O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 719

719

SESSÃO DE 24 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.ª sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de projectos de lei, requerimentos, representações e notas de interpellação. Ordem do dia: Continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha.

Chamada — 44 srs. deputados.

Presentes á primeira chamada, á uma hora e um quarto da tarde—os srs.: Adriano Machado, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, F. M. da Cunha, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Nogueira Soares, Bandeira Coelho, Julio Rainha, Affonseca, Marques Pires, Visconde de Montariol.

Presentes á segunda chamada, á uma hora e meia da tarde — os srs.: Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Soares de Moraes, Antunes Guerreiro, Pequito, Santos Viegas, Eça e Costa, Augusto de Faria, Carlos Bento, Eduardo Tavares, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Santos e Silva, Zuzarte, Ulrich, J. J. de Alcantara, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho.

Entraram durante a sessão — os srs.: Pereira de Miranda, Veiga Barreira, A. J. Teixeira, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Costa e Silva, Bicudo Correia, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Martens Ferrão, Mendonça Cortez, Lobo d'Avila, Gusmão, Dias Ferreira, Elias Garcia, José Luciano, Almeida Queiroz, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Lisboa, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Villaça, Teixeira de Vasconcellos, Sousa de Menezes, Saraiva de Carvalho, Pereira do Lago, Caldas Aulete, Palma, Augusto da Silva, J. A. Maia, Mello e Faro, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Luiz Pimentel, Camara Leme, Pedro Franco.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo alguns esclarecimentos pedidos pelo sr. Arrobas.

Para a secretaria.

Representação

Dos officiaes de diligencias da comarca de Monsão, pedindo que se lhes tornem extensivas as disposições da lei de 11 de setembro de 1861.

Foi á commissão respectiva.

Nota de interpellação

Peço ser inscripto para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Anselmo Braamcamp ao sr. ministro do reino, sobre a dissolução da mesa da misericordia de Monsão. = Bernardo Pereira Pinheiro, deputado por Monsão.

Mandou-se fazer a devida communicação.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — A descentralisação é hoje um principio de boa administração publica, cuja utilidade ninguem ousa contestar.

Alliviar o orçamento geral do estado de verbas importantes que lhe aggravam o deficit, transferindo-as quando é justo, quando é possivel, para os municipios, é tambem hoje um expediente geralmente bem aceito, por contribuir poderosamente para resolvermos mais depressa o nosso problema financeiro. Mas para isto se realisar é mister, é impreterivel que, em compensação, offerecendo aos municipios algumas vantagens, lhes alarguemos a esphera das suas attribuições, e lhes desenvolvamos a sua acção por modo tal que a sua existencia se fortaleça e a sua iniciativa se torne mais activa e vigorosa.

Descentralisar despezas, ou transferir para os municipios algumas verbas do orçamento, quando essas despezas não são absolutamente necessarias nem productivas, antes vão prejudicar a iniciativa local por irem sobrecarregar os cofres municipaes, tornando mais penosa a situação dos contribuintes e desgostando-os por consequencia, corresponde quanto a mim a enfraquecer a existencia dos municipios, a embaraçar-lhes os passos e a comprometter aquelle grande principio.

Da vida e energia das municipalidades depende essencialmente o desenvolvimento do progresso moral e material dos povos, depende o seu bem-estar e a sua prosperidade. Excitar-lhes a vida e a energia é na minha humilde opinião um dos principaes deveres dos corpos legislativos.

A viação publica, que é objecto d'este relatorio, é de todos os melhoramentos materiaes, que podem felicitar um paiz, o primeiro. Aos districtos e municipios compete dar o maior desenvolvimento á viação; ao parlamento pertence dotar os districtos e os municipios com os recursos necessarios para que a viação publica, tanto districtal como municipal, se dilate quanto possivel e no mais curto praso de tempo, porque d'ahí depende o desenvolvimento da nossa riqueza publica, e ao poder executivo cumpre envidar todos os seus esforços, para que attinjamos do melhor modo possivel o resultado que todos temos em vista.

É certo que tanto o poder legislativo como o poder executivo têem prestado desvelada attenção a este assumpto, e para o attestar ahi estão as leis de 15 de julho de 1862 e 6 de junho de 1864. Não obstante, depois de termos feito grandes e penosos sacrificios, o estado da nossa viação publica se não é deploravel com relação ao passado, é deplorabilissimo com relação ao que ella deve ser em futuro.

No orçamento de 1871-1872 vem requisitada a verba de 700:000$000 réis para a construcção de estradas de 1.ª ordem no continente do reino, e 130:000$000 réis para subsidiar as estradas municipaes, districtaes e respectivas pontes, total 830:000$000 réis. Ainda não vae longe, no or-

Página 720

720

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

çamento de 1867-1868 foram pedidos 1.000:000$000 réis para aquellas estradas e 250:000$000 réis para estas, differença para menos 420:000$000 réis. É bastante sensivel esta differença, e só póde justificar-se em presença das graves difficuldades com que ha muitos annos luta o nosso thehsouro.

Se fizermos a leitura do relatorio de um dos mais illustrados ministros que têem gerido a pasta das obras publicas, publicado em 1869, conhecer-se-ha que ha pouco mais de um anno tinhamos a construir 30:000 kilometros de estradas segundo as cartas de lei de 15 de julho de 1862 e 14 de novembro de 1864, e as classificações já feitas comprehendendo-se n'ellas 20:000 kilometros das municipaes, e se estivermos pela opinião d'aquelle illustre estadista ser-nos-ha necessario levar oitenta annos para construirmos os 30:000 kilometros que nos faltam, visto que a media da construcção n'estes ultimos annos tem sido de 365 kilometros por anno.

Isto, senhores, depois de enormes sacrificios que temos feito, depois de termos gasto 16,000:000$000 réis (desde 1852) com as estradas, 20.000:000$000 réis com os caminhos de ferro e 1:500:000$000 réis com as estradas das ilhas adjacentes, isto é, 37.000:000$000 réis em dezesete annos!

Mas se os sacrificios têem sido enormes, nem por isso deixam de ser bem merecidos.

A facilidade das communicações não é uma questão de riqueza material, é tambem e sobretudo uma questão de civilisação e liberdade. Assim se expressava ha pouco tempo um dos vossos homens d'estado. A construcção das estradas concelhias e vizinhaes precisa de um grande impulso e reclama providencias muito energicas e decisivas. Sem estas estradas e sem os ramaes ás estações dos caminhos de ferro, não podem estas nem as estradas reaes corresponder aos grandes sacrificios que a nação fez para construir esses caminhos de ferro, essas estradas reaes e districtaes.

As cartas de lei de 15 de julho de 1862 e 6 de junho de 1864 prestaram um valiosissimo serviço á viação publica. A lei de 6 de junho, especialmente, tem dado muito bons resultados, embora na pratica tenha offerecido uns obstaculos, como era natural, obstaculos que devemos opportunamente e com perfeito conhecimento de causa remover, guiando-nos pela experiencia d'estes ultimos annos.

Posteriormente á promulgação d'aquellas duas leis, veiu o decreto de 30 de outubro de 1868 que organisou as repartições de obras publicas districtaes.

Á confecção d'esta lei não podia deixar de presidir, como presidiu, fazendo a devida justiça ao illustre ministro que a referendou, o maior zêlo pelo serviço publico; e por certo o nobre ministro, animado dos mais louvaveis desejos e das melhores idéas, entendeu que das suas disposições deviam brotar os mais proveitosos resultados: não aconteceu porém assim.

Por mais luminosas que sejam as idéas do legislador, por mais louvaveis que sejam os seus intuitos, a experiencia muitas vezes encarregar-se de demonstrar que o resultado não podia corresponder á expectativa, e por isso, ou a lei deve ser revogada ou modificada, segundo a experiencia indicou. Acontece isto muitas vezes, e nem por isso a opinião publica recebe com desfavor o nome do ministro, quando reconhece a indispensabilidade de revogação da medida ou modificação de algumas das suas disposições.

A execução d'este decreto de 30 de outubro veiu annullar em grande parte as sabias disposições das leis de 15 de julho e 6 de junho, é dever nosso

confessa-lo.

As camaras e concelhos municipaes assim o declaram nas suas representações que têem dado entrada camara dos senhores deputados, e muitos dos meus collegas no parlamento se associam ao pensamento de algumas representações e pedem tambem a revogação do dito decreto.

Queixam-se as camaras e os concelhos municipaes do continente e ilhas de que o supracitado decreto, creando a engenheria districtal, em vez de contribuir efficazmente para o augmento da viação municipal, tem pelo contrario sido um constante obstaculo ao seu desenvolvimento, e um inutil gravame para os concelhos que se vêem obrigados a subsidiar repartições que elles julgam absolutamente dispensaveis.

Têem rasão as camaras peticionarias. As rasões que ellas allegam são justas, e verdadeiros os seus argumentos.

As camaras municipaes têem muitos fundos em cofre, pretendem construir as suas estradas, precisam dar trabalho aos braços que se perdem na ociosidade, e não podem consegui-lo, e ninguem contestará que os dinheiros que existem em cofre não significam um desperdicio, por se conservar ali um capital morto, em detrimento da viação municipal!...

Ainda ha poucos dias foi publicado pelo ministerio do reino um mappa que nos certifica a existencia de valiosos fundos nos cofres municipaes, importando esses fundos em 450:000$000 réis com applicação á construcção das estradas de 3.ª ordem.

Qual é a rasão por que existe uma somma tão forte n'alguns cofres, sendo certo que a viação municipal só lentamente se desenvolve?

Qual é a rasão porque no districto de Faro, estando só em construcção 10 kilometros, existem nos cofres municipaes 40:000$000 réis approximadamente?

E no districto da Guarda, não constando que esteja em construcção kilometro algum de estrada, existem comtudo nos cofres municipaes 12:000$000 réis?

No districto do Leiria, onde não chegam a estar em construcção 2 kilometros, nos cofres existem 23:000$000 réis!

No districto de Lisboa, onde não chegam a estar 3 kilometros em construcção, existem nos cofres 38:000$000 réis!

Em Portalegre, 8 kilometros, e nos cofres 46:000$000 réis!

Em Vianna do Castello, 1 kilometro, e nos cofres réis 23:000$000!

Em Villa Real, 3 kilometros, e nos cofres 20:000$000 réis!

Em Vizeu não chega a 4 kilometros, e nos cofres réis 43:000$000!

Deixo a pessoa mais competente e auctorisada a resposta a estas perguntas. O que é certo, senhores, é que esta questão, sendo da mais alta importancia, precisa ser resolvida com a maior urgencia e merece a vossa particular attenção. O mal existe, e importa remedia-lo.

Representam mais aquellas illustres corporações, nos termos mais cortezes e convenientes, que os estudos e orçamentos de obras municipaes lhes ficam successivamente caros, quando as municipalidades podiam conseguir esses trabalhos muito mais baratos, subsidiando apenas o pessoal technico quando carecessem do seu serviço.

As camaras que têem representado são as seguintes: Coimbra, Santarem, Leiria, Beja, Angra do Heroismo, Faro, Guarda, Lamego, Loulé, Extremoz, Goes, Caminha, Crato, Barreiro, Seixal, Poiares, Villa Verde, Elvas, Cintra, Arruda, Estarreja, Villa Nova de Foscôa, Mourão, e outras.

Para melhor esclarecer a questão e mostrar a justiça que assiste aos referidos municipios, consignarei n'este relatorio alguns excerptos das suas representações.

Pelo seguinte mappa se vê evidentemente que as sommas destinadas para a viação municipal, e em conformidade da carta de lei de 6 de junho de 1864, são, em grande parte, absorvidas com a sustentação infructuosa das repartições de obras publicas districtaes, o que alem de ser um desperdicio é reconhecidamente prejudicial ao desenvolvimento da viação.

Página 721

721

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver Diário Original]

Se fizessemos a leitura da representação da camara municipal de Extremoz, veriamos que, sendo a segunda municipalidade do reino que mais estradas tem construido, ainda esta corporação não teve necessidade de recorrer á repartição districtal, pois lhe têem sido fornecidos gratuitamente todos os trabalhos, de que tem necessidade, pela direcção de obras publicas do seu districto. E, contudo, tem de sembolsado, como se vê do mappa supra, 800$000 réis, desembolso este que tem feito a muito custo, por ser um municipio que tem um limitadissimo rendimento proprio para occorrer aos muitos encargos que pesam sobre si; e por isso tem necessidade de lançar mão de fortes contribuições directas e indirectas, que de anno para anno estão augmentando.

A camara municipal de Caminha expressa-se nos seguintes termos: «É sempre o conselho, séde do districto, o que consegue ver realisados mais estudos, e entretanto vê-se que a illustrada camara municipal de Coimbra reclama contra a instituição pelo gravame que pesa sobre o municipio; o que dirão os concelhos que, contribuindo para a sustentação das repartições districtaes de obras publicas, não tem um só kilometro de estrada estudado?»

Deve notar-se que não é só a illustre camara municipal de Coimbra, séde de districto, que tem representado, tão tambem as illustres municipalidades de Santarem, Leira, Beja, Faro, Angra, Guarda; e outras vão de certo seguir-lhe o exemplo.

A camara municipal do Barreiro que pensava fazer uns ligeiros reparos na estrada que d'aquella villa conduz ao Lavradio na extensão de dois kilometros, não os pôde fazer sem prévia auctorisação da engenheria districtal, e o resultado foi mandar-se lá um engenheiro medir e estudar a entrada. A camara gastou com esses estudos 74$930 réis, tem já despendido 138$000 réis, e a estrada conserva se no mesmo estado. Em vista da urgencia da obra, pediu aquella municipalidade que ao menos se lhe permittisse gastar uns 100$000 réis para beneficiar o caminho que estava intransitavel, e tendo-se-lhe denegado a auctorisação, com fundamento de ser necessaria nova superintendencia de engenheria, a camara, desgostosa e cansada com tanta difficuldade, resolveu não instar mais pela obra, e abandonou a empreza!

A camara municipal do Seixal havia pedido ao parlamento auctorisação para contrahir um emprestimo, a fim de proceder a varias obras, entre ellas uns reparos em alguns pontos de uma estrada de grande importancia que liga o Tejo com o Sado, entre Seixal e Cezimbra.

O parlamento concedeu logo a auctorisação. A camara municipal, zelosa e solicita no cumprimento dos seus deveres, deu principio ás obras, e o que era mais necessario, e que dependia de um simples aterro á margem do rio do Seixal, soffreu taes difficuldades e tantos entraves, que, a despeito dos esforços da camara municipal e do seu representante em côrtes, só agora, no fim de mais de oito mezes, é que se deu começo áquella obra de tanta urgencia, e por modo tal que os habitantes d'aquelle concelho e a propria camara tratam de reclamar contra a sua execução, por verem em risco a saude publica de uma povoação que sempre foi saudavel, o custo da obra mais dispendioso do que devêra ser, e presenciarem outros inconvenientes mais.

Isto, senhores, pelo que respeita ao que allegam as municipalidades; agora se attendermos á natureza da sua petição, reconheceremos que o serviço que competia ás repartições districtaes de obras publicas póde muito bem ficar a cargo das direcções de obras publicas de cada um dos districtos.

A direcção technica de toda a viação publica não póde deixar de pertencer aos directores de obras publicas dos respectivos districtos, que são os delegados do ministerio das obras publicas. A administração porém de construcção e conservação das estradas deve competir aos respectivos districtos e concelhos, em harmonia com o que dispõem as sabias leis de 15 de julho de 1862 e 6 de junho de 1864.

No projecto, que tenho a honra de vos apresentar, respeitam-se os direitos adquiridos e garantem-se os interesses creados á sombra da lei. Os engenheiros e conductores de trabalhos que pertenciam já ao pessoal technico do ministerio das obras publicas, e estavam fazendo serviço nas repartições districtaes, são addidos ao mesmo ministerio. Aquelles porém que não pertenciam ao dito pessoal e formavam parte dos quadros das referidas repartições extinctas, se o forem, ficam aggregados ao pessoal das direcções de obras publicas dos districtos.

Não deve offerecer duvida de ficarem addidos ao ministerio das obras publicas os engenheiros que anteriormente ao decreto de 30 de outubro de 1868 já ali pertenciam.

A sua maior parte serão destacados para os diversos districtos quando forem requisitados pelos governadores civis, e a respectiva despeza será paga pelos concelhos em que fizerem serviço.

Alem d'aquelles trabalhos de viação muitos outros ha a entregar aos nossos engenheiros, e de subida importancia.

Pessoas ha auctorisadas que dizem que o numero dos nossos engenheiros é demasiado; outras porém, não menos auctorisadas, sustentam, e com muita rasão, que esse numero não deve considerar se demasiado se attendermos, como nos cumpre, as muitas necessidades publicas a que precisâmos obviar.

Ha pouco mais de um anno tinhamos a construir 27:000 kilometros de estradas. As nossas linhas ferreas ainda não estão concluidas. Os portos dos nossos rios estão quasi que abandonados. No continente temos 5:000 hectares de terreno alagadiço e pantanoso, que precisâmos sanear a bem da humanidade e para o tornar mais productivo, a fim de que a nossa riqueza augmente e as subsistencias possam ser fornecidas ao povo mais baratas. Pouco ou nada temos feito quanto a arborisação, porque de outra fórma não veriamos, devido ao nosso descuido, milhares de hectares de terra inculta, que arborisada seria um manancial de riqueza pela producção das madeiras, maior productividade dos terrenos contiguos e melhoramentos das condições hygienicas do nosso solo. Hydraulica agricola quasi que não é conhecida entre nós. Não aproveitâmos as aguas dos nossos rios, ribeiras e fontes, riqueza esta tão aproveitada em todos os outros paizes, onde os rios servem de estrada ao commercio e fornecem as aguas aos campos, levando-as pelo territorio dentro para irem dar vida á agricultura, ás industrias e ao commercio.

Não acontece n'esses paizes o que se vê em Portugal, onde os rios em vez de avançarem recuam e innundam as praias e submergem terrenos fertilissimos, como acontece nas margens do Mondego, do Tejo, do Tamega e tantos outros.

Página 722

722

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Temos, pois, a entregar aos nossos engenheiros a resolução de muitos problemas economicos de alta transcendencia, e não devemos por modo algum deixar de aproveitar esse capital valioso, a illustração e patriotismo d'esta classe a quem devemos já importantes melhoramentos. Organise-se bem o serviço, distribua-se melhor e exija-se-lhes o trabalho que elles devem ao seu paiz e não souberam nunca recusar, mas não digamos que não temos que dar a fazer aos nossos engenheiros.

A engenheria não consiste só em fazer estradas, consiste n'outros muitos melhoramentos que só á luz da sciencia podem progredir.

Não me alongarei mais n'este relatorio que já vae extenso, e pelo que vos peço desculpa.

Apoiando-me nos argumentos adduzidos nas representações das municipalidades, na opinião valiosa de muitos dos meus collegas manifestada na camara, e tambem na resolução tomada pelo gabinete de 1869 por decreto de 18 de dezembro, que já então julgou necessario e urgente revogar o decreto de 30 de outubro, e confiando na vossa muita illustração e vosso zêlo pela causa publica, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame e approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Ficam extinctas as repartições districtaes de obras publicas, creadas por decreto de 30 de outubro de(...)

Art. 2.° Os engenheiros e conductores de trabalhos que estavam servindo nas repartições districtaes são addidos ao ministerio das obras publicas, devendo o governo empregar este pessoal no serviço que mais julgar conveniente, emquanto por lei não for definitivamente collocado nos diversos ramos do serviço a cargo do mesmo ministerio.

§ unico. Não são comprehendidos na disposição d'este artigo os engenheiros e conductores de trabalhos que, estando a fazer serviço nas repartições districtaes, não tivessem pertencido ao pessoal technico do dito ministerio. Os empregados a que se refere este § ficam addidos ás direcções de obras publicas dos respectivos districtos, e a sua despeza a cargo dos districtos.

Art. 3.° O serviço que se achava a cargo das repartições districtaes será desempenhado pelas direcções de obras publicas dos respectivos districtos.

§ 1.° O governo ministrará aos governadores civis do reino o necessario numero de engenheiros e conductores de trabalhos que as juntas geraes ou municipalidades requisitarem para a elaboração dos projectos, construcção de estradas e mais obras pertencentes aos districtos ou municipios.

§ 2.° A despeza que se fizer com o pessoal requisitado ao governo, e bem assim a despeza com os estudos e orçamento de obras, será paga pelos concelhos que o solicitarem.

§ 3.° O pessoal que for ministrado pelo governo, segundo a disposição do § 1.° d'este artigo, ficará technicamente sujeito á direcção e fiscalisação dos engenheiros chefes de serviço nas respectivas circumscripções territoriaes nos termos dos regulamentos.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 21 de maio de 1871. = O deputado pelo circulo de Extremoz, Augusto Cesar Falcão da Fonseca = O deputado por Fundão, Antonio Pedroso dos Santos.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Requerimentos

1.° Requeiro que seja publicada no Diario da camara a representação dos alumnos do instituto agricola, ácerca do projecto do sr. deputado Caldas Aulete, apresentado em sessão de 11 de abril ultimo.

Sala das sessões, 23 de maio de 1871. = Paes Villas Boas.

Foi approvado.

2.º Requeiro que se publique no Diario da camara a representação dos estudantes da faculdade de medicina e alumnos de outras faculdades, ácerca do projecto do sr. deputado Caldas Aulete.

Sala das sessões, 23 de maio de 1871. = Augusto Cesar Barjona de Freitas.

Foi approvado.

O sr. F. M. da Cunha: — Mando para a mesa um requerimento de José Domingues de Oliveira, major de artilheria, pedindo ser indemnisado de uma preterição que se lhe fez.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa cinco requerimentos dos almoxarifes de artilheria, pedindo augmento de vencimento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).

Visto que v. ex.ª me deu a palavra, peço licença para fazer uma declaração, que reputo importante, e que me parece que toda a camara tambem considera da mesma maneira.

Sei que se pretende fazer acreditar, e se dá como certo, que eu obtivera do illustre deputado, o sr. Barjona de Freitas, que não sei se está presente...

Vozes: — Não está.

O Orador: — Desejava que estivesse, porque queria invocar o seu testemunho; mas s. ex.ª saberá pelo Diario da camara o que estou dizendo agora.

Repito, procurou-se fazer acreditar que eu obtivera do sr. Barjona de Freitas o adiamento indefinido da interpellação que s. ex.ª dirigiu, ou quer dirigir, ao governo, ácerca de uma pastoral que se attribue ao reverendo bispo do Algarve, hoje patriarcha eleito de Lisboa.

O sr. Coelho do Amaral: — Não póde ser, porque se fosse assim, eu mesmo levantava a questão.

O Orador: — Mas v. ex.ª talvez esteja informado de que é verdade o que estou dizendo.

O sr. Coelho do Amaral: — Apoiado.

O Orador: — Entendo que é da minha dignidade, e da dignidade do governo, dar a este respeito explicações categoricas á camara.

Este facto é inexacto (apoiados); seria mesmo uma inutilidade, como o illustre deputado, em um áparte, com o seu costumado bom senso, notou, que eu entendesse que, porque o sr. Barjona de Freitas não fazia esta interpellação, não a faria outro qualquer sr. deputado (apoiados).

Por consequencia, quero asseverar á camara:

Primeiro, que não procurei obter esta concessão do sr. Barjona de Freitas; segundo, que o governo está habilitado para responder a esta interpellação no dia em que v. ex.ª entender dever fixar, porque n'essa occasião estará presente o sr. ministro da justiça, que de certo não faltará a este chamamento, logo que v. ex.ª declare o dia em que a interpellação se deva verificar; terceiro, que mantenho a este respeito as mesmas doutrinas que tive a honra de expor na outra casa do parlamento, parece-me que em novembro de 1858, na occasião em que eu geria a pasta dos negocios da justiça, e em que se me perguntou se as pastoraes dos prelados do reino podiam ser publicadas sem a approvação do governo, porque eu tinha exercido o direito que o governo de Portugal sempre teve, ainda no tempo dos governos absolutos, de não permittir a publicação de pastoraes sem a sua approvação, e, usando d'este direito, approvei e mandei publicar no Diario do governo uma pastoral que o eminentissimo cardeal patriarcha de Lisboa me tinha mandado para esse fim.

Fui interpellado na outra camara sobre a interpretação que eu dava a esta prerogativa, porque se eu podia approvar, podia tambem não approvar, e eu sustentei que estava no meu direito, approvando ou não, como fôra sempre reconhecido pelos ministros meus predecessores, como era doutrina corrente n'este reino, mesmo no tempo da antiga monarchia, como disse já.

Mas a camara tem direito de perguntar por que se tem então demorado o governo em declarar que está prompto para responder a esta interpellação? E eu tenho obrigação,

Página 723

723

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

por parte do governo, de declarar desde já que o motivo é por que o meu collega, o sr. ministro da justiça, homem prudente, como todos reconhecem (apoiados) e respeitador das conveniencias, que se não devem nunca postergar, entendeu que não podia fazer obra por um documento que se attribue a um digno prelado, sem saber se esse documento era authentico.

Quanto mais grave é o assumpto de que se trata, quanto mais elevada é a posição da personagem, de quem emanou o acto que se pretende examinar, tanto mais cauteloso deve ser o governo, não procedendo nunca sem ter na sua mão um documento authentico que prove a existencia d'esse acto.

O sr. ministro da justiça dirigiu-se, pois, ao illustre prelado e pediu-lhe uma copia authentica da pastoral, e s. ex.ª respondeu-lhe que não a tinha em Lisboa, mas sim no Algarve, e que ía mandar busca-la para satisfazer ao pedido do sr. ministro.

O sr. ministro não recebeu ainda essa copia; mas como aqui ha uma questão importante, que é a questão de direito, eu entendo que é a esta que a camara quer consagrar toda a sua attenção.

Não ha duvida que, ou se receba esta copia já, ou se receba mais tarde, o governo está habilitado para responder categoricamente sobre a questão de direito, e eu satisfaço por isso desde já a impaciencia da camara, dizendo que a opinião do governo é a opinião que eu exprimi na outra camara em novembro de 1858; a opinião do sr. ministro da justiça está constatada por documentos emanados do seu ministerio n'outras occasiões em que s. ex.ª foi ministro da justiça.

O ministerio actual está inteiramente de accordo na doutrina, sempre sustentada n'este reino, de que as pastoraes dos reverendos prelados não podem ser publicadas sem approvação do governo.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Eu devo informar o sr. presidente do conselho e a camara, de que o sr. deputado Barjona de Freitas tem repetidas vezes perguntado se o governo já se deu por habilitado para responder á sua interpellação; e tinha pedido que, logo que o governo se desse por habilitado, a mesa o avisasse.

Por consequencia já se vê que não podia haver accordo entre o sr. deputado e o governo (apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Agradeço a v. ex.ª o testemunho que acaba de dar da verdade das palavras que eu pronunciei; e peço licença para acrescentar que eu não sei nunca faltar á verdade, e que nunca conheci que houvesse vantagem em fazer o contrario.

Peço licença para dizer ainda que não ha de ser, emquanto o poder estiver nas minhas mãos, que hão de ser violados os principios fundamentaes do nosso pacto social, ou postergadas as prerogativas da corôa.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Como o sr. presidente do conselho declarou que ainda não tinha a copia da pastoral do illustre prelado, eu vou consultar a camara sobre se, não obstante isso, entende que se dê para ordem do dia esta interpellação, e no caso de resolução affirmativa da-la-hei para ordem do dia de sabbado (muitos apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — O governo declara-se habilitado para entrar na questão de direito, que é a mais importante, e é aquella que me parece que a camara mais deseja tratar (apoiados).

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: — Por consequencia está dada a interpellação para a ordem do dia de sabbado.

É quasi a hora de se passar á ordem do dia. Eu peço aos srs. deputados que tenham a bondade de concorrer mais cedo, porque de outro modo vamos tirar o tempo que é necessario aproveitar para se tratar de negocios de interesse geral.

Vou dar a palavra aos srs. deputados que têem que mandar quaesquer papeis para a mesa, e peço-lhes que não façam longos discursos para eu me não ver obrigado a cortar-lhes a palavra; antes porém vae ler-se a proposta de lei mandada para a mesa pelo sr. presidente do conselho.

É a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — O decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1868, que estabeleceu diversas disposições relativas á instrucção publica, supprimia a escola medico-cirurgica do Funchal. Esta suppressão porém não se chegou a realisar, porque a carta de lei de 2 de setembro de 1869 suspendeu aquelle decreto até que as côrtes votassem a reforma geral da instrucção publica.

Continuou assim a funccionar aquella escola, mas como os provimentos dos logares d'ella se não podem fazer, está reduzida a um só professor proprietario para um curso que dura quatro annos, não podendo ser supprida legalmente a falta do professorado, como succede nas outras escolas superiores do reino, pela difficuldade de se verificarem no Funchal as substituições provisorias, pela carencia de professores de escolas analogas.

Não se podem avaliar os motivos por que se decretára a extincção da escola medico-cirurgica do Funchal, visto não ter sido o decreto de 31 de dezembro de 1868 acompanhado de relatorio. A conveniencia da escola porém é innegavel. Nos cinco ultimos annos lectivos teve 150 matriculados nas diversas disciplinas, e concluiram o curso 36 alumnos. Justificam-lhe a existencia a distancia em que se acha a ilha da Madeira das escolas superiores de medicina e cirurgia, e a necessidade de habilitar facultativos menores para as possessões ultramarinas.

O quadro legal da escola é de 2 professores, 1 demonstrador ajudante, 1 pharmaceutico, e 1 guarda. A despeza, igualmente legal, auctorisada no orçamento é de 1:160$000 réis, completada com a verba de 713$940 réis fortes ministrada pelo hospital, em conformidade com o disposto no decreto de 19 de junho de 1849.

Segundo a citada carta de lei de 2 de setembro de 1869 a actual situação da escola medico-cirurgica do Funchal não se póde alterar sem a lei que estabeleça a reforma geral da instrucção publica; mas uma lei d'esta natureza, em assumpto tão vasto como complicado, não é facil de se promulgar com a presteza que demanda a necessidade de acudir de prompto ao referido estado em que se acha a escola do Funchal.

Por todas estas considerações, tenho a honra de apresentar á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a reorganisar a escola medico-cirurgica do Funchal, sem augmento de despeza na verba para ella destinada no orçamento geral do estado.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso d'esta auctorisação.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 24 de maio de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama.

Á commissão respectiva.

O sr. Pedroso dos Santos: — Para satisfazer a v. ex.ª mando simplesmente um requerimento para a mesa.

O sr. Alves Matheus: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Verde, em que pede para ser auctorisada a lançar um imposto de 80 réis por cada metro cubico de barro que se extrahir dos terrenos chamados barreiras, a fim de amortisar um emprestimo que a camara quer contrahir para a edificação de um tribunal judicial, de cadeias, paços municipaes e outras repartições publicas.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um projecto de lei, que tem por fim regular os vencimentos dos recebedores de comarcas.

Página 724

724

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Para não tomar tempo á camara leio só os artigos do projecto (leu).

Abstenho-me de fazer n'esta occasião considerações algumas a este respeito, e só peço a v. ex.ª que dê a este projecto o destino que julgar conveniente.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Obedecendo ás ordens de v. ex.ª, limito-me unicamente a mandar para a mesa um projecto, que passo a ler (leu).

Peço a v. ex.ª a bondade de enviar este projecto ás commissões respectivas.

O sr. Paes Villas Boas: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino, e dispenso-me de a ler para não gastar tempo á camara.

O sr. Augusto de Faria: — Mando para a mesa um requerimento, em que a confraria da ordem terceira de Nossa Senhora do Carmo, da villa de Moura, pede que lhe seja confirmada a posse, em que tem estado até hoje, da igreja pertencente ao extincto convento dos carmelitas da mesma villa, e na qual se celebra o culto divino á imagem da dita Senhora, que aquella confraria possue desde mui remotas eras; e que igualmente lhe sejam concedidos os sinos, alfaias e mais objectos existentes na mesma igreja.

Ora, não só os povos d'aquella villa, mas mesmo os das terras vizinhas, têem por aquella imagem uma devoção que toca quasi o fanatismo, e como de mais a mais a confraria representante tem sempre celebrado o culto da mesma Senhora, não só como lhe impõe o seu compromisso, mas ainda mesmo com muito mais pompa e veneração, e tendo ella alem d'isso mandado por muitas vezes proceder aos reparos de que carecia a dita igreja, parece-me de toda a justiça que ella lhe seja concedida como pretende, a exemplo do que já por vezes se tem praticado com outras corporações da mesma natureza.

Por agora limito-me a pedir a v. ex.ª queira mandar o requerimento á commissão respectiva, e reservo-me para dizer mais alguma cousa em favor d'esta justa pretensão, quando ella vier á discussão.

O sr. Francisco Beirão: — Mando para a mesa um requerimento pedindo, pela quarta vez, umas informações pelo ministerio da fazenda, e não o leio, para cumprir as ordens de v. ex.ª

Agora, por parte da commissão de legislação, direi em resposta aos srs. Paes Villas Boas e Pedroso dos Santos, que o projecto relativo aos officiaes de diligencias foi me distribuido, e ainda que na commissão se tem levantado algumas difficuldades sobre a concessão ou não concessão da petição d'estes empregados, comtudo ella não se esquece d'este negocio.

O sr. Visconde de Montariol: — Peço a v. ex.ª e á mesa me informem se já foi satisfeito o requerimento, que na sessão de 6 de dezembro ultimo fiz a esta camara para que o governo a informasse de quanto tinham produzido as arrematações das propriedades ruraes das ordens e corporações religiosas do districto de Braga; e que, se ainda não estiver satisfeito, se active para que o seja com a maior brevidade possivel.

O sr. Lopo Vaz: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Sabrosa, que tenho a honra de representar n'esta casa, em favor do projecto que deroga a lei de 30 de outubro de 1868, sobre estudos e construcções de estradas municipaes a cargo da engenheria districtal.

Quaesquer considerações que podesse fazer a este respeito reservo-as para a occasião em que se discutir este assumpto.

0 sr. Julio Rainha: — Peço a v. ex.ª que me informe se já vieram da secretaria da justiça uns esclarecimentos que pedi por parte da commissão de legislação, a respeito das representações que pedem a prorogação do praso para o registo das hypothecas e onus reaes.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Ainda não vieram.

O sr. Santos Viegas: — Se não fosse a declaração feita pelo sr. presidente do conselho relativamente á interpellação do sr. Barjona de Freitas, eu não pediria a palavra; mas como não vejo presente este cavalheiro, por isso julgo do meu dever levantar a minha voz para declarar á camara que o caracter elevado d'aquelle meu amigo repelle qualquer combinação da ordem d'aquellas a que alludiu o sr. presidente do conselho.

A vida publica do sr. Barjona de Freitas é bastante conhecida, e parece-me que a camara sabe que a este cavalheiro lhe repugna qualquer combinação d'esta ordem (apoiados).

O sr. Ornellas: — Mando para a mesa uma representação dos contribuintes da ilha da Madeira, contra a contribuição industrial.

Peço a v. ex.ª que mande publicar esta representação no Diario do governo, como se tem feito a outras analogas.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Pedi a palavra unicamente para declarar que votei contra a ultima redacção que a commissão respectiva deu ao ultimo artigo do projecto de contribuição pessoal.

Já ha quatro sessões consecutivas que tenho pedido a palavra para este fim; não desejo nunca esquivar-me da responsabilidade do meu voto, mas não quero tomar esta responsabilidade depois que se approvou o ultimo artigo que diz respeito ao uso dos brasões, o qual foi approvado por uma fórma que eu não quereria sanccionar com o meu voto.

Com isto não quero fazer censura ao procedimento da camara, mas unicamente salvar a minha responsabilidade.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, é bastante desagradavel ter de responder na ausencia da pessoa que veiu aggredir-me; porém o sr. Latino Coelho sabia que eu me seguia a fallar, e por isso considero-o como se estivesse presente.

Em primeiro logar direi apenas duas palavras com relação ao que acaba de proferir o meu illustre collega e talentoso deputado, o sr. Osorio de Vasconcellos.

Quizera, sr. presidente, que não estivesse presente o sr. presidente do conselho de ministros, para poder livremente fallar a seu respeito depois do modo injusto por que o meu illustre collega se dirigiu a s. ex.ª

É para sentir, sr. presidente, que a paixão politica cegue a ponto que tão talentoso e honrado cavalheiro, como o sr. Osorio de Vasconcellos, usasse das expressões que proferiu, com geral sentimento da camara, contra a pessoa do sr. marquez d'Avila (muitos apoiados).

O sr. marquez d'Avila que, pelo seu merito pessoal, pelo seu estudo e pelo seu trabalho, se elevou desde o povo até ás primeiras summidades da vida social (muitos apoiados).

O sr. marquez d'Avila, que foi dos primeiros a levantar o estandarte da liberdade, e que tantos serviços fez logo áquella causa; o sr. marquez d'Avila, que tanto tem honrado o seu paiz nos congressos scientificos europeus representando Portugal, com tanta distincção que ainda no ultimo, que foi o monetario em París, foram de sua iniciativa todas as deliberações tomadas sobre tão importante assumpto, estando ali as primeiras notabilidades scientiticas da Europa; o sr. marquez d'Avila, que ainda ultimamente alcançou para Portugal tão grande Victoria, como foi a da reivindicação da ilha de Bolama e do rio grande de Bolola (muitos apoiados).

O sr. marquez d'Avila, o nosso homem d'estado mais respeitador da constituição do estado (apoiados).

O sr. marquez d'Avila, o homem conciliador de alma generosa, que não só está sempre prompto a perdoar offensas, mas até a tornar-se protector d'aquelles que mais o offendem (muitos apoiados), não merecia ser tratado como foi (muitos apoiados).

Página 725

725

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas, sr. presidente, a camara, onde o illustre deputado tem muitos amigos, sendo eu mesmo um admirador do seu talento, ouviu o eloquente discurso de s. ex.ª com um silencio desapprovador (apoiados).

O illustre deputado, sempre tão applaudido, d'esta vez foi tão infeliz com o que disse a respeito do sr. presidente do conselho, que apenas teve os apoiados do seu numeroso amigo, o sr. Latino Coelho (riso — repetidos apoiados).

Quanto ao que s. ex.ª disse do relatorio e do parecer da commissão, tambem s. ex.ª não foi mais feliz, porque, ainda que pouco disse a tal respeito, esteve sempre em equivoco.

Disse s. ex.ª que, se o governo tivesse fornecido á commissão esclarecimentos officiaes, não teria elle, sr. deputado, concordado em que se mandasse recolher a Lisboa a escuna Napier, por saber agora que aquella escuna estava em tal estado, que não podia navegar até Lisboa.

Pois, sr. presidente, a commissão não diz no seu parecer nem uma só palavra sobre se deve ou não mandar-se recolher a tal escuna; o que a commissão propoz foi que se supprimisse a verba proposta para o orçamento d'aquelle navio, sem lhe importar com o destino que o governo lhe daria.

A camara julgará, pela leitura, da parte respectiva do parecer:

«Para a estação de Angola e S. Thomé vem o orçamento calculado para uma corveta e uma canhoneira a vapor, e para um brigue, uma escuna e um hiate de véla, tripulados por 442 praças.

«A vossa commissão entende, de accordo com o governo, que sem inconveniente se póde dispensar o brigue e a escuna de véla, ficando a estação composta de uma corverta a vapor, uma canhoneira, tambem a vapor, e um hiate de véla, tripulados por 294 praças, alem de um navio de véla, pago pelo orçamento de Angola.»

A camara, que ouviu ler a parte respectiva do parecer, bem vê que a commissão não tratou senão do desarmamento da suppressão da despeza (apoiados), e por isso é mal cabida a moção que mandou para a mesa, fundando-se no estado de podridão d'aquelle navio.

O navio podia desarmar ficando lá ou depois de chegar a Lisboa (apoiados).

O que a commissão quer é a suppressão da despeza, e pouco lhe importou com o destino do navio.

Sem o querer, o que s. ex.ª fez foi trazer o maior argumento possivel a favor do parecer da commissão (apoiados).

Pois se o navio está podre, maior rasão para o desarmar, que é o que a commissão propõe (apoiados).

Equivocou-se igualmente o meu illustre collega quando disse que tambem não votaria a suppressão da despeza proposta para quatro logares de sargentos que estão vagos, porque taes vacaturas não existem.

Ora, sr. presidente, com relação a este ponto estamos exactamente como a respeito do anterior.

A commissão não fallou em vacaturas de sargentos.

O que a commissão diz é o seguinte:

«Deve abater-se por tres officiaes inferiores, que no mappa do armamento são mencionados, e que excedem o numero do quadro e dos supranumerarios, importancia das rações 194$447 réis. »

Não ha pois vacaturas, porém um equivoco, pelo qual pediam rações para mais 3 sargentos do que pret, visto que no artigo 5° se pedia pret para os 28 do quadro, e no artigo 23.º pret para 7 primeiros sargentos supranumerarios, o que perfaz o numero de 35 sargentos ao todo, e no mappa do armamento, para o calculo das rações mencionam-se 38 sargentos, e portanto 3 a mais do que os existentes.

Se o illustre deputado se quer referir áquelles, que estão comprehendidos no calculo da despeza dos navios desarmados, o que a commissão fez foi calcular a verba em que importava a despeza do pessoal d'esses navios para abater essa verba, pouco lhe importando depois que o governo no caso de não haver vacaturas de uma classe fizesse a diminuição em outras classes em que esse caso não se desse (visto que se trata de uma reducção de despeza de orçamento annual, e o governo póde sempre transferir as verbas dentro do mesmo artigo). E tanto assim é que a commissão, depois do calculo da despeza a abater pelo pessoal dos navios a desarmar, diz e prova, que para abater 442 praças do corpo de marinheiros (que é a reducção proposta) bastaria que o governo ás 258 vagas que tem de cabos, 1.ºs e 2.ºs marinheiros juntasse 184 vacaturas de grumetes, que deixasse de preencher pelo recrutamento, e teria uma economia superior á que lhe resultaria de licenciar o pessoal das classes que constituem os ditos armamentos.

Não pretende a commissão que se despeça nenhum sargento, nem nenhum cabo, nem 1.° nem 2.° marinheiro dos existentes, nem mesmo dos grumetes actuaes, porém que das vacaturas actuaes que, com as que até junho hão de por baixas do serviço chegar a numero superior a 500, como o governo declarou officialmente na proposta para o recrutamento, se deixem 442 vacaturas das classes que podér ser, abatendo se por isso réis 23:47$800.

Tambem o illustre deputado não foi muito feliz quando disse, que não assignaria o parecer se soubesse que os navios desarmados precisam ter a bordo praças do corpo de marinheiros, quando se trata do desarmamento de dois navios em meio armamento.

Ora, sr. presidente, a commissão não diz no seu parecer que para os navios desarmados não ha precisão de marinheiros, o que a commissão diz é exactamente o contrario do que s. ex.ª figurou, como vou ler á camara:

«A verba de despeza para 73 praças do meio armamento da corveta Sagres e da canhoneira Rio Minho, podem supprimir-se, ficando aquelles navios a cargo do arsenal de marinha, auxiliado pelas praças do corpo de marinheiros, destinados no orçamento para o quartel do mesmo corpo.»

Em seguida passa a commissão a examinar alguns dos serviços que actualmente estão a cargo das pragas destinadas ao quartel, como guardas, ordenanças, salvas, registo, charanga, etc. e conclue o seguinte:

«Ficam assim disponiveis 92 praças para o serviço do mar, pelo que não fazem falta as 73, cuja despeza se supprime no orçamento, resultando a economia de 10:300$491 réis, como se demonstra pelos documentos remettidos pelo governo.»

Houve pois claramente equivoco da parte do illustre deputado, suppondo que o parecer dizia cousas que não dia realmente.

S. ex.ª é pouco justo em fallar dos 27:000$000 réis do pessoal para a cordoaria, quando eu já aqui declarei que fôra um erro de imprensa de trocar 2 por 1, mas isso nenhuma importancia póde ter, porque não é verba que entre no computo de economias ou reducções de despezas; e não foi só esse erro, tambem ha outros no mesmo caso, e com que o illustre deputado não deu, como, por exemplo, quando se diz que ficam livres das febres 431 praças, quando acabava de se demonstrar que era 285 o numero das praças que se abatiam do desarmamento dos navios nas estações do ultramar.

Tambem não deve affligir o illustre deputado o conselho que se dá ao governo, para estudar a questão de passar a escola naval para bordo de um navio que esteja fóra da Tejo pelo menos oito meses, só pelo facto de que em Franço a escola está a bordo de um navio fundeado.

Respondo a isto que em Inglaterra tambem os alumnos estudam em um anno os primeiros rudimentos a bordo de um pontão, mas passam depois para bordo dos differentes navios das estações e ahi estudam os seus cursos theoricos e praticos.

Nós que não temos tantos recursos podemos adoptar o que mais economico for e que melhor resultado dê para o fim de habilitar melhor e em menos tempo os candidatos a officiaes de marinha. Como porém se trata de chamar a

Página 726

726

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

attenção do governo sobre este ponto, e nada mais, não ha necessidade de entrar em mais detalhes.

O que é necessario que a camara saiba é que o illustre deputado foi dos que recebeu com maiores demonstrações de approvação as minhas propostas que foram votadas pela commissão; e se assignou vencido em parte foi porque queria a immediata extincção da cordoaria e do hospital de marinha, como eu tinha primeiramente proposto, e que depois pedi que ficasse em conselhos para evitar crises politicas.

Passo agora a responder ao sr. Latino Coelho. S. ex.ª tem mais que fazer, e por isso não comparece na camara, pois sentindo fallar na sua ausencia, não posso deixar de me justificar das arguições que elle me dirigiu tão pungentemente, e para isso tenho de fallar dos actos de s. ex.ª como ministro da marinha, os quaes me decidiram a reclamar contra o seu procedimento para commigo.

Corria no parlamento a discussão do orçamento muito placidamente, sem questões pessoaes nem insultos, quando repentinamente entra o sr. Latino Coelho cercado de toda a sua mythologia, sobraçando uma estufazinha que continha uma arvore frondosa, seguido do exercito prussiano com 2:000 medicos.

Trazia s. ex.ª na mão um papel com ares de quem tinha achado o verdadeiro remedio para os nossos males. Arremessou-se logo com todo o peso da sua importancia de encontro ás portas do templo de Jano, mas por mais que empurrou não conseguiu abri-las; ficaram fechadas como estavam.

Chamou s. ex.ª em seu soccorro todos os deuses da fabula para discutir o orçamento da marinha, e depois de despedir os raios de Jupiter, sem poder alcançar os filhos de Titan, nem ter força para mover as montanhas com que os queria abafar; depois de abrir a sua estufazinha para fazer apenas uma surriba em parte dos orgãos respiratorios da sua querida arvore frondosa; depois de ter chamado em seu auxilio os 2:000 medicos do exercito prussiano em campanha para justificar a existencia de dois medicos da nossa marinha dispensados de tratar doentes; depois, finalmente, de um lindo melodiar de rouxinol, mas sem nada mais do que musica e cantiga, dignou-se s. ex.ª saír do Olympo e descer até os mortaes para nos ensinar como é que se deve administrar a marinha, e fazer um orçamento economico e em regra.

S. ex.ª começou dizendo-nos como s. ex.ª foi o inaugurador das economias, como s. ex.ª ganhou umas esporas de oiro n'aquelles torneios economicos em que s. ex.ª mostrou o que é e o que vale como ministro.

Comparando-se com o meu procedimento, mostrou s. ex.ª qual a sua abnegação em não reclamar a gratificação de 300$000 réis que tinha de vogal do conselho de instrucção publica, e com santa inspiração jurou sacrificar nas aras da patria o direito que tinha a ser pago d'aquella gratificação, emquanto eu, negando-me á subscripção nacional para acudir ao deficit, reclamára e conseguira desfazer a obra prima de s. ex.ª

N'isto foi s. ex.ª modesto, e não admira, porque fallava de si.

A gratificação que s. ex.ª perdeu correspondia a emprego amovivel, e por isso nenhuma analogia tem com um emprego inamovivel que tem as garantias dos juizes do supremo tribunal de justiça, e por isso é facil ver quanto é pequeno o sacrificio de um direito que não existe; mas s. ex.ª podia referir-se a muitos outros empregos retribuidos que tem accumullado, e se o não fez foi por modestia.

Podia, por exemplo, referir-se áquelle beneficio simples de director do Diario do governo que desde 1851 a 1861 s. ex.ª accumulou com os outros logares que exercia, e que expontaneamente largou, porque tendo caído o governo da regeneração que lhe tinha feito aquella concessão, s. ex.ª não quiz continuar a receber favores d'aquelles a quem não apoiava.

É verdade, sr. presidente, que s. ex.ª foi sempre um grande defensor do partido regenerador emquanto elle esteve no poder, mas ultimamente declara esbanjadores todos aquelles actos que tanto apoiou, e ei-lo a ganhar as esporas de oiro com a inauguração das verdadeiras economias.

Ora, sr. presidente, eu esperava realmente que s. ex.ª viesse impugnar o parecer da commissão por duas rasões — sendo a primeira, porque s. ex.ª já dissera n'esta casa, em um parecer sobre o orçamento de marinha, que n'aquelle ministerio não podem fazer-se mais economias, e a commissão vem agora tocar na arca santa das suas glorias, e propõe grandes reducções na despeza; e a segunda, é porque s. ex.ª não havia de perder a occasião de me aggredir com a sua panaceia, que é o seu pesadelo, isto é, o conselho ultramarino.

Comparando o orçamento por s. ex.ª proposto, notei eu que s. ex.ª julgava sufficiente 10:000$000 réis de madeiras para pequenos e grandes concertos e reparações de navios, emquanto o governo actual propoz só para pequenas reparações 20:000$000 réis.

Notei, que emquanto s. ex.ª propunha para material da cordoaria 18:000$000 réis, o actual governo propozesse 25:000$000 réis.

Emquanto s. ex.ª pedia 21:400$000 réis para as novas construcções, acquisições de navios, machinas e apparelhos, que a tanto se reduz a verba de 70:000$000 réis, depois de deduzidos os 48:600$000 réis de letras que se venciam pelo desastroso pagamento da celebre corveta Hawk.

Ora, sr. presidente, a commissão actual, de accordo com o governo, propõe que a verba de 90:000$000 réis, proposta no orçamento extraordinario, passe para reconstrucções, machinas e apparelhos, propondo o governo uma verba com urgencia para novas construcções.

Ha portanto grande differença no systema economico de s. ex.ª com o do actual governo, a que s. ex.ª chama inepto.

S. ex.ª propunha 49:400$000 réis para madeiras, material da cordoaria e construcções novas. O actual governo propõe 135:000$000 réis para os mesmos objectos.

Em compensação o sr. Latino Coelho propoz pouco mais de 181:000$000 réis para pessoal, e o governo, a quem s. ex.ª quer substituir, propoz para pessoal pouco mais de 146:522$202 réis.

Á vista d'isto esperava, sr. presidente, que s. ex.ª viesse á camara propor que se augmentasse a verba de pessoal com 37:000$000 réis, e se reduzisse a de material de 85:000$000 réis, para levar as cousas ao estado de verdadeira economia em que s. ex.ª diz ter ganho as esporas de oiro (riso).

Assim é que é regenerar a marinha e fazer verdadeiras economias.

Aprendam as gerações futuras! (Riso.)

Pois o sr. Latino Coelho havia de cortar o tronco á tal arvore frondosa que com todos os carinhos alimentava na sua estufazinha! Nada; s. ex.ª não gosta de cortar os troncos das arvores, e por isso pediu 10:000$000 réis para madeiras.

Basta uma surriba nos ramos, basta cortar algumas folhas, porque sem parte d'estes orgãos respiratorios vive a planta.

É por isso que a verba era ainda de mais para carqueja para o arsenal (riso).

Tambem s. ex.ª, quando em março de 1869 foi lançada ao mar a canhoneira Tejo, cuja cavilha mestra tinha sido batida em 1866, ficou a fazer um jogo de perguntas e respostas para ver como havia de assentar-se uma quilha de nova canhoneira; e a final, como o caso era grave e a surriba não chegava, resolveu s. ex.ª não fazer nada, e com decidido amor de patria e das verdadeiras economias resolveu s. ex.ª em agosto, quando estavam acabadas todas as chicanas dilatorias que a seu tempo resolveria, e lá se foi caminho do Olympo reunir conselho com os seus deuses favoritos (riso).

Página 727

727

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Eis-ahi o homem que entra no parlamento para dizer — aqui estou eu que sei, aqui estou eu que sou o unico que posso!

Tambem esperava que s. ex.ª viesse combater o desperdicio com que a commissão e o governo propõem no orçamento a verba de 49:900$000 réis para o pessoal das machinas dos vapores, quando no orçamento proposto por s. ex.ª se pedia para o mesmo fim unicamente 34:846$500 réis.

E para a differença, mais de 15:000$000 réis, ser de todo notavel é que s. ex.ª propunha para o armamento dos navios em serviço 218 individuos, e só pedia dinheiro para pagar a 156.

Os taes 156 era o quadro que s. ex.ª tinha fixado para os 32 navios que devia ter a nossa armada, isto é, como s. ex.ª diz no relatorio do decreto de 30 de dezembro de 1868:

«Corvetas grandes, navios menores, corvetas de maiores dimensões, outras de menores, dois couraçados auxiliares, pelo menos» (hilaridade).

Ora, sr. presidente, o governo actual, que não julga necessarios para o armamento dos navios mais de 216 individuos para o serviço das machinas, isto é, menos 2 do que o illustre deputado julgou, pede mais quinze contos e tanto do que s. ex.ª para esta especie de pessoal.

S. ex.ª o sr. Latino Coelho, mestre de economias, é que sabe como isto se faz, e espero que o explique á camara (riso).

S. ex.ª, abandona estes ferteis campos de grandes economias, e passa a propor a reducção immediata de 60$000 réis por anno (riso), não fallando n'aquella reducção de dois logares no quadro dos fieis de generos, que daria em resultado termos de partir um fiel, se a camara optasse pelo armamento proposto pelo governo, para o qual eram precisos 29 fieis, e pela proposta do sr. Latino fica o quadro só com 28.

É sempre o mesmo systema do quadro dos machinistas menor do que o numero de individuos em effectivo serviço. Assim é que é legislar e administrar.

Esperava tambem que s. ex.ª viesse atacar o parecer por se propor maior despeza para as estações de Angola e de Cabo Verde, do que s. ex.ª propoz no seu orçamento; mas, pelo contrario, o que vejo com verdadeiro assombro é s. ex.ª a cantar o de profundis pelas nossas colonias, por ser pouca a força para guardar e defender aquellas esperanças do nosso futuro.

Pois, sr. presidente, ahi está a prova de que é mais facil cantar como um rouxinol, do que lembrar-se dos seus precedentes, e não atacar os outros pelas suas proprias culpas.

S. ex.ª propoz para Cabo Verde uma canhoneira com 64 praças, a commissão propõe um navio da mesma classe, porém com 97 praças, isto é, com mais 33 praças.

Para Angola propoz s. ex.ª, como a commissão, uma corveta, uma canhoneira e um pequeno navio de véla, mas as lotações dos tres navios propostos por s. ex.ª sommavam 242 praças, e pela proposta da commissão haverá 294 praças, isto é, mais 52 do que as propostas por s. ex.ª

Para Moçambique propoz s. ex.ª as mesmas canhoneiras Maria Anna e Tejo, que a commissão propõe; mas a força agora fica maior, porque ha ainda o vapor Quilimane adquirido posteriormente á organisação d'aquelle orçamento.

Para Macau fica uma corveta e duas canhoneiras ou cousa que o valha, isto é, exactamente o que s. ex.ª declarou no relatorio do decreto de 30 de dezembro de 1868 necessario para bem fazer o serviço ali, mas que eu julgo insufficiente; porém, não ha melhor para lhe poder mandar, e então lucra mais o estado em economisar o que havia de despender-se em manter no ultramar navios podres ou improprios, com risco de vida para os nossos bravos e muito dignos officiaes e marinheiros da armada (apoiados).

Recorde-se pois s. ex.ª e não ataque aquillo mesmo que propoz.

E cabe aqui notar a graça com que s. ex.ª nos apresentou o exemplo dos 2:000 medicos que acompanharam o exercito da Prussia na horrorosa campanha da França, como argumento, para deixarmos na secretaria 2 facultativos sem tratar de doentes.

S. ex.ª realmente é admiravel!

Pois s. ex.ª esqueceu-se de que para os 3 navios da estação de Angola não propoz no orçamento para 1869-1870 senão 1 cirurgião! Um cirurgião para 3 navios, que devem navegar separados!

A rasão era porque os outros 2 ficavam empenhados na secretaria da marinha, n'aquelles tremendos torneios em que o sr. Latino Coelho ganhou ali as suas esporas de oiro (riso).

Pois o batalhão da Zambezia, para esse bastavam tantos cirurgiões como os que leva qualquer batalhão para ir á procissão do Corpo de Deus.

Pois a bateria de cento e tantas praças, essa levava só um cirurgião.

Emfim, alem dos cirurgiões que em tempo de paz competia a cada corpo, só levava a expedição o cirurgião em chefe.

Isto era para uma campanha nos sertões da Zambezia, a 80 leguas do ponto de desembarque!

Esqueceu se s. ex.ª dos 2:000 medicos do exercito prussiano n'este caso, e só se lembrou para manter os cirurgiões a tratar de papeis em vez de tratar dos doentes (apoiados).

S. ex.ª provocou-me cruel e pungentemente a explicar as rasões por que eu tinha reclamado contra o seu acto de me privar arbitraria e excepcionalmente do meu ordenado legal.

Vou cumprir este dever sagrado, porque assim o devo ao meu credito e ao meu paiz, depois de tão perseguido durante quasi tres annos pelo illustre deputado o sr. Latino Coelho. Faço-o com bastante repugnancia, porque sou obrigado a fallar dos actos de s. ex.ª, que me levaram á deliberação de pugnar por todos os modos possiveis nas estações legaes para que se me fizesse justiça contra a prepotencia de s. ex.ª

No dia em que s. ex.ª levou á regia assignatura o decreto da extincção do conselho ultramarino, procurei eu o sr. Latino Coelho á noite em sua casa, e tendo tido a honra de ser recebido no seu quarto de vestir, conversámos largamente sobre o assumpto.

Perguntei a s. ex.ª se o governo tencionava ter o mesmo procedimento com todos os empregados que ficassem a mais dos quadros, e indicando-lhe mesmo o nome de um illustre cavalheiro, por ser militar e o mais moderno de um tribunal que ía ser reduzido, s. ex.ª disse-me: «exactamente o mesmo, e ponho a minha pasta sobre esse principio de igualdade».

Não aconteceu porém assim, e s. ex.ª pouco depois, pelo decreto de 4 de novembro, revogou o decreto com força de lei que tinha melhorado a situação de um digno official de marinha collocando-o no posto de capitão de fragata addido a veteranos, e sem a menor ceremonia o promoveu ao posto de capitão de mar e guerra, para em seguida, por um celebre decreto de 17 de dezembro do mesmo anno, o reformar no posto de contra-almirante, passando assim este official das classes inactivas de 540$000 réis a 900$000 réis, alem da gratificação de 240$000 réis que continuou a receber sem servir.

Foi aqui que s. ex.ª ganhou as suas esporas de oiro!

Pouco depois, por um decreto de 17 de dezembro do mesmo anno, determinou que todos os officiaes que estavam addidos a veteranos fossem immediatamente reformados, não ficando nenhum com vencimento inferior áquelle que tinha então.

Esta graça especial aproveitou a 27 officiaes combatentes e officiaes de fazenda, e augmentou a despeza em réis 2:728$000.

Houve até um empregado civil que ficou depois de reformado com 100$000 réis mais do que a maxima reforma do mais graduado empregado de fazenda d'aquelle minis-

Página 728

728

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

terio, quando estava aliás, e ainda está, muito robusto paa serviço activo.

Pelo decreto de dezembro de 1868, que reformou a escola naval, extinguiu s. ex.ª os logares de official da bibliotheca e de conservador do museu naval, creando em seu logar o conservador da bibliotheca e museu, para ser exercido por um official de marinha com a gratificação de 200$000 réis por anno.

No mesmo decreto estabeleceu s. ex.ª que os empregados doa logares extinctos ficassem addidos com os seus ordenados; mas, que o então official da bibliotheca passasse a exercer o logar de conservador com 500$000 réis de ordenado.

Antes da reforma do sr. Latino Coelho tinha este empregado 300$000 réis, e infelizmente não fazia serviço havia annos por incapacidade physica, e até hoje ainda o não fez pela mesma rasão.

Quem fazia e ainda faz o serviço todo é o addido, antigo conservador do museu, com os mesmos 300$000 réis que tinha. E não é difficil de desempenhar todo aquelle serviço, visto que a tal bibliotheca tem muito pouco movimento, e o tal museu consiste em um pequeno quarto contiguo á bibliotheca naval contendo uns vinte e cinco objectos em perpetuo socego e tranquillidade (riso).

Foi pois o sr. Latino Coelho assim elevar de 300$000, réis a 500$000 réis o ordenado de um digno empregado que estava impossibilitado de servir e depois de extincto o seu logar.

Pelo decreto de 30 de dezembro de 1868 elevou s. ex.ª consideravelmente as gratificações a setenta e quatro officiaes em commissões em terra, elevando por isso a despeza na verba de 6:630$000 réis comparado o seu orçamento para 1869-1870 com o de 1867-1868 anterior á sua administração.

É de notar que aos que estavam nas doentias estações do ultramar não augmentou s. ex.ª nem um ceitil.

É porque a urgencia era toda para os officiaes não embarcados.

A lei de 1861 que concedeu gratificações aos officiaes de marinha declarou activas as commissões de embarque fóra do Tejo e em commandos, e isto era o natural, porque o official de marinha é destinado para o serviço do mar e ali deve ser a sua commissão activa.

Pois s. ex.ª, apesar das criticas circumstancias do thesouro, apesar das suas esporas de oiro, achou opportuno fazer este augmento da despeza sem ter queixa ou representação que o pedisse.

Os capellães da armada foram, pelo artigo 2.° do decreto de 18 de julho de 1855, igualados em graduação e vencimentos aos segundos tenentes da armada, sem comtudo se considerarem garantidas as suas patentes.

O quadro era de 4, e não só estava completo, mas havia ainda 3 supranumerarios. Logo não faltavam concorrentes aquelle serviço nas condições em que estavam; pois o sr. Latino Coelho, por causa das econoteias e para honra das suas esporas de oiro, concedeu aos capellães da armada accesso até capellães tenentes e a maxima reforma na graduação e soldo de capitães de fragata.

Ficaram assim muito melhor do que os capitães do exercito, que não passam de capitães.

Já 3 passaram de 336$000 a 360$000 réis, e d'aqui a onze annos passarão a 648$000 réis cada um, quando pela legislação anterior não passavam de 336$000 réis em caso algum.

Emfim estes e muitos outros actos de s. ex.ª no mesmo sentido.

O modo por que elle tratou os vogaes do supremo concelho de justica militar, que ficaram a mais do quadro, mantendo a todos cinco as gratificações de 600$000 réis que tinham, não obstante uns terem 1:080$000 réis de sol do mesmo desempregados, e outros 2:084$000 réis, conforme fossem generaes de brigada ou generaes de divisão.

A concessão de uma compensação por emolumentos, alem do ordenado, a um empregado de logar extincto, e muitos outros actos do mesmo teor, convenceram-me de que s. ex.ª me expoliára excepcionalmente a mim do meu direito, não para entrar com o dinheiro no thesouro, mas para o distribuir aos seus amigos e afilhados, e desde logo resolvi recorrer a todos os poderes publicos contra acto tão revoltante e injusto.

Foram a meu favor o ajudante do procurador da corôa, o seu ajudante junto ao ministerio da marinha, o ouvidor do concelho d'estado e os proprios membros do tribunal, que, declarando-se incompetentes para julgar o meu recurso, por depender o acto do governo de sancção das côrtes, comtudo lá está na acta da respectiva sessão, que se conformavam com a opinião do agente do ministerio publico, que julgava injusto o procedimento havido contra mim pelo sr. Latino Coelho.

A final, nas côrtes a que recorri tive provimento completo, sendo as commissões de fazenda, do ultramar e de legislação todas a meu favor, e isto no tempo em que o sr. Latino Coelho era ministro, declarando questão ministerial, e sendo quasi todos os membros d'essas commissões cavalheiros do partido reformista. Não conseguiram que nem um assignasse com declarações.

O honrado juiz, o sr. Rodrigues de Carvalho, não será reformista? (Apoiados.) O honrado juiz, o sr. Nogueira Soares, não será reformista? O sr. Saraiva de Carvalho não será reformista?

Pois, sr. presidente, esses honrados cavalheiros e muitos outros dos principaes do partido reformista, como o honrado sr. Coelho do Amaral e outros, tiveram a dignidade de não ceder a instancias, e declararam que em questões de direito não viam politica.

O mesmo caminho seguiram o sr. presidente e os srs. vice-presidentes da camara, apesar das instancias politicas em contrario.

Não seriam reformistas o sr. Costa Simões e o sr. Alves Carneiro! Pois todos resistiram aos pedidos.

O sr. visconde de Moreira de Rey, tão avido sempre de economias, esse mesmo, estudando o assumpto, foi o relator da commissão de legislação.

Porque não veiu o sr. Latino então defender o seu acto no parlamento?

Agora, que lhe parece que estou em posição falsa, é que s. ex.ª julga opportuno vir-me atacar; pois perde o tempo, e ha de arrepender-se.

Não hei de reclamar nem pestanejar se a camara em sua alta justiça me privasse dos vencimentos que por lei me pertencem, porque não o havia de fazer por motivos pessoaes, e havia de fazer o mesmo a todos os que estivessem no mesmo caso, principiando pelos membros do conselho d'estado, que ficaram com 2:000$000 réis.

Sr. presidente, a hora está a dar e eu desejo dizer alguma cousa com relação á horrivel tragedia da expedição á Zambezia, visto que aqui se disse que por isso o sr. Latino Coelho não merecia censura nem era culpado do triste desfecho d'aquella expedição.

Nada direi sobre o que se devia ter feito em vez de quanto se fez, porque são factos consummados, mas vou relatar o que se passou.

Em 5 de novembro de 1868 publicou o Diario do governo a desastrosa noticia da derrota da 3.ª expedição contra o Bonga. Dias depois apparece o decreto mandando organisar a expedição.

Silencio completo até 14 de dezembro, em que apparece na ordem do exercito o convite para os militares que quizessem fazer parte da expedição, assim como um decreto melhorando as vantagens offerecidas aos officiaes.

Depois d'este, novo repouso, até que em 14 ou 15 de janeiro apparece uma portaria estabelecendo os uniformes da expedição. No entanto os soldados que vinham chegando iam sendo espalhados aos grupos pelos corpos, o depois de

Página 729

729

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

andarem abandonados e bem relaxados e perdidos foram mandados para a Zambezia no Bornéo, e em tal estado que as armas iam escondidas debaixo de 30 toneladas de carvão, para não as poderem achar aquelles defensores da honra nacional.

Chegaram a Quilimane a 26 de junho faltos de calçado, sem meios de transporte para irem pelo rio que corre a poucos metros da aringa do Bonga, e assim descalços e quasi nus andaram em marchas desastrosas quasi cinco mezes aquellas victimas, até que por fome, desalento e doença tiveram de retirar depois de estarem oito dias defronte da aringa.

Eis o que nos diz o commandante da expedição no seu relatorio (leu).

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — sr. presidente, peço que me conserve a palavra para a sessão seguinte,.

O sr. Elias Garcia: — Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas.

O sr. Martens Ferrão: — Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã são trabalhos em commissões, e para sexta feita a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×