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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Concretizemos, porem:

Desde as epocas mais remotas que do pagode de Chandarnath saia annualmente uma procissão hindu em direcção a Parodá por occasião da festividade do Dossoro.

Pois o conselho governativo, presidido pelo patriarcha Valente, já fallecido, prohibiu, ha alguns annos, esse préstito com o fundamento de que elle passava junto de uma igreja catholica que ha quarenta annos, apenas, fora construida.

A mazania do referido pagode interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, mas tres annos são passados sem qualquer resposta ao recurso que foi interposto.

Em certa altura, os mazanes recorreram para o governador, Sr. Horta e Costa, que permittiu num dos ultimos annos, a despeito de não estar resolvido o recurso interposto, a referida festividade do Dossoro. Mas logo se intrometteu o poder ecclesiastico e a autorização do governador ficou sem effeito, porque o patriarcha assim o quis.

Os mazanes, porem, representando a associação religiosa do pagode citado, pediram ao Ministro da Marinha que os attendesse e autorizasse a procissão que tinha sido permittida interruptamente desde 1540. O Ministro telegrapho ao então governador da India, Sr. Arnaldo de Novaes, permittindo a solemnidade do Dossoro. O governador, porem, não cumpriu esta ordem e1 o Ministro não teve força para insistir nella, a despeito das instancias do Sr. Ivens Ferraz, que era ao tempo Deputado por Salsete e que foi um devotado defensor das reclamações da mazania de Dossoro.

A par disto, o Groverno do Estado da india, a cada momento, com notavel imprudencia e irritante obstinação, tem mandado construir capellas catholicas e cedido terreno para outras junto aos pagodes onde os hindus celebram o seu rito.

Comprehende-se a gravidade deste procedimento. Todas as religiões devem ser toleradas, mas, para ellas o serem proficua e legitimamente, é preciso que não se choquem, nem digladiem, nem se irritem. Ir construir uma capella ao pé de um pagode, com o fim explicito de lhe fazer concorrencia, é impolitico e perigoso. O clero catholico tem por vezes sido de uma inconveniencia a toda a prova. Querendo servir a sua causa, se é que a quer servir, só a desprestigia e deslustra. Um dia em Cotomby, do concelho de Quepem, um padre catholico conduzindo um cadaver para o cemiterio fê-lo descansar ao pé de um pagode, facto que vae de encontro ao credo hindu. Uma vez o cadaver em descanso, logo lhe lançou para cima latinidades em abundancia. O resultado foi que o povo hindu, irritado pela obstinação do clerigo, fez tumultos, estabelecendo-se desordem.

Sr. Presidente: eu sou livre pensador, materialista e racionalista. Mas ninguem respeita mais do que eu a religião alheia, quando ella é sincera, bem entendido. Mas se, mais do que nunca, estou resolvido a respeitar a religião dos outros, mais do que nunca estou resolvido a não ter respeito nenhum pelos especuladores, mais ou menos habilidosos ou mais ou menos infames, que tudo exploram nas criaturas ingénuas, tudo, desde as crenças da sua alma até o dinheiro das suas algibeiras.

Eu não procuro modificar abruptamente a consciencia religiosa do meu país. Não sou tão desastrado nem tão imbecil que pense numa cousa d'essa. As almas transformam-se com lentidão accenttiada e as multidões scismadoras e crentes são um terreno esplendido para a cultura do sentimentalismo religioso.

Emquanto houver desgraçados, famintos e perseguidos no mundo, sem uma educação civica valiosa e uma instrucção social desenvolvida, sempre o mysterio de au dela ha de impressionar o espirito insaciado dos homens infelizes.

Mus o que eu demando, o que eu tento, o que procuro atraves de todos os sacrificios, é humanizar a crença, attenuando as arestas da fé exagerada e adoçando a intolerancia dos fetichismos primitivos e grosseiros.

A liberdade religiosa é uma conquista do espirito moderno, que devemos aumentar e não diminuir. Ora não é tolerancia andar a provocar, em nome de uma crença, outra crença que tem tanto direito á vida como a primeira, e muitas vezes será mais sensata do que ella.

Os hindus querem fazer as suas procissões. Dê-ser-lhes liberdade franca para isso. Que os catholicos tenham tambem liberdade identica. Mas, assim como os hindus se prestam a conduzir os seus préstitos no meio do maior silencio pela frente dás nossas capellas, assim os catholicos não teem o direito de ir construir capellas onde se receberão cadaveres e se lhes farão orações funebres ao pé de velhos pagodes, onde se celebram ritos que são permittem nas proximidades despojos humanos.

Os prelados hindus teem tanto direito como os catholicos de passearem pelo territorio português com as insignias do seu cargo que, de mais a mais, não são caracteristicas religiosas, porque d'ellas usam todas as pessoas altamente collocadas.

Na representação que vou ter a honra de enviar para a mesa vae o desenho dessas insignias. São objectos quasi vulgares, sem bizarrismo escandaloso, pelo contrario, de grande modestia e compostura, perante os quaes são de ostentação muito mais estridulante os pallios dasjnossas igrejas e os báculos e mitras dos nossos bispos.

Sr. Presidente: hei de um dia falar aqui do que é e vale perante o espirito das populações dominadas a religião dos dominadores. Então eu demonstrarei comovem Africa, por exemplo, certos missionarios saidos do Seminario de Sernache do Bom Jardim teem honradamente cumprido a sua missão no territorio africano, embora todo o seu trabalho tenha resultado esteril por não ter sido convenientemente secundado e dirigido por estes Governos de má morte, que tudo teem viciado e estragado em Portugal. E então provarei tambem como os missionarios do Espirito Santo, que, como um polvo enorme, querem ter na garra nervosa as nossas colonias, como os jesuitas teem o continente, são de tal maneira perigosos e traiçoeiros á pátria, que muitas vezes elles mereciam ser postos nas fronteiras das nossas possessões, já não digo á coronhada, porque isso seria honra demasiada, mas aos encontrões do primeiro official de diligencias.

Por agora limito-me a lembrar ao Sr. Presidente do Conselho e ao Sr. Ministro da Marinha, que já vejo occupando a sua cadeira, que o respeito pela religião dos hindus, como é de justiça se lhes faca, será para o país de enormes vantagens, porque, quanto mais não seja, poupará á nossa população da India, num futuro proximo, muita agitação, muita incerteza e muito mal-estar.

Attenda S. Exa. aquellas palavras com que o grande Lanessan termina num seu livro a descrição da visita que fez um dia, quando governador de Tonkim e Annam, ao pagode do Grande Boudak, que os franceses tinham proseguido e enxovalhado e que elle, Lanessan, considerou com a sua especial visita, autorizando-lhe os ritos e protegendo-lhe o culto:

"Mais fez para o prestigio francês no Annan Central a minha visita e protecção a esse pagode, do que uns poucos de anuos de despotismo, de espadeiradas e de tiros".

Mas os hindus - reclamam mais que seja abolido o artigo 67.° do decreto de 23 de maio de 1907, que prohibiu a todo aquelle que não for catholico o exercicio do magisterio primario.

É igualmente justo.

O juramento catholico é uma Velharia perniciosa que por honra de todos deve acabar o mais cedo possivel.