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SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios – os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Snmmario

Apresentação de um projecto de lei e de uma nota de interpellação — Ordem do dia: 1.ª parte, continuação da discussão do parecer n,° 25 da commissão da fazenda, approvando as alterações feitas na camara dos dignos pares ao projecto de lei relativo aos bancos e compamhias; e votação nominal sobre este parecer, que foi approvado por 44 srs. deputados e rejeitado por 44, ficando empatada a votação — 2.º parte, continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha.

Chamada — 38 srs. deputados.

Presentes á primeira chamada, á uma hora e um quarto da tarde — os srs. Alberto Carlos, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Pinto Bessa, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Alves Matheus, Faria Guimarães, Gusmão, Bandeira Coelho, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, Julio Rainha, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Marques Pires, Lisboa, Mariano de Carvalho.

Presentes á segunda chamada, á uma hora e meia da tarde — os srs. Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Sousa de Menezes, Falcão da Fonseca, Francisco Beirão, Mendonça Cortez, J. A. Maia, Figueiredo de Faria, Mexia Salema, Julio do Carvalhal, Affonseca.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Arrobas, Pequito, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Eça e Costa, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Carlos Bento, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Caldas Aulete, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Zuzarte, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Dias Ferreira, Mello e Faro, José Luciano, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Paes Villas Boas, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Villaça, Saraiva de Carvalho, Bernardino Pinheiro, Pereira do Lago, Palma, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Nogueira Soares, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Luiz Pimentel, Camara Leme, Pedro Franco.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio da fazenda, declarando que, logo que a junta do credito publico dê conta do resultado do recenseamento dos juristas, será enviada á camara a relação competente.

Para a secretaria.

Representações

Ácerca de varios assumptos

1.ª Da camara municipal de Sabrosa, pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal:

2.ª Dos contribuintes de todas as classes do districto do Funchal, contra as propostas tributarias do governo;

3.ª Da confraria da ordem terceira de Nossa Senhora do Carmo da villa de Moura, pedindo que lhe seja confirmada a posse da igreja do extincto convento dos Carmelitas;

4.ª Da camara municipal de Villa Verde, pedindo a concessão de alguns terrenos, como proprios municipaes, e auctorisação para a cobrança de uma taxa de 80 réis por cada metro cubico de barro que d'elles se extrahir, tendo essa receita applicação a obras municipaes.

Foram remettidas ás commissões respectivas.

Requerimentos

1.° Requeiro que sejam enviadas, com urgencia, a esta camara, pelo ministerio das publicas, copias:

I. Das queixas que aquelle ministerio tem subido contra o actual director das obras publicas em Castello Branco;

II. Das informações officiaes obtidas a proposito de taes queixas;

III. Do relatorio, enviado ao governo pelo engenheiro encarregado de proceder a inquerito, em virtude de arguições feitas ao mesmo director em epocha não muito distante.

Sala das sessões, 24 de maio de 1871,= O deputado pelo Fundão, A. Pedroso dos Santos.

2.° Requeiro, com urgencia e pela quarta vez, que se officie ao ministerio da fazenda, para este remetter á camara as informações que pedi em sessão de 18 de abril de 1871, e porque instei nas sessões de 28 de abril e de 10 de maio ou para declarar as rasões por que não póde remetter as indicadas informações.

Sala das sessões, 24 de maio de 1871. = Francisco Beirão.

3.° Requeiro que o governo informe com a possivel brevidade a esta camara, pela repartição competente, quantos registos de cada especie estão feitos em cada uma das conservatorias do continente do reino, e especialmente nos tres districtos do Porto, Braga e Vianna, e quantos tambem das mesmas especies estão apresentados pelos interessados, mas ainda não realisados. Tudo isto até á data de hoje e debaixo da responsabilidade dos conservadores informantes.

Sala das sessões, 24 de maio de 1871. = Visconde de Montariol.

Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Desejo interpellar o sr. ministro do reino ácerca da portaria de 22 de setembro de 1863.

Sala das sessões, 24 de maio de 1871. = Manuel Redondo Paes Villas Boas.

2.ª Peço que seja prevenido o sr. ministro do reino, de que desejo tomar parte na interpellação annunciada pelos srs. deputados Braamcamp e Bernardino Pinheiro, ácerca da dissolução das mesas das misericordias de Monsão e Valladares.

Sala das sessões, 24 de maio de 1871. = Adriano de Abreu Cardoso Machado.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

Declaração

Declaro que o sr. Antonio Pereira não póde comparecer hontem nem hoje por incommodo de saude.

Sala das sessões, 24 de maio de 1871. = Manuel Thomás Lisboa.

Inteirada.

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SEGUNDAS LEITURAS

Projecto do lei

Senhores. — O decreto de 31 de dezembro de 1869, que reformou o serviço dos correios, privara varias terras da vantagem de ser distribuida a correspondencia por causa dos destinatarios. A necessidade de fazer economias levou o illustrado ministro a publicar aquelle decreto. Ficaram na classe de addidos os carteiros de muitas localidades, e, quando fallecerem, quando de certo será muito maior a correspondencia mandada para essas terras, ficarão ellas sentindo os males do retrocesso, em vez das vantagens do progresso.

A crescente receita dos correios prova que dá bom fructo para o thesouro a diligencia em aperfeiçoar este serviço. Convencidos de que e estado não perderá com a sustentação dos empregos a que abaixa nos referimos, temos a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1,° São considerados effectivos os carteiros de Monsão, Ponte de Lima, Caminha e Ponte da Barca, que foram classificados como addidos pelo decreto de 31 de dezembro de 1869.

Art. 2.º É restabelecido o logar de carteiro na Guarda.

Art 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 22 de maio de l871 — J. J. Rodrigues de Freitas Junior = José Teixeira de Queiroz = Antonio Pereira da Silva de Sousa de Menezes = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, deputado pela Guarda = Bernardino Pereira Pinheiro.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva

Projecto de lei

Senhores. — Os brados da opinião publica levantam-se clamorosos contra exorbitancia e desigualdade das quotas, com que são retribuidas os recebedores de comarca.

Não é a opinião publica illudida e das vairadas,mas a opinião publica illudida e sensata, que reclama uma reforma, que, estabelecendo estre estes funccionarios uma igualdade de vencimentos proporcional ao seu trabalho e responsabilidade, não os colloque acima de muitos outros funccionarios de mais elevada jerarchia.

No mappa junto, que temos a honra de offerecer á illustrada consideração da camara, existe a mais clara prova e a mais concludente demonstração que quanto é fundada aquella opinião, que, nascendo e formando-se na ausencia de dados estatisticos officiaes, é por elles eloquentemente confirmada.

Gastam-se annualmene 118:000$000 réis nas quotas dos recebedores de comarca. A importancia d'estas quotas em muitas comarcas é superior a 1:000$000 réis. Nos annos de 1868-1869 e 1869-1870 os maximos, os minimos e a medias dos seus vencimentos foram os seguintes:

Maximos Mínimos

1868-1869............ 1:588$197 (1) 236$475 (3)

1869-1870............ 1:482$860 (2) 484$665 (4)

Medias

1868-1869....... 1:125$145

1869-1870....... 989$967

Em presença d´estes numeros, que não são fallazes nem contestaveis, ninguem dirá que não são larga e generosamente renumerados os recebedores de comarca, habilitações litterarias, nem tirocinio. É justo, e indispensavel que os funccionarios publicos recebam uma retribuição condigna e correspondente á sua posição social e trabalho que desempenham, retribuição que fornecendo-lhes os preciosos meios de subsistencia, os subtrhaia á necessidade de se entregarem ao exercicio d´outra profissão; mas as remunerações excessivas acompanhadas da permissão de se substituirem produz o effeito da ausencia dos logares e abandono do serviço, com grave prejuizo do estado, descredito d'elles e não pequeno escandalo publico.

Para estabelecer a igualdade proporcional entre os vencimentos dos recebedores das differentes comarcas e a relativa com as dos outros funccionarios publicos, garantir o thesouro, que é a bolsa do povo, dos desvios dos dinheiros, que, repetindo-se com frequencia, assustam e escandalisam a opinião e prejudicam o estado, são necessarias providencias serias e efficazes.

A classificação das comarcas em tres ordens pela importancia actual das quotas percebidas pelos recebedores, a fixação de ordenados certos aos mesmos segundo esta classificação, e a divisão da responsabilidade d'elles com os delegados do thesouro e ministro da fazenda, e camaras municipaes a cujo cargo deve ficar a proposta dos mesmos em lista triplice para o governo escolher e nomear, são providencias que parecem satisfazer ao fim que se tem em vista.

Por este systema amplia-se, e assegura-se mais solidamente a responsabilidade dos recebedores, o governo livra-se de fazer por influencias politicas nomeações, que têem dado os fataes resultados que todos sabem, e constitue-se o elemento popular garante e fiscal dos dinheiros publiuos.

O systema das quotas, que alguns consideram meio efficaz para realisar a cobrança das contribuicões, não tem a importancia que se lhe attribue. A experiencia demonstra o. O interesse proprio podará ser em alguns incentivo para o mais exacto cumprimento das suas obrigações, mas a consciencia do dever e a certeza do castigo são elementos com que um governo moral e forte deve contar para a observancia das leis. Escolha d'entre os propostos o mais digno, faça punir com a severidade legal os negligentes e criminosos, e com o systema que se propõe obterá resultados mais efficazes,e menos arriscados do que com o actual.

Movidos por estas considerações, temos a honra de ofefrecer á sabia apreciação da camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Todas as comarcas do reino e ilhas adjacentes serão classificadas em tres ordens segundo a importancia das quotas actualmente percebidas pelos recebedores.

§ 1.° São comarcas de 1.ª ordem aquellas em que esta importancia exceder a 1:000$000 réis, de 2.ª ordem aquellas em que exceder a 800$000 réis, e de 3.ª ordem aquellas em que for inferior a esta quantia.

§ 2.º Os bairros de Lisboa e Porto são para os effeitos da presente lei considerados comarcas de 1.ª ordem, qualquer que, seja a importancia das quotas.

§ 3.° É o governo auctorisado para fazer a classificação pela importancia das quotas no anno de 1869-1870 constantes do mappa junto.

§ 4.º Feita a clasrifiçação segundo as regras estabelecidas nos §§ antecedentes, não poderá ser alteraria senão por virtude de lei, quer as quotas augmentem quer diminuam.

Art. 2.º Em cada comarca e bairro de Lisboa e Porto haverá um recebedor de nomeações regia, feita por proposta das camaras municipaes em lista triplice.

§ 1.º Os vereadores das camaras, que fizerem a proposta são subsidiariamente responsaveis pelos alcances dos recebedores, que propozerem.

§ 2.° E permittido ás camaras municipaes e aos vereadores que fizeram a proposta, ainda depois de terminado o exercicio das suas funções, fiscalisar que os recebedores façam as transfencias dos fundos nas epochas designadas nas leis e regulamentos da administração da fazenda.

§ 3.° Quando as camaras ou vereadores acharem os recebedores em falta poderão representar ao delegado do thesouro, que providencie, e se este recusar ficará com os recebedores solidariamente responsavel pelos seus alcances, excepto se a recusa for fundada em ordem escripta do ministro da fazenda.

§ 4.° Verificada a excepção do § anterior, será o minis-

(1)Penafiel. (2)Sntarem. (3)Vinhanca. (4)Melgaço.

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tro o responsavel pelos alcances, e as camaras livres da sua responsabilidade.

§ 5.º Os delegados do thesouro entregarão ás camaras ou vereadores recibos das representações por elles datados e assignados.

Art. 3.º Os recebedores de comarcas de 1.ª ordem, e os dos bairros de Lisboa e Porto vencerão 700$000 réis, os de 2.ª 600$000 réis, e os de 3.ª 500$000 réis de ordenado.

Art. 4.º Os actuaes recebedores encartados são exceptuados da disposição do artigo 2.º e respectivos §§, mas são comprehendidos no artigo 3.º

Art. 5.° A presente lei começará a executar-se desde que for publicada a classificação das comarcas no Diario do governo.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 24 de maio de 1871= O deputado por Amarante, Joaquim Nogueira Soares Vieira = O deputado por Villa Verde, Joaquim Alves Matheus.

Nota da importancia das quotas illiquidas de deducções, que nos annos economicos abaixo mencionados competiram aos recebedores das comarcas do continente do reino

[Ver Diário Original]

Sala das sessões, 24 de maio de 1871. = Joaquim Nogueira Soares Vieira = Joaquim Alves Matheus. Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

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O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada, e por isso vae passar-se á primeira parte da ordem do dia, que é a discussão do parecer da commissão de fazenda sobre as alterações feitas na camara dos dignos pares ao projecto n.º 25.

Os senhores que tiverem alguns papeis a mandar para a mesa podem envia-los.

O sr. Alves Matheus: — Mando para a mesa um requerimento, para tomar parte na interpellação do sr. Barjona de Freitas ao sr. ministro da justiça.

O sr. Falcão da Fonseca: — Mando para a mesa um projecto de lei.

O sr. Pereira de Miranda: —Visto não estar presente o sr. ministro da fazenda podia v. ex.ª dar a palavra aos srs. deputados que a tinham pedido para antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — O sr. ministro da fazenda está n'esta casa, e veiu ha pouco pedir á mesa que desse para discussão o parecer n.º 25.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.º 25 da commissão de fazenda, approvando as alterações feitas na camara dos dignos pares ao projecto de lei n.º 25 relativo aos bancos e companhias

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Rodrigues de Freitas para continuar o seu discurso.

O sr. Rodrigues de Freitas:...(O sr. Deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

O sr. Beirão: — Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.º 24, sobre a percentagem que devem pagar os districtos para viação.

A commissão fez algumas alterações no sentido de comprehender na lei a proposta que tinha sido apresentada pelo sr. relator, e adoptada pelo governo.

Leu se na mesa e foi logo approvada esta ultima redacção.

O sr. Candido de Moraes: —Por parte da commissão especial, encarregada de rever a lei de 6 do junho de 1864, tenho a declarar que ella se acha constituida, tendo nomeado para presidente o sr. Braamcamp, para relator o sr. Francisco de Albuquerque, e a mim para secretario.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Julguei dever pedir a palavra para dar algumas explicações ácerca do parecer que foi mandado para a mesa, e que está em discussão, em relação ás alterações que no projecto de lei, relativo á abolição dos privilegios dos bancos, foram levarias a effeito pela camara dos dignos pares.

Eu conformo me, não só com as conclusões da maioria da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, mas ainda mais com as rasões apresentadas no relatorio pela mesma commissão.

Não me arrogo a pretensão de criticar a redacção apresentada pela outra camara a um projecto que lhe foi remettido d'esta casa do parlamento, mas tendo a honra de pertencer a esta camara, tendo compromettida a minha opinião sobre este negocio por votos anteriores, declaro franca, positiva e categoricamente que prefiro o projecto que foi mandado d'esta camara ao projecto que foi reenviado da camara dos dignos pares (apoiados).

Mas, ao mesmo tempo que faço esta declaração tão categorica como se póde fazer, declaro que tambem me conformo plenamente com as conclusões que apresenta a maioria da commissão da camara dos senhores deputados n'este parecer que está em discussão.

Fazendo justiça ás intenções que dictaram as emendas ou modificações do presente projecto, não me parece que se possa, sem grandes inconvenientes, rejeitar o parecer da maioria da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados.

Os inconvenientes são retirar outra vez da discussão uma medida que por quatro vezes e por quatro administrações successivas tem sido sujeita á discussão do parlamento.

E qualquer que seja a confiança do illustre deputado, que saíu d'aquella tribuna, e dos outros cavalheiros que têem impugnado este parecer, ninguem póde prometter com tanta segurança, que o futuro é nosso e que dentro de dois dias ha de resolver-se uma questão depois de estabelecido o conflicto entre as duas casas do parlamento.

Eu invejo, sem estar persuadido d'ella, a segurança com que os illustres deputados asseveram, que uma vez estabelecido o conflicto entre as duas casas do parlamento é tão facil resolve-lo, que dentro em dois dias estará terminada uma questão a respeito da qual houve grande discussão; pelo menos parece-me que a segurança que os illustres deputados dão a este respeito póde deixar de ser partilhada por muitos outros srs. deputados que consideram a questão debaixo de outro ponto de vista.

Qual é a consequencia a tirar de não ser tomado em consideração este projecto pela difficuldade que se apresenta de harmonisar o voto dos dois corpos legislativos? E preciso que o illustre deputado traga á lembrança o que decerto já sabe, isto é, que a commissão mixta não decide d'este projecto em ultima instancia (apoiados), tem de se renovar a iniciativa d'este projecto tomando por base a resolução da commissão mixta (apoiados). E o illustre deputado tem a certeza de que as cousas correrão tão rapidamente que dentro de dois dias esteja tudo concluido?

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a palavra.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço a palavra.

O Orador: — E eu continuo com a palavra (riso).

Note a camara e note v. ex.ª que o illustre deputado e meu amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, não combateu só as alterações que vieram da camara dos dignos pares, combateu o projecto todo como elle foi levado d'esta á outra casa da parlamento (apoiados).

Disse o illustre deputado, que esta lei era a mais iniqua que se tinha votado n'esta casa do parlamento; tomei nota.

O illustre deputado referiu se á odiosa excepção respectiva aos contratos onerosos, e comtudo foi esta camara que a votou; essa excepção não foi inventada pela camara dos dignos pares. Este projecto é o mais iníquo que se tem votado, porque? Porque tende a restringir os privilegios concedidos a uma industria importante que os tem gosado até agora! E não será um facto moral, tendo abolido esses privilegios, uma excepção benefica para crear receita de que o paiz precisa?

Mas diz-se, as excepções são odiosíssimas. Effectivamente, se este projecto não for approvado, e corre o risco de não ser approvado no caso de o irmos sujeitar de novo ás delongas das formalidades politicas, o resultado é que continuam as excepções como já têem continuado até agora, apesar dos esforços de quatro administrações successivas.

E não será honroso para esta casa do parlamento concorrer quanto possa para que desappareçam as excepções que até hoje têem subsistido a este respeito? (Apoiados.)

(Aparte.)

Pois fizeram-se todas essas diligencias e nada se póde conseguir.

(Aparte.)

Entre nós não se trata de remediar nenhum dos males que existem. Com o que nós folgámos sempre muito é com o saber quem teve a culpa d'esses males. O paiz está satisfeito com isso.

(Aparte.)

Não é o illustre deputado; esta é em geral a nossa tendencia. Não estou condemnando os outros, porque eu faço o mesmo. (Riso.) Ha uma certa satisfação em todos nós, quando não temos grande responsabilidade, pelo logar que occupamos, não em remediar, mas em saber quem teve a culpa. N'isto se consome toda a nossa eloquencia, todos os nossos talentos, todo o nosso genio, porque todos nós temos genio, dizem. (Riso.)

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Repito, sr. presidente; o illustre deputado e roeu amigo o sr. Rodrigues de Freitas não combateu o projecto como voltou; combateu o projecto como foi. Quando foi já era mau, já tinha disposições que na opinião livre e illustrada de s. ex.ª faziam com que se devesse votar contra elle.

O tr. Rodrigues de Freitas: — Se v. ex.ª, sr. presidente, me concede licença para dar uma explicação, o sr. ministro da fazenda creio que não se oppõe a isso.

Eu disse alguma cousa ácerca dos contratos onerosos para provar que este projecto deve dar muito pouco, porque ha de haver duvidas sobre o que se entende por contratos onerosos (apoiados). Não vim levantar-me contra o que foi decidido n'esta casa; o que fiz foi lembrar á camara que o projecto está de tal maneira concebido, que o rendimento para o thesouro deve ser muito pequeno. Peço ao sr. ministro da fazenda que rebata este argumento, se julga que elle é digno de ser rebatido, mas que não diga que eu vim combater o que esta camara já tinha decidido, porque não o fiz, nem isso era proprio do meu caracter.

O Orador: — Eu peço ao illustre deputado que de maneira alguma veja nas minhas palavras o proposito de calumniar as suas intenções desfigurando as suas phrases; mas, se por acaso este projecto se reduz a tão pouco e se esta condição dos contratos onerosos é que assim o reduz, a censura do illustre deputado, por um outro caminho, vem ter precisamente á camara que o mandou originariamente para a camara alta com esta disposição.

O illustre deputado póde rectificar outra vez esta asserção se o julgar conveniente; mas a minha opinião é esta.

Eu peço perdão ao illustre deputado para lhe dizer (e desculpe me um certo calor que tomo n'estas questões), que, por muito disposto que s. ex.ª esteja para suppor que na posição que nós os ministros occupamos, alguma satisfação pessoal existe, ha de fazer-me a justiça de acreditar que essa posição tem umas certas difficuldades que não provém unicamente dos discursos que se dirigem ao ministro da fazenda; e que o ministro da fazenda muitas vezes, quando responde a certos discursos, está respondendo tambem a um certo numero de objecções, que n'aquelle mesmo dia ou no dia anterior o mortificaram dentro de uns certos limites (riso).

Já vê o illustre deputado, que n'esta situação é absolutamente desculpavel o ministro da fazenda tomar qualquer calor, que não tenda a deixar de prestar homenagem aquella pessoa que a torna facil pelas sympathias que lhe dedicâmos. Digo que algumas das objecções apresentadas por s. ex.ª, parece-me que tendera a ferir o projecto como elle saíu d'esta casa do parlamento; e então comprehendo muito bem a posição do illustre deputado.

O illustre deputado não quer que n'este projecto appareça qualquer excepção. Parece me que a idéa de s, ex.ª era, que esta abolição de privilegios tivesse de ser como uma regra geral que não admittisse excepção. E o que pude colligir das observações feitas pelo illustre deputado. Mas se não podemos chegar desde logo a essa conclusão perfeita, não seria conveniente que depois de quatro tentativas infructuosas para conseguir este resultado, ao menos esta camara podesse conseguir a restricção dos privilegios actualmente existentes? Creio que sim (apoiados).

Sem deixar de suppor que o projecto originario da camara dos senhores deputados se póde considerar como tendo roais clareza em algumas das suas disposições, não julgo de maneira alguma que as disposições d'este projecto, a sua eíficacia fiscal e a sua auctoridade moral possam ser prejudicadas pela redacção que a camara dos dignos pares lhe deu. Em primeiro logar, para fallar a verdade, parece-me que uma phrase que ha n'este projecto não merecia a impressão que julgo ter feito ao illustre deputado. Refiro-me aos termos que ae empregam n'este artigo 3.°, de se continuar a não pagar impostos por certos titulos de companhias, e a respeito do que s. ex.ª disse, que não havia lei que estabelecesse a isenção, cuja continuação se consigna no artigo 3.° E eu digo, e posso assegurar ao illustre deputado, que não ha recebedor algum que tenha recebido impostos pelos titulos que se continuam a considerar como não sujeitos a imposto; e então que incoherencia, que inconveniente ha em que o facto seja reconhecido? O facto não é sanccionado pelo artigo 3.°, este artigo não faz mais do que reconhece-lo. O artigo 3.° diz (leu).

Por consequencia não me parece que esse argumento tenha uma força tal que nos leve a invalidar a approvação que podiamos dar a este projecto, cujo resultado é conveniente e moral. O artigo 4.° do projecto, modificado pela camara doa dignos pares, não se póde entender, em vista da disposição expressa no artigo 1.°, que claramente determina que este projecto não se refere senão á abolição de privilegios de impostos; digo, não se póde entender senão em referencia aos estabelecimentos commerciaes que têem imposto analogo ao de 10 por cento que se fixa para estas sociedades bancarias.

E não admira esta difficuldade por uma rasão muito simples. Este projecto fazia parte da proposta de lei de contribuição industrial. N'essa proposta de lei, ao mesmo passo que se marcava esse imposto para esta classe de bancos que até agora gosavam de um privilegio, estabelecia-se para outras companhias e sociedades um imposto que haviam de pagar, e que era differente d'este. Evidentemente é clarissimo que pelo artigo 4.° de alguma fórma se quiz obviar aos inconvenientes de ser este projecto separado de uma lei de contribuição industrial, como muitos ministros o tinham apresentado anteriormente.

Essa proposta de lei de contribuição industrial tirava todas as duvidas, porque por ella sabia-se que os bancos que até agora estavam isentos do imposto pagavam determinada imposição. Sabia-se, por exemplo, que as sociedades fabris pagavam certa imposição, e outros estabelecimentos não isentos pagavam outros impostos, etc.

Por conseguinte já se vê que o artigo 4.° teve por fim obviar aquelles inconvenientes, e que não nasceu da vontade da camara dos dignos pares. Não houve da parte da camara dos dignos pares (faço-lhe plena justiça, como testemunha ocular do espirito que presidiu na commissão á redacção d'este projecto), nenhum desejo de levantar conflicto entre as duas camaras. Entendeu se que era esta a melhor redacção, e nada mais.

E, pela minha parte, parece-me que, sem ser jurisconsulto, póde se, sem forçar a significação da lei, applicar a hermeneutica que faz desapparecer a obscuridade em que estejam aquelles que julguem que o artigo 1.° não seja a explicação categorica do artigo 4.°

N'uma palavra. Entendo que este parecer está no caso de ser approvado, attentas as circumstancias que se deram, e salvando cada um as suas opiniões.

Desenganem-se os illustres deputados, as questões politicas são as que levam entre nós mais tempo. Se os illustres deputados imaginam que depois de convertida uma questão de administração n'uma questão politica, e estabelecido um conflicto entre as duas camaras, isto se decide em dois dias sem a menor difficuldade, estão muito illudidos.

Admiro esta confiança. Presto homenagem a este desejo, mas sinto não poder ter o mesmo desejo, nem acompanhar os illustres deputados na sua previsão.

Eu entendo que não ha incoherencia nos que, tendo approvado o projecto originario, approvarem estas alterações.

Alguns dos srs. deputados votaram n'esta camara formalmente contra a disposição originaria d'este projecto, e a respeito d'esses comprehende-se que aproveitem a occasião para votar contra todo o projecto; a opportunidade é legitima, a mais legitima de todas as opportunidades. Mas aquelles que entendem que o projecto, como elle foi originariamente remettido d'esta camara para a camara dos dignos pares, tem vantagens que não podem ser annulladas pelas disposições approvadas na camara dos dignos pares; aquelles que entendem que podem prestar um bom serviço

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ao paiz concorrendo para que o principio das isenções em materia de impostos tenda todos Os dias a restringir-se; em que ponto compromettem esta idéa, em que ponto compromettem a sua opinião?

Á hypothese que o illustre deputado, o sr. Rodrigues de Freitas, figurou de companhias, aliás respeitaveis, que de futuro se queiram estabelecer, responderei que o parlamento não fica privado de legislar de futuro sobre este assumpto. Se ámanhã se estabelecer uma companhia ou caixa economica, com juro mais elevado do que actualmente se dá, o parlamento póde tomar providencias com relação a essa companhia, introduzindo disposições novas na lei, ou inutilisando outras.

N'uma palavra, entendo que será muito mau caminho a seguir para acabar com todos os privilegios impugnar uma disposição que, na minha opinião, faz com que não continuem em larga escala as excepções actualmente existentes.

Peço desculpa á camara de lhe ter tomado o tempo, e ao illustre deputado de ter tomado parte na discussão, Sustentando opiniões contrarias ás de s. ex.ª

Vozes;—Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barros Gomes.

O sr. Barros Gomes: — Constando me que se acha inscripto o sr. Cortez sobre a ordem, eü desejaria que v. ex.ª me consentisse ceder da palavra agora, reservando m'a para depois de s. ex.ª ter fallado.

O sr. Presidente: — O sr. deputado como relator póde tomar a palavra no logar que quezer.

O sr. Mendonça Cortez (sobre a ordem): — Para obedecer aos preceitos regimentaes, vou mandar para a mesa a minha moção de ordem, ou antes a declaração que motivou que eu pedisse a palavra (leu).

Não tencionava fallar sobre este projecto, apenas limitar-me a reclamar contra a inserção da minha assignatura, que não dei; mas, em vista das asserções do sr. ministro da fazenda, em vista mesmo dos pontos em que foi collocada a questão, entendo do meu dever, como deputado, dizer alguma cousa sobre o assumpto em geral, e particularmente sobre as emendas que vieram da camara dos dignos pares do reino.

Eu não voto o projecto n.º 25, porque entendo que fere os principios constitucionaes; não voto, porque entendo que fere os preceitos economicos; não voto, porque entendo que fere os bons principios da logica juridica. E ainda maia: se me fosse permittido, eu diria, em boa franqueia, é sem querer com isso apresentar uma asserção menos agradavel para outro poder do estado, que não voto a doutrina do projecto, porque me parece que vae ferir os principios da moralidade fiscal (apoiados).

Eu não voto o projecto, sr. presidente, por me parecer contrario aos principios constitucionaes, porque tem sido norma constante n'este paiz que ás Contribuições sejam votadas pelo elemento popular. Quando mesmo Portugal se dobrava do jugo do absolutismo, este principio era proclamado por todos os mais notaveis jurisconsultos, homens de estado e publicistas, desde As côrtes de 1385 até ás de 1668. E não séria hoje, n'uma epocha liberal, que da minha parte havia de partir o consentimento para que se quebrasse este saudavel principio (apoiados).

E este principio estava tão fortemente ridicado na organisação politica d'este paiz que, se desde 1668 não foi observado, por muitas vezes foi rconhecido pelos reis d'estes reinos; tanto que eu vejo, por exemplo, D. João IV, nas côrtes de 1641, declarar terminantemente, que os impostos deviam ser exclusivamente estabelecidos pelas cortes, isto é, pelo elemento popular, n'esta parte a mais importante; e ninguem póde sustentar que o elemento popular ou democratico seja representado por outra camara, que não seja á dos deputados da nação (apoiados).

Se acaso me appellarem para a organisação de outros paizes, eu vejo, por exemplo, em França, entre os muitos que me forneceria o annalista Coquille, «instítutes coutumières» uma ordenança de Filippe VI de 1348, estabelecendo o mesmo principio, de que o elemento democratico ou popular era o unico que deveria estabelecer os impostos. E se acaso o sr. ministro da fazenda me viesse dizer que por vezes este principio foi desprezado, apresentando alguns factos contrarios a esta boa praxe, a este bom principio, eu notarei a s. ex.ª que quando mesmo isso acontecia sempre elle achava defensores auctorisados pelos factos; citarei apenas a excellente defeza de La Roche em 1484, sustentando os privilegios do parlamento.

O sr. ministro da fazenda pareceu-me de alguma maneira, não digo desprezar, mas pôr de banda, estas boas praxes, estas boas tradições e estes bons principios constitucionaes (apoiados).

S. ex.ª poderia appellar bem sei, não para a constituição franceza de 5 de maio de 1789, de 1791 e de 1793, do anno terceiro da republica, nem para os preceitos e praxes seguidas no tempo da restauração franceza ou durante á monarchía de julho, mas sim para o exemplo dado pela França depois da constituição de 1852. É n'isso que eu acho, permitta-me v. ex.ª que o declare, o lado mais fraco, fraquíssimo, d'este projecto, opposto aos verdadeiros principios líberaes.

Nós vimos que tendo o corpo legislativo francez votado um imposto sumptuário sobre carruagens, o senado reprovou o imposto, porque não fixava o maximo! Esses exemplos não se Seguem. Estava reservado para os Patres conscripti portuguezes de 1871 imitarem este mau e nefasto exemplo dós senadores francezes. Porque não emitam antes os que nos dá, e ha poucos annos nos deu a Inglaterra? Porque não respeitam o espirito da carta constitucional portugueza, que aliás é a letra da constituição prussiana de 1850 e da Allemanha do norte de 1867?

Aqui está a rasão constitucional que me levou a não votar o projecto n.º 25, ou antes as emendas que vieram da outra camara, porque a meu ver quebram o principio da iniciativa tributaria, que pertence uníca e exclusivamente a esta camara.

(Interrupção.)

Diz me um nobre deputado que não foi quebrado o principio, porque o projecto foi de cá. É verdade; mas de cá não foram as emendas e addições que vieram da outra camara, cujas cada uma é uma verdadeira lei tributaria, ou isenção de lei tributaría, o que é peior. Mas diz se que a outra camara póde fazer emendas nos projectos que vão d'esta! É necessario que não confundamos.

A camara dos pares póde fazer emendas; póde emendar um projecto qualquer; mas entendo que lhe não assiste, segundo os principios constitucionaes, o direito para emendar na materia tributavel um projecto de lei tributario, e pela mesma rasão não lhe chega o direito para n'um imposto que foi estabelecido n'esta camara fazer côrtes na materia tributavel, porque Cercear a area do imposto, encurta lo, é para mim pelo menos tão grave como lançar um novo imposto. Esta doutrina é corrente em Inglaterra. Os liberaes portuguezes tomam se de maiores escrupulos. N'estas alterações, sr. presidente, estabelecera-se excepções que eu entendo vão alem das attribuições da camara dos dignos pares.

Aqui tem o illustre deputado, que me interrompeu, a rasão por que asseverei que o projecto n.º 25 fere os principios constitucionaes. A phraseologia juridica, como está admittida entré nós, não é mais respeitada; senão vejamos.

Nos artigos 2.º é 3.° apparece a palavra lucros substituida pela palavra dividendos, apesar de nas nossas leis tributarias analogas ser a palavra lucros que sempre lemos. Vemo-lo na lei de 30 de julho de 1860.

(Interrupção do ir. Pinto de Magalhães.)

Pergunta-me o nobré deputado o que se deve fazer? É votar contra o projecto e nomear uma commissão mixta. É simple. Não ha tempo, diz o sr. ministro da fazenda!

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Por esse principio póde V. ex.ª aceitar uma substituição qualquer que venha ferir os principios constitucionaes? Que venha negar alguns ou todos, só porque não tem tempo?

Não. Não póde ser.

O artigo 2.° substituindo a palavra lucros pela de dividendos afasta-se, sr. presidente, da phraseologia juridica consignada na lei de 30 de julho de 1860 outros actos legislativos.

Está me lembrando o decreto de 26 de julho de 1867. Podem invocar, bem sei, em seu auxilio o artigo 38.° das instrucções de 25 de setembro de 1860, em que apparece este mesmo termo dividendos. Mas note-se que Vem ali a palavra empregada unicamente como designando os meios ou criterio para chegar ao conhecimento dos lucros a que o decreto se refere. Demais não tem força o decreto para alterar a base da lei de 30 de julho que veiu refutar.

No artigo 2.º vem tambem uma modificação, onde se diz «na conformidade das disposições consignadas na referida carta de lei».

Este artigo 2.° é amphibologico, a sua redacção é imperfeitissima! Os srs. ministros haviam de ver-se muito embaraçados para me dizer o que é que deve ser na conformidade d'estas disposições; são as transacções ou é o imposto? Esta alteração como veiu da camara dos dignos pares não póde ser admittida, porque tornou a lei peior, escura, amphibologica, absurda.

No artigo 3.º envolve-se uma disposição, pela qual se faz uma exclusão relativamente á companhia das aguas, é eu não vejo motivo que justifique uma tal exclusão. Portanto, tambem por este lado não posso approvar a alteração feíta na outra camara.

O artigo 4.° não dá resultados melhores quando analisado, porque este projecto legislando só para sociedades isentas de impostos, ou cáe no pleonasmo de dizer que as não isentas não entram na sua area; ou dá o absurdo juridico de affirmar que as sociedades não isentas de qualquer imposto, minimo que seja, exemplo, sêllo, escaparão a este imposto que se lançou para destruir ás escandalosas desigualdades que havia no imposto do capital. Chamo-lho absurdo juridico, para lhe não chamar cousa peior, immoralidade, desigualdade tributaria.

Não quero entrar em mais largas apreciações, porque é necessario que a camara vote de qualquer maneira. Parece me que pelo projecto em discussão se vae ferir um principio de moralidade tributaria, e eu digo ao dignissimo ministro da fazenda, que o que se vae fazer para augmentar as exclusões é uma immoralidade, porque allivia da contribuição quem hão tem direito para o fazer, e o faz a quem não apresenta titulo de o merecer. Entendo em minha consciencia que a camara dos dignos pares não tem direito para escusar ninguem das contribuições. Voto pois contra as alterações. (Apoiados. — Vozes: - Muito bem.)

Leu-se na mesa a seguinte

Declaração

Àpparecendo no projecto n.º 25 o meu nome como approvando, declaro que deve ser d'ali eliminado; pois que nem assignei, nem quando assignasse, o faria tem me de clarar vendido. = O deputado, Mendonça Cortez.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Não pedi a palavra para tomar parte no debate, em relação á materia que se discute, e sim porque queria ponderar por parte do governo, que o governo não póde ficar silencioso quando ha camara vem proclamar-se doutrinas que são a negação da* doutrinas da carta, acreditando comtudo que o illustre deputado o fez com as melhores intenções.

Sr. presidente, eu aqui não sou par do reino, Sou ministro, nem a camara dos pares precisa que eu defenda as suas prerogatívas, que não se lhe podem negar em vista da carta. Se o illustre deputado tratasse de constituir direito, Se tratasse de estabelecer os principios fundamentaes de um novo pacto, a doutrina pelo illustre deputado apresentada podia sustentar-se, como sê poderiam sustentar outras doutrinas. Esta questão foi resolvida na Constituição de 1838, e então não se foi tão longe como o illustre deputado quer ir agora, vigorando a carta.

Na constituição de 1838 estabelecia-se que a iniciativa dos Impostos pertencia á camara dos deputados, mas que a camara dos senadores podia fazer as emendas que entendesse; não se lhe recusava o direito de fazer as emendas que entendesse.

Não entro agora na questão se é melhor ou não a doutrina da constituição de 1838, e para ser franca devo dizer que a minha opinião está registada nas discussões de uma commissão mixta, da qual eu era membro, por parte da camara dos deputados, e ahi sustentei eu a doutrina a que acabei de me referir.

Mas, como disse já, não vigora hoje a constituição de 1838, vigora a carta de 1826, e a carta diz, que—o poder legislativo compete ás côrtes com a sancção do rei, é que as côrtes se compõem de duas camaras, camara dos pares e camara dos deputados: que é privativa da camara doa deputados a iniciativa sobre impostos e Sobro recrutamentos. O que é essa iniciativa di-lo o artigo 36.° da mestna Carta, nas seguintes palavras: «Tambem principiará na camara dos deputados» etc.

Logo, qualquer das duas camaras tem na feitura das leis exactamente as mesmas attribuições (apoiados).

Ha unicamente as excepções que apresentei, e repito.

O artigo 35.° da carta constitucional diz o seguinte:

«É privativa da camara dos deputados a iniciativa:

«§ 1.° Sobre impostos;

«§ 2.º Sobre recrutamento.»

Eu disse já o que queria dizer esta palavra «iniciativa?» Quer dizer que na camara dos deputados começa a discussão sobre projectos de impostos ou de recrutamento; porém a camara dos pares tem o direito de fazer n'esses projectos quantas alterações entender, assim oomo a camara electiva tem o direito de não aceitar essas alterações, para se seguirem depois os tramites legaes (apoiados).

Era isto unicamente o que queria dizer, porque quando se apresentam estas doutrinas é conveniente que o governo emitta a sua opinião a esse respeito, porque realmente as idéas apresentadas pelo illustre deputado, o sr. Cortez, estão, a meu ver, em contradicção manifesta com os principios da carta (muitos apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Requeiro a v. ex.ª consulte a camara sobre se julga esta materia suficientemente discutida.

Consultada a camara, decidiu affirmotivamente.

O sr. Presidente: — A camara decidiu que a materia estava suficientemente discutida; entretanto, como é costume haver votação especial sobre cada uma das emendas, vou consultar a camara sobre se quer que haja discussão na especialidade relativamente a cada uma d'ellas,

A camara resolveu negativamente,

O sr. Presidente: —Vae votar-se Cada uma das emendas de por si.

O sr. Coelho do Amaral: — Peço a v. ex.ª consulte a camara sobre se quer que haja votação nominal relativamente á generalidade do projecto (apoiados).

A camara decidiu que houvesse votação nominal.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a attenção da camara para este objecto.

A camara approvou que houvesse votação nominal sobre o conjuncto do projecto de que se trata; mas eu entendo que a camara, approvando que haja votação nominal em relação a todo o projecto, não quer de certo que se repitam votações nominaes em relação a cada um dos artigos d'elle (muitos apoiados}.

O sr. Barros Gomes: — Não quere que a camara reconsidere qualquer decisão que porventura possa ter tomado; mas parece-me que quando a camara dos dignos pares julga do seu dever introduzir quaesquer alterações n'uma

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proposição de lei que d'esta camara lhe é remettida, a camara electiva só tem a rejeitar ou a approvar em massa essas alterações (muitos apoiados).

V. ex.ª e a camara comprehendem muito bem que desde o momento em que um illustre deputado tivesse duvidas sobre qualquer das alterações, votava contra a generalidade, quer dizer, votava a favor da commissão mixta (apoiados).

Não me parece que até agora a camara se tenha pronunciado senão sobre a necessidade da votação nominal e sobre julgar sufficientemente discutida a materia.

E eu requeiro que seja submettido á votação da camara na generalidade, e com votação nominal, o parecer da commissão de fazenda (muitos apoiados).

O sr. Presidente: — O requerimento que o sr. relator acaba de fazer, devia te-lo feito mais cedo, porque já houve uma votação sobre a generalidade.

Vozes: — Não houve, não houve.

O sr. Barros Gomes: — Parece que o que se votou foi que a materia estava sufficientemente discutida, e que fosse nominal a votação sobre a generalidade do parecer (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey (sobre o modo de propor): — Quando eu fiz um requerimento para se julgar a materia sufficientemente discutida, tive a intenção de que se julgasse discutida tanto na generalidade como na especialidade, porque, na minha opinião, este assumpto não se podia dividir (apoiados).

E quando o meu amigo e collega, o sr. Coelho do Amaral, requereu votação nominal, eu perguntei a s. ex.ª, e elle declarou que pedia a votação nominal sobre o parecer em globo (apoiados).

Nós não podemos estar a dividir a votação. Quem quer a commissão mixta vota contra as alterações que vieram da camara dos dignos pares. Quem quer approvar essas alterações, vota a favor.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara, porque é o modo de resolver todas as duvidas.

Os srs. deputados que são de opinião que haja uma votação sobre todas as emendas em globo, tenham a bondade de se levantar.

A camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que entendem que esta votação deve ser nominal, queiram levantar-se.

Vozes: — Já está votado.

(Levantaram-se muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: — Está vencido.

Os srs. deputados que approvam o parecer da commissão dizem — approvo. E os srs. que o rejeitam, dizem — rejetio.

O sr. Santos e Silva (sobre o modo de propor): — O que a camara vae votar é o parecer da commissão de fazenda, que, pelas rasões expostas no relatorio, aceita as alterações feitas na camara dos dignos pares.

O sr. Presidente: — Exactamente.

O sr. Cortez (sobre o modo de propor): — Não posso aceitar o principio de que vou votar o parecer da commissão de fazenda; eu vou votar as alterações feitas na camara dos dignos pares (apoiados).

Ponha-se a questão como é; e não se queira sophismar dizendo que votâmos uma cousa que não votâmos.

O sr. Santos e Silva (sobre o modo de propor): — É preciso que nós não estejamos aqui a inverter os factos.

Os factos são estes. A commissão de fazenda deu um parecer sobre as emendas vindas da camara dos dignos pares, e conformou-se com ellas pelas rasões que expoz no relatorio. O que é que a camara tem a votar? É o parecer da commiaeão de fazenda (muitos apoiados).

Quaesquer que sejam as rasões, estão expostas, e claramente, n'um parecer assignado pela maioria da commissão; e por consequencia a camara tem a pronunciar-se ou a favor ou contra o parecer da commissão de fazenda.

É esta a questão (muitos apoiados).

O sr. Alberto Carlos: — Eu declaro que voto contra a minha assignatura, que innocentemente fiz, porque não estive na commissão. Apresentaram-me aqui esse parecer; e eu na maior boa fé, querendo evitar questões, assignei-o sem declaração.

O sr. Santos e Silva: — Peço a palavra.

O sr. Barros Gomes: — Peço a palavra por parte da commissão.

Vozes: — Votos, votos.

(Susurro.)

O sr. Presidente: — Vae-se votar.

O sr. Santos e Silva: — Ainda hontem esteve reunida a commissão de fazenda até á meia noite a discutir este parecer; e portanto o illustre deputado, se tinha duvidas, pedisse explicações.

O sr. Barros Gomes: — A palavra para uma explicação.

Vozes;— Votos, votos.

O sr. Presidente: — A camara, que tem ouvido a discussão que tem havido sobre o modo de propor, sabe que tudo conduz ao mesmo resultado: se se ha de votar o parecer da commissão, que approva o projecto da camara dos dignos pares; ou se se ha de votar o projecto da camara dos dignos pares; e o resultado é o mesmo (apoiados).

Os senhores que approvam uma cousa approvam outra; e os que rejeitam uma cousa rejeitam outra.

Eu vou pôr á votação o parecer da commissão.

Os srs. deputados que o approvam dizem — approvo. Os que o rejeitam, dizem — rejeito.

Feita a chamada, disseram — approvo, os srs.: Braamcamp, Arrobas, Freire Falcão, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Eduardo Tavares, Costa e Silva, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Quintino de Macedo, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Candido de Moraes, Ulrich, J. J. de Alcantara, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, José Luciano, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Paes Villas Boas, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Disseram — rejeito, os srs. Adriano Machado, - Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Pedroso dos Santos, Pequito, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Eça e Costa, Barão do Salgueiro, Ferreira de Andrade, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Francisco d'Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Caldas Aulete, Pinto Bessa,

Van-Zeller, Zuzarte, Barros e Cunha, Mendonça Cortez, Gusmão, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Julio Rainha, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Marques Pires, Lisboa, Mariano de Carvalho, Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey.

Concluida a votação, e estando o sr. secretario Adriano Machado contando os votos, entrou na sala o sr. A. J. Teixeira.

Uma voz: — Entrou um sr. deputado que não votou.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Se o sr. deputado quer votar...

Vozes: — Já não tem logar. Não póde ser.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Está empatada a votação. Quarenta e quatro srs. deputados approvaram o parecer; quarenta e quatro rejeitaram-o.

O sr. SantOS e Süva: — Creio que no regimento está prevenida esta hypothese. Quando se empate a votação sobre uma proposta qualquer, o regimento manda que conti-

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nue a discussão n'essa occasião. Mas eu proponho que te dispense o regimento n'este ponto, e se passe á segunda parte da ordem do dia (apoiados).

O sr. Presidente: — Vae ler-se o artigo do regimento.

O sr. Secretario (Adriano Machado): —O artigo 93 do regimento diz o seguinte: «Quando a votação produzir empate, a proposta tornará a entrar em discussão».

O sr. Santos e Silva: — Eu propuz á camara que passássemos á segunda parte da ordem do dia e nílo continuássemos na discussão d'este assumpto; mas parece-me agora, depois de ter ouvido a leitura do regimento, que não é precisa a dispensa d'elle para que se passe á segunda parte da ordem do dia, porque não manda que a discussão continue immediatamente: póde continuar hoje, ou póde continuar ámanhã.

O que peço é que passemos desde já á segunda parte da ordem do dia (apoiados).

O sr. Presidente;—Não é necessario que a camara tome resolução a este respeito. Está nas attribuições da mesa deixar essa discussão para outro dia, e tanto mais que o parecer de que se trata estava dado para a primeira parte da ordem do dia, e já deu a hora de se passar á segunda parte da ordem do dia.

Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia.

O sr. Falcão da Fonseca: — Eu concordo com as idéas apresentadas pelo sr. Santos e Silva, mas desejava dizer que, emquanto se estava procedendo á votação, apresentou-se um collega nosso para votar, e não fui admittido o seu voto.

A votação não estava ainda concluida. Mas eu não faço questão d'isto.

O sr. Secretario (Adriano Machado) —Estava conclui da. Eu, ainda assim, disse ao sr. Teixeira que, se queria, votasse; mas appareceu uma manifestação da camara de que já não tinha logar.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Mandaram-se os continuos pelos corredores e gabinetes da camara convidar ou srs. deputados que quizessem votar a virem votar. Quem não veiu foi porque não quiz. E não se podia admittir que qualquer sr. deputado viesse decidir uma questão depois de saber que tinha havido empate na votação.

O sr. Bandeira Coelho: —Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Arrobas para continuar o seu discurso, que ficára interrompido na ultima sessão.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, dou parabens á minha sorte por estar presente o sr. Latino Coelho. Falla-se mais livremente assim.

Tratava eu, no fim da ultima sessão, d'aquella desastrosa vergonha a que chamam expedição da Zambezia; e como alguns jornaes, um dos quaes, o Diario popular, qui eu muito considero pelo respeito que tenho pelos seus redactores, me attribuiram a tal respeito cousas que eu realmente não tinha em mente, como por exemplo, que eu tinha censurado o sr. Latino Coelho por ter mandado peças raiadas para aquelle serviço, quando, sobre tal ponto, o que eu fiz foi unicamente ter o relatorio do commandante da expedição, na parte era que transcreve a opinião dada no conselho de guerra no acto de se resolver a retirada da tropa diante da aringa do Bonga, pelo major Nogueira, official cientifico e commandante da artilheria; attribuindo-se-me tambem a idéa de que no Burnéo não tinham ido com a tropa mantimentos ou petrechos alguns.

Vou resumir hoje os pontos capitães em que aqui toquei a tal respeito, e completar o que tenho a dizer sobre o objecto.

Começo, repetindo, que em minha opinião, não é com expedições idas de climas, como o nosso, e destinadas a entrarem logo em campanha nos abrazadores certões da Zambezia, que se batem os bongas.

E de outro modo o com pouca despeza, e basta notar, que o Bonga actual não tem falta de polvora, bala e armamentos, e que estando proximo a Tete e outras povoações onde havia ricos despojos a capturar, elle não atacou essas povoações nem lhes perturbou o commercio, antes creio que será o seu melhor freguez.

A expedição ida da India, e que foi devida ás ordens preventivas dadas pelo antecessor do sr. Latino Coelho, o honrado sr. Coelho do Amaral, e no que o sr. Latino Coelho não teve parte alguma, fez muito pouca despeza, e esse valente batalhão de mais de 300 praças fez optimo serviço, e muito menor despeza do que as tropas idas do reino.

Como porém isso já não tem remedio, porque estão consumados os factos no systema contrario, vou limitar-me á analyse d'esses factos e mostrar á camara se o sr. Latino Coelho merecia a defeza aqui intentada por um illustre deputado n'este campo.

Appareceu no Diario do governo, de 5 de novembro de 1868, a noticia do fatal acontecimento da derrota da terceira expedição contra o Bonga da Zambezia. Logo no dia 7 apparece a nomeação do novo governador de Moçambique que havia mezes estava sem governador, com varios districtos invadidos, e com os pagamentos á tropa muito atrazados.

Cabe aqui notar como o primeiro acto meritorio do sr. Latino Coelho, n'esta notavel miseria, foi deixar estar em Lisboa desde essa data até o fim de janeiro de 1869 o governador nomeado (apoiados). Tres mezes proximamente.

Logo no dia 9 do mesmo mez de novembro apparece no Diario do governo o decreto mandando organisar immediatamente um batalhão de caçadores com 532 praças e uma bateria de artilheria com 105, prometiendo se aos soldados 30 réis por dia a mais do vencimento do reino, emquanto andassem em operações na guerra da Zambezia (parece incrivel esta mesquinhez para caso tão serio).

Depois d'isio deitou-se o sr. Latino Coelho a dormir a somno solto, até que em 3 do mez seguinte novo decreto augmentou as vantagens porém só aos officiaes.

No dia 14 d'esse mesmo mez de dezembro apparece na ordem do exercito o convite ás praças que quizessem fazer parto d'aquella expedição.

Novo silencio e novo resonar do sr. Latino Coelho, até que d'ahi a outro mez apparece no Diario do governo uma portaria determinando quaes os uniformes que devia ter aquella força (apoiados).

Oh sr. presidente!... Pois era dois mezes depois de mandada organisar immediatamente aquella força, em caso de tanta urgencia, que se podia estar ainda a ver qual o uniforme que aquellas praças deviam ter. N'essa data já ellas deviam estar perto de Moçambique (apoiados).

Pois, sr. presidente, só quando fazia seis mezes e cinco dias da publicação do decreto que mandou organisar a tal expedição, é que ella saíu a barra!

E como, sr. presidente?...

Coram-se as faces de vergonha a quem for bom portuguez pelo modo porque isto se passou (apoiados).

Os soldados, que eram os peiores dos corpos, estiveram por muito tempoa bandonados completamente ás suas naturaes tendencias para a insubordinação e para o relaxamento; sem officiaes e sem commandante para os disciplinar e preparar para a importante empreza, a que eram destinados, andavam por essas ruas aos bandos fazendo desordens e perturbando o socego publico, até que no fim, quando tudo estava já bem relaxado e estragado, foi que appareceram os officiaes; n'esse estado e á ultima hora era muito difficil destruir o mal feito (apoiados), a semente havia já fructificado, e os soldados revoltaram-se contra os officiaes que os queriam conter (apoiados).

É em seguida á celebre campanha da Porcalhota, que os mandam embarcar no Bornéo!

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O tempo que deviam passar a adestrar-se no uso das armas novas, a disciplinar-se e a aclimatar-se em Moçambique, foi passado na embriaguez e em dar pancadas e fazer desordens nas tabernas, nos bêcos e nas praças em Lisboa (apoiados).

E ainda em cima, estes especimens de educação para uma expedição tão importante, não eram mesmo gratuitos, porque durante este tempo teve de pagar-se lhe em Lisboa a importancia dos prets e do pão (apoiados).

Mas, sr. presidente, ía-me esquecendo um episodio d'estas glorias do sr. Latino Coelho, e uma das rosetas dás suas esporas de oiro, que diz ter ganho como inaugurador e mestre de economias.

Em 5 de dezembro de 1868 partiu de Lisboa para Angola o vapor da carreira, e n'elle devia ir a portaria d'essa data que ordenava ao governador de Angola que com urgencia organisasse um batalhão de 200 a 300 praças indigenas para irem servir na guerra da Zambezia, e declarando que iriam de Lisboa os officiaes correspondentes.

Esta portaria está publicada no Diario do governo, de 14 do mesmo mez.

Como porém o sr. Latino Coelho, que disse aqui ter sido um ministro applicado, não obstante deixar de ir á sua repartição muitas semanas, como pratica em todos os empregos remunerados que accumula, deixou em casa a alludida portaria, não a mandando senão muito tarde para a secretaria, resultou partir o paquete ás tres horas da tarde sem levar aquellas ordens a que o bom do sr. Latino Coelho dava grande importancia então.

S. ex.ª naturalmente commetteu esta falta porque estaria talvez escrevendo a historia militar de Portugal, da qual s. ex.ª se obrigara a apresentar o 1.° volume vinte e quatro dias depois da data em que foi nomeado ministro.

Quem pagou esta distracção de s. ex.ª foi o estado, como a camara vae ver.

Mandou-se saír a toda a pressa a corveta Sagres, para levar aquelle elixir de salvação e de honra nacional (riso).

Vou ter as instrucções dadas ao commandante d'aquella corveta, que sendo um optimo aviso tem grande velocidade, é quasi toda machina, não é de systema mixto e portanto gasta muito carvão, pelo que não é propria para uma estação no ultramar, porém sim para estar sempre era Lisboa para ser empregada em casos de muita urgencia.

Eu passo a ter alguns artigos d'essas instrucções, que estão datadas de 10 de dezembro de 1868:

«3.ª Dirigirá derrota direita para Cabo Verde, onde com a possivel brevidade se refará do que precisar para proseguir na viagem para Loanda, podendo tocar em qualquer ponto ictermedio, se as necessidades da navegação a isso aconselharem.

«Art. 37.° A viagem até Loanda deve ser considerada urgente para o effeito das instrucções de 31 de maio de 1859.»

Vou agora ter a parte das taes instrucções de 31 de maio de 1859 para a camara e o paiz darem o devido valor a esta proeza da campanha economica, em que o sr. Latino Coelho disse ter ganho as suas esporas de oiro.

«Quando houver urgencia de cumprir uma commissão no mais breve espaço de tempo, os commandantes deverão accelerar a sua marcha por todos os modos possiveis, empregando simultaneamente o vapor e a vela todas as vezes que o vento for favoravel.

«Os commandantes não devem hesitar em arriar os seus mastaréus e vergas, quando o vento for pela proa, a fim de não retardar a marcha do navio, etc..

«Quando não houver vantagem ou necessidade de desempenhar uma commissão em um tempo dado, os commandantes só deverão fazer uso do vapor nas circumstancias seguintes: 1.°, Para saír ou entrar nos portos ou ancoradouros, havendo perigo de o fazer á vela. 2.°, Nas proximidades de terra. 3.°, Todas as vezes que a segurança do navio imperiosamente o exigir.»

Já vê a camara a importancia para o thesouro das instrucções dadas ao commandante da corveta Sagres, por causa da tal celebre portaria que o sr. Latino Coelho não assignou a tempo (apoiados).

Tenho agora aqui a nota do carvão despendido n'esta campanha, que tanto deve ter contribuido para o sr. Latino Coelho ganhar as suas esporas de oiro:

Em Lisboa recebeu o navio 275 toneladas a 50400 réis............................ 1:4830000

Na ilha de S. Vicente, 237 toneladas a 10$250 réis................................. 2:429$250

Na ilha de S. Thiago, 25 toneladas a 10$125 réis................................. 253$125

4:165$375

A corveta saíu de Lisboa em 16 de dezembro, chegou a Cabo Verde em 23, demorou se ali 7 dias para tomar carvão, e chegou a Loanda no dia 15 de janeiro de 1869, tendo andado 6 dias á vela por falta de combustivel.

Custou portanto cara ao estado esta roseta das taes esporas de oiro do sr. Latino Coelho (riso.)

Assim é que é ser mestre em economias!

Quem quererá ser discipulo de tal mestre!

Mas não é só isto, sr. presidente, o sr. Latino Coelho, como fez sempre em tudo, deixou se distrahir, e não pensou mais no tal batalhão de Angola, que na conta official remettida pelo governo, se diz que despendeu 14:386$000 réis.

O sr. Latino Coelho saíu do ministerio em 11 de agosto de 1869, isto é, oito mezes depois da saída da corveta, e portanto d'esta enorme despeza causada pela sua incuria, e nem os officiaes mandou para o batalhão de Angola, e abandonou tal idéa, de sorte que foram completamente perdidos tanto os 14:386$000 réis pagos aos soldados que nunca chegaram a ir para Moçambique, como os 4:165$375 réis gastos no carvão.

E como este foi o custo da segunda roseta das taes esporas de oiro do sr. Latino Coelho, segue-se que custaram ao estado 18:551$375 réis as duas rosetas d'aquellas ditosas esporas (apoiados).

E ousa ainda o sr. Latino Coelho vir aqui fallar das suas economias! (Muitos apoiados). Quem tem telhados de vidro não atira aos dos vizinhos (apoiados).

Voltemos ao dia da partida e verá a camara quaes foram os resultados d'aquillo a que o sr. Latino chama um ministro applicado:

Pelo decreto de 29 de dezembro, com o qual s. ex.ª reorganisou a secretaria de marinha, é attribuiçâo da 2.ª repartição da direcção de marinha entre outras o seguinte:

«Artigo 5.º Á 2.ª repartição pertence:

«1.º 0s aprovisionamentos da armada, e o serviço das subsistencias, vestuario, equipamento e outros fornecimentos para o pessoal da marinha.

«2.° O material naval.

«3.° O armamento dos navios e das guarnições.

«4.° As construcções navaes, e os corpos de engenheiros constructores e de machinistas navaes.

«6.º Os diques, docas e planos inclinados, etc.

«7.º O fretamento de transportes, etc.»

E visto que fallei n'este artigo, bom é que a camara veja a antinomia e a desordem das differentes reformas do sr. Latino Coelho.

No artigo 4.º do decreto de 30 de dezembro de 1868, que creou a intendencia de marinha, estabeleceu o sr. Latino Coelho o seguinte:

«Artigo 4.° O intendente despacha com o ministro.»

Chega a fazer rir, sr. presidente, quando se vêem cousas taes!

Pois o intendente despacha com o ministro em negocios que são das attribuições da direcção de marinha!

Isto chega a revelar ausencia de imputação!

Vamos, porém, ao caso do transporte da expedição para

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Moçambique. Pelo n.º 7.° do artigo 5.° que acabo de ter era á 2.ª repartição da direcção de marinha, que competia cuidar do fretamento do navio que havia de transportar a tropa da expedição; e, sr. presidente, diga-se a verdade, era chefe d'aquella repartição e ainda é um tão digno e zeloso official da armada, o sr. Sori, que muito sensivel tem sido o tempo da sua gerencia para a economia de todas as transacções sobre material para o ministerio da marinha.

O director geral, o sr. visconde da Praia Grande, é só pelo seu nome uma garantia de acerto e vantagem na resolução d'estes importantes negocios.

Pois, sr. presidente, o sr. Latino Coelho desprezou a lei que elle proprio tinha feito, e tratou por alto o fretamento do Bornéo.

A direcção de marinha não teve conhecimento algum d'este negocio senão depois d'elle concluido. Qual foi o resultado:

O Bornéo foi fretado em 5 de abril de 1868 em Inglaterra por um cavalheiro negociante d'esta praça, que para isso foi de proposito a Inglaterra por incumbência particu lar de s. ex.ª, e não sei que instrucções levou, mas o caso foi que, dizendo o contrato que o frete foi combinado por 58:500$000 réis para o transporto de 720 praças e até 200 toneladas de carga, pagou o governo outro frete pelo excesso de carga e de passageiros, bem como o sustento das praças de pret, e as demoras nos portos alem dos dias marcados.

O resultado, porém, foi, quanto ao custo do transporte não. de 720, mas de 510 praças, 108:000$000 réis. N'este custo entra a commissão de 2:283$245 réis para o cavalheiro que s. ex.ª encarregou d'este negocio. É provavel que o armador pagasse igual quantia, carregando-a no preço; mas suppondo mesmo que não, perguntarei a s. ex.ª que economia houve n'este caso!

A direcção de marinha costumava encarregar as transacções para objectos da marinha ao nosso honrado e zeloso consul de Londres, e elle não só não levava commissão alguma, porém tinha obtido do corretor incumbido das compras, que cedesse da meia corretagem a que tinha direito da parte do nosso governo. Aquelle agente, não só pelo seu zêlo mas pelas relações que tinha na praça de Londres, offerecia todas as garantias de optimo desempenho d'este importante serviço, e sem despeza alguma de commissões para o estado; pois s. ex.ª desprezou tudo, não só a lei, mas a propria conveniencia, e tudo levou por alto.

Esteve seis mezes á espera, e tudo fez no fim e por tal modo que teve o estado que pagar a estupenda quantia de 108:000$000 réis por aquelle transporte!

E nem foi isso só, porque, não tendo o navio capacidade para conduzir todos os viveres e petrechos de guerra pertencentes á expedição, teve de ir ainda a barca Martinho de Mello levar o que o Bornéo não póde transportar.

Quer agora a camara fazer uma idéa bem justificada do producto d'esta irregularidade praticada por s. ex.ª; eu vou ter o resultado da inspecção sanitária feita ao mesmo navio nas vesperas da sua partida de Lisboa; e convem notar que os facultativos navaes, encarregados d'esta inspecção, foram não só os da expedição, mas o chefe da repartição de saude e o director do hospital de marinha.

O contrato feito obrigava o armador a que o navio tivesse alojamento commodo para 720 praças, mas a expedição partiu só com 540.

Acamara vae ajuizar do estado das cousas a bordo:

«A legislação portugueza prohibe que nos navios destinados a passageiros se embarquem mais de 2 por cada 5 toneladas.

«E como o Bornéo tem registadas 1:236 toneladas, não deveria, segunda aquella legislação, transportar mais de 494 individuos, incluindo o capitão e a tripulação, e ainda n'este caso os individuos que conduzisse não iriam em boas condições hygienicas, attenta a volumosa carga, que no navio, tambem é cousa de mephitismo.»

Note bem a camara que, alem da tripulação e da carga (que foi a não poder mais), eram 540 as praças de tropa e o fretamento tinha sido feito para 720 praças. Continuando a leitura:

«Suppondo, porém, que o Bornéo tenha do transportar os passageiros que se acham promptos para seguir viagem, devendo mais uma vez, como quasi sempre acontece, e até em navios de maior lotação, as exigencias da hygiene naval ceder, até certo ponto, perante as do serviço militar, cumpre-nos indicar as providencias que a mesma sciencia aconselha para attenuar os perigos da accumulação:

«1.° Que todas as praças de pret, incluindo os sargentos, façam quartos, de modo que a terça parte da força expedicionaria esteja sempre em cima da tolda;

«2.° Que não se armem mais de 210 macas na coberta superior e 150 na inferior, etc..»

Eis ahi, sr. presidente, como um navio que não podia levar mais de 494 praças, incluida a tripulação, levou 540 afora a sua tripulação! E não póde levar a carga toda que havia e tinha fretado para levar 720 praças!

Eis como, apesar da reducção do numero de praças, ainda assim mesmo teve a força toda de passar treze dias e noites sobre a tolda!

É admiravel como depois de tudo isto ainda o sr. Latino Coelho tem a coragem de vir aqui fallar com orgulho na sua querida expedição á Zambezia (apoiados), e nas qualidades do vapor Bornéo!

E preciso ter muita confiança na boa fé ou na ignorancia dos outros!

Será isto administração da fazenda publica? Seria aqui que s. ex.ª ganharia as taes esporas a que te referiu?

É justo que aqui declare solemnemente que no que estou dizendo não é minha intenção fazer insinuação nem remota á honra do sr. Latino Coelho, cujo caracter está tanto acima d'isso, que seria indigno de entrar n'esta camara quem ousasse pensar o contrario (apoiados). Sou justo com os meus adversarios.

Mas é certo que houve da sua parte pessima administração, e desperdicio, não por vontade, mas por incompetencia.

E pela mesma rasão que desde que s. ex.ª foi ministro da marinha nunca mais houve contas de gerencia n'aquelle ministerio.

No seu tempo foi tão grande a confusão introduzida na gerencia do arsenal, que não se fez escripturação alguma. A desordem era tal, que os materiaes davam entrada no arsenal com abstracção do valor venal.

Que parte das suas esporas de oiro ganhou s. ex.ª com aquella commissão que, ¡Ilegal e prejudicialmente para o serviço, mandou pagar na rasão de 2:283$245 réis a individuo estranto á 1.ª direcção, e sem intervenção d'ella, sem ella ser ouvida, sobre objecto da sua competencia, e para o desempenho do qual a mesma direcção estava o melhor habilitada que era possivel (Muitos apoiados).

Correspondera esta proeza ás puas das esporas? É digna d'isso.

Disse aqui um illustre deputado, que o sr. Latino Coelho tivera desculpa em tudo quanto se deu, porque a nossa legislação não se prestava a outra cousa; pois fiquei maravilhado com isso, sr. presidente, e foi justamente o que me obrigou a tomar a palavra desde já.

Pois s. ex.ª não estava em plena dictadura n'essa occasião! (Apoiados.)

Pois s. ex.ª não estava a vomitar leis todos os dias! (Apoiados.)

Pois não foi com dois ou tres decretos leis que elle organisou a expedição?

Porque não vomitou mais uma lei se ainda não bastavam as que tão ineptamente promulgou? Mas não foi essa a causa.

Em 1860 houve um caso analogo em Angola, e estavam no poder os regeneradores, a que s. ex.ª tem chamado es-

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banjadores; as camaras estavam abertas e o governo de então teve de fazer passar em ambas as casas do parlamento uma lei para organisar essa expedição (apoiados). E sabe v. ex.ª em quanto tempo a órganiéou? Foi em tão pouco tempo que, quando fazia um mez da chegada da noticia a Lisboa, safa a barra o primeiro corpo á aquella expedição, indo tambem o novo governador, e quando fazia tres mezes da publicação da noticia do desastre, tinham saído a barra os tres corpos da expedição, incluindo vinte é quatro cavallos (apoiados).

O sr. Latino Coelho tinha em Lisboa um digno official superior do ultramar, o sr. Lobo d'Avila, que é um dos melhores organisadores de forças militares que temos hoje, e que pelo bem que organisou a expedição de 1860 mereceu ser condecorado com uma commenda; mas esse official tinha incorrido nos odios do illustre deputado, e por isso preferiu que fossem antes os taberneiros e a gente perdida que se encarregasse rios becos e nas tabernas de educar os soldados da expedição, que de si já tinham boa embocadura para aquella especie de educação (apoiados).

E foi tal o apuro e diligencia de s. ex.ª para obter tão santo fim, que me está Ouvindo aqui, porque é nosso collega, um digno official que presenceou o seguinte caso:

Tres mezes depois de começarem a chegar a Lisboa as praças da expedição houve um soldado que, desejando passar ao batalhão de sapadores, pediu protecção para esse effeito a um official de engenheiros, meu amigo, e dizendo lhe aquelle official que requeresse pelas vias competentes, que elle o protegeria, respondeu-lhe o soldado que ainda não tinha capitão que o commandasse!

Emfim o estado d'estes predestinados a salvarem a honra da nossa bandeira era tal que embarcaram primeiro as ar mas em caixotes, é por cima carregaram-lhes trinta toneladas de carvão de pedra, para elles ignorarem onde ellas estavam!

Tudo foi bem, Deus louvado!

Pois a hygiene, isso então regulou-o s. ex.ª por aquella bitola a que se referiu do exercito prussiano na ultima campanha: foram no batalhão de caçadores da Zambezia dois cirurgiões, e na bateria um só!

E o que costumam levar os corpos para a procissão de Corpo de Deus!

Em que estado chegou a Quilimane esta pequena força? Vejamos o que diz o commandante da expedição no seu relatorio:

«(Pag. 6)—A 26 de junho de 1869 fundeou na barra de Quilimane o vapor Bornéo, que conduzia as forças vindas da metropole, consistiam aquellas forças em 404 Caçadores dá Zambezia e 102 artilheiros da bateria do major Nogueira. Juntando a estes, 350 caçadores da India, que se achavam acantonados no Mazaro, e obedeciam ao major Pegado, teremos ao todo 856 homens de tropa regular.»

«(Pag. 7)—O estado da disciplina da força de Portugal não era lisonjeiro, apesar dos esforços que alguns dos seus officiaes empregavam para a manter em subordinação.

«E porque o commandante geral dissesse que não levaria para cima toda a artilheria que viera por serem escassos os meios de conducção e achar desnecessarias tantas bôcas de fogo, grande celeuma contra isto se levantou, e os soldados declararam que não marchariam sem toda a artilheria.»

«(Pag. 8) — Antes da partida o commandante fez saber aos soldados quanto convinha ao seu proprio interesse que entretivessem boas relações com as povoações por onde passassem, e que não queria á repetição das violencias praticadas infelizmente por alguns dos seus camaradas, que poucos dias antes tinham saído para o Mazaro escoltando mantimentos. Que essas violencias haviam determinado a fugi de muitas povoações, etc.»

«(Pag. 10) — Antes de referir os acontecimentos que obrigaram o commandante geral a demorar no Mazaro até 22 de agosto, bom é que se saiba que as forças de Portugal, mesmo antes de deixarem Quilimane, se resentiam da, falta de calçado. Cada soldado trazia do reino apenas um par de botas de cano, e isto quando tinham de entrar em um paiz onde ha absoluta falta de sapatos, e é immensa a extensão que se tinha de caminhar.»

«I??.mo e ex.mo sr. — O commandante dos caçadores da Zambezia me remetteu a requisição, que inclusa tenho á honra de enviar a v. ex.ª, e respeitosamente ponderar que eu mesmo aconselhei a referida requisição, por ver o estado de ruina em que uma grande parte das praças tem já os seus uniformes, e muito principalmente o calçado, a saber que não trazem reserva nenhuma d'este artigo, do que resultará dentro em pouco tempo ficarem descalços.»

«Portanto, se os soldados da expedição transpozeram descalços os sertões da Africa; se, por falta de sapatos, que de Portugal deviam ter trazido, foram obrigados a cobrir com tiras de mantas seus pés inchados é feridos de espinhes; se esses homens afeitos ao brando clima da peninsula se expozeram quasi nus ás chuvas e ao sol mortífero da Africa; não é ao commandante geral que toca a responsabilidade de taes factos, porque o commandante é homem, não sabe fazer milagres, e não é na Zambezia que elle poderia arranjar roupa e calçado pala as tropas.»

«(Pag. 11)—E não era só aos Caçadores, que o commandante geral tinha que attender; cumpria-lhe velar tambem pela marcha da bateria de artilheria, que vinha atrás, trazendo um material immenso, digno de constituir o trem de um grande exercito, massa pesada, que as exigencias da soldadesca obrigara a transportar, e que demandava um exame de carregadores, onde a custo se obtinham tão poucos, onde o seu engajamento era tanto mais difficíl, quanto invencivel é o terror, que inspira hoje o Bonga.»

«(Pag. 12) — Por tudo quanto respeitosamente tenho exposto a v. ex.ª relativamente ás difficuldades e embaraços, com que luto por causa dos transportes, v. ex.ª tem por certo avaliado a grande falta, que fazem, pelo menos dois pequenos vapores, que pudessem navegar no Zambeze...

«Mazaro, 15 de agosto de 1869. =. A. T. de Almeida.»

«(Pag. 14) — O numero dos tripulantes que desertaram, sendo ao principio de 308, como se póde ver do Boletim official do governo de Moçambique de 11 de dezembro de 1869, subiu depois a 700!!!»

«(Pag. 17) — Fui pois obrigado a mandar ficar sem effeito a ordem de marcha que tinha dado; e agora aqui estou á mercê de arranjar 300 a 400 marinheiros para me poder mover...........................................

«Se em Sena não poder obter o grande numero de marinheiros de que preciso, verme hei os necessidade de mandar a Mazaro prender as mulheres dos grandes das povoações, pois será o unico meio de obter ali marinheiros....

«Acresce a tudo isto, que não tinha uma braça de fazenda para pagar aos marinheiros, nem aos auxiliares; e que é costume dar-se lhes dois, tres ou quatro pannos, conforme a sua categoria, antes de se porem em marcha, sabendo por participação do capitão mór que as fazendas estão no Mazaro, e não podem vir para aqui por falta de embarcações e marinheiros que as transportem.....

«Agora, que são nove horas da noite, acaba de chegar ao meu quartel o capitão Queiroz a dar-me parte de que estavam abandonados em umas ilhas abaixo do Zi-Zio dez coches, que conduziam a artilheria e seu material, fugindo os marinheiros, e deixando a bordo algumas praças, que lá vinham doentes.........................

«Quartel do commando geral em Maganja, 9 de setembro de 1870. = A T. de Almeida.»

«(Pag. 29)—Quatro lanchas a vapor ou duas mesmo, que viessem no Bornéo, teriam libertado a expedição da dependencia dos pretos traidores OU tímidos; a falta e a

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fuga dos tripulantes e carregadores mio causaria o transtorno que causou: a tropa alcançaria Massangano vigorosa e cheia de vida; e o mantimento vindo da metropole para dois mezes teria sobejado; ou quando viesse a faltar, transportar-se iam com facilidade para cima as provisões em de posito no Mazaro..................................

« Se s. ex.ª (o sr. ministro) tivesse mandado comprar, como lhe foi pedido, duas ou tres lanchas a vapor, pelo menos, o desembarque em Quilimane tinha sido expedito, e quando sobreveiu o temporal já o Bornéo estaria descarregado. Essas mesmas lanchas serveriam depois para a navegação no Zambeze, onde muito soffremos por falta d'ellas.

«(Pag. 32) — Após uma pequena resistencia opposta pelo inimigo em Tipué, entrou a expedição em Massangano... (13 de novembro de 1869)».

«(Pag. 33)— Quiz o commandante uma brecha para introduzir por ella a infanteria. Pediu a instantemente; aberta a brecha, era pouco o que restava fazer. Respondeu o sr. major commandante da artilheria, que de Portugal não viera bala rasa, mas sim projectos explosivos; que não podia bater de brecha com elles, mas que em seis noras a aringa seria incendiada, e 0 inimigo desalojado e entregue á infanteria.

«Mas a bateria fez fogo por seis, doze e setenta e duas horas; e comtudo nem brecha, nem incendio; a aringa permaneceu como estava.»

«(Pag. 38) — Em todos os encontros com o inimigo o geral da expedição se conduziu sempre dignamente, não desmentindo o europeu a sua proverbial coragem, é rivalisando com o seu camarada indio.

«Impossível foi renovar-se o ataque, visto os soldados se sentirem fracos, e haver falta de mantimento. Em taes circumstancias o commandante resolveu congregar um conselho de guerra, cuja acta transcreveremos.»

«(Pag. 39 — 24 de novembro de 1869)—Os srs. facultativos, resumidas as exposições que fizeram, foram de unanime opinião, que as praças da columna se achavam extenuadas de forças physicas, não só pelos muitos trabalhos e privações de commodidades, tão precisas á vida, e destruidores effeitos do clima; porém tambem pela falta dó alimentação couveniente ha dois mezes: que as fadigas que ultimamente tem soffrido os tem extenuado por tal fórma, que, em suas opiniões, se não podia contar com suas forças physicas para qualquer esforço de vigor, estando essas praças sustentadas desde a sua chegada a ésté campo apenas com uma bolaxa por dia; que o numero dos doentes era grande, e cada dia augmentava consideravelmente.»

«(Pag. 40)—Os srs. commandantes dos corpos, resumidas as opiniões que apresentaram, concordaram todos que, em vista do estado de extenuação em que se acham os corpos dos seus commandos, em vista principalmente da falta de mantimentos, e finalmente sem esperança alguma, n'es tas criticas circumstancias, de mudar de posição, e antes de chegarmos a alguma grande desgraça, julgavam arriscado um ataque á viva força em taes condições; visto que a aringa, depois de ter soffrido um vivo fogo de toda a bateria por tres dias e noites, quasi sem descanço, se conserva firme e sem brecha praticável para um ataque á bayoneta, etc.»

«(Pag. 41)—No dia 25 declarou o commissario não haver senão meia ração de bolaxa para este dia e meia para o seguinte.

«Em consequencia d'isto, e de não haverem chegado os mantimentos esperados de baixo, decidiu-se a retirada para Quilimane.»

«(Pag. A2)— Por fim, cerca da meia noite, largou tambem do acompamento esta companhia, não se deixando nem um cartuxo.

«No ataque teve artilheira 5 feridos, os caçadores da Zambezia 2, havendo ja partido na passagem da Aruanha 5 praças e o infeliz capitão Cardoso; o batalhão da India teve 2 mortos e 15 feridos.»

De tudo isto conclue-se:

Que depois de bem relaxados e indisciplinados em Lisboa os soldados da expedição, embarcaram seis mezes depois da data do decreto que a organisou em um vapor insuffíciente para aquelle serviço e insalubre, excedendo assim mesmo a 108:000$000 réis o custo do transporte n'aquellas pessimas condições, partindo de Lisboa um mez depois a barca Martinho de Mello com os viveres e petrechos que o vapor não tinha podido levar.

Que este transporte á vela chegou apenas a Moçambique a 14 de outubro de 1869, isto é, quasi quatro mezes depois da expedição ter chegado.

Que a força europea chegou a Quilimane falta de calçado e de objectos de vestuarío Sufficientes para aquella campanha.

Que a marcha das tropas pela falta de vapores de fundo chato levou quatro mezes e meio desde Quilimane até á aringa do Bonga, isto é, para transpor oitenta leguas.

Que durante essa desastrosa marcha a terça parte da força foi inutilisada pelas doenças é privações de toda a especie, chegando á desgraça á ponto que os soldados iam descalços com os pés inchados e rasgados de espinhos é quasi nús, n'aquelle clima mephitico, e Sobretudo para europeus que acabavam de chegar da Europa.

Que chegados em frente da aringa do Bonga tiveram de retirar no fim de doze dias, unicamente por causa da fome e da falta de forças physicas dos Soldados.

Que se gastou rios de dinheiro, não só em pura perda, mas com deshonra para o nome portuguez (apoiados).

Não é deshonra ser batido pelos bongas, o que indigna é que uma tal expedição, com a qual sé gastou centenares de contos de réis, chegue no fim de um anno em frente da aringa do miseravel Bonga em tal estado fie falta de recursos e com tanta fome, que teve de se retirar, não com deshonra para as tropas, mas para o ministro que de tudo tem a responsabilidade.

A causa unica de tanta desgraça e de tio estupenda quanto prejudicial despeza veiu sempre da incuria e da incompetencia do illustré deputado.

Disse s. ex.ª, que não tinha mandado os vapores para conduzir a expedição pelo Zambeze, porque não tinha tido tempo de os mandar fazer.

Isto, sr. presidente, é escarnecer com as vietimas.

O actual sr. ministro da marinha coniratou, como ja disse, a construcção de 2 Vapores de ferro com 108 pés de comprido no convez, 21 pés de bôca, demandando 2 pés e 3 pollegadas de agua, com 223 toneladas de construcção, com machinas de 35 cavallos, com rodas de pás Articuladas, com caldeiras para queimar indistinctamente lenha ou carvão, levando combustivel para seis a oito dias, com um rodízio de 12 de aço, e com ovens de ferro galvanisado; e alem d'estes vapores, 4 lanchas de ferro com 30 pés no convez e 12 de bôca, com 1 peça de 6 de aço cada uma, tendo 17 toneladas de construcção, e com toldo de madeira e lona; tudo por 10:075 libras e promptos em tres mezes é meio a contar da data do contrato.

Ora, sr. presidente, como os soldados estiveram a perder-se e desmoralisar-se em Lisboa durante quasi seis mezes, e como tres mezes é meio é muito menos do que seis mezes, não póde o sr. Latino Coelho desculpar-se com a falta de tempo para a acquisição de vapores (apoiados).

Mas, sr. presidente, como, não fallando mesmo dá importante somma perdida na comedia da força que havia de ir de Angola, nem dás importantes somaras perdidas em pagar alguns mezes aquellas praças para andarem fazendo desordene em Lisboa, nem do enorme desperdido com as despezas de transporto das tropas, é claro e evidente, que da falta dos vapores nasceram todas as desgraças que sem derrota alguma levaram as nossas tropas a um estado de completa destruição (apoiados),e o thesouro a necessidade

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de novos e tão descommunaes sacrificios como se tem feito e continuará a fazer; e por isso podemos concluir que é ao sr. Latino Coelho que cabe a responsabilidade de todos os males provenientes da expedição á Zambezia, em 1869, essa sepultura por s. ex.ª aberta para engolir os nossos valorosos e infelizes irmãos (apoiados).

A aringa está a poucos metros de distancia do rio, e por isso com aquelles vapores e lanchas poderia ter ido a expedição em poucos dias perfeitamente descançada e vigorosa até perto da aringa do tal Bonga, que em tres ou quatro dias seria fulminado (apoiados).

E nem artilheria precisava ir, porque as 6 peças das embarcações podiam mesmo de bordo destruir a tal aringa, para depois ser tomada pela infanteria (apoiados).

E a fatalidade ainda não ficou só n'isto, porque agora acabam de chegar saques do Cabo da Boa Esperança na importancia de cento e tantos contos de réis.

Sr. presidente, ahi fica a horrorosa tragedia da expedição como um pesadelo para o sr. Latino Coelho, e não torne o illustre deputado a provocar ninguem sobre pontos em que é por muitos conhecida a maneira mil vezes condemnavel do seu procedimento como ministro (apoiados).

Tem o estado gasto mais de 1.000:000$000 réis, e estamos em peiores condições do que estavamos antes de os ter gasto (apoiados). Foi o que o sr. Latino Coelho nos legou da sua administração (apoiados).

Deixemos porém este horror, que faz vergonha ao paiz, e passemos a outros pontos.

Comecemos hoje pelo arsenal de marinha, e vejamos como elle contribuiu para as esporas de oiro, que s. ex.ª diz ter ganho n'aquelles torneios economicos, em que tantos odios diz ter ganho.

Foi com o decreto de 30 de dezembro de 1868 que s. ex.ª ganhou n'este campo a corôa civica de reformador economico? Vejamos como; s. ex.ª por aquelle decreto estabeleceu os seguintes augmentes de vencimento:

1.° Nas gratificações dos officiaes de marinha ali empregados, que passaram de residencia para activas;

2.° Um 2.° escripturario, passado de réis 182$500 a 255$500;

3.° Dois 2.ºs amanuenses que subiram de 240$000 a 255$500 réis;

4.° Dois escreventes da majoria general, que passaram de 120$000 a 182$500 réis;

5.° Um secretario do conselho de administração, que passou de 120$000 a 180$000 réis de gratificação;

6.° Dois escreventes do conselho de administração, que passaram de 120$000 a 182$500 réis;

7.° Seis guardas de generos, que passaram de 219$000 a 255$500 réis;

8.° Dois escreventes da capitania do porto, que passaram de 146$000 a 182$500 réis.

E um nunca acabar de economias, sr. presidente (riso).

Pois logares creados por s. ex.ª?

Isso foi bom tambem, e que o diga o indispensavel director das construcções civis, o chefe do gabinete technico, o desenhador, etc.

Ora, sr. presidente, como o tempo era para aproveitar, tambem pelo mesmo decreto foi o sr. Latino Coelho conceder reforma por diuturnidade a cincoenta e quatro empregados não operarios do arsenal, e com o vencimento por inteiro, aos quarenta annos de serviço.

Até ali só os operarios tinham direito a reforma, porém só por incapacidade e com meio salario aos quarenta annos de serviço.

Que parte das taes esporas ganhou s. ex.ª com esta engraçada economia!

Mas não ficou aqui, porque ainda tiveram mais; foi-lhes concedido o augmento de ordenado na rasão de 15 por cento aos dez annos de serviço, e de 30 por cento aos vinte annos!

Quererá s. ex.ª que revoguemos por economia os decretos de 25 de janeiro e de 28 de outubro de 1869, e o de 17 de março de 1870, que acabaram com esta especie de terços, e com estas exquisitas reformas por diuturnidade de serviço? (Riso.)

Quem pagou tudo foi a madeira para o arsenal e o linho para a cordoaria!

Pois um arsenal precisa lá agora de madeiras?...

Pois uma cordoaria precisa agora lá de linho? Basta pedir para esta fabrica mais para pessoal do que para todo o material para a mesma fabrica.

O caso todo é dizer nos pomposos relatorios, que tudo é para produzir grandes economias, e vir aqui repetir por musica:

Não ha ninguem como eu: aqui estão as minhas esporas de primeiro economico (riso) e depois... do pão do nosso compadre grossa fatia aos afilhados.

Eu tinha de gastar muitos dias para contar todas as glorias da administração do sr. Latino Coelho, e que s. ex.ª, de certo por modestia, não referiu, mas não quero cansar a camara.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Pois bem, ahi vae mais um especimen:

Pelo decreto de 30 de dezembro de 1868 reorganisou s. ex.ª o pessoal da armada, e feio bem com relação aquelle numero de navios que s. ex.ª fixou em duas corvetas pelo menos de grandes dimensões, em dois ou tres um pouco menores, um ou dois das maiores dimensões, e mais uns pequenos e outros grandes, e por fim dois couraçados, como auxiliares (riso). Estes eram os auxiliares; os princi-paes eram os taes navios grandes e pequenos, de maiores e de menores dimensões (riso).

Pois s. ex.ª, no fim de tudo, sáe-se como uma economia importante. Bem haja!

Reduziu o quadro dos officiaes combatentes da armada, de um contra-almirante, dois capitães de mar e guerra, dois capitães de fragata, seis capitães tenentes e dois primeiros tenentes. (E não fallo dos dez segundos tenentes, porque isso foi gracejo. Ainda ha hoje trinta e quatro vacaturas n'esta classe por falta de habilitações.)

Pois, como esta economia tinha de ser positiva, immediata e real, como todas as de s. ex.ª, creou logo pelo mesmo decreto a classe dos addidos com promoção, a par dos officiaes do quadro, e resultou que a economia se transformou logo em um importante augmento de despeza, como se vê pelo proprio orçamento rectificado por s. ex.ª apresentado para 1869-1870, como a camara vae julgar.

Orçamento para 1869 1870. Art. 9.°

Addidos

Ajudantes de campo e officiaes ás ordens de Sua Magestade o Senhor D. Luiz I:

“Ver o Diario Original”

E não se ínclue o vencimento de um general ajudante de ordens de El-Rei, que está em commissão no ultramar, e esta classe é elástica, póde augmentar indefinidamente.

A reduccão no quadro foi a seguinte:

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“Ver o Diario Original”

Economia negativa desde logo 1:512$000 réis.

A reducção foi de treze officiaes, e os addidos logo vinte e um. Nos primeiros tenentes houve diminuição de dois no quadro, mas passaram logo dez para addidos, pelo que houve logo oito vacaturas, e portanto oito segundos tenentes promovidos a primeiros tenentes.

Como qualquer official que fosse nomeado lente das escolas naval e polytechnicas de Lisboa ou do Porto, ou das de pilotagem, passam á classe dos addidos, alem de ter logar o mesmo em outros serviços indicados no mesmo de creto, o augmento póde ser enorme. Na classe dos officiaos gencraes então teve muita graça a economia, porque, emquanto se reduzia de seis a cinco o numero dos generaes, logo se dava para o quadro dos ajudantes de ordens de El-Rei um official general, e portanto haveria permanente mente um general addido, isto é, haveria pelo menos seis generaes como d'antes, porém com a differença de que podia tambem haver mais um numero indefinido d'elles; por exemplo, se um contra-almirante fosse nomeado lente de qualquer das escolas, passava á classe dos addidos, e era promovido um capitão de mar e guerra do quadro a contra-almirante.

Supponhamos porém que o promovido era mais moderno do que os 3 capitães de mar e guerra actualmente addidos haviam d'estes ser tambem promovidos a officiaes generaes o ahi ficavam 9 generaes.

Não me admira agora de ver como s. ex.ª destinava 10 logares para empregos de generaes; é porque esperava que medrasse e se desenvolvesse aquella classe com a sua refórma.

Quererá s. ex.ª que por economia se revogue o artigo 6.° do decreto de 16 de dezembro de 1869, pelo qual o seu successor acabou com a classe de generaes addidos para assim brilharem mais as suas esporas de oiro?

Na secretaria da marinha fazia-se o serviço com 3 officiaes combatentes e 1 facultativo naval antes da reforma feita pelo sr. Latino Coelho por decreto de 29 de dezembro de 1868. Por esta reforma passou a ser o quadro (creio que por economia) a ser de 6 officiaes combatentes (dos quaes 2 podiam ser generaes) e 2 cirurgiões da armada.

Estes facultativos tinham, pela legislação anterior, o primeiro 360$000 réis como vogal do conselho de saude e chefe da repartição de saude; e ao segundo competia réis 120$000 de gratificação em commissão em terra.

Pois o primeiro, por causa das economias, passou a receber 480$000 réis de gratificação, e o segundo 300$000 réis.

O commando geral da armada foi substituido pela intendencia, fazendo maior despeza do que fazia o commando geral.

Na escola naval tambem tiveram augmento:

1.º A gratificação do segundo commandante da compa

nhia dos guardas marinhas, que passou de 300$000 a 360$000 réis.

2.° A gratificação do ajudante da mesma companhia, que passou de 240$000 a 300$000 réis.

3.° A gratificação dos encarregados da substittuição dos lentes proprietarios, passando de 270$000 réis que ora para os substitutos a 300$000 réis para o professor auxiliar, que é o mesmo substituto com differença de nome.

4.° A gratificação do professor de desenho, que passou de 144$000 a 200$000 réis, pagando-se ambas ao mesmo tempo a dois individuos differentes.

5.° O ordenado de um empregado invalido e de logar extincto; o qual passou de 300$000 a 500$000 réis, como á hontem demonstrei.

A tal subacripção nacional, a que se referiu o sr. Latino Coelho, e obtida por s. ex.ª, deve ter produzido muito para o estado (riso).

Quer s. ex.ª que tambem contemos como economia, por s. ex.ª obtida, aquella graça concedida pelo artigo 55.º do decreto de 30 de dezembro de 1868 ao funccionario que occupava o logar por s. ex.ª extincto de secretario da inspecção do arsenal, e a quem s. ex.ª deu 200$000 réis a titulo de compensação da perda dos emolumentos?

É notavel esta concessão de emolumentos de serviço que deixa de se fazer. Emolumentos sem trabalhar! S. ex.ª foi inimitável n'estas concepções de economias para honra o gloria das suas esporas de oiro.

Pois na classe dos constructores navaes, contra a qual s. ex.ª agora se levanta a ponto de querer desmanchar a sua propria obra! Isso foi bom. Por exemplo: o segundo e terceiro mais graduados da classe tinham 48$000 réis mensaes de gratificação como ajudantes, e s. ex.ª pelas suas economias estabeleceu, para um 65$000 réis, e para outro 60$000 réis mensaes; os que tinham a graduação de segundos tenentes recebiam de gratificação 24$080 réis como ajudantes. O sr. Latino Coelho abriu a caixa das economias elevando-os a 25$000 réis. Para estes ultimos foi pouco o augmento; foi só para arranjar um dos parafusos das suas esporas de oiro.

Agora s. ex.ª, levantando se contra a sua propria obra, lá vae deixar o segundo, ainda assim, com mais do que tinha antes da sua reforma sendo ajudante; e o terceiro, os quartos e os quintos da classe com menos do que tinham antes da mesma reforma.

O sr. Alcantara quer mais ainda do que s. ex.ª, e eu quero tudo o que quizerem os illustres deputados.

A commissão não tocou em vencimentos nem na organisação dos serviços que não extinguiu, por entender que isso não devia ser feito assim na occasião da discussão do orçamento, e sem consulta das estações competentes (apoiados). Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Sr. presidente, peço a v. ex.ª que me conserve a palavra para ámanhã. Pouco tenho que dizer ainda, mas não posso deixar de dizer mais duas palavras sobre as propostas do illustre deputado, com relação ao orçamento.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é, na primeira parte, a interpellação annunciada ao sr. ministro da justiça pelo sr. deputado Barjona de Freitas; e na segunda parte a continuação da discussão do orçamento da marinha.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Parecer

Senhores. —Á vossa commissão de guerra foi presente um requerimento de Manuel José Coelho, coronel reformado, o qual pede que lhe seja annullada a reforma, sendo restituído á effectividade do serviço na sua competente altura. O requerimento allega que fôra reformado contra sua vontade, e em virtude de uma decisão illegal da junta de saude.

A vossa commissão é de parecer que o requerimento seja remettido ao governo, a fim de o tomar na consideração que merece.

Sala das sessões, 26 de maio de 1871. — Lute de Almeida Coelho de Campos = Alberto Osorio de Vasconcellos = José Elias Garcia = José Bandeira Coelho de Mello, relator = José Maria Latino Coelho = Domingos Pinheiro Borges — Thomás Frederico Pereira Bastos.

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Em virtude de resolução da camara se publicam as seguintes representações

Senhores deputados da nação portugueza. — Os abaixo assignados, alumnos dos cursos de veterinaria e agronomia, professados no instituto geral de agricultura, tomando na devida consideração o projecto de lei apresentado a esta illustre camara pelo dignissimo deputado o sr. Caldas Aulete, em sessão de 10 de abril do presente anno, em que se confere aos cidadãos de Hespanha integra immunidade e pleno exercicio de suas profissões, logo que apresentem n'este reino carta ou diploma de approvação em qualquer estabelecimento de ensino publico do seu paiz; vem perante vós reclamar contra tal medida, allegando para isso as rasoes que entendem de sua justiça.

Senhores, summamentc gratos ao governo hespanhol, que por decreto de 6 de fevereiro de 1869 se dignou reconhecer, como validas, as habilitações adquiridas nos estabele cimentos des ensino publico de Portugal, o que bem prova a subida conta em que para elle corre a nossa instrucção e sciencia adquirida, não podem os abaixo assignados deixar de consignar aqui o seu profundo reconhecimento, embora a offerta tenha permanecido intacta.

Pago este tributo á cortezia, entendem os abaixo assignados que deve terminar aqui o seu empenho, porque acima da reciprocidade internacional e de quaesquer conside rações civis e politicas levanta-se a segurança e bem estar de um paiz, a prosperidade e riqueza dos seus habitantes. Os abaixo assignados julgam no assim, e pedem permissão para expor os motivos em que se fundam.

As sciencias medico-veterinarias e agronomicas, professadas n'esta escola, attingem actualmente, um grau de perfeição tal, que apenas ha em Hespanha uma unica escola á mesma altura: é a de Madrid, que pela sua reorganisação de 1857 ficou comprehendendo no seu curso as mesmas disciplinas que se ensinam aqui durante o mesmo tempo, havendo ainda uma diferença em nosso favor n'algumas cadeiras auxiliares, que a nossa escola tem a mais.

As escolas de Cordova, Saragoça e Leão, aonde tambem se professam estes cursos, estão muito inferiores á de Madrid, e seus alumnos são classificados em 2.ª classe, formando uma categoria menos considerada, por isso que seu curso dura apenas o tempo necessario para aprenderem as materias indispensaveis á pratica.

Quando é o proprio governo hespanhol que etabelece esta manifesta desigualdade entre os alumnos das suas differentes escolas, com muita mais rasão o nosso governo a deverá estabelecer entre nós e elles, não aceitando o projecto de lei, que tende a igualar os diplomas e cartas dos veterinanos e agronomes de 2.ª classe com os titulos scientifiços dos alumnos d'este instituto, que valem tanto çomo os de 1.ª classe de Madrid. Isto, srs. deputados, é de justiça.

Mas vejamos agora o que se pasta, encarando a questão por outro lado. Com os alumnus da escola de Madrid, vindos porventura ao nosso reino offerecer seus serviços, claro está que nada se ganha; e concessões d'esta ordem só devem fazer se quando na troca possa lucrar o povo.

Com os de classe não só o ganho é nullo, como tambem sua admissão é prejudicial: no primeiro caso, a çoncorrencia é sem proveito; no segundo, é ruinosa; e em ambos é injusta. Demais, porque não havemos de fazer aptes taes concessões para paizes, como a Allemanha, Inglaterra e França, d'onde nos dimana toda a luz das sciencias agronomicas e veterinarias? Seus filhos têem-nos servido de mestres; a sua sciencia escripta tem sido a unica fonte aonde vamps mitigar a sêde de nossa intelligencia, aonde temos ido colher o que ha de mais avançado nos nossos conhecimentos scientificos.

Quando se encara a liberdade e a concorrencia debaixo do ponto de vista commercial e industrial, este principio é refropte vantajoso e lucrativo para os paizes e sociedades, cujas condições economicas vão em meio de prosperidade; mas quando a questão se nos depara sob um outro aspecto de fundo moral e social, quando se trata de pessoas e não de cousas, e, o que mais é, quando se decide da sorte de homens livres, com reconhecido direito á retribuiçSo equivalente do seu trabalho, ao bem estar e conveniencia, propria e da familia, então esses grandes e nobres principios devem ceder o passo por um momento a outros mais santos e muito mais sagrados, que se erguem perante as consciencias — a justiça e a propriedade de cada um.

O numero de veterinarios, que em 1859 cursavam as escolas de Hespanha, subia a 1:039; de então para cá é de presumir que esta cifra tenha augmentado consideravelmente, e d'aqui a supposta probabilidade de emigração para onde melhor sejam considerados; ora, como é só este reino que lhes offerece essa vantagem, segundo o projecto de lei de 10 de abril d'este anno, é quasi fóra de toda a duvida que virão hospedar-se no solo portuguez; e n'estas circumstancias só quem soffre perda, quebra e desprestigio são a ruelles que, vivendo tranquillos e quietos no seu paiz, suspirando por colherem o fructo de sua lavra, não têem crido, mas hão de infelizmente crer, que para elles está convertida em axioma a desoladora asserção de que le dommage de l'un est le profit de l'autre.

Por todas estas considerações, senhores deputados, entendem os abaixo assignados que o alludido projecto de lei não merece de nenhum modo o vosso voto. Crêem elles que as rasões que deixam expendidas são tão ponderosas, que não hão de passar desapercebidas aos vossos olhos e deixar de receberem em vossos peitos portuguezes o acolhimento que lhes cabe; confiam, pois, os abaixo assignados, que a justiça que lhes assiste ha de ser o seu melhor patrono perante as vossas consciencias.

Assim o ousam esperar os alumnos dos cursos de veterinaria e agronomia do instituto geral de agricultura.

Lisboa, 12 de maio de 1871. — E. R M.cê — Visconde de Athoguia, Alfredo Pereira, Carlos Augusto de Sousa Pimentel, Salvador Augusto Gamito de Oliveira, Antonio Maria Raposo de Sousa d'Alte Espargoza, Elisiario Manuel de Carvalho, João Anastacio de Carvalhosa Carneiro, Antonio Raymundo Peres Junior, Joaquim Silvestre de Carvalho, Patricio José Coutinho, Eduardo Nogueira Guedes, Gualter Pedro Gomes, José Maria Casqueiro, D. José Maria de Figueiredo Cabral da Camara, Alfredo Martiniano Pereira, Arthur Frederico Silveira, Eduardo Adolpho de Avellar Telles, João Carlos de Oliveira, D. Antonio Lobo de Almeida Mello e Castro, Domingos Maria da Camara Berquo, José Anna de Macedo Munhoz, Rafael Augusto Lopes da Mota, João Ferreira da Silva, Agostinho José Lopes Fernandes, Joaquim José Coutinho Castello, Antonio Filippe Vasques, Luiz de Oliveira de Almeida, Leopoldo dos Santos Diniz, Joaquim Pedro de Freitas Castel Branco, Carlos Pinto Coelho de Castro, José de Sousa Morreiros Cintra Junior, José Fortunato da Silva Flores, Alipio Alves de Moura, Francisco José Figueira, José Gonçalves Ribas, Agostinho José de Varejão, Manuel do Carmo Rodrigues de Moraes, José Maria Alves Torga Junior, Alberto Nestor da Silva Barros.

Senhores deputados da nação portugueza — Os estudantes da faculdade de medicina e outros das mais faculdades da universidade de Coimbra, tendo conhecimento da proposta de lei apresentada pelo illustre deputado, o sr. Caldas Aulete, a qual tem por fim equiparar os diplomas de capacidade concedidos pelos estabelecimentos scientificos de Hespanha aos conferidos pelos nossos estabelecimentos, vem, indo do direito de representação, expor ao parlamento, em cujo seio ha de a mesma proposta ser discutida, as considerações que a leitura do projecto lhes suggeriu.

Não nos movem sentimentos que nos degradem. Vimos perante a representação nacional defender um direito que aquella proposta inutil e inopportunamente vem lesar; di-

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reito que se funda na acquisição laboriosa de diplomas difficeis, que pelos sacrificios que custam, muito deveriam ser para respeitar por aquelles que prezam as cousas da sciencia e do seu paiz.

Não nos insurgimos contra a liberdade de ensino; não nos levantámos contra o imperio da liberdade em todas as espheras da actividade humana; mas, emquanto a liberdade de ensino não for um dogma no nosso codigo de instrucção, emquanto o trabalho scientifico for regulamentado, como actualmente o é, o principio da concorrencia, altamente proclamado pelos defensores de livre troca de diplomas, não pede rasoavelmente aceitar se entre nós como fundamento de uma providencia legislativa.

Ha em Hespanha, afiançâmo-lo, escolas de medicina onde as disciplinas professadas são inferiores em numero as que se professam nas escolas portuguezas. E como admittir o livre curso dos diplomas d'essas escolas, verdadeiramente secundarias, sem manifesto detrimento dos medicos nacionaes? Emquanto houver uma hierarchia de instrucção sanccionada pela lei, não podem compartilhar as escolas de grau inferior das garantias que constituem o apanagio das de mais elevada graduação.

Todas as nações illustradas dão protecção aos filhos dos seus estabelecimentos scientificos. A Belgica, cujos exemplos os nossos estadistas se orgulham de seguir, confere o grau de doutor aos estrangeiros, mas prohibe-Ibes o livre exercicio da clinica dentro do seu territorio.

Porque não admittiu a Hespanha os diplomas das escolas da Allemanha e da França, e sómente admittiu os de Portugal? Foi porque viu que as nossas escolas, dando por elevado preço os seus titulos de capacidade, e habilitando apenas um numero de facultativos suffiçiente para as necessidades do paiz, não a podiam assustar com a sua concorrencia.

Demais, senhores, o principio da reciprocidade, reconhecido pelo direito internacional, suppõe sempre igualdade de circumstancias entre dois paizes. Quando esta igualdade não existe, a reciprocidade converte se então n'um contrato leonino, em que a nação mais fraca fica, sem compensação, sujeita ás exigencias da mais forte.

Assim como se não póde exigir que um individuo pouco dourado dos bens da fortuna Beja despojado de quanto possue, para retribuir uma mercê que um abastado lhe fez, sem elle a solicitar; assim tambem seria injusto que nos julgasse-mos constituidos na obrigação de pagarmos, a todo o preço, as liberalidades que espontaneamente para comnosco teve a Hespanha.

Comprehende-se a reciprocidade quando dois povos no mesmo tratado a estabelecem; mas não se comprehende quando um povo faz uma concessão que em nada o prejudica, esperando da generosidade do outro a retribuição de um serviço officioso. N'esse caso, a generosidade d'este é um instrumento de especulação contra aquelle.

E, se queremos ser generosos, se queremos pagar com a reciprocidade as deferencias que para comnocco têem as nações estrangeiras, porque não abrimos então as portas aos medicos da Suissa, que foi quem primeiro, não para nós sómente, mas para todo o mundo, abriu tambem as suas? Porque lhe não foi grata a Hespanha? Porque só sobre nós quiz derramar as suas beneficas mercês? Não lh'as retribuamos; talvez que lhe não convenha perguntar o porque.

Senhores deputados: é tão enraizado entre nós o amor da patria, que o instincto do nosso povo entrevê, mesmo atravez das cousas mais abstractas, os mais pronunciados indicios de que lhe cumpre velar por si e pela autonomia gloriosa do paiz.

A proposta de lei do sr. Caldas Aulete é pois injusta e impopular; injusta, porque fere ob direitos das classes mais illustradas do paiz, principalmente os d'aquelles que têem de adquirir pelos seus diplomas os meios de subsistencia; impopular, porque causa apprehensões e excita a memoria de factos que se deveriam olvidar.

Se approvardes o projecto de lei, senhores deputados, esmolae ao menos do governo do Brazil a concessão que agora sé quer fazer á Hespanha; para que os vossos compatriotas, depois de deixarem os bancos das escolas, tenham onde vão exercer uma profissão que na sua patria tornou mal retribuida uma concorrencia injustificavel.

Coimbra, 11 de maio de 1871.

Os abaixo assignados estudantes da universidade de Coimbra = Fernando Matoso dos Santos, l.° anno medico; Antonio Frederico Gomes, 1.° anno medico; Vicente Urbi-no de Freitas, 1.° anno medico; Francisco Martins Ramos, 3.º anno philosophico; Abilio da Costa Torres, 3.° anno philosophíco; Horácio Antonio Lopes Antunes Cardoso de Navarro, estudande do 3.º anno juridico; Eduardo Augusto. Pereira de Magalhães e Mello, estudante do 3.º anno juridico; Francisco Augusto de Napoles Figueiredo e Veiga, estudante do 3.° anno juridico; Antonio Maria de Carvalho, estudante do 3.° anno juridico; Joaquim do Nascimento Trindade, 2.° anno de medicina; Adriano Augusto da Silva Monteiro, estudante do 4.º anno mathematico; João Alberto Godinho de Faria e Silva, estudante do 3.º anno philosophíco; Veríssimo de Gouveia Sarmento, estudante do 3.° anno philosophíco; Angelo Gualter Ribeiro Couceiro, 4.º anno philosophíco; José Albano do Couto Tavares Segurao, estudante do 3.° anno philosophíco; José Borges Pacheco Pereira Junior, estudante do 3.º anno juridico; Candide de Padua Carvalho, estudante do 3.° anno philosophíco; Augusto de Matos Chaves, 3.° anno philosophíco; João Antonio Juzarte Rollo, estudante do 1.° anno mathematico; José Judice dos Santos, 1.º anno mathematico; João Bentes Castel-Branco, 1.º anno mathematico; Antonio Joaquim de Sousa Figueiredo, 1.° anno mathematico; Antonio José Gonçalo Guimarães, 1.° anno mathematico; Raphael de Sousa Tavares, 1.° anno mathematico; Ivo do Carmo Pedroso Barata, 2.° anno philosophíco; José Rodrigues Leal de Faria, 3.° anno do curso medico; Affonso Pinheiro, 3.° anno do curso medico; Lucio da Silva Gaio de Paiva Barreto, 1.° anno mathematico; Domingos Botelho de Queiroz, 3.º anno do curso medico; Antonio Moreira da Camara Coutinho de Gusmão, 3.° anno juridico; José Campello Trigueiros Martel, 1.° anno juridico; José Antonio Bourquin Brak-Lami, 1.° anno juridico; Eduardo Lisboa, 3.° anno de philosophia; Luiz de Campos, 5.º anno de medicina; Adriano Sequeira de Sousa Rebello, Alvaro Candido Ferreira Pinto de Medeiros, 1.° anno mathematico; Antonio Gonçalves de Almeida Brandão, 1.° anno de mathematica; Abilio Eduardo da Costa Lobo, 1.° anno mathematico e philosophíco; Francisco de Lucena e Faro de Noronha, estudante do 1.° anno mathematico; Bernardo Pinheiro, estudante do 1.º anno mathematico e philosophíco; Leonardo de Castro Freire, estudante do 1.° anno mathematico e philosophíco; Manuel Gomes de Castro, 1.° anno mathematico e philosophico; Francisco Lazaro Côrtes, 4.º anno medico; Nuno Silvestre dos Passos Teixeira, 3.° anno philosophico; José Manuel da Silva Gurraro, 4.º anno medico; João Ignacio Trindade, estudante do 1.º anno theologico; João Velloso Pessanha Cabral, 3.° anno juridico; José Pimentel Rolim, 1.º anno de medicina; José Lopes Ferreira, Francisco Mendes Callado, 2.º anno philosophico; João Maria de Moura Matoso e Vasconcellos, 2.° anno philosophico; Antonio Felicio Nunes Paes Coelho do Amaral, 2.º anuo philosophico; José dos Reis Pessoa, 2.° anno medico; José Xavier de Brito Teixeira, 4.° anno njedico; Antonio Maria Pinto Dá Mesquita, 2.° anno do curso medico; João Paes da Cunha Mamede, 3.° anno medico; Joaquim Alves Pimenta de Avellar Machado, 2.° anno do curso medico; Luiz Augusto Lopes da Costa, 3.º anno de philosophia; Luiz Xavier Correia Gomes, 2.º anno philosophico, Antonio Soares Couceiro, 2.° anno do curso medico; Jacinto Alberto Botelho de Almeida, 2.° anno do curso medico; Eugenio Eloysio Alvares Fortuna, 3.° anno philosophico; João Felicio Nunes Paes Coelho do Amaral; Antonio José de

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Sousa Pereira, 2.° anno do curso medico; Antonio Cazimiro da Cruz Teixeira, 2.° anno do curso medico; Maximino José de Matos Carvalho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, 3.° anno juridico; Joaquim José Malheiro da Silva, 3.° anno do curso medico; Antonio Lucio Tavares Pereira Pimentel, estudante de philosophia; José Rodrigues da Silva, 3.° anno de pharmacia; Antonio Maria da Silva Ramos, 3.º anno de pharmacia; Antonio Candido da Cruz, 4.° anno de pharmacia; José Mendes Norton, 4.° anno de medicina; José Mendes Lima, estudante do 2.° anno theologico; Domingos Bento Alexandre de Figueiredo Magalhães, 4.° anno juridico; Antonio Marques de Oliveira, 2.° anno juridico; Francisco Augusto Correia Barata, licenceado em philosophia; Augusto Maria da Costa, estudante do 4.º anno de medicina; João Rodrigues de Matos e Silva, estudante do 4.° anno de medicina; Antonio Vieira da Rocha, estudante do 4.° anno de medicina; Matheus Pereira Pinto, estudante do 4.º anno de medicina; Joaquim de Freitas Trindade, estudante do 4.º anno de medicina; José da Cunha Castello Branco Saraiva, estudante do 4,° anno de medicina; Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, estudante do 4.° anno de medicina; Alexandre Vieira de Lima, estudante do 4.º anno de medicina; Joaquim Urbano da Costa Ribeiro, 1.º anno medico; José Paes dos Santos Graça, 3.° anuo medico; Francisco da Costa Pessoa, 4.° anno mathematico; João Augusto Teixeira, 2.° anno medico; Manuel de Lemos Vianna, 5.° anno medico; Joaquim José de Almeida e Costa, 5.° anno medico; José Borges da Gama, 5.° anno medico; Bento Rodrigues Ferreira Malva de Figueiredo, 5.° anno medico; Augusto José da Silva, 2° anno medico; Joaquim de Jesus Lopes, 3.° anno medico; José Augusto da Silva Peixoto, 1.° anno medico; Abilio de Almeida Simões da Costa, 2.º anno medico; João Simões Pedroso de Lima, 5.° anno medico; Mauricio Augusto de Sequeira, 2.° anno medico; Antonio Dias do Amaral, 2.° anno medico; Luiz Soares Correia, 2.° anno medico; Manuel Maria das Neves Velloso, 2.° anno medico; Antonio Venancio de Oliveira David, 4.° anno philosophico; Joaquim Sanches Rollão Preto, 3.° anno do curso medico; Antonio de Jesus Lopes, 2.° anno philosophico, Antonio Maria de Sousa, 1.° anno medico; Joaquim Antonio da Silva Sereno, 1.° anno medico; Albino José de Oliveira, 1.º anno medico; Antonio Ferreira Cardoso de Oliveira, 1.° anuo medico; Francisco Augusto da Costa Fal-cão, 3.º anno do curso medico; Francisco Teixeira de Queiroz, 1.° anno medico; Francisco Baptista de Almeida Pereira Zagallo, 3.° anno do curso medico; Vicente José Borges de Alcantara, 2.° anno do curso medico; Paulo de Barros Pinto Osorio, 2.° anno mathematico; Elisio Eleutherio Gaspar Vargas de Lemos, 2.° anno do curso medico.

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