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Em virtude de resolução da camara dos senhores deputados se publicam os seguintes documentos relativos ás irmãs da caridade.

Ill.mo e ex.mo sr. — Satisfazendo ao regio aviso de 3 do corrente, expedido pela secretaria d'estado dos negocios do reino em rasão do requerimento que fez o deputado Vicente Ferreira Neto de Paiva pedindo n'elle vários esclarecimentos relativos tanto ás irmãs da caridade francezas do instituto de S. Vicente de Paulo, que ultimamente vieram para Portugal, e aos padres lazaristas que as acompanharam, como tambem ás irmãs da caridade do mesmo instituto portuguezas: tenho a honra de enviar a V. ex.ª as minhas respostas a cada um dos quesitos de que consta o requerimento daquelle deputado, e aos outros pontos a que o regio aviso igualmente me manda responder.

Os dois alvarás da mesma data de 9 de fevereiro de 1857 passados um a favor da sociedade protectora dos orphãos desvalidos, e o outro a favor da associação de Nossa Senhora Consoladora dos Afflictos, esclarecem na minha opinião quanto importa saber, não só ácerca da occasião da vinda para este reino das irmãs da caridade francezas do instituto de S. Vicente de Paulo e dos padres lazaristas, mas tambem sobre os pontos mais principaes que dizem respeito a este assumpto, que desgraçadamente entre nós está sendo tão ruidoso e causa de uma lastimosa controversia. Se me não fascina nem o muito respeito que consagro ao instituto eminentemente christão de S. Vicente de Paulo, nem a admiração, que me causa a lembrança da maneira christãmente heroica, por que ha sido posto em pratica pelas irmãs da caridade francezas que o professam, parecia-me que com aquelles dois alvarás não havia logar para nenhum receio nem apprehensão desfavoravel á entrada n'este reino das irmãs da caridade e padres lazaristas. Porquanto nos dois alvarás se contêem todas as declarações que convinha fazerem-se, e cautelas que era preciso que se tomassem, para prevenir qualquer inconveniencia ou perigo que podesse resultar da sua admissão n'este reino com os padres lazaristas.

As irmãs da caridade francezas vieram precedendo licença do governo para cuidarem dos doentes visitados pela, associação de Nossa Senhora Consoladora dos Afflictos, e para tomarem conta dos orphãos da choleramorbus. Os padres lazaristas vieram na qualidade de confessores e directores que são das ditas irmãs da caridade.

Não me consta que prestassem obediencia ao governo de Sua Magestade Fidelissima talvez por continuarem a reputar-se estrangeiros n'esta terra.

Não recebem subsidio algum do governo; a fonte da sua subsistencia consiste na caridade christã.

Estão sujeitas aos prelados diocesanos em tudo que depende da sua jurisdicção ordinaria, e ao seu geral em França no que toca ás obrigações internas do seu instituto. O mesmo se deve dizer dos padres lazaristas.

Antes da vinda das irmãs francezas para Portugal, as irmãs portuguezas de Lisboa e de Vianna do Alemtejo haviam-se reunido á casa mãe de París, sujeitando-se á obediencia do superior geral em França. Para isso obtiveram licença do meu em.mo antecessor.

A regra que seguem as irmãs da caridade francezas é a mesma que prescreveu o seu fundador S. Vicente de Paulo. Outro tanto succede com os padres lazaristas.

Nem aquellas nem estes constituem communidade ou ordem regular. As irmãs não vivem em clausura, nem fazem votos perpetuos. Os lazaristas não estão ligados por votos solemnes: são uma congregação de padres seculares.

Ha dezoito irmãs da caridade francezas em Lisboa, repartidas pelos seguintes estabelecimentos. No recolhimento da Ajuda, nove. No hospicio da rua de Santa Martha, quatro. No collegio dos Cardaes de Jesus, duas. No asylo dos Anjos, duas. No collegio de Oeiras, uma.

No recolhimento da Ajuda têem a cargo os orphãos da febre amarella. Ha n'elle cento e seis raparigas a quem ensinam a ler, escrever, contar, principios de geographia e historia sagrada: ha mais uma aula de costura, onde se lhes ensinam as prendas proprias das mulheres.

No mesmo recolhimento residem oitenta e cinco rapazes, a quem igualmente ensinam a ler, escrever, contar, geographia e historia sagrada.

No hospicio da rua de Santa Martha ha uma aula externa gratuita, frequentada por quarenta raparigas. Uma das irmãs francezas d'esta casa vae todos os dias visitar os doentes pobres do bairro, a quem de caminho leva esmolas, ou remedios, e d'elles cuida conforme as precisões.

No collegio dos Cardaes a Jesus, têem as irmãs á sua conta cincoenta e quatro raparigas pobres orphãs da cholera morbus, e se lhes ensina o mesmo que ás orphãs da Ajuda.

O asylo dos Anjos é frequentado por oitenta creanças. As irmãs francezas, ajudadas por uma irmã e uma mestra portugueza, prestam ás creanças os mesmos serviços, que as mestras seculares lhes prestavam, pois seguem o mesmo regulamento.

No collegio de Oeiras onde residem dezoito raparigas pobres internas ha tambem uma aula gratuita externa, frequentada por trinta e cinco meninas pobres da villa. A irmã franceza é a superiora do estabelecimento, e dá aula ás internas, e uma irmã portugueza se encarrega da aula externa.

As irmãs portuguezas residentes em Lisboa são treze, distribuidas pelas diversas casas, pelo seguinte modo: oito no hospicio da rua de Santa Martha, cinco das quaes por idosas ou doentes se acham de todo impossibilitadas para qualquer serviço; duas estão na Ajuda, as quaes cuidam da rouparia e das creanças doentes uma no asylo dos Anjos, e dá aula; uma no collegio dos Cardaes de Jesus, que toma conta da cosinha e despensa; duas estão em Oeiras, das quaes uma dá aula ás externas, e a outra preside aos trabalhos de costura das internas.

Em cada uma d'estas casas as irmãs portuguezas obedecem á sua superiora respectiva, e formam communidade com as irmãs francezas.

São dois os padres lazaristas que vieram para Lisboa. Occupam-se na confissão das irmãs portuguezas e francezas, e na confissão e instrucção religiosa das creanças dos varios estabelecimentos.

Residem na rua direita de S. Francisco de Paula. Estão sujeitos ao ordinario, e ás leis do paiz aonde vivem.

Creio que tenho cumprido com o regio aviso de 3 do corrente. Só me resta manifestar a V. ex.ª francamente que me não posso persuadir que o instituto de S. Vicente de Paulo, que faz a admiração e o assombro de todas as nações, sem exceptuar as idolatras, em toda a parte em que se acha plantado produza flores de virtudes heróicas, e só em Portugal se receie que d'elle venham a nascer espinhos e abrolhos.

Deus guarde a V. ex.ª S. Vicente, 13 de agosto de 1858. = Ill.mo e ex.mo sr. marquez de Loulé, ministro dos negocios do reino. = Manuel, cardeal patriarcha.

Está conforme. = Ministerio do reino, direcção geral de administração civil, em 7 de março de 1861. = Antonio de Roboredo.

Ill.mo e ex.mo sr. — Em aviso regio de 17 do corrente, expedido pelo ministerio dos negocios do reino, foi Sua Magestade El-Rei servido mandar-me informar sobre os quatro seguintes pontos relativos ás irmãs da caridade francezas e padres lazaristas, aos quaes tenho agora a honra de responder: 1.º As irmãs da caridade francezas, e os padres seus directores, logo que eu aqui cheguei, vieram apresentar-se, e prestar-me obediencia canonica, como a seu prelado diocesano. Os padres n'essa occasião mostraram-me as licenças que haviam obtido do meu antecessor, as quaes todas eu lhes confirmei. Conseguintemente usam das suas ordens, e confessam, precedendo a indispensavel faculdade do ordinario respectivo. N'este particular tão importante á jurisdicção episcopal, os padres lazaristas reconhecem a auctoridade do ordinario, como quaesquer outros padres, e d'ella estão igualmente dependentes, como já ponderei a V. ex.ª E o mesmo milita a respeito das irmãs da caridade francezas, que sómente são sujeitas ao seu superior geral, no que pertence á pratica interna das regras do seu instituto, dependendo em tudo o mais dos ordinarios, onde residem. O proprio geral da missão, quando aqui esteve, o declarou no documento notavel, que incluso envio por copia a V. ex.ª Digo notavel, porque n'elle o superior geral não só reconhece e acata a auctoridade dos ordinarios, senão tambem manifesta louvaveis desejos de que o incomparavel e nunca assas louvado instituto das irmãs da caridade venha a florescer em Portugal, com a admissão de noviças portuguezas, havendo aqui para isso um noviciado; e as proprias francezas se nacionalisem entre nós. Um similhante documento muito adaptado para aclarar a verdade n'esta desgraçada controversia me pareceu, e para desvanecer algumas apprehensões desfavoraveis. Transluz n'elle uma franqueza e sinceridade que sobremodo abonam o geral da missão, e acabam com toda a suspeita de intenções sinistras e occultas. 2.° Envio mais a V. ex.ª a inclusa licença pela qual o meu antecessor permittiu que as irmãs da caridade portuguezas ficassem sujeitas á casa mãe de París, sob a obediencia do superior geral ali residente.

3.° As irmãs da caridade portuguezas não formam communidade geral com as irmãs francezas, residentes em Lisboa, debaixo da direcção de uma só superiora commum a todas: mas sim formam communidades parciaes em cada uma das casas onde se acham, com sujeição a superioras diversas. Para tal combinação não precedeu licença do ordinario, nem me parece que esta fosse necessaria. Similhantes combinações, e cousas taes, entendo que devem e convem serem dispostas pela direcção das pessoas á conta das quaes estão as casas de beneficencia. A auctoridade ordinaria talvez importe que se conserve estranha a estas miudezas.

4.° O padre Sipolis tem licença minha para visitar, quando lhe parecer, as casas fóra de Lisboa, onde vivem irmãs de caridade; e por isso não pediu licença especial para ir casa que ha em Vianna do Alemtejo. Mas apresentou-se ao respectivo prelado diocesano a render a sua obediencia canonica, e a pedir licença, que conseguiu, para usar das suas ordens, e confessar.

Deus guarde a V. ex.ª S. Vicente, 27 de agosto de 1858. = Ill.mo e ex.mo sr. marquez de Loulé, presidente de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios do reino. = Manuel, cardeal patriarcha.

Está conforme. = Secretaria do reino, em 7 de março de 1861. =. Antonio de Roboredo.

Ill.mo e ex.mo sr. — Obedecendo ás ordens de El-Rei, meu senhor, que houve por bem mandar-me que, apreciando as reclamações que n'estes ultimos dias se tem feito ácerca das irmãs da caridade vindas de França, dê o meu parecer sobre a conveniencia ou prejuizo que pôde resultar para este reino da conservação das ditas irmãs da caridade; tenho a honra de expor a V. ex.ª o que a tal respeito sinto e penso. Mas antes de o fazer cumpre-me manifestar a V. ex.ª que o meu antecessor no seu officio de 4 de fevereiro de 1857 preveniu amplamente, e melhor do que eu o sei fazer, todos os reparos que se poderiam offerecer contra a vinda das irmãs da caridade francezas pelo que respeita á legislação e conveniencia. Na reclamação feita contra as irmãs da caridade francezas e os padres lazaristas seus confessores, que corre impressa com data de 20 de julho ultimo, e para a qual se solicitam assignaturas, invoca-se em primeiro logar o decreto de 28 de maio de 1834, que aboliu em Portugal as ordens religiosas, e o alvará de 3 de setembro de 1759 que expulsou a companhia de Jesus d'este reino. Esta invocação, ex.mo sr. não me parece procedente, porque se não trata de uma instituição novamente introduzida em Portugal nem dos jesuitas nem dos padres lazaristas, mas só e unicamente das irmãs da caridade, instituição de S. Vicente de Paulo, cujo fim unico é exercer a beneficencia evangélica, e instruir as meninas pobres e desvalidas na doutrina christã e nas primeiras letras. Desde 1819 foi introduzida em Portugal esta congregação por decreto de 14 de abril, e, não obstante o decreto de 28 de maio de 1834, continuou a subsistir n'esta capital como é notorio, recebendo novas irmãs, sendo por isso evidente que aquella congregação não era comprehendida na sancção do mesmo decreto, nem podia se-lo, por estarem sómente sujeitas aquellas irmãs a votos simples, como succede no real collegio das ursulinas de Coimbra, cuja superiora ainda ha pouco obteve a regia licença para admittir seis noviças. Isto se comprova mais pelo decreto de 9 de julho de 1845 que auctorisou este estabelecimento para a cidade do Porto, e pelo de 3 de julho de 1852 que o estendeu para Vianna do Alemtejo. Quando pois a sociedade protectora dos orphãos desvalidos e a associação consoladora dos afflictos pediram a Sua Magestade licença para mandarem vir de França algumas irmãs da caridade não tiveram em vista introduzir em Portugal um instituto novo, senão dar mais força e tornar mais proficuo um já existente entre nós, pela associação de novos membros vindos do paiz natal onde S. Vicente de Paulo o fundou, e onde elle brilha com tanta admiração das nações civilisadas. Na verdade, ex.mo sr. não posso comprehender a que proposito se queira invocar, relativamente ás servas dos pobres e aos padres lazaristas, o decreto de 1759 que extinguiu a companhia de Jesus. Não só o instituto de S. Vicente de Paulo, seguido pelas irmãs da caridade e padres lazaristas, ou mais exactamente padres da missão, e que entre nós existiram com o nome de Rilhafollenses (e provéra a Deus que ainda existissem), não é filial e ainda menos identico ao de Santo Ignacio de Loyola, mas é muito distincto d'este, com o qual se não pôde confundir debaixo de nenhuma consideração, e só o poderá desconhecer quem não tiver noticia dos dois institutos, cuja substancial differença logo se manifesta pela simples comparação d'elles. Foram sem duvida estas as rasões que influiram no animo de Sua Magestade quando concedeu aquellas associações a faculdade de mandarem vir de França algumas servas dos pobres para reanimarem o seu instituto, que entre nós existia mas em tal estado de decadencia que não correspondia aos fins para que fóra admittido. E para lastimar, ex.mo sr. que se ajuize com tanto desfavor não só das irmãs da caridade, cuja hu-