25$000 réis o hectolitro!!
Poderá continuar este estado de cousas? Certamente não. E indispensavel que o thesouro chame a si esta fonte importante de receita, que é por toda a parte, com excepção unica do nosso paiz, uma das mais importantes rendas do estado.
Se em tempos normaes esta medida nos é aconselhada por motivos financeiros e hygienicos, hoje impõe-se fatalmente como uma medida de salvação moral e material.
Não quero cansar a attenção da camara em lhe demonstrar, com a esclarecida opinião dos homens mais competentes na materia; que o alcool é um veneno, que é sempre inquinado de ethers e substancias toxicas, que o tornam extremamente perigoso á saude publica. Podeis fazer idéa do que avanço pelo mau gosto e mau cheiro de todo o alcool que se encontra no commercio.
É com o fim de expurgar os alcools de substancias toxicas que a physica e a chimica têem inventado apparelho a é processos especiaes; mas, como entre estes ha uns mais aperfeiçoados do que outros, é por isso que antes de escolher um e adoptal-o entre nós, eu proponho que se abra um concurso, a fim de se poder julgar e decidir sobre a sua escolha.
A questão importante para nós é que no futuro não seja entregue ao consumo senão alcool hygienico chimicamente puro. E, a fim de evitar a fraude, é necessario que a venda e a rectificação dos alcools seja feita exclusivamente pelo estado.
Comtudo, e para este ponto eu chamo a especial attenção da camara, eu deixo a producção completamente livres e asseguro ao comprador a compra do alcool que elle possa produzir. D'aqui resulta, não só que a industria é protegida e recebe novo impulso, mas que á agricultura se abrem novas fontes de receita, fornecendo-lhe um poderoso incentivo de cultivar a materia prima para a distillação, visto como o estado compra todo o alcool produzido no paiz, e só recorre á importação do estrangeiro quando a producção indigena é insufficiente para as necessidades do consumo.
Tratemos da questão de preço.
Parto do principio de que todo fabricante de alcool é, primeiro que tudo, bom portuguez, um verdadeiro patriota, prompto a concorrer como todas as outras classes da sociedade para a salvação do paiz.
Estabelecido isto, eu supponho que o fabricante tirará um lucro bem remunerador, assegurando-lhe um lucro liquido de 3$000 réis por hectolitro de alcool absoluto, alem das despezas de producção, e posso mesmo dizer que não ha actualmente industria no paiz tendo tão boa receita, assegurada sem riscos e sem contribuição industrial a pagar.
Attendidas a hygiene publica, a industria e a agricultura, torna-se tambem necessario fazer o mesmo ao commercio, principalmente o dos vinhos e licores.
Julgo ter conseguido este desideratum, supprimindo o imposto de consumo e o real de agua sobre as bebidas alcoolicas e estabelecendo a venda de um typo de alcool puro e barato para o tempero dos vinhos e fabricação dos licores e aguardentes. O alcool de 50 graus é com effeito aquelle que se emprega geralmente para estas operações. A vantagem de empregar alcool hygienico e puro para os vinhos e aguardentes é importantissima para o futuro d'este commercio.
Vejamos agora os beneficios que o estado aufere. Para apreciar estes beneficios é necessario apresentar primeiro os encargos que vem sobrecarregar o thesouro.
A installação dos apparelhos para rectificar 150:000 a 200:000 hectolitros de alcool por anno não poderá custar mais de 20 contos de réis.
A despeza annual para a rectificação de não importa que quantidade de alcool póde computar se a 600 réis por hectolitro.
Falta fixar o preço de compra dos privilegios do pro-

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cesso que se adoptar para a rectificação; mas como este pagamento se podera fazer por annuidades, o encargo torna-se por isso pouco sensivel, e póde avaliar-se em 60 contos de réis durante sete annos.
Admittido isto, resulta que o estado tera:
1.° A receita, proveniente da differença do preço de compra, proximamente, de 125:000 hectolitros (producção annual) de alcool nacional, e do preço da venda d'este alcool captivo das despezas de rectificação.
2.° A receita proveniente do imposto de licença de venda do alcool;
3.° A receita resultante da importação de alcool estrangeiro, porque está provado que a producção nacional não chega para o consumo, que é de 125:000 a 150:000 hectolitros por anno; porém, calculo assim que o estado poderá alcançar com a execução d'este projecto uma receita annual não inferior a 1:800 contos de réis.
Fundado n'estas considerações, tenho a honra de apresentar a apreciação da camara o seguinte projecto de lei
Artigo 1.° É livre a producção do alcool no continente do reino e ilhas adjacentes.
Art. 2.° Todo o alcool e aguardente superior a 20 grau centigrados de força produzida no continente do reino e ilha adjacentes será comprado pelo estado.
Art. 3.° Depois da promulgação da presente lei, a venda do alcool e aguardente será feita exclusivamente por conta do estado, que concedera licenças para, venda a retalho. Cada licença para venda pagara o imposto de 300 réis o hectolitro.
Art. 4.° O governo fará rectificar todo o alcool que comprar, a fim de os tornar puros, ethylicos e neutros.
Para este fim fica o governo auctorisado a adquirir, mediante concurso publico, os apparelhos mais aperfeiçoados que produzam o alcool chimicamente puro e procedera sua installação e fuuccionamento nas differentes fabricas de alcool ou em local que se julgar apropriado.
Art. 5.° É abolido o imposto de consumo ou real de agua sobre as bebidas alcoolicas.
Art. 6.° O governo mandara preparar nos seus estabelecimentos um typo de alcool puro e completamente neutro a 50 graus para o adubo dos vinhos e fabricação de aguardentes. Este typo de alcool a 50 graus será vendido no maximo a 160 réis o litro.
Art. 7.° Fica o governo auctorisado a contratar com os fabricantes para estabelecer o preço porque devam ser comprados os seus alcools industriaes ou agricolas, com a condição de que este preço não podera nunca exceder a 1,50 réis por litro e por grau ou 13$500 réis por hectolitro.
Art. 8.° Só o governo podera importar alcool estrangeiro, mas só e quando se comprove que a producção no paiz não é sufficiente para as necessidades de consumo.
Art. 9.° Os fabricantes de alcool ficarão isentos do pagamento da contribuição industrial, com a condição de permittirem a installação nas suas fabricas dos apparelhos de rectificação dos alcools, sendo por conta do estado todas as despezas inherentes á rectificação.
Art. 10.° O governo fica auctorisado mediante concurso publico a adjudicar o exclusivo da venda e rectificação dos alcools, com a condição, porém, de que a base da licitação não seja inferior a 1:200 contos de réis annuaes de renda para o estado. = O deputado pelo circulo n.° 59, F. J. Machado.

Producção do alcool em Portugal

A materia prima empregada em Portugal para a distillação dos alcools é geralmente a batata doce, a alfarroba e os figos, sendo estes em menor escala.
A batata rende 8 por cento e a alfarroba 20 por cento a 90 graus. Para obter 100 litros de alcool é necessario respectivamente 800 kilogrammas d'estas materias primas.
Actualmente o preço da alfarroba regula por 200 réis cada! 15 kilogrammas (a batata doce é, muito mais barata), logo a materia prima para produzir 100 litros de alcool a 90 graus custa 6$700 réis.
Calculo as despezas geraes de producção do alcool a rasão de 8$300 réis por hectolitro, comtudo é necessario advertir que o fabricante aproveita os residuos da distillação, vendendo-os para sustento dos animaes, de onde póde alcançar uma receita de 1$500 réis por cada hectolitro de alcool produzido.
Logo quando affirmo que a producção do alcool em Portugal custa 9$000 réis por hectolitro, estou muito proximo da verdade mas para fazer face a quaesquer despezas imprevistas, eu reputarei a 10$000 réis o hectolitro.
Temos, pois:
1.° Producção de 125:000 hectolitros de alcool a 90 graus a 10$000 réis o hectolitro, 1:250 contos de réis.
2.° Beneficio concedido ao productor, 375 contos de réis.
O que representa um juro de 30 por cento.
3.° Preço de compra pelo estado, 13$000 réis o hectolitro.
Póde por isso concluir-se que não existe no paiz uma industria dando tão grande juro, sem risco para o productor, porque tudo quanto produz é comprado pelo estado e sem pagar contribuição industrial nem de imposto de consumo ou do real de agua.
Que mais querem, pois, os productores?
No estrangeiro os fabricantes de alcool contentam-se em ganhar 8 a 10 francos por hectolitro, quando o conseguem.

Receita para o estado

[Ver tabela na imagem]

Estes calculos confirmam o que ha dias disse n'esta camara; isto é, que, se lançasse o imposto de 150 réis por litro sobre uma producção de 125:000 hectolitros (o que representa um consumo de 2 1/2 litros por cabeça em Portugal) o thesouro poderia arrecadar uma receita de 1:875 contos de réis por anno.
Mas ha ainda outras vantagens para o futuro da industria dos alcools em Portugal e para a agricultura.
Citarei sómente as seguintes:
1.ª A producção de um alcool hygienico, chimicamente

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puro, conserva o perfume natural dos vinhos, tornando-os por isso melhores e mais apreciaveis.
2.ª Podemos fabricar aguardentes, cognacs e licores puros, em condições de concorrerem com vantagem com os melhores productos estrangeiros.
Esta nova industria absorvera necessariamente uma quantidade consideravel de alcool.
3.ª O novo tratado de commercio com os estados do Brazil, assegurando-nos a importação do assucar mais barato, dá-nos uma preciosa materia prima para a distillação. Garante-nos alem d'isso em condições vantajosas uma maior exportação dos nossos vinhos, e por conseguinte mais uma applicação para os nossos alcools.
É indispensavel, pois, que se empreguem todos os cuidados para produzir um alcool superior puro, hygienico, que é a base de todos os nossos productos de grande exportação e de riqueza para o paiz. = F. J. Machado.
Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Passa se a ordem do dia. Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 32 na generalidade e na especialidade, visto ter um só artigo.
Leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO LEI N.° 32

Senhores. - A vossa commissão do orçamento foi presente a proposta de lei n.° 14-D, tendente a auctorisar a cobrança dos impostos e demais rendimentos do estado, tanto na metropole como nas provincias ultramarinas, e a applicar o seu producto ás despezas legaes do estado, ordinarias e extraordinarias, no futuro exercicio, fixando-se na mesma proposta o maximo das despezas extraordinarias na metropole tudo no dito exercicio de 1992-1893.
O governo reconhece a obrigação de discutir o orçamento do estado, mas parece-lhe que essa discussão importaria a reconsideração do que esta preceituado no artigo 13.° da lei de 26 de fevereiro ultimo.
Obrigado o governo a reformar os serviços publicos, em obediencia a maxima economia imposta pelas circumstancias, a discussão das differentes verbas do orçamento, que podem e têem de ser alteradas antes do começo do anno economico futuro, seria assim a negação da auctorisação concedida ao poder executivo, e a commissão deixa, pois, ao governo a inteira responsabilidade do uso que fizer da mesma auctorisação, e por isso concorda em que, póde ser auctorisada a cobrança dos rendimentos publicos do exercicio futuro, e a sua applicação ás despezas legaes do estado, em harmonia com a legislação vigente e segundo o orçamento ordinario proposto para o futuro exercicio, e com as reducções de encargos indicados pelo governo.
Supprimem-se na tabella da despeza extraordinaria da metropole as verbas para as obras da alfandega de Lisboa e da escola medico-cirurgica da mesma cidade, porque essas obras devem ser custeadas, bem como as da escola agricola de reforma, pela verba respectiva do orçamento ordinario.
Incluiu-se na mesma tabella, a pedido do governo, a quantia necessaria para as despezas de cooperação de Portugal na celebração do centenario de Colombo.
Em relação ás verbas para pagamento a companhia das aguas e do centenario de Colombo, vae o parecer assignado com declarações por alguns membros da commissão.
Descrevera-se ainda no orçamento ordinario as verbas complementares do pagamento dos vencimentos ás classes inactivas, e para dotação do instituto creado por decreta de 11 de janeiro de 1891, em harmonia com a legislação vigente, e com o recente contrato celebrado com o banco de Portugal.
Julgou-se opportuno, a pedido ainda do governo, incluir n'este projecto as auctorisações pedidas pelo poder executivo, em 28 de dezembro de 1891, para a abertura de um credito supplementar de 600 contos de réis destinados a preencher o deficit ordinario dos orçamentos das provincias ultramarinas no exercicio corrente, e, em 23 do passado mez de fevereiro, para a abertura de outro credito da mesma natureza, e no mesmo exercicio, da importancia de 35 contos de réis, para pagamento aos correios estrangeiros pelas correspondencias que por seu intermedio se recebem e expedem por vias maritimas ou terrestres, segundo as respectivas convenções.
Este ultimo credito não importa augmento de dotação do ministerio das obras publicas no actual exercicio, pois que será attendido pela transferencia de sobras de quaesquer outras verbas do mesmo ministerio, como vae preceituado no projecto.
Algumas disposições novas, tendentes a melhor fiscalisação dos dinheiros publicos, foram introduzidas no projecto, que, de accordo com o governo, entende que podeis approvar.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É auctorisado o governo a proceder a cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos na metropole e nas provincias ultramarinas, relativos ao exercicio de 1892-1893 e a applicar, respectivamente, ,o seu producto ás despezas ordinarias e extraordinarias do estado, na mesma metropole e provincias ultramarinas, correspondentes ao citado exercicio, nos termos das leis de 21 de junho de 1883, l5 de abril de 1886, 30 de junho de 1887, 23 de junho de 1888, 19 de junho de 1889 e de 26 de fevereiro de 1892, e decretos de 17 e 20 de dezembro de 1888, e demais legislação em vigor ou que vier a vigorar.
§ 1.° O governo applicará a receita geral do estado, em 1892-1893, para compensar o pagamento da dotação do clero parochial das ilhas adjacentes, a quantia de réis 149:800$000, deduzida do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros de inscripções vencidos e vincendos, dos conventos de religiosas supprimidos depois da lei de 4 de abril de 1861.
§ 2.° A contribuição predial do anno civil de 1892 é fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, nos termos do que preceituam os §§ 1.° e 3.° do artigo 6.° da carta de lei de 17 de maio de 1880.
§ 3.° O addicional ás contribuições predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria do anno civil de 1892, para compensar as despezas com os tribunaes administrativos, viação districtal e serviços agricolas dos mesmos districtos, é fixada na mesma quota, respectivamente lançada em cada districto, em relação ao anno civil de 1890.
§ 4.° A conversão da divida consolidada interna em pensões vitalicias continua a ser regulada nos termos do § 4.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891.
§ 5.° Fica em vigor respectivamente ao anno economico de 1892-1893, o disposto no § 5.° do artigo 1.° da citada lei de 30 de junho de 1891.
§ 6.° Continúa em vigor no exercicio de 1892-1893 o disposto no § unico do artigo 10.° da lei de 23 de junho de 1888.
§ 7.° A despeza extraordinaria do estado, na metropole, no exercicio de 1892-1893, despeza a que é applicavel o disposto no § 1.° do artigo 10.° de lei de 21 de junho de 1883, é fixada, nos termos da legislação em vigor, ou que venha a vigorar, em 4.589:500$000 réis; a saber:

Ao ministerio dos negocios da fazenda.... 97:500$000
Ao ministerio dos negocios do reino.... 140:000$000
Ao ministerio dos negocios da guerra.... 200:000$000

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Ao ministerio dos negocios da marinha:
Direcção de marinha.... 200:000$000
Direcção do ultramar.... 1.768:000$000
1.968:000$000
Ao ministerio dos negocios estrangeiros.... 86:000$000
Ao ministerio das obras publicas, commercio e industria.... 2:098:000$000

§ 8.° É o governo auctorisado a pagar pelas differenças de cambios do exercicio futuro até á quantia de 1.500:000$000 réis, ficando auctorisados os encargos da mesma proveniencia até 30 de junho de 1892.
§ 9.° São revogadas todas e quaesquer auctorisações dadas ao governo até 31 de dezembro de 1891 para modificação, qualquer que ella seja, dos serviços publicos e do seu pessoal, ficando esta disposição de execução permanente.
§ 10.° Fica em vigor, no exercicio de 1892-1893, o disposto no § 12.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891, na parte applicavel.
§ 11.° O governo decretará, em harmonia com esta lei, e segundo o orçamento apresentado para o exercicio de 1892-1893, as tabellas de despeza ordinaria da metropole, e as geraes das provindas ultramarinas, observando-se, em relação á metropole, que as despezas do material dos serviços devem ser diminuidas:

No ministerio da fazenda.... 50:000$000
No ministerio do reino.... 100:000$000
No ministerio da guerra.... 70:000$000
No ministerio da marinha.... 30:000$000
No ministerio das obras publicas, commercio e industria.... 50:000$000

a) Fica auctorisado o governo a incluir nas tabellas de despeza ordinaria da metropole a quantia de 800:000$000 réis, para pagamento integral dos vencimentos das classes inactivas que tiveram o primeiro abono até 30 de junho de 1887, e bem assim a quantia de 10:000$000 réis para satisfazer o subsidio ao instituto creado por decreto de 11 de janeiro de 1891.
b) As despezas com a continuação das obras da escola agricola de reforma, das do novo edificio da escola medico-cirurgica de Lisboa e da alfandega de Lisboa serão custeadas pela verba geral de edificios publicos, do orçamento ordinario do ministerio das obras publicas, commercio e industria.
§ 12.° Ficam derogadas todas e quaesquer disposições, modificando, alterando ou revogando o que expressamente preceituam os artigos 3õ.° e 42.° do regulamento geral da contabilidade publica, sendo de execução permanente a disposição d'este paragrapho.
§ 13.° No anno economico de 1892-1893 fica em vigor o disposto no artigo 12.° do decreto de 30 de junho de 1891, e nos artigos 57.° a 59.° do regulamento geral da contabilidade publica, guardando-se, porém, o principio geral estabelecido no § 2.° do artigo 14.° da carta de lei de 26 de fevereiro de 1892. Fica outrosim declarado que todas as despezas novas auctorisadas por lei dentro de qualquer anno economico, e que não poderem ter sido incluidas nas respectivas tabellas, serão satisfeitas mediante a abertura de creditos especiaes, segundo o disposto no § 9.° do artigo l.º da carta de lei de 30 de junho de 1891, sendo de execução permanente a disposição d'este paragrapho.
§ 14.° São abertos creditos supplementares para despezas do exercicio de 1891-1892, a favor do ministerio dos negocios da marinha e do ultramar para despezas geraes das provincias ultramarinas da quantia de 600:000$000 réis, e a favor do ministerio das obras publicas, commercio e industria da quantia de 35:000$000 réis, para pagamento aos correios estrangeiros pelas correspondencias que por seu intermedio se recebem e expedem por vias maritimas ou terrestres, segundo as respectivas convenções, devendo este ultimo credito ser satisfeito pela transferencia de sobras de outras verbas do orçamento ordinario do respectivo ministerio.
§ 15.° Fica o governo auctorisado a modificar o contrato de 20 de abril de 1887, com a empreza das obras do melhoramento do porto de Lisboa, por fórma que sem prejuizo dos interesses commerciaes do mesmo porto, e supprimindo por completo a dotação necessaria para a conclusão das referidas obras, o dito contrato de construcção se transforme n'um contrato de exploração, que ficará sujeito á approvação parlamentar.
§ 16.° A liquidação com a camara municipal de Lisboa, a que se refere o n.° 1.° do § 36.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891, abrangerá o segundo semestre do anno civil de 1891.
§ 17.° É expressamente prohibido o pagamento de quaesquer estudos de obras publicas pelas verbas respectivas da construcção, o qual só poderá realisar-se por verba especial para aquelle fim legalmente destinada.
§ 18.° Nenhuma despeza ou subsidio pela secção 1.ª do artigo 19.° do capitulo 6.° do orçamento do ministerio das obras publicas, quando se refira a edificios que não estejam na posse do estado, poderá ser ordenada sem que, previamente, tenha sido publicado na folha official o decreto auctorisando essa despeza ou subsidio.
§ 19.° Esta lei começará a vigorar no dia 1 de julho de 1892, excepto o disposto nos §§ 9.° e 14.° a 16.° d'este artigo, que fica em vigor a datar da publicação da mesma lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão, aos 15 de março de 1892. = Manuel Pinheiro Chagas = Franco Castello Branco (com declarações) = José Estevão de Moraes Sarmento = Adolpho Pimentel = Antonio Maria Cardoso = Teixeira de Vasconcellos = Sergio de Castro = Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro = Luciano Cordeiro (vencido na parte do centenario) = Antonio M. P. Carrilho, relator.

Mappa da despeza extraordinaria do estado, na metropole, no exercicio
de 1892-1893 a que se refere a lei datada de hoje, e que d'ella faz parte

Ministerio dos negocios da fazenda

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios do reino

[ver tabela na imagem]

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SESSÃO N.º 47 DE 18 DE MARÇO DE 1892 15

Ministerio dos negocios da guerra

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da marinha e do ultramar

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios estrangeiros

[Ver tabela na imagem]

Ministerio das obras publicas, commercio e industria

[Ver tabela na imagem]

Sala da commissão, aos 15 de março de 1892. = Manuel Pinheiro Chagas = Franco Castello Branco (com declarações) = José Estevão de Moraes Sarmento = Adolpho Pimentel = Antonio Maria Cardoso = Teixeira de Vasconcellos = Sergio de Castro = Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro = Luciano Cordeiro (vencido na parte do centenario) = Antonio M. P. Carrilho, relator.

N.° 11-D

Senhores. - Tendo o governo apresentado ás côrtes, em conformidade com o preceito constitucional, o orçamento geral da receita e despeza ordinarias para o exercicio de 1892-1893, que já estava preparado pelo gabinete anterior, é sobre este diploma que tenho hoje de formular a proposta de lei de recurso e encargos geraes do estado, na metropole, no futuro exercicio.
A auctorisação concedida pelo parlamento ao governo no artigo 13.º da carta de lei de 26 de fevereiro de 1892, justifica, ainda qundo outros motivos não houvesse, a proposta que tenho a honra de submetter ao vosso exame, pois commettido ao governo o encargo e a obrigação de reformar os serviços publicos, em obediencia á maxima economia compativel com a boa organisação dos mesmosserviços, não é evidentemente sob taes condições que as côrtes poderiam, sem prejudicar a sua anterior decisão, entrar no exame e discussão de cada uma das verbas da despeza ordinaria, o que importaria examinar e discutir a melhor organisação dos respectivos serviços.
Entretanto cumpre ao governo a obrigação de acompanhar a proposta de lei de meios, para o futuro exercicio, de todoas as informações e de todas as rectificações que os actos consumados posteriormente á elaboração do orçamento introduziram já, ou introduzirão nos numeros primeiramente calculados.

Somma a receita ordinaria pelo orçamento geral apresentado, réis....43.874:458$660
E contra esta receita a

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[Ver tabela na imagem]

A este deficit, porém, temos a acrescentar verbas de tres naturezas diversas.

Uma é o orçamento das despezas extraordinarias, que, segundo o mappa annexo a esta lei, somma 4.599:500$000 réis, distribuindo-se d'esta fórma pelos differentes ministerios:

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Comparando esta quantia com a de 11.100:317$991 réis, que era a importancia do orçamento extraordinario para 1890-1891, vê-se que ha uma differença para menos de réis 6.500:817$991, ficando assim satisfeita pelo duplo a obrigação, imposta ao governo pelo artigo 16.° da citada lei de 26 de fevereiro ultimo, do reduzir as despezas extraordinárias em quantia não inferior a 3.000:000$000 réis.

Na verba das despezas extraordinarias do ministerio das obras publicas apparece descripta a dotação das obras do porto de Lisboa, com a quantia de 500:000$000 reis; e esta propria verba poderá ser supprimida por completo, se o parlamento entender opportuno auctorisar o governo, conforme proponho, a transformar o contrato actual de empreitada n'um contrato do exploração das docas o caos, contracto que seria ulteriormente submettido á sancção parlamentar.

A segunda verba que ha a acrescentar ao deficit do orçamento ordinario é o desfalque eventual que, na receita das alfandegas, produzirá o regimen protector do trabalho nacional estabelecido pela nova pauta. Creio que esse desfalque não attingirá proporções extraordinarias, pois as verbas mais quantiosas do rendimento aduaneiro provém dos direitos de materias primas e generos alimenticios e de consumo directo, sobre os quaes não póde haver elevação do taxas, attendendo ao encarecimento das condições da vida. Assim creio que, computando em réis 900:000$000 o desfalque das receitas aduaneiras, ficâmos acima do limite provavel.

A terceira verba é o encargo cambial para os pagamentos estrangeiros, determinado pelo premio actual do oiro. Ultimado o convenio com os portadores da divida externa, o reduzindo-se a metade os encargos da mesma divida a pagar em oiro, póde computar-se em 6.000:000$000 réis a somma total dos pagamentos do thesouro n'essa especie. Sobre esta somma calculo o prejuizo cambial de 25 por cento, pelas cotações presentes, embora as previsões sejam de que o premio do oiro attingiu já o seu maximo, e que as medidas financeiras estabelecendo o equilibrio orçamental, a liquidação da crise commercial restaurando a confiança publica, o desenvolvimento agricola e industrial limitando as importações, crescendo as exportações por virtude do proprio premio do oiro, e, finalmente, tendendo a melhorar as condições relativas do cambio do Brazil, esse premio baixará, embora gradualmente, mas do um modo firme e seguro.

Seria relativamente facil, por meio de expedientes de occasião, produzir a melhoria artificial dos cambios, mas a reacção de taes movimentos breve se faria sentir, desorganisando o curso natural dos elementos economicos. O emprego de taes meios, quaesquer que fossem as suas vantagens immediatas, seria, a meu ver, contraproducente, e a unica solução para a situação presente é deixar á força das cousas a restauração do equilibrio monetario, tanto mais que o premio do oiro, se por um lado onera as importações, é, por outro lado, um estimulante energico da producção interna e das exportações.

Assim as tres verbas:

Despezas, extraordinarias .... 4.599:500$000
Desfalque no rendimento aduaneiro .... 900:000$000
Premio do oiro nos pagamentos estrangeiros .... 1.000:000$000

.999:500$000

elevam o deficit total a .... 10.032:080$354

Vejâmos agora de que recursos dispõe o governo para preencher este deficit, satisfazendo assim a obrigação que contraiam de estabelecer o equilibrio orçamental.

O primeiro d'esses recursos está nas receitas provenientes da lei já mencionada de 26 de fevereiro ultimo, receitas que podem enumerar-se do seguinte modo:

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SESSÃO N.º 47 DE 18 DE MARÇO DE 1892 17

[Ver tabela na imagem]

Vem em seguida as receitas provenientes da proposta de lei tributaria que, n'esta data, tenho a honra de vos apresentar com respeito ao fabrico dos alcooes, manteiga artificial e phosphoros.

O acrescimo de receita dos phosphoros e alcooes estava já computado no orçamento para o exercicio proximo futuro em .... 527:000$000
Pela proposta acima alludida esse rendimento sobe a .... 674:000$000
de fórma que ha o excesso de .... 147:000$000

Em seguida cumpre enumerar as differentes reducções de despeza effectuadas nas verbas de material e diversas do orçamento ordinario, a saber:

Fazenda .... 50:000$000
Reino e instrucção publica .... 100:000$000
Guerra .... 70:000$000
Marinha .... 30:000$000
Obras publicas .... 50:000$000
300:000$000

Finalmente, as reformas dos serviços auctorisadas pela lei de 26 de fevereiro ultimo, reformas que estarão em vigor antes do começo do anno economico futuro, hão de produzir, como minimo, a reducção de despeza immediata e effectiva do 800:000$000 réis.

Recapitulando, pois, os differentes recursos, temos:

1.° Rendimentos pela lei de 26 de fevereiro .... 8.805:367$992
2.° Excesso de rendimento pela proposta de 4 de março corrente .... 147:000$000
3.° Reducções effectuadas nas despezas de material e diversas dos differentes ministerios .... 300:000$000
4.° Reducção minima a effectuar nas despezas do pessoal dos differentes ministerios, em virtude das reformas auctorisadas .... 800:000$000
10.052:367$992

Comparando esta somma dos recursos com a do deficit anteriormente orçado, vê-se que as previsões justificadas permittem saldar o orçamento.

Tenho, portanto, a honra de vos apresentar a seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° É auctorisado o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos na metropole e nas provincias ultramarinas, relativos ao exercicio do 1892-1893 o a applicar, respectivamente, o seu producto ás despezas ordinarias e extraordinarias do estado, na mesma metropole e provincias ultramarinas, correspondentes ao citado exercicio, nos termos das leis de 21 de junho de 1883, 15 de abril de 1886, 30 de junho de 1887, 23 do junho de 1888, 19 de junho de 1889 e de 26 de fevereiro de 1892, e decretos do 17 e 20 de dezembro de 1891, e demais legislação em vigor ou que vier a vigorar.

§ 1.° O governo applicará á receita geral do estado, em 1892-1893, para compensar o pagamento da dotação do clero parochial das ilhas adjacentes, a quantia de réis 149:800$000, deduzida do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros do inscripções vencidos e vincendos dos conventos do religiosas supprimidos depois da lei de 4 de abril de 1861.

§ 2.° A contribuição predial do anno civil de 1892 é fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, nos termos do que preceituam os §§ 1.° e 3.° do artigo 6.° da carta de lei de 17 de maio de 1880.

§ 3.° O addicional ás contribuições predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria do anno civil de 1892, para compensar as despezas com os tribunaes administrativos, viação districtal e serviços agricolas dos mesmos districtos, é fixada na mesma quota, respectivamente lançada em cada districto, em relação ao anno civil de 1890. § 4.° A conversão da divida consolidada interna em pensões vitalicias continua a ser regulada nos termos do § 4.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891.

§ 5.° Fica em vigor respectivamente ao anno economico de 1892-1893 o disposto no § 3.° do artigo 1.° da citada, lei de 30 de junho de 1891.

§ 6.° Continua em vigor no exercicio de 1892-1893 o disposto no § 1.° do artigo 1.° da lei de 23 de junho de 1888.

§ 7.° A despeza extraordinaria do estado, na metropole, no exercicio de 1892-1893, despeza a que é applicavel o disposto no § 1.° do artigo 10.° da lei de 21 de junho do 1883, é fixada, nos termos da legislação em vigor, ou que venha a vigorar, em 4:599:500$000 réis; a saber:

[Ver tabela na imagem]

§ 8.° É o governo auctorisado a pagar pelas differenças de cambios do exercicio futuro até á quantia de 1.500:000$000 réis, ficando auctorisados os encargos da mesma proveniencia até 30 de junho de 1892.

§ 9.º São revogadas todas e quaesquer auctorisações dadas ao governo até 31 de dezembro de 1891 para modificação, qualquer que ella seja, dos serviços publicos e do seu pessoal, ficando esta disposição de execução permanente.

§ 10.° Fica em vigor, no exercicio de 1892-1893, o disposto no § 12.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891, na parte applicavel.

§ 11.° O governo decretará nas tabellas de despeza ordinaria da metropole e geraes das provincias ultramarinas

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as necessarias rectificações, observando-se, em relação á metrópole, que as despezas ordinarias do estado, sem attenção ás reducções provenientes das reformas a que o governo está auctorisado pela lei de 26 de fevereiro de 1892, não podem exceder:

[Ver tabela na imagem]

§ 12.° Ficam derogadas todas e quaesquer disposições, modificando, alterando ou revogando o que expressamente preceituam os artigos 35.° e 42.° do regulamento geral da contabilidade publica, sendo de execução permanente a disposição d'este paragrapho.

§ 13.° No anno economico de 1892-1893 fica em vigor o disposto no artigo 13.° do decreto de 30 de junho de 1891, e nos artigos 57.° a 59.° do regulamento geral da contabilidade publica, guardando-se, porém, o principio geral estabelecido no § 2.° do artigo 14.° da carta de lei de 26 de fevereiro de 1892. Fica outrosim declarado que todas as despezas novas auctorisadas dentro de qualquer anno economico, e que não poderem ter sido incluidas nas respectivas tabellas, serão satisfeitas mediante a abertura de creditos especiaes segundo o disposto no § 9.° do artigo 1.° da carta de lei de 30 de junho de 1891, sendo de execução permanente esta disposição.

§ 14 ° Fica o governo auctorisado a modificar o contrato de 20 de abril de 1887, com a empreza das obras do melhoramento do porto de Lisboa, por fórma que sem prejuizo dos interesses commerciaes do mesmo porto, e supprimindo por completo a dotação necessaria, para a conclusão das referidas obras, o dito contrato de construcção se transforme n'um contrato de exploração, que ficará sujeito á approvação parlamentar.

§ 15.° A liquidação com a camara municipal de Lisboa a que se refere o n.° 1.° do § 36.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891, abrangera o segundo semestre do anno civil de 1891.

§ 16.° Esta lei começará a vigorar no dia 1 de julho de 1892.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Ministerio dos negocios da fazenda, em 4 de março de 1892. = J. P. Oliveira Martins.

Mappa da despeza extraordinaria do estado, na metropole, no exercicio de 1892-1893, a que se refere a lei datada de hoje, e que d'ella faz; parte

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Ministerio dos negocios da marinha e do ultramar

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Ministerio das obras publicas, commercio e industria

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Ministerio dos negocios da fazenda, aos 4 de março de 1892. = Joaquim Pedro de Oliveira Martins.

O sr. Fuschini (para uma questão prévia): - A minha questão prévia é a seguinte:

«A camara, considerando a apresentação da lei de. meios um expediente imposto pela estreiteza de tempo, o que não tem logar nas presentes circumstancias, resolve adiar a sua discussão e convida a commissão respectiva a apresentar o parecer sobre o orçamento, proposto para o anno economico de 1892-1893.»

Não é novidade apresentar esta questão provia, se bem me recordo, é já esta a terceira ou a quarta que tenho sustentado, quando se discutem as leis de meios.

No actual momento, dão-se circumstancias tão especiaes, que entendo dever desenvolver as minhas considerações, submettendo-as ao criterio e a imparcialidade da camara.

Nenhuma lei de meios foi ainda apresentada ao nosso parlamento, sem a rasão suprema da falta de tempo para discutir o orçamento!

Dirigindo-se mal, em geral por culpa dos governos e não da camara ou da sua presidencia, a discussão dos differentes projectos, acontecia que a camara chegava perto do fim do anno economico, isto é, quasi a 30 de junho, sem ter quasi materialmente tempo para discutir o orçamento.

É mais do que provavel, que este facto tenha occorrido, voluntaria e conscientemente, para os governos fugirem á discussão do mais importante documento da administração publica; encontrando-se, por esta fórma, na falta do tempo uma rasão de certo peso para justificar um pessimo precedente.

As condições presentes são, todavia, completamente differentes. Ninguem poderá dizer, de certo, que do dia 18 de março, em que estâmos, não tenhamos tempo mais do que o sufficiente para discutir o orçamento, n'esta e na outra casa do parlamento, até ao dia 30 de junho!

Como é preciso, porém, encontrar uma rasão, o sr. ministro da fazenda dá-a no seu relatorio; mas de tal fórma pueril, que não posso deixar de a ler á camara, para que a aprecie; sendo possivel que muitos deputados não conheçam o relatorio ministerial, visto que este projecto foi em parte distribuido n'esta mesma sessão! Eu mesmo, se o quiz ter, mandei-o hontem pedir á imprensa nacional às quatro horas da tarde!

Sr. presidente, este facto é gravissimo; porque terei occasião de mostrar que o projecto envolve auctorisação de importancia excepcional.

Quando o espirito publico pede no parlamento discussões serenas, scientificas e largas, parece-me um pessimo principio auctorisar o governo a arrecadar receitas e a fazer despezas por um documento, que devia ser excepção no parlamento portuguez e que não é conhecido em parlamento algum do mundo.

Ora, qual é a rasão suprema, que o sr. ministro dá no seu relatorio? É esta:

«A auctorisação concedida pelo parlamento ao governo no artigo 13.° da carta de lei de 26 de fevereiro de 1892, justifica, ainda quando outros motivos não houvesse, a proposta que tenho a honra de submetter ao vosso exame, pois commettido ao governo o encargo e a obrigação do, reformar os serviços publicos, eme obediencia á maxima economia compativel com a boa organisação dos mesmos serviços, não é evidentemente sob taes condições que as côrtes poderiam, sem prejudicar a sua anterior decisão, entrar no exame e discussão de cada uma das verbas da despeza ordinaria, o que importaria examinar e discutir a melhor organisação dos respectivos serviços.»

Ora, eu não sabia, que o parlamento era chamado a outra cousa, que não fosse discutir e examinar as melhores organisações dos serviços publicos! A rasão apontada é tal, que deve provar e demonstrar á camara, que longe de se entregar a pretendidos salvadores, tudo deve esperar do seu estudo e do seu criterio como legitima representação nacional.

Sr. presidente, esta puerilidade, nem devia escrever-se em relatorio d'esta natureza.

Alem d'isso, sr. presidente, é facil demonstrar que o orçamento envolvo muitos capitulos independentes da organisação dos serviços. Pergunto eu a v. exa. só nos calculos das receitas e na apreciação d'ellas é envolvida porventura a organisação de algum serviço?

As despezas extraordinarias, feitas pelos differentes ministerios, estudadas e apreciadas verba a verba na sua origem e applicação envolvem porventura organisação de serviços?

Que argumento é este, que phantastica vaidade é a do homem que assigna este documento em se sobrepor em criterio aos representantes do paiz para organisar os serviços publicos?

Mais ainda; n'este mesmo documento affirma-se que as novas reformas dos serviços publicos estarão feitas antes do anno economico.

Ora, sendo assim, se estão por tal fórma adiantados que no principio do anno economico podem vigorar, rasão havia para o sr. presidente do conselho pedir o adiamento das camaras para publicar essas reformas e depois apresentar a lei de meios ou a discussão do orçamento, sobre dados positivos e reformas conhecidas.

Em vez d'isto, porém, pedem-se auctorisações amplas o de pessimo caracter politico e do grande alcance financeiro!

Por exemplo, noto a camara, n'esta lei de meios não se pede nem mais nem menos do que a auctorisação para trans-

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formar ora contrato de exploração o contrato de construcção, feito com o sr. Hersen, para o porto de Lisboa. Peço a v. exa. e á camara que attendam as palavras que vou pronunciar, porque tenho a plena certeza de que, mais cedo, ou mais tarde, ellas representarão uma prophecia ácerca das consequencias d'este acto. Serão talvez desprezados os meus avisos, como muitos outros, feitos á camara em tempo opportuno, que poderiam ter evitado gravissimas difficuldades; mas ao menos, eliminem a minha responsabilidade.

O porto de Lisboa é, a meu ver - e creio que tenho sido dos homens em Portugal que têem estudado alguma cousa o assumpto - o factor da riqueza publica mais importante, de que o paiz tem a esperar num futuro mais ou menos proximo.

No meio das angustiosas condições do nosso presente economico e financeiro, lembra-me sempre aquella origem de salvação, se os nossos homens publicos souberem aproveitar esse enorem instrumento de riqueza nacional. É por isso que as tentativas para transformar em exploração a construcção não são novas na nossa historia. Se v. exa. compulsar os seus annaes, encontrará mais de uma tentativa de assambarcamento d'essa fonte de receita por parte de companhias ou de syndicatos.

Ora, affirmo á camara que é absolutamente impossivel, humanamente impossivel estudar n'este momento as bases d'esse contrato de exploração. (Apoiados.)

O porto de Lisboa é um porto do futuro, não ha elementos actuaes para podermos calcular o que elle deve produzir; não ha dados alguns positivos directos, nem de comparação com outros portos estrangeiros, porque nenhum está nas condições de porto de transito e de escala como o nosso deve ser.

Não é ás cegas, com infundadas previsões, que devemos conceder a sua exploração em troca da economia apparente de alguns centos de contos de réis, prendendo por um largo periodo o primeiro recurso financeiro do paiz. Protesto energicamente contra esta tentativa. (Apoiados.)

As grandes obras dos portos em geral têem perniciosa influencia sobre a salubridade publica; em Portugal as lamas do porto de Lisboa atacaram a salubridade politica do paiz. Tomem cuidado não lhe mecham mais...

Estas phrases ficarão, porque tenho a plena certeza de que a camara, se commetter o grave erro de approvar o que se lhe propõe, ha de penitenciar-se, como hoje se penitencia, por não haver dado ouvidos ao que eu lhe disse do contrato da companhia das aguas; ha de penitenciar-se, como hoje se penitencia de não ter attendido ao que seu lhe dizia, quando se tratou do emprestimo dos tabacos; como se penitencia de não ter escutado o que eu lhe aconselhei, quando só discutiu a questão de Salamanca. Se tivesse sido attendido, não estariamos hoje soffrendo a consequencia de actos impensados e de erros funestos.

Eu vi ainda ha pouco distribuir o parecer de infracções. Quem luctou mais n'aquella tribuna contra o contrato da Mala Real? Eu! E o que mereceu a minha altitude n'essa quentão? Da parte dos meus amigos a classificação benevola de que cumpria o meu dever e a opinião tristissima dos meus inimigos, de que eu era um desequilibrado...

Desequilibrado sim, porque tenho luctado contra a corrente dos interesses em vez de transigir com elles!...

Felizmente, os desequilibrados vão crescendo em numero! Olhe bem v. exa., sr. presidente, em volta de si, a aurora do dia em que os desequilibrados serão uma grande força politica do paiz está prestes a despontar.

É tenho dito por emquanto.

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A Camara, considerando a apresentação da lei de meios, um expediente imposto pela estreiteza de tempo, o que não tem logar nas presentes circumstancias, resolve adiar a sua discussão, e convida a commissão respectiva a apresentar o parecer sobre o orçamento, proposto para o anno economico de 1892-1893. - Augusto Fuschini.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Esta moção é primeiro que tudo um adiamento, e como não está apoiada por cinco srs. deputados, fica em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Fuschini: - Não posso estar de accordo com essa resolução de v. exa., mas submetto-me.

O sr. Presidente: - É do regimento, cujo § 2.° do artigo 145.° vou ler.

É o seguinte:

«§ 2.° O adiamento póde ser indefinido ou por tempo indeterminado. Sendo proposto por um deputado e apoiado por cinco entra logo em discussão e póde tomar o logar da questão principal, até resolução da camara sobre elle, ou é discutido simultaneamente com a materia em discussão: n'este caso o adiamento prefere na ordem da votação.»

A votação começará pela proposta do sr. Fuschini.

O sr. Fuschini: - Em todo o caso não perco o direito de entrar na discussão;

O sr. Presidente: - Não perde.

O sr. Carrilho:- Desisto da palavra desde o momento em que v. exa., Br. presidente, considerou assim a moção mandada para a mesa pelo sr. Fuschini.

Nada, portanto, tenho a dizer, n'este momento, visto ella ficar em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Alvaro Possollo (sobre a ordem): - As breves considerações, que vou terá honrado fazer á camara, tel-as-ía feito na occasião, em que foram discutidas as propostas do fazenda, se n'esse momento me tivesse subido a honra de fallar. Não me preoccupou todavia o facto de ter sido encerrado aquelle debate no preciso momento, em que pela ordem da instripção a palavra me poderia caber, porquanto pensei, e v. exa. verá, sr. presidente, que com sobeja rasão, que não perderiam de opportunidade, com a approvação d'aquelles propostas, as considerações, que vou ter a honra de fazer á camara.

O meu ponto de vista n'aquelle momento e o meu ponto de vista ainda hoje era e é, que as medidas de fazenda se impunham pela sua fatal necessidade, mas que eram de todo o ponto impotentes para resolver por completo o nosso problema financeiro. (Apoiados.)

O meu ponto de vista ainda n'este momento, em presença da lei de meios, é, que o governo se illude singularmente no calculo das receitas, com que pretende equilibrar o orçamento e que carecemos portanto da creação de novas receitas, que noa ponham a coberto da necessidade cruel, senão invencivel, de recorrermos a novos emprestimos, facto contra o qual o paiz com o seu provadissimo bom senso devo protestar decidida e energicamente. (Apoiados)

Nós atravessâmos n'este momento, sr. presidente, a crise de uma liquidação verdadeiramente dolorosa: a liquidação dos nossos erros passados, que foram graves, a liquidação das nossas responsabilidades presentes, que são gravissimas.

Dos nossos erros passados, disse, e repito e sem todavia pretender levantar a menor insinuação contra quem, quer que seja, pois que é hoje, mais do que nunca, a hora em que as retaliações partidarias, em que esta atmosphera infecta e vireverente de suspeições, que se anda erguendo á volta do tudo o de todos, mais damnosa e mais funesta poderia ser, mas liquidação dos nossos erros passados (Apoiados.) porquanto a administração do paiz nos ultimos quarenta annos não tem sido mais do que uma incessante carreira para o abysmo, a cuja beira hoje nos vemos, e de que não podemos fugir, a que não podemos furtar-nos, sem a adopção de um conjuncto de medidas que, embora nos firam violentamente, se impõem todavia de uma fórma imperativa para a salvação do paiz e porventura para a conservação da propria integridade nacional. (Apoiados.)

Nos temos gasto douda e desmedidamente. Alem de tudo

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o mais quizemos vencer em brevissimos minutos as duras batalhas da civilisação, batalhas de que tem saído mal feridas nações bem mais pujantes do que a nossa, nós um paiz empobrecido e débil, que jamais pensámos, que um dia havia de chegar, em que á enormidade dos encargos havia de forçosamente corresponder a absoluta e completa impossibilidade do os solver digna e integralmente. Pois esse dia chegou, sr. presidente, e ainda mal que já agora os nossos sentimentos de intemerata probidade não poderão sair-se illesos e a salvo da triste liquidação, que esse dia nos prepara.

Quanto pois ás nossas responsabilidades presentes, doloroso é confessal-o, mas o certo é que, a situação do paiz n'este momento e a do uma, insolvencia verdadeiramente irreductivel.

E todavia encontrava-se ainda ha pouco, e ha pouco tambem ainda eu vi esta opinião reproduzida em varios jornaes d'esta capital, quem quizesse ver uma regeneração financeira possivel no levantamento de um grandissimo emprestimo, consequente de uma problematica modificação no mal estar geral dos mercados monetarios da Europa, ou de uma melhoria, menos de esperar ainda, dos cambios do Brazil.

Eu não contesto, que a situação angustiosa, em que se tem encontrado os diversos mercados financeiros tenha sido a causa, embora occasional, da grande intensidade da nossa crise, mas não nos illudamos pensando, e era esta a idéa, que eu desejara ver para sempre desterrada da mente dos nossos estadistas, que um emprestimo, por maior e melhor que elle fosse, poderia ainda n'este momento trazer um só globulo rubro ao sangue depauperado do nosso thesouro, por que, muito de contrario, não faria mais do que aggravar a nossa misera situação actual com a addição de novos encargos.

É claro, que me não refiro ao emprestimo, que terá de ser feito para a consolidação da divida fluctuante, porque esse não representa a creação de encargos novos, mas simplesmente a applicação, embora transmudada, de encargos existentes já. E quanto á melhoria doe câmbios do Brazil, essa, se porventura póde ter e tem um altissimo significado, sob o ponto de vista modificador das nossas condições economicas e da nossa circulação monetaria, só de uma fórma muita indirecta, muito remota, muito limitada e lenta póde vir em auxilio dos interesses do thesouro. (Apoiados.)

Eu não duvido, sr. presidente, de que, ainda n'esta hora de provação suprema, a grande auctoridade do governo ou a habilidade finissima do sr. Oliveira Martins possam fazer com que s. exa. encontre no credito os moios precisos para acudir ás nossas necessidades mais imperiosas, fataes e instantes, mas um similhante recurso na situação melindrosa e deprimente, em que nos encontrâmos, seria a prova mais solemne e provada de uma assignalada ma fé o de uma revoltante improbidade. (Apoiados.}

Nada pois do emprestimos, sr. presidente, nem para tentar por completo a solução do nosso problema financeiro, o que seria uma phantasia, nem sequer para acudir parcialmente ás exigencias de qualquer deficit, pois é mister, que jamais volte a haver deficits nas contas do thesouro portuguez. (Apoiados.)

Ainda bem que nem o governo, nem a consciencia do paiz, que o acompanha e que mais do que nunca se impõe, parecem nortear-se por similhante caminho, e que, de contrario, todos preferimos liquidar com honra a pedir ainda n'este momento deshonrando-nos. (Vozes: - Muito bem.)

Um banqueiro, um commerciante, uma entidade qualquer, individual ou collectiva, que n'um momento de insuperavel crise liquida, dividindo pelos seus credores tudo quanto humanamente póde dar-lhes, cumpre um acto de altissima honradez, digno da consideração da consciencia publica; não assim, sr. presidente, aquelle, que procura no sacrificio solicitado, certo, calculado e previsto de amigos novos e de novos credores o meio de protellar por uma hora sequer o desfecho inivitavel da sua ruina. (Apoiados.)

Pois para que não seja esta ultima, e muito em breve, a situação do paiz, é mister acudir-lhe de prompto, mas desassombradamente e sem tergiversações, nem receios, e que perante a imagem tragicamente dolorosa das ruinas da patria emudeçam todos os egoismos, cessem todos os pruridos de preocupações partidarias e se calem mesmo os mais legitimos interesses. (Apoiados.)

Quanto a mim, sr. presidente, a base primaria da nossa regeneração financeira, e se toco este ponto, que reconheço como melindrosissimo, é por que receio nas negociações pendentes com o nosso credor externo uma transigencia perigosa por parte do governo, transigencias e perigos mais do que evidentes, se não são falsas ou prematuras as bases do accordo annunciadas hontem pela imprensa periodica, o assento fnndamental, repito, da nossa reorganisação financeira tem de consistir forçosamente na reducção dos juros da divida publica, e essencialissimamente na reducção do juro do nosso coupon externo, com ou sem convenio, acceitem ou não os nossos credores a situação, que uma dura e invencivel fatalidade nossa lhes impõe. (Apoiados.)

Sem isto, sr. presidente, nem ha governos que possam, marchar, nem finanças que sejam viaveis.

É evidentemente uma bancarota, não conheço eufemismo que possa mascaral-a, mas, embora, porque se assim, não fizermos, se o governo, o parlamento, o paiz, quem quer que seja, ou quem quer que tenha boa vontade e força, não procurar n'este momento, o sobre aquella base essencialissima, o meio unico de levar o orçamento e as finanças do estado a uma situação de equilibrio verdadeiramente duradouro e estavel, essa bancarota, que agora se desenha, tão só e parcialmente para o thesouro publico, terá de generalisar-se em breve a quantos interesses os mais preciosos de toda a economia nacional. (Apoiados.)

Porque a triste verdade é, sr. presidente, que, se o governo, para fazer face ao pagamento de um enorme coupon no estrangeiro, tiver de vir fazer ámanhã uma larga concorrencia nos nossos mercados internos á compra do oiro necessario para esses pagamentos, que será, sr. presidente, do nosso commercio, que será das nossas industrias, que carecem d'esse oiro, infelizmente hoje tão rareado já para, pagamentos no estrangeiro tambem, quer dos objectos da sua revenda, quer das materias primas dos seus artefactos? (Apoiados.)

Porque a triste verdade é, sr. presidente, que se não acabarmos, e de uma vez para sempre, com esta situação altamente perigosa de um deficit orçamental, e se para o saldarmos tivermos de entrar ámanhã, porque a necessidade é fatal depois de vedado o recurso ao credito, no regimen aventureiro de emissões successivas de papel moeda mal se calcula, a quanto terá de descer com a depreciação certissima d'este papel o valor de quantos capitães hoje mutuados, de quantas existencias de capitães em deposito, de quasi toda a fortuna publica, como mal se calcula tambem quanta miseria terá de advir para aquelles, cujos rendimentos attingem escassamente os limites das suas necessidades do vida, e que terão de vel-os reduzidos era proporções assustadoras, senão na quasi totalidade do seu valor primitivo. (Apoiados.)

E se o remedio para tamanhos males, se a maneira unica de evitar esta crise
temerosa das nossas industrias, cerca tudo o seu funesto cortejo de dezenas de milhares de operarios sem trabalho, se a fórma unica de obstar á desvalorisação perigosissima de tantos capitães, de quasi toda a fortuna publica, ao descalabro e completa ruina de toda a nossa vida economica e social, está ali, essencialmente ali, na reducção dos encargos da divida publica, não comprehendo, sr. presidente, por que se hesita um momento sequer na reducção immediata dos juros do nosso coupon externo. (Apoiados.)

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

De que se arreceia o governo, sr. presidente, porventura de complicações internacionaes?

Pois eu temo bem mais, sr. presidente, as negras complicações da fome e o imperio sinistro da miseria. (Apoiados.) Receio de complicações internacionaes... Se isto não é, sr. presidente, uma phantasia, é a peior de todas as crises, porque é a crise alarmante e terrivelmente inficciosa do medo. Não a soffro eu, porém, sr. presidente, porque quanto a mim a nossa situação impõe-se como toda a situação dolorosa e irreductivel; alem de que eu quero mesmo crer, que dada a actual situação politica da Europa, o simples valor da nossa expressão geographica bastaria a garantir-nos, de que nenhuma das grandes nações continentaes poderia consentir no predominio, por mais limitado que fosse, de qualquer outra n'este ponto de singular e superior estrategia para a hypothese prevista já nas chancellarias de uma intervenção da Hespanha n'uma futura guerra europêa. (Apoiados.)

Quando, porém, assim não fosse, sr. presidente, quando o facto de um paiz, n'uma situação irreductivel por outra fórma, procurar n'uma medida qualquer de salvação publica o meio unico de entrar no largo caminho da sua reorganisação economica e financeira, devesse provocar uma pressão violenta por parte de quaesquer estados europeus, o que tios não traria, sr. presidente, a cessação completa e integral dos nossos pagamentos, cessação, que inevitavelmente terá do dar-se n'um futuro muito proximo de nós, porventura no dia immediato áquelle em que termine a moratoria em que se diz que o governo vae transformar o plano de convenio em que do principio parecêra ter accorda do comnosco, se acaso não adoptarmos, e desde já, este meio unico de podermos viver. (Apoiados.)

Isto demonstra, sr. presidente, como é inane a puerilidade d'aquelles medos, pois que em verdade seria mais para receiar uma tutela ou uma pressão humilhante, na hypothese do paiz deixar correr de animo leve e á revelia estes assumptos primarios da sua boa, sã e honesta administração interna, do que n'aquella em que elle procura dar aos seus credores tudo quanto humanamente póde dar-lhes nos limites das suas disponibilidades. (Apoiados.)

Depois, sr. presidente, temos para responder a todas as reclamações exemplos e dos mais illustres; já aqui nos citou o sr. Oliveira Martins, o exemplo da Prussia depois de lena, o exemplo da Austria depois de Sadowa, o exemplo da Italia depois da sua renascença para a begemonia nacional, o exemplo da Hespanha depois da restauração de Sagunto.

E se o exemplo das grandes nações, d'aquellas que, pela pujança das suas energias economicas, do seu valimento politico, da sua supremacia intellectual e scientifica, representam por assim dizer o pontificado da civilisação humana, serve para nos animar n'esta tentativa, unica que hoje ainda póde validamente redimir-nos, lembremo-nos, sr. presidente, que a divida publica ingleza, e não foi outra a politica economica de Pitt, representa, na modicidade relativa dos seus encargos, a maior somma de conversões, de que tem sido objecto a divida publica de qualquer estado, e que embora essas conversões tenham sido sempre feitas mediante proposta de reembolso, não ha ninguem que assevere, antes depõem unanimes em contrario todos os economistas, que o thesouro da Inglaterra se encontrasse algum dia na situação de poder reembolsar por completo o montante assombroso d'essas conversões. (Apoiados.)

Lembreme-n'os, sr. presidente, de que a França, a nobre, a rica, a honrada o economica França, tem feito por vezes reducções nos encargos do seu thesouro e que foi sob a administração prudente, sensatissima e hoje ainda prestigiosa de Colbert, que o arruinado jurista inspirou a Boileau os conhecidos versos:

.......plus pâle q'un rentier
à Paspect d'un arrêt, qui retranche un quartier.

e que foi essa mesma França, que embora senhora de tres milhares de bens sequestrados ao cloro, de cinco milhares confiscados aos emigrados, póde realisar successivamente tres bancarotas: a dos assignados, a dos bilhetes territoriaes e a do terço consolidado. (Apoiados.)

Lembreme-n'os... Mas para que mais exemplos, sr. presidente?

Para que ír buscar rasões extranhas, quando nós temos como rasão de ferro, instante, dominadora e sinistra a rasão suprema da fome, que nos aperta por todos os lados, e que nos devorará sem demora, se porventura não adoptarmos este meio unico de nos podermos hoje ainda salvar? (Apoiados.)

Faça-se, pois, o governo forte nas rasões da sua necessidade, mostre que não tem medo, porque o medo é um sentimento pueril, e tem sido por certo o principal defeito da maior parte dos nossos estadistas, vá direito ao seu fim mas sem contemporisações que seriam uma fraqueza, sem transigencias, que seriam uma cobardia, e tudo será possivel e tudo será feito.

Mas deve fazer-se tudo.

(Leu.)

Porque a urgencia de equilibrar de uma vez o orçamento é o primeiro passo imprescriptivel para a nossa reconstituição financeira, economica e até moral; porque equilibrar o orçamento, desafogar o thesouro, são as duas operações prévias a que é indispensavel proceder para reconstruir sobre alicerces novos o corpo economico da nação portugueza, como diz com prudentissima rasão no seu relatorio o sr. ministro da fazenda.

Infelizmente, quanto a mim, não chegam para tanto nem as propostas do sr. ministro da fazenda nem os projectos votados n'esta camara.

Eu não acceito, nem posso acceitar senão a beneficio de inventario o deficit do 10:000 contos de réis, calculado pelo sr. Oliveira Martins.

Os seus calculos são por tal fórma optimistas, que têem de soffrer grandissimas correcções.

S. exa. tomou como base, no relatorio de fazenda as receitas cobradas em 1890-1891 e tomou uma base muito diversa, exageradamente avultada, no orçamento do estado.

Eu seguirei a primeira, não só porque está mais proxima da verdade, embora muito afastada d'ella, mas ainda porque é opinião minha, e está no criterio de todos nós, que orçamentos são orçamentos e só a verdade é que é a verdade.

Partindo d'aquella base das receitas arrecadadas em 1890-1891, com exclusão dos recursos provenientes do emprestimos, isto é, de uma somma de 39:877 contos de réis, diz o sr. Oliveira Martins, que acrescentando-lhes 2:208 contos de réis, provenientes dos juros de titulos na posse da fazenda e do excesso do rendimento do novo regimen dos tabacos, se encontra uma receita total do 42:080 contos de réis.

Mas estas verbas, sr. presidente, eram já comprehendidas nas cobranças de 1890-1891; os titulos na posso da fazenda por 1:549 contos de réis e os tabacos por 2:829 contos de réis, quer dizer, um total de 4:378 contos de réis liquidado pelas contas do thesouro; e, figurando nos calculos do sr. ministro por 6:269 coutos de réis, só a differença entre estas duas verbas ou 1:891 contos de réis, póde ser considerada como acrescimo de receita, a qual, por consequencia se reduzirá a 39:877 + 1:891 = 41:768 contos de réis, ou seja menos 317 contos de réis que os calculados pelo nobre ministro; devendo, portanto, esta quantia, accrescer ao deficit por s. exa. previsto.

Pelo que respeita a despeza com os cambios, os calculos do sr. ministro têem tambem de ser convenientemente rectificados.

S. exa. calculou esta despeza na importancia de 1:500

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contos de réis. Isto é, suppoz a taxa de 25 por cento, quando hoje estamos pagando 32 e 33 por cento.

Mas calculando simplesmente á taxa de 30 por cento, que por desgraça nossa não podemos esperar que diminua e applicando-a ao que nos restará a, pagar pela dividi externa, depois de reduzida a 50 por cento, segundo o convenio, como eu desejaria que se fizesse, isto é, sobre uma quantia de juros na importancia do 5:121 contos de réis, encontramos desde logo a verba de 1:536 contos de réis.

Se applicarmos a mesma taxa aos 7:000 contos de réis da divida fluctuante externa, para a qual calculo o encargo approximado de 490 contos de réis annuacs ao juro de por cento, temos mais 147 contos de réis. E se applicarmos por fim a mesma taxa ainda aos juros de dois terços do emprestimo dos tabacos, ou mais ainda, que estão collocados no estrangeiro, quer dizer a um encargo na importancia approximada de 1:800 contos de réis, encontrâmos mais 540 contos de réis.

E estas verbas sommadas dão 2:223 contos de réis não os 1:500 que o sr. Oliveira Martins calculou.

São portanto mais 723 contos, que nós temos que augmentar ao deficit suavemente previsto pelo sr. ministro da fazenda.

Por outro lado, ainda, sr. presidente, as receitas são calculadas, como já disso, pelo que se arrecadou em 1890-1891, quer dizer n'uma epocha de relativo desafogo para nós. Hoje porém, que a economia do paiz se arrasta miseravelmente, hoje que a intensa febre de medo contagiou a tudo e a todos, fazendo com que uns por necessidade, outros por prudencia, e quasi todos arrastados na corrente assoladora do panico, reduzam enormemente as suas despezas; hoje que a febre das custosas construcções e dos grandes emprehendimentos como que remitiu de todo, e que se patenteia desolante uma enorme crise de trabalho, eu creio, sr. presidente, que não serei um melancolico propheta, nem errarei sensivelmente calculando um desfalque importantissimo no computo d'aquellas receitas. Apoiados.) Por outro lado, sr. presidente, com o regimen de amplissima defeza industrial, que vae ser lei do paiz, e porque o nosso commercio externo, pela carestia e escassez do numerario, tem de reduzir fatal e enormemente as suas compras no estrangeiro, é de crer que os rendimentos do thesouro no departamento das alfandegas terão de descer por fórma a aggravar fortissimamente as condições já de si precarias da fazenda publica, mormente emquanto, o que é obra de longuissimos annos, o progressivo desenvolvimento da riqueza do paiz nos não trouxer a base de compensações, que de futuro deve dar-nos. Todos nós sabemos, sr. presidente que na rica e florescentissima America, onde existe uma industria poderosa e fortissimamente calibrada, o bill Mac-Kinley produziu perturbações financeiras por tal fórma graves, que não só todos os interesses industriaes e do commercio d'aquelle grande paiz conclamam contra elle, mas até já um dos proprios candidatos á presidencia da republica, e não dos menos illustres, Cleveland, faz consistir a base essencial do seu programma de governo na conformação d'aquella lei com os interesses do thesouro. (Apoiados.)

Portanto, sr. presidente, calculando era 15 por cento o desfalque no rendimento das importações das nossas alfandegas, comprehendendo as importações de cereaes, porque, mercê de Deus, o nosso agricultor está já hoje habilitado a produzir o triplo do que produzia ainda ha pouco; e em 10 por cento o desfalque sobre o grupo de receitas constituido pelas contribuição industrial, isto é, sobre uma arrecadação de 1:134 contos, porque evidentemente este imposto não poderá render n'um momento de angustiosa crise, de uma crise de trabalho patenteadissima, o mesmo que tem rendido em epochas normaes; sobre 593 contos réis do rendimento da contribuição sumptuaria o de renda de casas, porque é sabida a depreciação enorme, que se está dando no valor locativo das habitações, especialmente em Lisboa e no Porto, depois do exodo assustador de familias abastadas, que têem abandonado o paiz, fazendo com que os senhorios se tenham visto forçados a reduzir mais de 30 por cento ás suas rendas anteriores; sobre 328 contos de réis nos direitos de mercê, porque não é de suppor, que n'uma epocha de vaccas magras, n'um momento de miserias e de rudes provações para todos, quando na magra mesa do orçamento não existo já hoje mais que o caldo negro da sobriedade da velha Sparta, ou as miserrimas migalhas dos lautos festins de uma epocha bem proxima, que eu todavia não quero individuar para tranquilidadede nós todos, não é de suppor, repito, que esta fonte de receita possa attingir as proporções passadas; (Apoiados.) sobre 1:995 contos de réis dos direitos de consumo em Lisboa, e basta-me como apoio para a minha asseveração apontar a v. exa. um facto, que li hontem noum jornal, e é que no matadouro de Lisboa, desde junho até agora, se tem abatido menos 4:000 rezes de gado vaccum do que as abatidas em igual periodo dos annos anteriores; sobre 1:598 contos de réis da receita nos caminhos de ferro do sul e sueste o do Minho e Douro, linhas do estado, porque o desenvolvimento economico de um povo é funcção essencial, impreterivel, do seu movimento ferro-viario, e em consequencia sobre 200 contos de réis do imposto de transito, e ainda sobre os 1:198 contos de réis do imposto complementar de 6 por cento, que abrange todas as fontes das nossas receitas; quer dizer, sr. presidente, que suppondo em summa uma depreciação de 10 por cento nas receitas que venho de enumerar, ou sobre um total de 7:160 contos de réis, e um desfalque de 15 por cento nas receitas aduaneiras sobro uma somma de 13:520 contos de réis eu encontro uma verba de 2:732 contos de réis, que, como as que anteriormente apurei, terão do accrescer ao deficit previsto pelo sr. Oliveira Martins.

E este portanto cifrar-se-ha, não nos 10:032 contos de réis dos seus calculos, mas em 10:032 + 317 + 732 + 2:732 contos de réis, ou na somma de 13:804 contos de réis, o qual todavia se reduz definitivamente á quantia de 12:904. contos de réis depois do deduzidos os 900 contos de réis, em que o sr. ministro por seu lado calcula a diminuição das receitas publicas.

É contra este facto altamente assustador, que é necessario reagir; mas infelizmente, como já disse, não chegam para tanto, embora o talento enorme e a enorme boa vontade que s. exa. dispendeu n'estes trabalhos, as propostas do sr. ministro da fazenda, nem os projectos votados n'esta camara.

Começando nas deducções sobre os vencimentos dos empregados publicos, que o sr. Oliveira Martins calcula deverem render 1:100 contos de réis, eu posso asseverar, que a pouco mais subirão de 500 contos de réis.

Sommando verba a verba os diversos vencimentos do nosso orçamento, e quando digo vencimentos comprehendo ordenados, gratificações, ajudas de custo, etc., eu posso garantir á camara, que se encontra nas condições estabelecidas pela lei ultima o seguinte: entre os limites de 400$000 a 700$000 réis a somma de 2:251 contos do réis de vencimentos, que a 5 por cento dão 112 contos de réis; entre 700$000 réis e 1 conto de réis, um montante de 1:120 contos de réis que a 10 por cento dão 112 contos de réis; de 1:000$000 a 1:500$000 réis, um total de 1:086 contos de réis, que a 15 por cento renderão 103 contos de réis, e entre 1:500$000 e 2 contos de réis 616 contos de réis, que 20 por cento darão 123 contos de réis.

Sendo o excesso de vencimentos sobre 2 contos de réis de 32 contos e 80 contos de réis as deducções a fazer nos vencimentos das classes inactivas, encontra-se a final a somma de 622 contos de réis o não a quantia exageradamente calculada pelo sr. Oliveira Martins.

Mas esta mesma, sr. presidente, tem ainda de soffrer uma grave correcção, porquanto s. exa. não deduziu, como

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devêra ter deduzido, da verba, que encontrou, os 2 por cento do imposto de rendimento, que até ha pouco pagava o funccionario publico, e que agora ficam conglobados na percentagem da respectiva deducção.

E, assim, calculando aquelles 2 por cento sobre a importancia de 5:775 contos de réis, que é a mesma sobre que as deducções vão incidir, encontrâmos 115 coutos de réis, que deduzidos dos 622 contos de réis já computados, reduzem o rendimento d'esta fonte de receita ao maximo de 506 contos de réis.

Tambem não darão os setecentos e tantos contos de réis, calculados pelo sr. ministro da fazenda, os addicionaes sobro as diversas contribuições do estado.

Nós temos, pelo que respeita ao imposto predial, entre os limites de 10$000 e 100$000 réis, 58:000 collectas, das quaes, applicando o addicional estabelecido na lei, obteremos um excesso de receita na importancia de 164 contos de réis; temos 2:600 collectas superiores a 100$000 réis e inferiores a 200$000 réis, que renderão mais 59 contos de réis; 650 collectas superiores a 200$000 réis e inferiores a 300$000 réis, que darão mais 22 contos de réis; 454 collectas entre 300$000 e 500$000 réis, que produzirão mais 32 contos de réis e 235 collectas superiores a 500$000 réis, cujo acréscimo de rendimento será de 33 contos de réis; quer dizer um excesso sobre o rendimento actual de 310 contos de réis.

Devo advertir, que tomei para base d'este meu calculo, como para os outros que vou apresentar á camara, o producto do numero de collectas pela media das quantias maxima e minima, que determinam a applicação de cada um dos termos da progressão da percentagem addicional, e que applicando este methodo a todas as collectas da contribuição predial, como das restantes, eu encontrei para cada uma d'ellas a somma total approximada do rendimento, em que são calculadas, o que contraprova a efficacia do systema, que segui, á falta de dados estatisticos exactos e positivos sobre o assumpto.

Com relação á contribuição industrial o resultado e o seguinte:

Ha 28:500 collectas superiores a 10$000 réis e inferiores a 100$000 réis, cujo addicional renderá 78 contos de réis; ha 850 entre 100$000 réis e 200$000 réis, que produzirão mais 15 contos de réis; 400 entre 200$000 réis e 500$000 réis, que hão de render mais 22 contos de réis, e 193 superiores a 500$000 réis, que renderão 27 contos do réis; isto é, ainda um excesso de 142 contos de réis sobre o actual rendimento.

Pelo que respeita á contribuição do renda de casas e sumptuaria ha 12:100 collectas entre os limites de réis 10$000 e 100$000 réis, cujo acrescimo do rendimento será de 16 contos de réis; entre 100$000 réis e 200$000 réis 231 collectas, que renderão mais 5 contos de réis, e 93 collectas superiores a 200$000 réis, cujo rendimento não irá alem de mais 4 contos de réis, isto é, sr. presidente, um total de 25 contos de réis.

O producto, pois, dos novos addicionaes, em vez dos 700 contos de réis calculados pelo sr. ministro da fazenda, dará apenas 477 contos de réis.

Com relação ás inscripções, suppondo a deducção de 30 por cento sobre um total de 6:445 contos do réis, que tanto é o nosso encargo interno pois não entro em calculo com os titulos na posse da fazenda, encontramos 1:993 contos de réis.

E até aqui estou do accordo com os calculos do sr. ministro da fazenda.

D'esta quantia deduziremos, e ainda n'este ponto de accordo com o nobre ministro, 250 contos de réis, que foram acautelados para prehencher o deficit nas corporações de beneficencia e dos institutos de soccorros mutuos.

Mas ha ainda a deducção a fazer, e que s. exa. não foz, dos 3 por cento do actual imposto de rendimento, que se cobravam já, e que vão ser englobados nos 30 por cento do imposto actual.

É claro, que aquelles 3 por cento não abrangiam o total dos 6:415 contos de réis, porque as corporações de beneficencia e os institutos de soccorros mutuos eram exceptuados pela lei de 1880, mas, calculando-os sobre os juros recebidos por aquelles, que pagavam até agora similhante imposto, encontro a verba de 160 contos de réis.

Ainda aqui, portanto, falham os calculos do sr. ministro da fazenda, devendo a verba, em que s. exa. computa aquella receita, descer de 1:863 contos de réis a 1:523 contos de réis.

Quanto ao fundo externo, se o convenio surtir os desejados e promettidos resultados, deve dar effectivamente, como o sr. ministro calcula, 5:121 contos de réis.

Fazendo a somma do todas estas verbas encontramos um total de novas receitas ou de cessação de encargos na importancia do 7:627 contos déreis. Addicionando-lhes os 105 contos, generosamente cedidos pela familia real, e acceitando como boas as economias, que o sr. Oliveira Martins declara terem já sido feitas na importancia de 300 contos de réis, as economias, que o governei declarou fazer, na importancia de 800 contos de réis, e ainda os calculos do sr. ministro, que eu não tenho meio do contraprovar, sobre o producto do addicional ao imposto bancario e sobro applicação de capitães, isto é 200 contos de réis, e do imposto sobro alcool, phosphoros e oleos, ou 674 contos de réis, encontrâmos um total de 9:705 contos do réis, que, para o deficit calculado pelo sr. ministro da fazenda, dá uma differença de 326 contos de réis, o que está longe do saldo de 20 e tantos contos de réis da sua previsão, e longissimo do deficit de 12:904 contos de réis que, sem exageros, nem preoccupações melancolicas, ha pouco calculei.

Ha, pois, um desfalque de perto de 3:200 contos de féis, a que é mister acudir, pois que, se o nosso orçamento se não salda sem demora, e de uma vez para sempre não acabamos com esta situação altamente perigosa, de um deficit orçamental,
todos os sacrificios serão perdidos, e nós, que na defeza de um interesse nacional altamente sympathico poderemos porventura escapar as consequencias perniciosas de uma primeira bancarota, teremos de nos verbera breve vergados ao peso de uma outra vergonhosa e humilhante.

Urge, pois, procurar em novas fontes de receita os meios de corrigir estas palpaveis o ruinosas deficiencias.

Sob o ponto de vista do imposto nenhum se me afigura mais justo, como compensação ás receitas que o estado demitte do si para dar a mais ampla protecção ao trabalho nacional, nem mais de moldo e mais facilmente acceitavel pela suavidade na fórma de pagamento, pela facilidade da fiscalisarão o pela facilidade ainda de se encontrar correctivos a todas as tentativas de fraude, que são o vicio commum do quasi todo o nosso systema de impostos, do que seria um imposto de consumo abrangendo todos os productos manufacturados, quer nacionaes, quer estrangeiros, cobrado por meio de sêllo, proporcional ao montante da compra, em recibo obrigatorio e devido sempre no acto do pagamento.

Outra fonte em que eu procuraria uma receita, e relativamente importante, feria o imposto de transmissão por titulo oneroso, sem comtudo aggravar as taxas existentes.

V. exa. e a camara sabem a enorme fraude de que o thesouro é frequentemente victima com as falsas declarações, que se fazem nos contratos sujeitos ao pagamento d'este imposto, (Apoiados.) resultando d'ellas graves desfalques no seu producto directo e prejuizos não menores para as futuras bases de incidencia do imposto predial. (Apoiados)

Ora parece-me, que estas fraudes só evitariam com o declarar-se simplesmente na lei, que nenhum dos contratos sujeitos ao pagamento d'este imposto poderia ter validado senão passados tantos dias depois da sua celebração, podendo ser entretanto denunciados ou rescindidos á vontade dos pactuantes.

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É evidente, sr. presidente, que logo que esta cautela fosse tornada na lei, ninguem se atreveria mais a fazer falsas declarações, para que não acontecesse voltar-se o feitiço contra o feiticeiro, isto é: que a fraude projectada contra o thesouro publico viesse a redundar em prejuizo exclusivo do defraudador.

Outro imposto, em que eu procuraria receita importante, e que já aqui foi lembrado pelo meu bom amigo Abilio Lobo, é o imposto sobre portas e janellas.

E quanto a mira, os velhos argumentos de escola, com que este imposto costuma ser atacado, não podem prevalecer n'um paiz, onde são materia collectavel os objectos mais essenciaes e necessarios á existencia, tão essenciaes e necessarios, como o sr. e a Juz, que se diz tributados com aquelle imposto. De resto, sr. presidente, tem elle a consagração de paizes bem mais cultos do que o nosso, e n'estes a consagração tambem prestada sempre ás bases de larguissima incidencia e de grande productividade.

Outra fonte de receita, sr. presidente, que eu não duvidaria apontar á consideração do governo, seria a de um imposto de rendimento sobre o exercicio de todas as profissões scientificas o de artes liberaes e ainda sobre os emolumentos de todos os empregos mencionados na verba n.° 202 da tabella das industrias.

Basta dizer, que somos um paiz onde ha 846 medicos, que pagam simplesmente 14 contos de réis de imposto industrial, onde ha 582 escrivães que pagam 10 contos de réis, 500 advogados pagando 9 contos de réis e 160 tabelliães pagando 2:300$000 réis, para se patentear a justiça da minha indicação. (Apoiados.)

Um outro imposto em que eu procuraria uma receita segura, e, sobretudo, legitima, mormente hoje que as idéas profundamente humanas da escola socialista vão lavrando fundamente a consciencia publica, era a contribuição de registo por titulo gratuito.

Eu alargaria as taxas actuaes em relação ás disposições entre conjuges e entre parentes até ao segundo grau por direito civil, não estabeleceria regimen de excepção para parentes alem d'este grau, ampliaria ás successões em favor dos descendentes o que actualmente só paga em relação ás successões por via ascendente, e taxaria emfim progressivamente as successões em favor de estranhos.

E tanto mais justo me parece este plano, quanto este imposto tem de ser considerado complementar do imposto predial, que entre nós não paga quanto deveria pagar, e que entretanto não póde nem deve ser aggravado, se bem que se deva estudar a maneira de o levar ao ponto da mais proporcional, da mais justa e da mais equitativa distribuição.

Basta dizer que somos em 22 estados da Europa um dos 5 que paga mais impostos indirectos, menos sómente do que a Russia, a confederação allemã, a Noruega e a Dinamarca; um dos 9 que paga menos imposto predial e um dos 7 que paga menos imposto de transmissão, para se ver como na verdade este imposto tem de ser considerado sob o aspecto em que ha pouco o considerei.

E assim teremos dado um grande passo no caminho do ideal, sob o ponto de vista financeiro, da perequação do imposto, tanto mais que é esta uma das contribuições que mais escapa e menos obedece á lei da repercussão. (Apoiados.)

Eu vou fazer o calculo presumivel de todas estas receitas, o a camara me relevará o enfado, que sempre deriva de um largo e longo enfileirar de algarismos.

Pelo que respeita ao imposto de consumo sobre os productos manufacturados, que primeiro indiquei, suppondo que lançariamos uma taxa fixa de 10 réis sobre as compras até á quantia do 200 réis, de 20 réis até 400 róis, de 130 réis até 600 réis e successivamente, isto é, um minimo de 5 por cento sobre as maximas de cada termo da serio, e suppondo ainda uma capitação de 4$000 réis por habitante, ou um total de vendas na importancia do 20:000 contos de réis, e esta quantia subdividida em 100 milhões de vendas de 200 réis cada uma, ou no numero proporcional dos seus multiplos, quer dizer: a hypothese em que o thesouro lucraria sómente a percentagem do imposto, ainda neste caso o seu rendimento seria 5 % X 20:000 contos réis ou 1:000 contos de réis.

Este imposto, sr. presidente, que, como já disse, é uma justissima compensação ás receitas que o thesouro vae ver decaidas com o novo regimen pautal, e que eu não poderia pedir directamente ao fabricante sem dar um fundissimo golpe na economia da sua industria, e sem desequilibrar immediatamente a justa protecção, que se lhe quer dar em frente da industria estrangeira, será a final pago n'um tal grau de dynamisação, que difficilmente o sentirá o contribuinte.

Com relação á contribuição de registo por titulo oneroso, o rendimento annual proveniente d'esta contribuição é computado em 1:000 contos de réis. Foi o que rendeu no anno de 1890-1891. Consultando varios empregados fiscaes soube que a fraude, de que o thesouro é normalmente victima por virtude das declarações falseadas dos respectivos contratos, é em media muito superior a 50 por cento; mas suppondo, que se restringe a 35 por cento, teremos sobre um total de 1:060 contos o producto liquido de 371 contos de réis. E sem vexames e justissimamente, porque sómente obriga ao pagamento do que não podia, nem devia deixar de ser pago.

Relativamente ao rendimento do imposto sobre portas e janellas, eu vou expor de vagar os meus calculos, para que a camara comprehenda melhor e integralmente o meu pensamento.

Este imposto é lançado sobre bases progressivas, por quanto tem como principal intento corrigir as enormes fraudes, que se praticam com a contribuição de rendas do casas, fraudes que são tanto mais palpaveis, tanto mais evidentes e mais graves, quanto maior é o valor locativo das habitações.

Tomando como ponto de partida as rendas de 15$000 a 20$000 réis, de 20$000 a 50$000, de 50$000 a 100$000, de 100$000 a 200$000, de 200$000 a 300$000 réis, a que correspondam respectivamente como um maximo tributavel (embora realmente seja excedido) 10, 12, 15, 20 e 20 portas e janellas; e as rendas de 300$000 a 500$000 réis, de 500$000 a 700$000, de 700$000 a 1 conto de réis e de mais de 1 conto, a que correspondam respectivamente tambem, mas como um minimo, 35, 45, 55 e 70 portas e janellas, e lançando sobre cada uma d'estas as correspondentes taxas progressivas de 100, 200, 250, 300, 350, 600, 1$000, 16$00 e 2$000 réis o resultado será o seguinte:

[Ver tabela na imagem]

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E devo advertir, que este imposto é calculado em bases limitadíssimas e levemente onerosas para aquellas rendas, que deixam suppor medianos meios de vida, se bem que seja, e era este principalmente o meu intuito, pesado e porventura violento para os ricos e afortunados desta cidade e do Porto, que são os principaes beneficiados com as fraudes, a que me referi, e que com este imposto pretendo corrigir.

Alem d'isto, comprehendendo esta contribuição sómente um numero approximado de 88:000 habitações, deixariam de a pagar mais de 100:000 das que ao presente pagam o imposto de renda de casas, e sómente abrangeria um decimo da população do paiz.

Por onde se vê ainda, que é um imposto que recairia sómente sobre as classes de uma certa abundância relativa ou absoluta.

Com relação ao imposto sobre os advogados:

Ha 500 advogados no paiz. Calculando que respectivamente terão de rendimento:

Ver tabela na imagem

Do qual deduzindo os 9 contos de réis, que ao presente pagam, obteriamos um excedente liquido de 36 contos de réis.

Com relação aos módicos. Ha 849. Suppondo-lhes os rendimentos:

Ver tabela na imagem

Deduzindo os 14 contos de réis do imposto actual, resta um excesso de 55 contos de réis.

A camara comprehende que as bases dos meus cálculos s3io "m pouco arbitrarias, mas o que é certo é que, se estes de algum defeito padecem, não será por certo o do exagerado optimismo; e vê também, que aquellas mesmas taxas, incidindo sobre todos os emolumentos da verba n.° 202 da tabella das industrias e sobre o exercício das artes liberaes, não devem produzir uma quantia inferior a esta ultima calculada.

Pelo que respeita ao aggravamento do imposto de transmissão por titulo gratuito eu não posso calcular de uma forma positiva, qual será o excesso do rendimento, que elle terá de produzir, porque não ha entre nós estatisticas do movimento das successões. Mas, se nós suppozermos pela normalidade das exigencias da vida, que cada cidadão do paiz tem uma renda media de 20$000 réis, e ainda bem para nós, que não supporemos immodicamente, porque a renda do próprio proletário não é mais do que uma subdivisão da renda geral do paiz, encontrámos para os 5 milhões de habitantes um rendimento geral de 100:000 contos de réis, o que corresponde a um capital nacional de 2 milhões do contos de réis. Se porventura suppuzermos, que todo este montante da fortuna publica passa de mão, por virtude de herança, em cada período de quarenta annos, media exagerada, porque as heranças sobrevem em regra numa epocha avançada já de cada geração, encontrámos um movimento annual de successões na importancia de 50:000 contos de réis.

Se pois nós applicarmos uma taxa progressiva de 10, 12, 14, 36, 18 e 20 por cento, abrangendo as successões em favor de estranhos, nos quaes, como já disse, faria comprehender os proprios parentes alem do segundo grau, e incidindo respectivamente sobre as heranças até 10, 20, 30, 40, 50, 60 contos o superiores; se elevarmos a 4 por cento o imposto pelas successões entre conjuges; a 6 por cento pelas dos collateraes de segundo grau, e se ampliarmos os 2 por cento, que actualmente pagam as successões em favor dos ascendentes às successões em favor dos descendentes, poderemos calcular um producto não inferior a 4 1 por cento do valor das transmissões annuaes, isto é, 2:250 contos de réis, dos quaes, deduzindo os 745 contos de réis, que o thesouro ao presente arrecada, resultaria um excedente de 1:506 contos de réis.

Sommando o rendimento de todos estes impostos, cujas indicações, apresento á consideração da camara, e que ella, na sua alta sabedoria, apreciará, como entenda de justiça, obtem-se a quantia relativamente importante de 3:322 contos de réis,o que me parece sufficiente para preencher as lacunas, que derivam da analyse, que fiz aos calculos de receita do sr. ministro da fazenda, lacunas que nos levarão a perturbações gravíssimas, se não appellarmos, e desde já, não direi para a fortuna publica, porque não sei que significado poderá ter neste momento esta phrase, mas para a dedicação o nunca desmentido patriotismo do paiz.

Porque, como v. exa. vê, esta é mais uma das dolorosas operações, a que temos do sujeitar esta pobre nação, para vermos só a podemos sustentar na desastrosa queda, em que vem precipitando-se desde aquelle dia fatal e eternamente nefasto de 11 de janeiro de 1890.

É esta data afflictiva e cruel, que jamais deve esquecer-nos, (Apoiados.) é esta data, sr. presidente, que deve lembrar-nos sempre e a cada momento, que n'aquella hora solemne, em que, avergados ao peso de uma imposição crudelissima, procurámos reagir, e, para reagir, fazer o inventario das nossas limitadissimas forças, nos encontramos apenas com a sombra de um exercito quasi sem soldados, e de soldados sem armas, com uma marinha de poucos marinheiros, mas sem navios e sem canhões, com um thesouro sem dinheiro, é com um paiz empobrecido e sem economia, quer dizer, sr. presidente, com um punhado decidido e valente de bravos, promptos a vender cara a vida pela sua pátria numa lucta ensanguentada de heroes, mas com a antecipada e desesperante certeza do insuccesso e da absoluta ruina. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

É este quadro lastimosamente triste, que devo conservar-se sempre vivissimo no nosso espirito, é contra esta situação pungitiva e miserrima, que deve convergir num impulso vigoroso do paiz inteiro o esforço dedicado e viril do nosso patriotismo.

E sobretudo, sr. presidente, a, dureza de tantissimas lições, desde a afflictiva impotência de hontem até á negra miséria de hoje, deve levar ao convencimento dos governos, de que aquillo de que o paiz anceadamente carece é de que se olhe para elle com olhares solicites, e de que se trato do encarar a administração do estado de um ponto de vista mais elevado do que aquelle de onde tem sido encarada até agora, porque a triste verdade é, sr. presidente, que muitos dos nossos homens de governo se têem deixado seguir na Corrente de um septicismo verdadeiramente enervante, preterindo quantas vezes os interesses mais subidos do paiz perante a consideração supremamente egoista e commodamente utilitaria das difficuldades a tentar para a sua solução.

E é por isto, e só por isto, sr. presidente, que n'aquelle momento temeroso, em que uma grave crise diplomatica

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surgiu para o paiz, este não só teve de se reconhecer absolutamente inhabil para superal-a, de todo o ponto impotente para manter-se com firmeza nos seus direitos, mas, peior ainda, viu-se a braços com dificuldades tão instantes o de tão multiplicadas especies, que os menos alarmantes de todos os vaticinadores chegaram mesmo a prognosticar-lho o rapido fim da propria nacionalidade.

Pois é preciso que tal facto se não repita, para que possamos ainda valer alguma cousa no conceito da Europa, o que é muito, mas mais ainda, o que é tudo, no conceito a própria consciencia. (Apoiados.)

Porque, se assim não for, se todos nós não tratarmos de dar ao paiz o remedio de que elle anciadamente carece, secundando os esforços generosos d'esses homens, que se encontram á frente do poder, e que somente poderam acceital-o no cumprimento de um lealissimo dever de civismo, (Apoiados.) se cada um e todos, unidos n'um esforço commum, lhe não dermos tudo quanto em dedicação o sacrificio lhe possamos dar, nes3e caso, sr. presidente, que outrem tome conta d'isto, e que uma mão possante e de ferro, surja de onde surgir, porque os altos interesses da patria não discutem certificados de origem, quando appellam para o esforço da ultima redempção, venha de uma vez para sempre pôr termo as contendas, que nos dividem, ao egoismo, que nos avilta, á indifferença que nos deprime, a estas luctas inglorias, em que nos temos despedaçado, luctas pequeninas de invejas, conflictos baixissimos de interesses, que cavam cada vez mais fundo o abysmo, onde terá inevitavelmente de afundar-se, conjuntamente com a ultima vibração da alma nacional, os restos palpitantes ainda das nossas grandes glorias passadas. (Vozes: - Muito bem.)

Eu quero crer, sr. presidente, que os exemplos terrivelmente eloquentes de tanta miséria e de tão fundas decepções, terão tido ao menos o salutar influxo de nos nortear no caminho da regeneração do paiz, convencendo nos de que carecemos de novas normas de vida, novissimos processos de administração, que possam conduzil-o a condições, embora relativas, de prosperidade e de fortuna.

Assim, pois, que o governo, pela energia dos seus esforços, pelo amplidão das suas providencias, pela abnegação dos seus sacrifícios, mesmo pessoaes, e pela inteireza da sua administração, continue a dedicar-se viva e virilmente á emancipação do paiz, e bem merecerá de nós todos e a patria inteira o acclamará satisfeita; e hoje, mais do que nunca, hoje, que acabámos de palpar com toda a evidencia as grandíssimas perturbações de que a nossa economia padece, hoje, mais do que nunca também, encontraremos a plenissima adhesão e o proprio sacrifício do paiz, promptos a secundar todos os esforços, que tendam a, redimil-o da situação angustiada, em que se encontra.

Como a camara vê, trouxe-lhe tambem o contingente, os remedios da minha therapeutica, que não sei se porventura, como os do sr. ministro da fazenda, serão tambem taxados de empiricos. Não me preoccupa a qualificação, como entendo, que não deveria ter-se preoccupado s. exa., porque é sabido de todos, que não é com a complicação do grandes machinismos, nem com profundas cogitações theoricas e phylosophicas, que em regra, se resolvem os mais difficeis problemmas. (Apoiados.) O que direi porem e para terminar, com toda a magua, que poderá sentir um espirito sinceramente devotado ao bem do seu paiz, é que é este, sr. presidente, um momento de rarissimas difficuldades na nossa vida nacional, e que carece portanto de raras energias tambem; dolorosas, porque terão de ferir muitos interesses; inglorias, porque, não espere o contrario o governo, não terão de certo a acompanhal-as o cortejo das multidões; e acaso mesmo cheias de perigos, porque não é isento de abysmos o caminho das soluções radicaes.

Creio bem que saberá usar d'ellas e não esmorecerá na sua missão o governo. Siga, pois, avante, no caminho recto, seguro, amplissimo, honesto que se traçou, e póde crer, que terá a applaudil-o conjunctamente com o voto da propria consciencia, o reconhecimento e as bençãos da patria agradecida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado pelos srs. deputados de todos os lados da camara.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara espera que o governo se esforçará por saldar o orçamento sem deficit, e passa á ordem do dia. = O deputado, Alvaro Possollo.
Foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Pedi a palavra, não para fallar nesta altura do debate, porque está a defeza do projecto muito bem entregue ao sr. relator, mas porque não desejo demorar um momento uma declaração, que entendo dever fazer com relação a algumas palavras proferidas pelo illustre deputado que acaba de fallar, cujo esplendido discurso nos encantou a todos, pelo que o felicito e lhe dou os mais sinceros parabens. (Apoiados.)

O que pretendo declarar é que tudo quanto na imprensa se tem dito a respeito das bases acordadas outro o governo e os portadores dos titulos da divida externa, é inteiramente destituido de fundamento.

O sr. Carrilho (relator): - Acompanho o illustre presidente do conselho de ministros, nas felicitações que acaba de dirigir ao illustre deputado o sr. Possollo, cujo discurso a camara acaba de ouvir, um dos mais brilhantes que se têem proferido nesta casa, e só é para lamentar que s. exa. ha mais tempo, não fizesse uso da palavra nesta camara, com o brilhantismo de que acaba de dar provas eloquentíssimas, não só na maneira por que expoz a questão, no aturado estudo que manifestou, mas no acerto da quasi totalidade das suas considerações.

E digo da quasi totalidade, porque ha alguns pontos, em os quaes não posso estar de accordo com s. exa.

Mas na quasi totalidade, perfeitamente de accordo.
Digo mais: na exposição que fez das suas idéas, desejaria poder alguma vez apresental-as, pela forma brilhante porque s. exa. acaba de o fazer.

Mas feito isto, eu direi a s. exa. que melhor era que quando se tratou de discutir nesta casa a lei de 26 de fevereiro de 1893, traduzida em lei de salvação publica, que houvesse os elementos necessários, não para lançar um imposto addicional sobre quasi todas as contribuições do catado; não para reduzir a metade ou deixar de pagar metade dos juros da divida; não para reduzir quasi á miseria os funccionarios do estado.

O relator d'este projecto, o sr. Jacinto Candido, sabe que os desejos da commissão e do governo seriam arranjar a receita necessária para equilibrar o nosso orçamento. Mas n'esse momento era impossivel, perfeitamente impossivel, porque então necessitávamos da maior receita, fossem quaes fossem os sacrificios impostos ao paiz, para se chegar a esse resultado.

Com respeito a essa lei, não podiam deixar de ser os calculos do governo os que a commissão do orçamento acceitou, porque não os tinha melhores.

E disse s. exa. que as deducções dos funccionarios do estado não podem produzir a summa, que se calcula no relatório do governo; que a importancia dos addicionaes lançados sobre as diversas contribuições, tambem não póde attingir essa quantia, e que os calculos, que se referem á receita nova, incluídos no orçamento, tambem não estão certos.

Eu direi a s. exa. que não dispõe de bases certas para mo poder dizer quanto devera render os addicionaes das contribuições predial, sumptuaria, e de renda de casas, e qual a somma dos vencimentos, que estão sujeitos a cada

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uma d'aquellas taxas de deducções dos empregados publicos.

Tem s. exa. alguma base para isso? Não tem nenhuma.

S. exa. referiu-se aos elementos estatisticos, tirados do annuario das contribuições directas.

(Interrupção do sr. Possollo.)

Mas, pergunto, qual é o methodo que seguiu para isso? Nem é facil arranjar a media, que, por um ou outro processo, póde dar em resultado 1:000 ou 100 contos de réis!

Aqui tem o que daria a media!

Não ha elementos nenhuns para conhecer qual o resultado d'aquelles impostos senão depois de effectuada a cobrança; então é que havemos de conhecer os resultados.

Portanto, se os calculos do governo, que alias estavam assentes nos elementos mais seguros de que podia usar, não merecem a máxima confiança, tambem a não merecem aquelles de que s. exa. se serviu, que estão exactamente em identicas circumstanciaa. (Apoiados.)

S. exa, referindo-se ao deficit do 10:000 contos de réis calculado pelo governo, acceito pela commissão, cujo parecer é hoje um documento parlamentar, calcula esse deficit em 13:000 contos de réis, e portanto faltam 3:000 contos para que, entre a receita e a despeza do estado, haja perfeito equilibrio!

Porque? Em que se baseava s. exa. para fazer essa affirmação?

Suppoz que havemos de estar no anno que vem, nas mesmas circumstancias exactamente em que hoje nos encontrámos, que ha de haver uma falta de cereaes em toda a Europa, que o trigo ha de estar carissimo como agora e que, portanto, para se evitar o seu encarecimento havemos de reduzir a taxa ordinaria sujeitando-nos a receber apenas 1,5 por kilogramma?

Eu bem sei que isso traduz uma grande diminuição no rendimento das alfandegas, pois em vez de sé receber 18 réis por cada unidade, recebe-se apenas 1 real e meio, e em logar de receber 1:500 contos de réis, havemos de receber 150 contos de réis.

É um deficit, sim, mas é temporário o eu prefiro este defict temporario, no nosso orçamento, a termos a fome em Lisboa, porque me parece que ella havia de custar muito maisque 1:500 contos, pelo que nos cumpre evital-o por todos os meios.

Direi ainda ao illustre deputado que foi a cobrança do 1890-1891 que serviu de base no governo para calcular o defict provável de 1891-1892.

Disse mais s. exa. que não sabia como era que o governo tinha passado d'essa cobrança para a receita provavel e que era facil de obter o defict provavel para se ver quaes as receitas que se necessitavam para estabelecer o equilibrio orçamental.

Fiz esse calculo, e n'este ponto parece-me que o governo não está era erro.

Eu tinha tomado notas quando foi da discussão da lei de 26 de fevereiro de 1892 e felizmente tenho aqui os apontamentos a esse respeito.

O governo pareço que fez o seguinte calculo: as receitas arrecadadas de 1891-1892 foram de 39:838 contos de réis, e noto v. exa. que esta cobrança foi muito baixa. No fim de junho decretou-se o imposto complementar de 6 por cento, e para fugirem ao pagamento d'esse imposto, foi despachada uma quantidade enorme de productos nas alfandegas, o que deu em resultado que a taxa só recaiu na quarta parte dos direitos aduaneiros.

Não se dando este anno esta differença, o producto do imposto complementar dá talvez 800 a 900 contos de réis, com os quaes nem a commissão de fazenda nem o governo tinham contado.

A questão da cobrança do imposto do transito ena caminhos de ferro, a que s. exa. se referiu, o anno passado esteve desfalcado por não ter sido cobrado e arrecadado. Este anno dará 100 contos do réis, portanto temos mais 100 contos de réis a acrescentar para a pequena diminuição nas receitas dos caminhos de ferro do Minho e Douro o sul e sueste, que possa haver n'este anno.

Eu não posso estar de accordo com os calculos do illustre deputado, nem sei explicar a differença que existe entre elles e os meus.

(Interrupção do sr. Possollo.)

Mas tambem e preciso dizer que nos calculos feitos no orçamento de 1890-1891, excluindo os cercãos, os rendimentos alfandegarios dão a importância de 1:664 contos de réis. Este orçamento está assignado pelo sr. Marianno de Carvalho e são contas approvadas.

(Interrupção do sr. Possollo.)

Mas o que está no orçamento ainda é contra o argumento de s. exa.

Eu já tive occasião de dizer n'esta casa, e folgo de poder repetir, que comparado o rendimento da alfandega em 1891 a 1892, receita geral, e imposto de consumo em Lisboa, excluindo o imposto dos cereaes, eu verifiquei que os dois primeiros mezes do anno de 1892 produzem cento e trinta e tantos contos de réis a mais do que no anno passado, e é a receita maior dos primeiros dois mezes de qualquer anno a datar de 1882. Esta é a verdade.

Todos prevemos que ha de haver fatalmente uma diminuição nas receitas aduaneiras, mas essa diminuição não póde, nem ha de ser tamanha, nem tão espantosa como a muitos espirites merencórios se afigura. Falta a receita, dos cereaes. Se tirar essa receita, s. exa. encontra, nos dezeseis dias que decorrem do actual mez, que a diminuição, ainda está compensada pelo augmento na receita que existia no fim do mez de fevereiro. Isto não quer dizer que esta recceita só ha de manter. Deus me livre de asseverar tal cousa, nem eu, nem ninguém o póde fazer; mas tambem estou convencido que logo que a nova pauta for publicada, porque era muitos dos seus artigos ha diminuição de direitos, não só em relação á pauta em vigor, mas aquelle que existia em 31 de janeiro, as receitas aduaneiras não hão de mostrar as diminuições que este anno apresentam.

Portanto, não posso admittir as correcções feitas por s. exa. aos calculos da commissão, relativamente ao defict do anno futuro; e a rasão é muito simples, porque não trouxe elementos novos, e era impossivel arranjal-os, porque só fosse possivel, com toda a certeza o sr. Jacinto Candido, relator que foi do projecto, os teria tambem apresentado.

Posso dar testemunho de que o sr. relator empregou todos os meios de obter calculos tão exactos quanto possivel, para poder mostrar á camara qual seria o rendimento provável de todos aquelles impostos, e desde o momento em que elle os não poude obter com a sua insistência, e com o seu trabalho, é porque se tornava isso muito difficil, pois que para coordenar todos esses documentos precisava de um pessoal especial, o uma orientação especial, para chegar a esse resultado; e nós infelizmente não temos esses elementos, e por que não os temos, não havia remédio senão acceitar aquelles calculos, acceites pelo governo e pela commissão. O que devemos é fazer votos para que esse defict não seja excedido; mas se assim for, e ainda, mal, como esta lei, que se acaba de votar, só dura até 30 de junho de 1893, será bom que os poderes públicos se vão occupando de procurar elementos para reduzir as despezas e augmentar as receitas.

O que é indispensavel é que se trate por todos os modos, de melhorar os impostos, e as circumstancias em que estão os contribuintes.

Hoje todos os individuos são beneficiados pela lei das pautas; todos têem uma parte n'esses beneficios, porque se não trata só de ir pedir ao paiz que nos dê toda a protecção, sem de forma alguma contribuir para a receita do estado.
Eu, portanto, estou de accordo com muitos dos desejos do illustre deputado, e se s. exa. mandar para a mesa as suas propostas, e se ellas forem mandadas á commissão de

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fazenda para que as estude, a commissão dará sobre ellas o seu parecer, porque algumas parecem-me muito acceitaveis. Com respeito a outras direi que não sympathiso nada com ellas.

Quer o illustre deputado que se vá aggravar a contribuição de registo por titulo gratuito, que já está muito aggravada. Não concordo. O illustre deputado sabe que, por se haver augmentado um pouco esse imposto, cresceram as difficuldades da cobrança.

Nós devemos legislar para os portuguezes, e não ir buscar á legislação estrangeira o que não póde ser applicado entre nós; as leis devem ser feitas de modo que tenham applicação no nosso paiz.

Eu bem sei que o imposto de portas e janellas era que o illustre deputado fallou, existe em França; tambem já cá o tivemos no tempo de D. Miguel, mas eu não o quero. (Apoiados.) Não quero que só tribute o ar que se respira.

O sr. Possollo de Sousa: - E o pão.

O Orador: - O pão não tem imposto. Ao menos que o ar e a luz não sejam tributados. Já temos impostos demasiados, e o que devemos fazer é ver se podemos supprimir alguns que se tornem mais vexatorios.

Quer o illustre deputado lançar um aggravamento no imposto do sêllo. Quanto custava isso? Em quanto importava a fiscalisação? Nós não nos devemos illudir; na questão de impostos é necessario não haver illusões.

Não temos meio de cobrar o imposto do sêllo sobre transacções

Para conseguir isso seria necessario que metade do paiz viesse delatar o resto. Deus nos livre de tal imposto! (Apoiados.)

Em Inglaterra e em França todo o contribuinte capricha mesmo em não pagar a menor conta sem se lhe passar um recibo; o nosso povo, porem, não tem esse feitio, não quer esperar, e v. exa. vê como n'estas condições seria impossivel cobrar um tal imposto.

Supponhamos, porém, que o imposto se lançava; como fiscalisar a sua cobrança?

Com mais empregados fiscaes? Ora muito obrigado.

No que só refere ao imposto sobre as sumidades scientificas, perguntarei a s. exa. se ainda quer mais um imposto?

A divisão do imposto, sobre os empregados publicos recáe sobre a sua dotação, e não ha outro meio, porque cada indivíduo não vem declarar quaes os proventos que aufere da sua actividade.

O lançamento do imposto a que s. exa. se refere, parece-me pois perfeitamente desnecessario e eu não tenho mesmo duvida de declarar francamente á camara, que seria erroneo lançar um tal imposto, para estabelecer o equlibrio orçamental. Não sei porque, mas não posso admittir impostos alem dos necessarios para as despezas urgentes e inadiaveis da nação.

Feitas estas considerações, eu limito aqui a resposta que devia ao meu nobre amigo o sr. Possollo de Sousa, felicitando-o mais uma vez pela sua brilhante estreia, o fazendo votos por que s. exa. continue a attrahir a attenção da camara com a sua palavra grandemente auctorisada e verdadeiramente erudita.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o ar. Dias Costa que a pedira para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Dias Costa: - Levantára-se na imprensa do Lisboa uma questão ácerca do ultimo concurso de lentes da escola da exercito.

Não se preoccuparia com esta questão, se a imprensa não tivesse posto em duvida a seriedade com que o conselho do escola procedeu no acto do concurso.

Não trazia agora a questão para o parlamento; apenas desejava que viessem os documentos para cada um poder apreciar se o conselho da escola procedeu bem ou mal.

Mandava, portanto, para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios da guerra, sejam remettidos, com a possivel brevidade, a esta camara, os seguintes documentos, originaes ou copias:

"1.° Officio da escola do exercito á secretaria da guerra, de 3 de novembro de 1891, e programma annexo;
"2.º Officio da secretaria da guerra á escola do exercito, de 13 de novembro de 1891, em resposta ao mencionado officio de 3 de novembro;
"3.° Officio da escola do exercito á secretaria da guerra de 16 de novembro de 1891, e programma annexo;
"4.° Declaração 14.ª da ordem do exercito n.° 33 de 18 de novembro de 1891;
"5.º Nota da direcção geral da secretaria da guerra, declarando se até ao dia 15 de janeiro do anno corrente foi apresentada na mesma secretaria d'estado qualquer reclamação contra as disposições do programma e declaração a que se referem os n.ºs 5.º e 4.° d'este requerimento;
"6.° Officios da repartição do gabinete e da terceira repartição da direcção geral da secretaria da guerra de 23 de janeiro de 1892, e officio da escola do exercito que motivou aquelles dois;
"7.° Officio da escola do exercito á secretaria da guerra de 4 do corrente mez, resposta da mesma secretaria em 5. = F. F. Dias Costa."

Na sessão anterior o sr. Eduardo Abreu declarara que a reforma da escola do exercito importava para o paiz um augmento de despeza de 48 contos de réis.

Para se ver que s. exa. fora victima de informações inexactas, bastava dizer-se que o decreto fora firmado pelo sr. João Chrysostomo e pelo sr. João Franco Castello Branco.

Em occasião opportuna havia do provar que com a reforma houve uma economia, em logar de haver augmento de despeza.

Houvera um augmento de despeza, mas unicamente no periodo transitorio, e este augmento seria maior se o conselho da escola não tivesse procedido como procedeu.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O requerimento mandou-se expedir.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação, da que estava dada e mais os projectos n.º s 127, 28 e 31.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

O redactor = Sá Nogueira.

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