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SESSÃO DE 27 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de projectos de lei, representações e lei de meios. — Ordem do dia: interpellação, que ficou pendente, do sr. Barjona de Freitas ao sr. ministro da justiça, ácerca da ultima pastoral do reverendo bispo do Algarve — Approvação de uma proposta do sr. Mariano de Carvalho para que as sessões durem cinco horas, contadas do momento da abertura da sessão.

Chamada — 41 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Macbado, Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Bernardino Pinheiro, Ferreira de Andrade, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Coelho do Amaral, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Jayme Moniz, Santos e Silva, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, Alves Matheus, Bandeira Coelho, Figueiredo de Faria, Almeida Queiroz, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, Julio Rainha, Luiz de Campos, Marques Pires, Lisboa, D. Miguel Coutinho, Visconde de Montariol.

Entraram durante á sessão — os srs.: Alberto Carlos, Braamcamp, Villaça, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Arrobas, Pedroso dos Santos, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Eça e Costa, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Carlos Bento, Costa e Silva, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Pinto Bessa,

Van-Zeller, Silveira da Mota, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Gusmão, J. A. Maia, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Moraes Rego, Mello Gouveia, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Lopo de Mello, Camara Leme, Affonseca, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Veiga Barreira, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Pereira do Lago, Bicudo Correia, Palma, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Nogueira Soares, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Luiz Pimentel, Pedro Franco.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA VESA

Nota de interpellação

Requeiro a v. ex.ª ser inscripto para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado, Barjona de Freitas, ácerca da ultima pastoral do reverendo bispo do Algarve.

Sala das sessões, 27 de maio de 1871. =. Alves Matheus.

Fez-se a devida communicação.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — O projecto de lei que tenho a honra de vos apresentar tem por fim preencher uma lacuna que se deu no decreto com força de lei de 28 de outubro de 1869, reparando-se assim uma injustiça praticada contra os antigos agentes fiscaes do governo nos caminhos de ferro do sul e sueste.

Para fundamentar este projecto extractarei n'este relatorio a legislação existente com relação ao assumpto, pelo qual se reconhece a justiça que assiste aos ditos empregados.

Em 1860 por decreto de 5 de dezembro foi organisada a fiscalisação dos caminhos de ferro, dividindo-a em duas divisões, uma de norte e leste, outra de sul e sueste, e sendo nomeados para a divisão do sul e sueste os individuos a que se refere este projecto.

Em 1861 os caminhos de ferro do sul e sueste passaram a ser explorados por conta do estado, e estes empregados foram collocados na exploração dos mesmos caminhos em logares correspondentes á sua anterior posição, continuando a perceber os seus antigos vencimentos.

Em 1864 passou o caminho a ser explorado por uma companhia ingleza, e os ditos empregados reassumiram aa suas antigas collocações na respectiva fiscalisação.

N'este mesmo anno por decreto de 31 de dezembro foi determinado que os agentes de policia de 1.ª classe ficasse percebendo 40$000 réis mensaes, os de 2.ª classe 30$000 réis, e 20$000 até 30$000 réis os agentes subalternos. Por portaria de 15 de setembro de 1866 foram fixados 26$000 réis aos agentes subalternos de 1.ª classe e 24$000 réis aos de 2.ª classe, isto em conformidade com as tabellas n.º 1 para o caminho de norte e leste, e n.º 2 para o sul e sueste, ficando por consequencia equiparados em categorias e vencimentos os empregados das referidas duas divisões.

Em janeiro de 1868 as duas devisões ficaram reduzidas a uma só, e por lei de 28 de outubro de 1869 foram os vencimentos depois fixados para os empregados da fiscalisação do norte e leste, em 24$000 réis, 18$000 réis e 15$000 réis conforme as classes; tendo mais os que fizessem serviço a gratificação de effectividade de 12$000 réis, 9$000 réis e 7$500 réis.

Succedeu ficarem em disponibilidade um grande numero de empregados que ficaram recebendo o mesmo vencimento, correspondente á sua classe, sem gratificação.

Como se vê, a lei de 28 de outubro de 1869 trata unicamente dos agentes do caminho do norte e leste, e não faz menção dos agentes do caminho de ferro do sul e sueste. Este caminho passou a ser explorado por conta do governo, e os empregados a que se allude ficaram servindo na exploração e construcção do mesmo caminho, mas sem se lhes abonar a gratificação de effectividade, como parece de justiça, visto estarem servindo e em logares de maior trabalho e responsabilidade.

Acham-se estes funccionarios em desvantajosas e criticas circumstancias, devido a uma omissão na lei de 1869, e por isso imploram do parlamento a justiça que lhes assiste.

Para se reconhecer quanto desvantajosas são as suas actuaes collocações, e a desigualdade que existe entre os seus vencimentos e os dos empregados da fiscalisação do norte e leste, encorporarei n'este relatorio um mappa por onde se vê evidentemente que a pretensão d'estes empregados é assas rasoavel e de inteira justiça.

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TABELLA N.°

2.ª Divisão locai da exploração dos caminhos de ferros

[Ver Diário Original]

Os empregados de fiscalização de leste e norte que têem iguaes nomeações e graduações fundadas nas mesmas leis e portarias, não obstante serem todos menos antigos e alguns menos graduados que os do caminho de ferro do sul e sueste que se acham fazendo serviço na exploração d'esta linha, estão percebendo muito maiores vencimentos, e alem d´isso as suas gratificações; isto ao passo que os do sul e sueste estão tambem faseado serviço effectivo e mais penoso que o da fiscalisação, percebendo ordenados insignificantes e sem lhes ser abonada a respectiva gratificação.

Por todas estas rasões tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame e approvay&o o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São extensivas aos antigos agentes fiscaes, por parte do governo no caminho de ferro do sul e sueste, para todos os effeitos, as disposições do decreto com força de lei de 28 de outubro de 1869.

Art. 2.° Os funccionarios a que se refere o artigo antecedente são julgados por esta lei em commissão na exploração do caminho de ferro do sal e sueste, vencendo a gratificação de efectividade conforme a classe a que pertencerem, quando o emprego que exerçam não seja de maior vencimento.

§ unico. Estes funccionarios continuarão a pertencer á divisão da fiscalisação dos caminhos de ferro quando a linha do sul e sueste deixe de ser explorada por conta do governo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 35 de maio de 1871. = O deputado pelo circulo de Extremoz, Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

O sr. Francisco Mendes: —O meu collega e amigo, o sr. Veiga Barreira, encarregou-me de participar a v. ex.ª e á camara que, por motivo justificado, faltará á sessão de hoje e ás da proxima semana.

O sr. Barros Gomes: — Tinha eu hontem pedido a v. ex.ª que me inscrevesse para antes se de fechar a sessão, quando ouvi o sr. Alberto Carlos, dignissimo vice presidente d'esta camara, e da commissão de fazenda, cavalheiro que muito respeito pelos seus annos, serviços e illustração (apoiados) declarar, com muito espanto meu, que a sua assignatura havia sido dada por surpresa (creio que foram estas as phrases de s. ex.ª), e que só assim ella poderia figurar entre as dos cavalheiros que firmaram o parecer n} 25 da commissão de fazenda.

Esta accusação era tão extraordinaria quanto inesperada, e eu, como secretario da commissão e relator que tenho a honra de ser do parecer que se discutia, não podia deixar de procurar por todos os meios ao meu alcance e desde logo rectificar as asserções de s. ex.ª, narrando á camara os factos como se passaram; e d'essa narração, exposta com toda a verdade, espero que a camara verá que não houve nem podia haver da parte do relator da commissão de fazenda a menor intenção de alcançar por surpreza, nem n'este nem em caso algum, a assignatura de qualquer dos seus collegas (apoiados).

Não estava isso no meu caracter, e por isso custou-me muito ouvir uma accusação tão infundada (apoiados). Faço porém completa justiça a s. ex.ª, e estou certo que só ao calor da discussão se póde attribuir o ter o meu collega proferido uma proposição tão estranha e que me parece tão pouco justificavel (apoiados).

A questão das alterações introduzidas pela camara dos dignos pares no parecer que hontem se discutiu, foi amplamente debatida na commissão de fazenda em uma sessão a que s. ex.ª não póde assistir.

Conservando me eu firme na opinião que por mais de uma vez tinha apresentado ao parlamento, em dezembro passado, comecei n'essa sessão por declarar que desejava não ser o relator do parecer que se referisse a essas alterações, as quaes na opinião de grande parte dos membros da commissão e segundo os desejos do governo, deveriam ser approvadas n'esta casa.

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Havendo alguns collegas meus na commissão de fazenda que, em maio ou abril de 1870, tinham tido occasião de se pronunciar na camara em favor da pretensão da companhia das aguas, que eu continuava a reputar menos justa, e figurando entre elles o sr. Santos e Silva, illustre relator n'essa epocha do projecto da e ntribuiçâo industrial, cheguei mesmo a pedir a s. ex.ª a fineza especial de relatar esse parecer. Mais tarde, comtudo, vendo que as opiniões estavam a este respeito muito divididas no seio da commissão, chegando a receiar-se de que n'aquella sessão não houvesse maioria em favor da opinião do governo, que desejava ver o parecer redigido no sentido de pedir a approvação da camara electiva, eu, desejoso como estava de não tirar ao thesouro os recursos que devia facultar lhe a conversão d'este projecto em lei; attendendo alem d'isto a que elle se referia a uma questão que por mais de uma vez tinha sido debatida no parlamento; considerando quanto no momento actual estavamos todos desejosos de fazer com que os encargos publicos fossem repartidos com justiça por todos os contribuintes; pareceu-me que não podia, nem devia, por uma insistencia da minha parte, impedir que o parecer da commissão fosse favoravel ao governo, difficultando assim ainda mais a approvação da camara ás alterações propostas na outra casa do parlamento, e impedindo talvez que o projecto fosse convertido em lei do estado.

N'essa occasião o sr. Ulrich tambem se pronunciou n'este sentido, por motivos que muito o honram, e eu levei a minha abnegação, permitta-se me a phrase, se não ha n'elle immodestia, ao ponto de dizer que não duvidava lavrar o parecer, uma vez que a commissão concordasse commigo em que elle fosse redigido por maneira tal, que d'essa redacção sobresaísse bem clara a idéa de que eu me não conformava com a doutrina d'essas alterações, e me mantinha firme em relação ás proposições que havia avançado era dezembro de 1870; não tendo outra rasão para concluir pedindo a approvação da camara, que não fosse a urgencia das circumstancias e o receio de que uma commissão mixta, pelo processo demorado a que dá logar, não podesse ter tempo para resolver o problema de converter ainda n'este anno em lei uma proposta que tinha sido apresentada por quatro administrações successivas.

Desejava tornar bem claro que era esse receio que influia no meu animo para deixar de attender a certas difficuldades, e que me levava a sacrificar a minha opinião em alguns pontos parciaes, para não ter de votar ao completo abandono o projecto nas suas disposições mais essenciaes.

N'esse sentido redigi o parecer e no dia seguinte, como se tratasse de uma materia importante, tive o cuidado de o mostrar a todos os collegas da commissão de fazenda que se achavam presentes n'esta casa (apoiados), li-o a s. ex.ªs com todo o vagar, pedi lhes que o examinassem particularmente e do modo mais reflectido, e que pensassem sobre elle para verem se podiam ou não assigna-lo sem declarações, ou vencidos, como lhes parecesse mais conveniente.

Apesar do sr. Alberto Carlos não ter estado presente á sessão da commissão de fazenda em que se havia tratado este assumpto, entendi do meu dever, como prova de deferencia e attenção para com aquelle cavalheiro, não mandar o parecer para a mesa sem primeiro lh'o mostrar. Pedi então a s. ex.ª, como o tioha feito a todos os outros collegas, que, reflectindo maduramente sobre as Considerações exaradas n'esse parecer, visse se, pela maneira por que elle estava redigido, entendia que o podia assignar, porque no caso affirmativo eu teria muita satisfação em ver com o seu nome corroboradas as rasões que apresentava á camara, e me levavam a acreditar na conveniencia de aceitar as alterações propostas pela camara dos dignos pares.

S. ex.ª leu o parecer, conservou-o em seu poder por algum tempo, depois declarou me, e tenho n'este ponto o testemunho de alguns collegas para que posso appellar, se não me bastasse o de s. ex.ª que espero alcançar, que não tinha duvida alguma em o assignar.

Parece-me em vista d'esta singela exposição dos factos como se passaram, não haver rasão alguma para que s. ex.ª viesse declarar que a sua assignatura tinha sido dada por surpreza.

Visto achar-me com a palavra, e tendo-me ella sido negada hontem, porque a discussão foi abafada antes que o relator da commissão tivesse tido occasião de defender as idéas que tinha apresentado no relatorio, peço a v. ex.ª e á mesa que tenham para commigo a benevolencia de escutar algumas reflexões que a tal respeito desejava fazer.

Ha um pensamento a que principalmente tenho subordinado todos os meus actos no parlamento desde que tenho a honra de n'elle occupar uma Cadeira. Não quero dizer com isto que não tenha em conta, para muitas questões, considerações de outra ordem; mas em geral a consideração, que a todos sobreleva e inspira o meu proceder, é a que resulta do desejo sincero de por todas as formas auxiliar o governo, quanto em mim caiba, para o ver saír de todas as difficuldades com que luta, para ver posto um termo ás precarias circumstancias em que se acha o thesouro portuguez. Obedecendo a esse impulso, que era o da consciencia, não me neguei até hoje a relatar nenhuma das propostas do governo que me foram distribuidas, e que se referiam á creação de receita por augmento de impostos. Na sessão passada, primeira d'esta legislatura, foram-me confiadas duas d'essas propostas; a que dizia respeito ao real de agua, e a que acabava com as isenções e privilegios de que desfructavam os bancos, companhias e sociedades anonymas; este anno, das differentes propostas apresentadas á camara pelo meu amigo o nobre ministro da fazenda, foi-me confiada a que se referia ás modificações a introduzir na legislação sobre contribuição pessoal.

Em cinco dias declarei-me habilitado ao seio da commissão de fazenda para ali sustentar a discussão ácerca d'essa proposta. Foi ella effectivamente discutida e modificada em harmonia com as idéas de alguns dos membros da commissão, e as minhas proprias, de accordo, porém, com o governo, e apresentada em pouco tempo n'esta camara.

V. ex.ª, sr. presidente, é testemunha de que eu empreguei então todos os esforços para que fosse approvado um projecto que reputava conveniente, porque ía modificar a legislação tributaria existente, com o intuito, de a tornar mais consentanea com os principios da justiça, creando ao mesmo tempo novos recursos para o thesouro.

Do mesmo modo, e para não faltar aos principios que reputo mais essenciaes o como dogmático* do meu partido, instei repetidas vezes na commissão e na camara, pela discussão do orçamento.

Parecia-me e parece-me hoje mais do que nunca indispensavel que quanto antes esta camara cumpra um dos deveres mais sagrados do parlamento, qual é examinar a maneira como se gastam os dinheiros publicos. Uma tal convicção não é nova em mim, e a este respeito levo tão longe as minhas idéas, que em 1869 não duvidei negar o meu voto á lei de meios que n'esse tempo foi apresentada.

Entendo que é uma necessidade remediar o mal que se está dando, entendo que é absolutamente necessario pôr termo ás circumstancias, que fazem com que desde 1867 não tenha sido possivel discutir e approvar um orçamento geral do estado.

Juntando as minhas instancias ás do nobre presidente do conselho, para que trabalhássemos governo e commissões unidos, no pensamento de quanto antes apresentar a esta camara os orçamentos dos differentes ministerios, julguei porém que nas circumstancias actuaes, quando se tratava de pedir ao contribuinte recursos importantes para o thesouro, a fim de acudir a um deficit infelizmente avultado, era indispensavel não nos limitarmos a uma simples verificação da legalidade de cada uma das verbas inscriptas no orçamento. Em harmonia com o que se pratica nos parlamentos das nações mais illustradas do mundo, era harmo-

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nia com os proprios exemplos de casa, os de 1838, por exemplo, pareceu-me possivel, que nós, commissão de fazenda, ouvidas as commissões especiaes, e n'ellas tudo quanto ha de mais ¡Ilustrado n'esta camara, indicassemos ao governo as reformas indispensaveis, no sentido de effectuar reducções na despeza, e instássemos com elle para que as aceitasse, quando á commissão não fossem presentes, por parte do mesmo governo, melhor conhecedor dos serviços, rasões de ordem tal, que nos convencessem da inconveniencia das reformas propostas.

Reputava este modo de proceder muito necessario. Parecia-me que era essa a unica maneira, porque dada uma satisfação legitima aos contribuintes, nós poderiamos depois tornar bem aceitas por elle as propostas tributarias, e n'esse sentido, e por essas rasões não duvidei tambem assignar sem declaração alguma o parecer sobre o orçamento do ministerio da marinha.

Tenho pois feito quanto me tem sido possivel, e concorrido quanto em mim cabe para que se possam organisar as nossas finanças. Nunca neguei o meu voto á creação de receita, e tenho instado e instarei sempre para que por uma ampla discussão do orçamento, demonstremos do modo mais claro ao paiz que se não gasta mais dinheiro do que se deve effectivamente gastar com os diferentes serviços do estado.

Obedecendo a esse pensamento que sempre me tem dominado, é que resolvi tambem redigir este parecer da commissão de fazenda, pedindo a approvação da camara para as alterações feitas pela camara dos dignos pares, embora taes alterações, como disse, não me parecessem justificaveis, e eu conserve as mesmas convicções que tinha em dezembro, quando combati a opinião do sr. Pinto de Magalhães, e procurei mostrar á camara que não havia rasão para se introduzirem na lei as isenções que aquelle cavalheiro desejava que n'ella fossem mencionadas.

E n'este momento não posso deixar de dizer que, respeitando completamente, como respeito, as prerogativas da camara dos dignos pares, e entendendo que ella tem direito a alterar as proposições de lei que lhe são remettidas d'esta camara, sem o que se não comprehenderia a rasão da sua existencia, não posso deixar, comtudo, de lamentar muito que estas alterações fossem feitas exactamente nos pontos que haviam soffrido discussão n'esta camara, e a respeito dos quaes se tinha pronunciado de um modo terminante a commissão de fazenda por unanimidade, o governo e a grande maioria da camara electiva.

Alterações de ordem tal, estabelecendo isenções em materia tributaria, deviam forçosamente suscitar difficuldades, e teria sido mais prudente, mais proprio da indole de uma camara alta, releve-se-me esta apreciação, o procurar evitar um conflicto possivel.

O pensamento, porém, de não negar ao governo o meu voto a um projecto que reputo dever augmentar a receita, e ser uma satisfação dada aos contribuintes como um passo mais, embora incompleto, no caminho da igualdade nos sacrificios tributarios! no momento em que se estavam augmentando todas as contribuições directas e indirectas, este pensamento, repito, levou-me a relatar o parecer, como o fiz, aceitando as alterações feitas na camara dos dignos pares.

Devo confessar francamente a v. ex.ª e á camara, que na primeira sessão que tivemos na commissão de fazenda, não nos foram presentes as duvidas, que mais tarde levantou o sr. Rodrigues de Freitas, ácerca da redacção do artigo 4.°, que na opinião de s. ex.ª podia invalidar as disposições do artigo 1.° e 2.° d'este projecto.

O sr. Presidente: — Devo observar ao sr. deputado que este assumpto não está em discussão.

O Orador: — Peço perdão, mas eu vou já concluir.

N'essa primeira sessão pois, em que este assumpto se tratou, entendemos que o artigo 4.° conforme havia sido redigido na camara dos dignos pares, importava apenas uma generalisação da parte final do artigo 3.° primitivo, e n'esse sentido foi apreciado por mim no parecer, já então distribuido

pela camara, mesmo porque esse era o pensamento da commissão de fazenda da camara dos dignos pares; mas o sr. Rodrigues de Freitas posteriormente levantou duvidas a este respeito, que até certo ponto callaram no meu animo. Tendo porém ouvido na commissão a opinião de jurisconsultos muito distinctos, alguns dos quaes firmam este parecer com o seu nome, como por exemplo, os srs. Mártens Ferrão e José Luciano, de que a lei não daria provavelmente logar a essas duvidas de interpretação na pratica, que se receiavam, eu, embora a opinião contraria tambem estivesse representada na commissão por cavalheiros que muito respeito, entendi dever aceitar daa duas a que era mais consentanea com o meu desejo de, quanto antes, ver tributados os lucros e juros dos importantes capitães empregados em acções de bancos, companhias e sociedades anonymas; lucros e juros elevadíssimos, quando se comparam, por exemplo, com 03 que póde dar o amanho das terras, que tem chegado em alguns annos a 9, 10 e 11 por cento, e que não se podem conservar por mais tempo isentos de imposto, quando acabámos de sobrecarregar com pesados addicionaes, o imposto no consumo do vinho, do chá, do assucar e café, generos que se reputam hoje de primeira necessidade; quando ha dois dias votámos um addicional de 20 por cento na contribuição predial, quando ha pouco tempo não duvidámos igualmente lançar 50 por cento de augmento nas contribuições industrial e pessoal.

Parecia-me, pois, que não se podia prescindir, por todas as rasões de justiça relativa e conveniencia fiscal, do augmento de receita que deveria produzir este projecto, sendo elle approvado.

Peço desculpa á camara de lhe ter tomado tanto tempo com estas explicações, mas como esta questão tomou hontem de repente uma importancia que eu não esperava ver-lhe dar, sendo elevada até ás alturas de uma questão de principios, e eu me vi separado na votação de todos os meus correligionarios politicos, aos quaes estou e continuarei a estar ligado intimamente do coração, v. ex.ª e a camara comprehendem que me era necessario dar quanto antes esta explicação, e dizer as rasões que tive para proceder como procedi.

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo (leu),

O sr. Julio Rainha: — Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação ácerca do projecto do governo para a prorogação do praso para o registo das hypothecas e onus reaes.

O sr. Eduardo Tavares: —Ha poucas semanas renovei a iniciativa do projecto de lei n.º 23 da sessão de 1864, mas posteriormente tive conhecimento de factos que me levam a desistir da iniciativa que tomei.

V. ex.ª n'este caso procederá como entender.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).

Parece-me escusado acrescentar a v. ex.ª que uma proposta d'esta natureza é urgente, e precisa ter rapidamente o devido andamento.

Se v. ex.ª me permitte, aproveito a occasião de estar fallando para, na ausencia das funcções de ministro, e apenas como deputado, mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Sever do Vouga, fazendo considerações bastante extensas e fundadas a respeito de uma representação que fez o concelho de Oliveira de Frades, d'onde resultam inconvenientes para aquelle concelho.

V. ex.ª dará a esta representação o destino conveniente para ser tratada com a circumspecção com que esta camara costuma tratar negocios d'esta natureza.

Leu-se na mesa a seguinte proposta de lei:

Proposta de lei

Artigo 1.° É governo auctorisado a proceder á cobrança dos impostos e de mais rendimentos publicos relativos ao exer-

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cicio de 1871-1872, e a applicar o seu producto ás despezas do estado correspondentes ao mesmo exercicio segundo o disposto nas cartas de lei de 26 de junho de 1867 e mais disposições legislativas em vigor.

Art. 2.° A contribuição predial do anno civil de 1871 é fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes nos termos das leis de 14 e 24 de agosto de 1869.

Art. 3.° A contribuição pessoal do dito anno civil de 1871 é do mesmo modo fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes nos termos das leis de 17 e 23 de junho de 1869.

Art. 4.° Continuarão a vigorar no anno civil de 1871 as disposições da lei de 24 de agosto de 1869 relativa á contribuição industrial.

Art. 5.° São prorogadas no exercicio de 1871-1872 as disposições da lei de 16 de abril de 1867, que alterou o artigo 3.° da lei de 30 de julho de 1860.

Art. 6.° Emquanto não for reformada a actual tabella das quotas de cobrança, os empregados de fazenda não re ceberão quotas sobre as contribuições addicionaes de 1871 a que se referem as leis de 17 de julho e 24 de agosto de 1869, cujas disposições são mantidas no futuro exercicio.

Art. 7.° Continuarão provisoriamente em vigor no exercicio de 1871-1872 as deducções nos subsidios e vencimentos dos empregados do estado, dos de corporações e estabelecimentos pios e das classes inactivas de consideração fixadas pelo decreto de 26 de janeiro de 1869, até que se tome nova providencia sobre este assumpto.

Art. 8.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, em 27 de maio de 1871. = Carlos Bento da Silva.

Foi remettida á commissão respectiva.

O sr. Bernardino Pinheiro: — Não pude assistir á sessão de hontem, e declaro que se estivesse presente teria vontado contra as alterações feitas na camara dos dignos pares ao projecto de lei n.º 25.

Por esta occasião mando para a mesa o seguinte projecto de lei (leu).

O sr. Bandeira Coelho: — Declaro a v. ex.ª que o sr deputado Francisco de Albuquerque não póde comparecer á sessão de hoje por ter recebido a noticia do fallecimento de seu pae.

O sr. Presidente: — Será desanojado.

O sr. A. J. Teixeira: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Cantanhede, pedindo que se lhes tornem extensivas as disposições da carta de lei de 11 de setembro de 1861.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa uma representação dos aspirantes de 2.ª classe das repartições de fazenda de todos os districtos, pedindo melhoria de vencimento.

O sr. Villaça: — Declaro que por motivo justificado não pude comparecer as duas ultimas sessões, e que se estivesse estado presente á votação do parecer n.º 25 teria votado contra.

O sr. Cau da Costa: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Peniche, pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal.

ORDEM DO DIA

Interpellação do sr. Barjona de Freitas ao sr. ministro da justiça ácerca da ultima pastoral do rev.do bispo do Algarve.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barjona de Freitas para verificar a sua interpellação.

O sr. Barjona de Freitas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Justiça (Sá Vargas): — Antes de responder ás duas perguntas que o illustre deputado que acaba de fallar dirigiu ao governo, permitta-me a camara que eu explique a causa da demora que tive em me dar por habilitado para responder a esta interpellação.

O governo não teve conhecimento d'esta pastoral senão pelo que disseram as folhas periodicas.

Foi annunciada pelo illustre deputado uma interpellação no dia 16 d'este mez. N'esse mesmo dia deu entrada na secretaria a respectiva nota. E n'esse mesmo dia tambem o governo, entendendo que não podia n'este assumpto marchar senão sobre base certa, isto é, de existir ou não existir a pastoral, não podendo dar como averiguada a sua existencia, e muito menos o seu contexto, fez dirigir, pela secretaria d'estado a meu cargo, um aviso ao reverendo prelado do Algarve, patriarcha eleito de Lisboa, para que elle dissesse se com effeito existia aquella pastoral, e, existindo, remettesse d'ella um exemplar authentico.

Expedido da secretaria no dia 16 de maio este officio para Mafra, onde se achava o reverendo prelado, respondeu elle no dia 18 que não podia mandar desde logo o documento que se lhe pedia, porque não o tinha comsigo, mas que ía immediatamente pedi-lo para o Algarve, e apenas viesse, satisfaria á requisição do governo.

Aqui está a resposta (leu).

O documento a que se allude ainda não chegou & secretaria, e o governo esperava que elle viesse para poder dar-se por habilitado para responder á interpellação.

A camara sabe quaes foram os motivos que precipitaram a sua verificação, motivos inteiramente estranhos' ao illustre deputado interpellante e estranhos tambem ao governo.

V. ex.ª, sr. presidente, marcou para a interpellação o dia de hoje, e eu aqui estou para responder.

Limitarei a minha resposta ás duas perguntas feitas pelo illustre deputado interpellante, sendo por agora estranho ao resto da questão, mas não duvidando declarar desde já, e muito explicitamente, que eu, como membro do governo, e todos os meus collegas, estamos inteiramente de accordo com a doutrina que o illustre deputado expendeu relativamente á necessidade de beneplacito regio, para poderem correr as pastoraes dos bispos.

Perguntou o illustre deputado se foi ou não submettida á approvação do governo a pastoral do reverendo bispo do Algarve? Já pelo que deixo referido tenho respondido a esta pergunta. A pastoral de que se trata ainda até agora não veiu ás mãos do governo.

Perguntou-se mais que providencias adoptou o governo a este respeito? Direi que logo que me convenci, em vista do officio que acabei de ter á camara, de que a alludida pastoral existia e não tinha sido submettida ao beneplacito regio, como o governo entendia e entende que era preciso que o fosse, em portaria de 20 d'este mez, dirigida aquelle prelado, o governo estranhou-lhe o seu procedimento, e fez-lhe sentir que tinha a esperança de que de futuro não houvesse iguaes irregularidades.

Já disse que eu, pela minha parte, e todos os membros do governo, estamos completamente de accordo com a opinião do illustre deputado relativamente á necessidade de serem submettidas ao real beneplacito as pastoraes dos bispos, e isto em vista do direito ecclesiastico portuguez, em vista da legislação vigente do paiz, e finalmente em vista da pratica inalteravel, mesmo depois de restabelecido o systema representativo, até hoje, pratica que o illustre prelado do Algarve não duvidou observar em outras occasiões.

Quanto ao mais, sr. presidente, tendo respondido ás duas unicas perguntas que o illustre deputado me dirigiu, julgo ter satisfeito como me cumpria.

Se o julgar necessario pedirei a v. ex.ª que me conceda outra vez a palavra.

Vozes: — Muito bem, muito bem. O sr. Presidente: — O sr. Barjona de Freitas pediu que lhe reservasse a palavra. Pode usar d'ella agora.

O sr. Barjona de Freitas. — Cedo da palavra por ora, emquanto não fallarem outros dos srs. deputados inscriptos para a interpellação.

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O sr. Presidente: — O sr. Ornellas estava tambem inscripto.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente que eu tome parte n'esta interpellação.

Os r. Presidente: — O sr. Alves Matheus tinha pedido, e agora tambem o sr. Saraiva de Carvalho pede para tomar parte na interpellação. Os srs. deputados que o consentem, tenham a bondade de se levantar.

A camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Ornellas.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Peço a palavra para um requerimento. É para que a discussão se generalise, e todos os srs, deputados que quízerem possam tomar a palavra.

O sr. Presidente: — Não póde emquanto não fallar o sr. Ornellas.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Eu tão peço a v. ex.ª que me inscreva para um requerimento.

O sr. Presidente: — Fica inscripto.

O sr. Agostinho de Ornellas: — Quando pedi a v. ex.ª, sr. presidente, que me inscrevesse para tomar parte na interpellação que actualmente se debate, tinha plena consciencia da gravidade do encargo que sobre mim tomava, arrojando-me a entrar n'uma discussão que versa sobre assumpto de tanta magnitude, e em que está inscripto como interpellante um dos mais distinctos ornamentos da universidade, um orador cujos creditos n'esta casa estão de ha muito solidamente estabelecidos.

Dando um passo que julgava ser-me imposto por um rigoroso dever, confesso a v. ex.ª, que no intimo do meu coração fia votos para que uma questão tão grave, que tooa tantas e tão complicadas relações sociaes, politicas e religiosas, não fosse trazida a discussão no parlamento, para ser explorada em proveito da politica do momento.

E bem triste, bem abatida a posição da igreja em Portugal! Longe de a considerarem como um elemento de ordem e de moralidade, como uma garantia da conservação dos bons costumes no paiz, só vêem n'ella as ruinas desmoronadas de crenças envelhecidas. Todas as influencias, todos os poderes que hoje dominam e preponderam só procuram comprimir, abater, humilhar, perturbar na sua organisação interna a sociedade religiosa. Mas, seja-me licito dize-lo, faltava-lhe ainda a ultima, a suprema affronta, faltava-lhe servir de alvo para n'elle empregarem seus tiros os diversos partidos politicos, disputando todos elles entre si a qual ha de descarregar lhe mais certeiros golpes, rivalisando sómente em qual lhe será mais hostil, qual mostrará menos respeito pela dignidade de uma igreja, que aiuda hoje conta entre seus membros a grande maioria do povo portuguez! (Apoiados.)

Foi annunciada esta interpellação, e se é parmittido a um orador pouco auctorisado, como eu, fazer allusão ao estado da opinião publica, parece-me poder affirmar que muitos sentiram que um membro d'esta camara, tão conhecido pela prudencia e dignidade com que habitualmente trata as questões, fosse quem viesse lançar aos acasos de uma discussão tão momentoso e delicado assumpto.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra.

O Orador: — O illustre deputado interpellante não fez porém insistências, deixou passar bastantes dias sem instar com o governo para que se declarasse habilitado a responder-lhe.

Parecia ter s. ex.ª mesmo sentido que no momento em que a questão social e religiosa, embora sob fórma diversa, se peleja a todo o transe n'um parque estavamos costumados a admirar como modelo de civilisação, e n'elle renova, em pleno XIX seculo, as catastropliea bíblicas de Ninive e de Babylonia, não convinha sobrexcitar mais os animos já commovidos, nem acrescentar novas causas de perturbação e dissidencia ás que hoje entre nós actuam.

Não convinha porém a todos esta especie de acordo tácito em adiar tal discussão, e ha tres dias apenas, sem que na camara houvesse manifestação alguma que provocasse ou reclamasse uma declaração do governo, vimos todos o sr. presidente do conselho dar por habilitado o seu collega da justiça, affimar qual havia de ser a opinião por elle adoptada, e justificar se de uma accusação que disse lhe faziam de estar conluiado com o deputado interpellante para adiar sine die a discussão d'este assumpto.

O sr. presidente do conselho, sinto profundamente dize-lo, porque ninguem aprecia mais do que eu os dotes eminentes de s. ex.ª, não fez justiça á camara nem ao paiz, quando julgou que um estadista com os seus creditos, a sua carreira e os seus precedentes carecia de vir justificar-se perante nós de uma acção menos digna que se lhe houvesse attribuido (apoiados).

Mas, infelizmente, s. ex.ª deixou se possuir de uma tal emoção que nem se lembrou de comprehender n'esta superflua apologia o seu supposto complice, e, para reparar a omissão do illustre ministro, teve de acudír em prol dos creditos do seu collega outro professor da universidade, tambem distincto membro d'esta camara.

Assim, como notou o illustre ministro da justiça, foi precipitai» esta discussão, quando ainda o governo se não podia considerar habilitado para ella, dando se a circumstancia singular de estarmos discutindo um documento de cuja authenticidade não existem provas.

E foi causa de tudo isto um ardil de jornalista. Foi poucas horas depois de ter apparecido na imprensa a accusação, que o sr. presidente do conselho, incitado pelo estimulo a que talvez mui calculadamante recorreram, veiu fazer declarações tão amplas, tão explicitas, como nunca as pudera ambicionar melhores o mais auctorisado membro d'esta camara. Eu respeito a imprensa quando é honesta, mas temo que, estabelecendo a pratica de vir responder na camara ás accusações que lhe fizerem nos jornaes, o sr. presidente do conselho legue ao seu successor um novo trabalho de Hercules.

Tenho summo prazer em louvar a moderação com que o illustre interpellante tratou o assumpto, e, comquanto reconheça a minha incompetencia para debater com s. ex.ª questões de direito positivo, vou esforçar-me por seguir a sua argumentação dentro do bem limitado campo que tão discretamente traçou.

S. ex.ª começou por ter alguns periodos da pastoral attribuida ao sr. bispo do Algarve, e pretendeu demonstrar assim que aquelle prelado insultou um governo amigo e faltou ao respeito ao augusto Sogro do Rei de Portugal.

E o illustres interpellante, que no seu discurso pareceu ao mesmo tempo queixar-se do fim do artigo do jornal a que se referiu e adoptar o principio d'elle, depois de accusar o prelado de desobedecer ás leis do reino, concluiu pedinlo que fosse castigado. Pareceu-me s. ex.ª tão possuido da idéa de que para o clero persiste ainda o regimen despotico, que receio que sómente o satisfaça a exterminação do prelado ou a sua condemnação como jacobeu e sigillista. Não sei se a camara julgará a pena proporcionada ao delicto.

Foi primeiro capitulo de accusação a vehemencia e aspereza da linguagem. Sem aqui citar o que têem dito do procedimento do governo italiano os bispos de todo o orbe catholico, limitar-me-hei a ter á camara o que diziam os homens d'estado de Florença, no mez de agosto, dos actos que em setembro praticaram.

Sabe a camara que apenas a guerra com a Allemanha obrigou a França a retirar de Roma as suas tropas, se levantou em massa a esquerda do parlamento italiano, instando com o, governo para que denunciasse a convenção de setembro e marchasse sobre Roma a mão armada.

Quero ser com todos justo, não sei a que pressão cedeu mais tarde o gabinete de Florença, mas, a principio, apreciou devidamente a missão que lhe queriam impor. Na sessão de 19 de agosto de 1870 dizia na camara dos

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deputados de Florença o ministro dos negocios estrangeiros, visconti Venosta:

«Com a convenção de setembro subsiste a obrigação de não atacar e de não deixar atacar a fronteira pontificia; mas esta obrigação devia ser respeitada pela Italia, ainda mesmo que tal convenção não existisse e só attendendo ao direito internacional. Desde o momento que a convenção não foi denunciada, o governo não podia senão tomar conhecimento da deliberação da França, de abandonar o territorio pontificio. Uma conducta differente ter-nos-ía feito julgar severamente por toda a Europa; ter-se-ía dito que nós queriamos aproveitar as difficuldades em que a França se encontrava.»

E exclamou depois, indignado:

«Este conselho audaz de denunciar a convenção, apparece depois dos desastres das armas francezas!»

Deixo ao apreciar da camara os euphemismos ser julga do severamente pela Europa, e conselho audaz. Quando estas são as proprias expressões do governo italiano, que admira que aquelles contra cuja mesma existencia elle attentou, empreguem outras maia fortes e se menos parlamentares talvez, mais verdadeiras?

Tambem o sr. Lanza, o presidente do conselho, condemnou de antemão os actos inauditos que depois perpetrou.

(Havia algum susurro na sala.)

Peço á camara que me escute (apoiados). Parece-me que não appellarei debalde para a sua generosidade; estou defendendo uma causa que terá aqui poucos partidarios, mas que os tem convictos.

Dizia o sr. Lanza: «A esquerda quer ir a Roma com a força; o governo, a maioria do paiz querem lá ir sem meios violentos, respeitando o direito internacional. O governo não póde aceitar nenhuma das moções de ordem que mandam occupar o territorio pontificio por meio dás armas. O governo rejeita igualmente as moções de ordem que o convidam a denunciar a convenção de setembro.»

Não acrescentarei nem mais uma palavra para justificar as expressões da pastoral do reverendo bispo do Algarve, direi apenas que por severas que sejam, não excederam a espectativa dos estadistas de Florença, da patria de Macchiavello.

Mas, sr. presidente, dado que sejam acerbas, insultantes mesmo, as palavras do prelado, é n'esta camara em que a liberdade da palavra é o mais precioso dos privilegios; é no seio da representação nacional, fundada por uma carta que garante a todo o portuguez o direito inviolavel de exprimir os seus pensamentos pela palavra e pela escripta, sem mais restricção que a responsabilidade que d'essa manifestação lhe provier, é onde ninguem póde ser àcousado pelas opiniões que manifesta, que se vem pedir, não já repressão, mas prevenção mesmo contra as manifestações do pensamento!

E isto porque o bispo do Algarve, obedecendo ao dever de todo o homem de bem, a quem erradamente se attribuem opiniões que não são suas, proclamou alto o seu pensar sobre uma questão essencial, vital para a igreja, de que é principe, e cujos direitos lhe cumpre defender? Se a igreja de Roma, perdendo o seu caracter universal, fosse abatida a condição de igreja nacional, se deixasse de ser a igreja da humanidade para ser a igreja do povo italiano, nenhuma outra igreja, nenhum outro povo a reconhecera por mestra suprema da moral e da fé. Romper-se-ía, dilacerado pela reacção das diversas nacionalidades, reacção que sempre foi o maximo obstaculo á unidade da, igreja, o laço moral e religioso que aperta n'um só oonjuncto os povos e as raças mais diversas que da velha Europa se espalharam até aos ultimos confins da terra.

Foi em defesa d'esta unidade que ergueu a voz o prelado; prevaricara se tivesse ficado em silencio!

Tratou depois é illustre interpellante a questão no campo do direito positivo portugues, e como todos os que sustentam a sua opinião, na absoluta carencia de melhor teste, soccorreu-se ao alvará de 30 de julho de 1795 para provar, não que segundo as suas disposições estão sujeitas a censura previa as pastoraes e mandados dos bispos, tem para isso demasiado talento e sobeja lealdade, mas para affirmar que sem beneplacito regio se não promulguem ou publiquem.

Sr. presidente, dava-se um facto curioso n'esta questão, citavam todos para sustentar a doutrina absurda de que o estado póde censurar actos de um poder independente, o 13.° do alvará de 30 de julho de 1795 e esse exceptua da censura, a que sujeita todas as mais publicações, as pastoraes e mandados dos bispos!

Mas o illustre deputado, com uma destreza que sou o primeiro a reconhecer, admittíu que não podia o estado arrogar-se o direito de exercer censura sobre os actos de uma auctoridade que não deriva d'elle a sua jurisdicção, mas parecendo abandonar a idéa; logo a fez reviver com nome diverso. Renunciou á camara, mas pediu o beneplacito.

Que differença haja entre censura e beneplacito, a não ser este ultimo a mais inutil e inconveniente das formalidades, não vale a distingui-lo a minha obtusa intelligencia. Não percebo que o governo possa dar ou segar beneplacito sem emittir um juizo sem apreciar o documento que lhe é submettido, e logoque approva ou reprova, exerce um direito de censura.

O sr. Alves Matheus: — Apoiado.

O Orador: — O illustre deputado abandonou muito cedo o direito positivo para reeorrer a considerações de ordem publica e alta policia do estado; mas antes de o seguir até lá, peço licença para citar á camara, sobre a questão do beneplacito regio e da censura previa, as opiniões de dois homens cujo testemunho nenhum liberal recusará, dois dos fundadores do regimen constitucional, d'aquelles que soffrendo o exílio, as perseguições e a morte se sentiam animados pela generosa idéa de fundar a liberdade para todos e não novos privilegios em favor de uma certa classe.

O sr. Pinheiro Ferreira, publicista de todos reconhecido como o primeiro entre nós e mesmo entre os da Europa collocado em logar distincto, quando nas suas «observações sobre a carta» aprecia o 14.° do artigo 75.°, que se refere á concessão de beneplacito as bullas, rescriptos e constituições emanadas da santa sé, diz o seguinte (lerei, porque palavras tão auctorisadas têem mais valar no original):

«As auctoridades civis devem vigiar que nada se pratique em prejuizo doa particulares ou do estado, seja qual for a pessoa ou o modo por que as leis hão sido infringidas. Se pois acontecer que alguem, sob pretexto de religião, of-fenda os direitos dos cidadãos ou da republica, deverá ser punido conforme ás leis geraes do reino. Mas emquanto nenhum prejuizo se seguir, a ninguem compete a auctoridade de permittir nem de vedar a livre communicação de ditos ou escriptos sob o pretexto usual da policia preventiva de que podem ser prejudiciais ou porque são cantrarios ás opiniões a que os agentes do poder lhas apraz de dar a preferencia.

Deve, pois, na nossa opinião, ser supprimido este 14.º

Ahi está como pensavam m liberaes de 1826, os liberaes sinceros que queriam fundar uma nova ordem de cousas e não conservar as mais odiosas e repressivas disposições da legislação do antigo regimen.

É para actar quanto os partidarios da cessara desconhecem a nova theoria das funcções do estado que a carta introdusiu todavia, a o proprio deputado interpellante reconheceu que as claras, positivas e fundamentaes disposições da carta sabre a liberdade dos cidadãos eram o mais forte argumento que se podia oppor ás suas opiniões.

A caria, estabelece como principio fundamentai que ninguem póde ser obrigado a fazer m deixar de fazer alguma cousa senão em virtude da lei. Peço ao illustre deputado que me diga qual é a disposição legislativa em vigor que obriga os prelados a sujeitarem as suas pastoraes á approvação do podr temporal.

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E direi mais, é impossivel ir buscar um principio ao systema da antiga monarchia e declara-lo em vigor, quando esse principio está em desharmonia com um dos preceitos fundamentaes da carta constitucional.

Se aquelle systema não for considerado abolido pelas disposições da carta, na parte pelo menos em que directamente as contradiz, estão as nossas liberdades, as nossas mais caras prerogativas á mercê do primeiro governo que tiver a audacia de as violar e astúcia sufficiente para se justificar com sophismas.

Mas não é só o sr. Pinheiro Ferreira que de um modo tão positivo e illimitado se pronuncia a favor da liberdade dos actos de administração e jurisdicção dos prelados nas suas dioceses e da publicação e promulgação no reino dos actos da santa sé. A opinião do sr. Borges Carneiro tambem vem em meu auxilio para provar como comprehendiam os mais abalisados jurisconsultos a transformação que se operou em todo o nosso modo de ser politico com a outorga da carta. No seu Direito civil, citando o que no seu entender era direito segundo a legislação antiga, sauda com verdadeiro jubilo a aurora da liberdade, e contrapõe á oppressão e desconfiança d'aquella a moderação e tolerancia d'esta.

No capitulo que se inscreve Actos da jurisdicção episcopal, 12.°, diz o sr. Borges Carneiro:

«As pastoraes e mandados dos bispos não se podem imprimir ou ao menos publicar, sem beneplacito regio.»

E logo no § 13.° seguinte acrescenta:

«Hoje livre a imprensa de toda a censura previa, salva a responsabilidade legal dos autores cessou o presente direito de censura.» E cita a carta constitucional, artigo 145.°.

Os unicos textos legislativos em que o sr. Borges Carneiro funda a doutrina do citado 12.°, são a carta regia de 9 de dezembro de 1768 e o 13.° do alvará de 30 de julho de 1795.

A respeito d'este ultimo julgo escusado dizer mais, o illustre deputado mesmo o abandonou, e para justificar a sua opinião ousou citar a carta regia de 9 de dezembro e evocar a sympathica e nobre figura de D. Miguel da Annunciação, victima innocente do acto mais ferozmente despotico da historia portugueza!

Não é com taes recordações que o illustre deputado fortalece a sua causa, ninguem quererá ver manter entre nós um systema acompanhado de tão atrozes memorias.

E antes que conclua, devo rectificar uma asserção do sr. presidente do conselho. Quando s. ex.ª aqui declarou a sua opinião, que disse havia de ser a de todo o governo, acrescentou que era antigo costume do reino serem as pastoraes sujeitas, antes de se publicarem, ao exame do poder temporal.

Peço licença a s. ex.ª para affirmar, com todo o respeito que lhe devo, que tal asserção é inexacta. Como se a Providencia quizesse, que ficasse bem clara a antiga liberdade dos prelados portuguezes, no momento em que ía começar o governo do homem, que mais se singularisou entre nós pela sua hostilidade contra a igreja, a 24 de junho de 1750, isto é, um mez e nove dias antes de ser nomeado secretario d'estado Sebastião José de Carvalho, expedia-se um aviso ao patriarcha de Lisboa, dizendo que os prelados ordinarios costumavam fazer imprimir sem licenças os papeis pertencentes ao officio episcopal, como pastoraes, mas que essa pratica não podia estender-se aos arrasoados de suas causas e a outros papeis que directamente não pertenciam ao officio episcopal.

A origem historica da censura previa, cohonestada com o nome de beneplacito, mas só extensivo aos actos da santa sé, começa entre nós com a lei de 2 de abril de 1768, que pela primeira vez proscreveu a bulla in caena domini. O que antes de 1487 existiu, era apenas um meio de distinguir os actos do verdadeiro pontífice dos dos anti-papas, durante o grande scisma do occidente.

É d'esta epocha bem recente que datam as medidas hostis á liberdade da administração interna da igreja, e ás suas livres relações com o centro da unidade catholica. Não é instituição de Índole e origem portugueza, é uma das innúmeras violencias que assignalaram o periodo mais barbaro e mais atroz do despotismo antigo, e a ninguem lembrará de certo, que deva sobreviver unica ao total desmoronamento das instituições da nossa antiga monarchia, tantas das quaes, sem respeito algum pelas tradições e pelo desenvolvimento organico das creações sociaes, foram sacrificadas a idéas novas, estranhas á indole nacional, e importadas não já d'entre as instituições francezas, mas dos livros e theorias dos philosophos modernos.

Quando contra todo o nosso passado venerando se attentou, seja-me licita a expressão, com tão irreverente audacia, é singular que se queira cinicamente manter o que n'aquelle passado ha de mais violento, o que n'aquelle systema affirmava, de um modo mais absoluto, o predominio supremo e completo do estado sobre todas as espheras da actividade humana, por mais elevados, por mais nobres que fossem os fins e os principios que dentro d'essas espheras exigiam uma legitima e plena satisfação (apoiados).

Termino aqui o que tinha a dizer, agradecendo á camara a condescendencia com que me ouviu, condescendencia que esperei sempre alcançar de homens generosos, que sabem tolerar, embora não lhes approvem a doutrina, os que tem a coragem de vir sustentar opiniões em que acreditam (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado.)

O sr. Telles de Vasconcellos: — Peço a v. ex.ª consulte a camara, se permitte que tomem a palavra sobre a questão todos os srs. deputados que quizerem fallar.

Assim se resolveu.

O sr. Alves Matheus: — O illustre presidente do conselho de ministros, declarando, na sessão de quarta feira, que o governo estava habilitado para responder á interpellação annunciada pelo sr. Barjona de Freitas, acrescentou que ao governo competia o direito de examinar, revêr e censurar as pastoraes dos bispos, antes de as publicar, e que podia até fazer-lhes emendas e cortar-lhes passagens.

Confesso que fiquei espantado ao ouvir similhante proposição, proferida por um homem liberal, e foi isto que me determinou a requerer a v. ex.ª que me inscrevesse, para tomar parte n'esta interpellação. E se me acho agora no uso da palavra, é principalmente por causa da questão de direito.

O illustre deputado, e meu estimado amigo, o sr. Barjona de Freitas, dando-nos mais uma vez a conhecer quanto é vigorosa a sua argumentação e eloquente a sua palavra, que com admiração escuto sempre, tratou a questão de direito, e occupou-se conjunctamente da questão de facto na parte relativa ás idéas e doutrinas expostas na ultima pastoral do reverendo bispo do Algarve. Declarou s. ex.ª que ficára grandemente surprehendido pela fórma por que foi resolvida a contenda levantada por motivo da nomeação de patriarcha da diocese de Lisboa, e referiu-se levemente e pela maneira mais cortez á luta e á dissidencia, que houve no seio do ministerio por causa da mesma nomeação.

Sobre este ponto pouco tenho a dizer. Está presente o meu digno amigo, o sr. Saraiva de Carvalho, o qual, com o talento que todos lhe reconhecem, ha de defenderse e dar as explicações necessarias. Por minha parte simplesmente direi, que aquelle illustre ministro propondo á corôa que alevantasse á dignidade de patriarcha o reverendo bispo do Algarve, usou do seu plenissimo direito (muitos apoiados), e que eu, collocado na posição de s. ex.ª, não admittiria imposição nenhuma externa, e havia de reagir com todas as minhas forças contra qualquer pressão, que se me quizesse fazer (muitos apoiados).

O illustre deputado, o sr. Barjona de Freitas, referiu algumas das apreciações, que na imprensa se publicaram ácerca

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d'aquella nomeação, e citou trechos de alguns artigos dos jornaes, que julgariam o facto em nome de certos principios.

Eu nunca me persuadi de que esta questão fosse de principios. Nunca acreditei, que a reacção ficasse triumphante e temerosa, ou que a liberdade podesse periclitar, pelo facto de ser nomeado patriarcha de Lisboa o reverendo arcebispo de Goa, ou o reverendo bispo do Algarve (apoiados).

Creio, que os principios liberaes estão tão profundamente entranhados no espirito d'este paiz, que elles não correrão nunca perigo por ser nomeado para uma diocese este ou aquelle bispo (apoiados).

O sr. Barjona de Freitas referiu se tambem a algumas idéas, que se encontram na pastoral do reverendo bispo do Algarve, e declarou que não se conformava com todas ellas. Na pastoral sustenta-se o poder temporal dos papas, e condemna-se a invasão dos Estados Pontifícios.

Sr. presidente, quando um publicista eminente, quando um insigne liberal, quando Thiers, que está hoje á frente da republica franceza, sustentou em uma occasião no parlamento do seu paiz, o poder temporal como garantia efficaz da independencia e da liberdade do supremo pastor da igreja, centro de unidade catholica, ninguem deve admirar-se de que um bispo catholico sustente a mesma doutrina (apoiados).

Na pastoral do reverendo bispo do Algarve exprobra-se em termos muito vehementes a occupação violenta de Roma pelas tropas do reino de Italia.

Eu entendo, que o reverendo bispo do Algarve estava no seu direito condemnando um facto, que eu reputo um attentado gravissimo contra o direito das gentes, contra a independencia de um estado (apoiados), contra uma soberania que era legitima, porque era reconhecida e aceite por aquelles sobre quem era exercida (apoiados).

O sr. Presidente: — Devo lembrar ao illustre deputado que não é conveniente estar a censurar os actos de uma nação amiga e alliada (apoiados).

O Orador (com vehemmeia): — Pois a imprensa tem direito de fazer a apreciação d'este facto pelo modo que julga mais conveniente, e com inteira liberdade; nos parlamentos da Europa e do mundo inteiro são avaliados com toda a liberdade acontecimentos d'esta ordem, e v. ex.ª não me ha de conceder a faculdade de exprimir o meu juizo? (Muitos apoiados.)

O sr. Presidente: — Eu não tiro essa faculdade ao illustre deputado; noto sómente a inconveniencia de o fazer e nada mais.

O Orador: —Sobre este ponto não me alargarei em considerações e direi sómente, que ai dos estados pequenos, cujo direito é mais sympathico porque é fraco e desarmado estivesse á mercê do primeiro conquistador que se lembrasse de o conculcar por meio da força (apoiados).

Mas seriam opportunos, e serão dignos de applauso os termos e a fórma de que se serviu o revorendo bispo do Algarve para condemnar o facto relativo á occupação de Roma?

Eu sou sacerdote; occupo um logar muito humilde e subalterno na gerarchia ecclesiastica; não me atrevo a fazer uma censura a um successor dos apostolos; mas devo declarar que se eu tivesse a honra que não mereço, e que não hei de merecer nunca de ser assumpto á cadeira patriarchal de Lisboa, e entendesse que devia condemnar o facto da conquista de Roma, não deixaria de ser fiel ás minhas idéas, ás minhas convicções, á minha consciencia, não deixaria de o reprovar em termos claros e energicos, mas não em termos, que podessem ser lancinantes e desagradaveis para o augusto genro do Rei de Italia, para o soberano de Portugal, de quem eu tivesse recebido uma assignalada mercê poucos dias antes (muitos apoiados).

Mas vamos á questão de direito sustentada pelo governo por orgão do sr. ministro da justiça, e sustentada tambem pelo meu illustre amigo o sr. Barjona de Freitas.

O estado representado pelo governo tem o direito de ubmetter ao seu juizo previo as pastoraes dos bispos, e de approvar ou prohibir a publicação d'ellas?

Esta questão é complexa, é melindrosa, é gravissima, porque está estreitamente vinculada aos mais altos problemas, que n'estes ultimos oitenta annos tem occupado a intelligencia e a attenção de todos os legisladores, de todos os publicistas e de todos os homens d'estado.

Antes, porém, de entrar no seu desenvolvimento, tenho necessidade de estabelecer o principio fundamental e axiomático, de que o poder espiritual e o poder civil são mutuamente independentes.

A differença absoluta das suas attribuições, da sua natureza, e dos seus fins determinam a independencia de cada um d'elles na sua respectiva esphera.

A igreja dirige-se ás consciencias e foi pelo seu Divino Fundador dotada de todas as condições, de todos os meios, de todas as prerogativas necessarias para com independencia e com fructo desempenhar a sua augusta missão.

O estado exerce a sua acção sobre os actos externos e sobre os interesses civis, e como elle representa um poder, que é soberano e independente, não póde deixar de ter o direito de empregar os meios necessarios para manter illesa essa independencia e soberania (apoiados). Cada um dos poderes tem pois o seu governo, as suas leis, a sua hierarchia, os seus meios de acção, a sua constituição e existencia especial. Mas em que termos e de que modo póde conciliar-se a liberdade e independencia da sociedade religiosa com as condições inherentes á soberania politica? Pôr esta questão é revelar a sua magnitude, a sua gravidade e o seu alcance; é tocar nos fundamentos primarios da sociedade e do poder, e nos direitos mais sagrados da consciencia humana.

Quatro soluções, que têem passado já pelo crisol da experiencia, se offerecem na historia a este formidável problema. A primeira e mais antiga é a do regimen theocratico, que absorve o estado na igreja, e que sendo justificavel em epochas barbaras e quando se trata de domar e policiar povos rudes e ignorantes, que não reconhecem facilmente outra auctoridade senão aquella que lhes falla em nome do céu, é hoje justamente condemnado, porque está em opposição com todos os principios das sociedades modernas, com o principio da nacionalidade, com o principio da soberania e com o principio da liberdade inscripto nos codigos de todas as nações civilisadas.

A segunda solução consiste na subordinação da igreja ao estado, ou no systema das religiões nacionaes e politicas, que é incompativel com as doutrinas fundamentaes do christíanismo, com a dignidade da consciencia (apoiados), e da religião com o decoro do sacerdócio, e com a idéa de uma sociedade espiritual, que braceja por todos os tempos, que tem por membros todos os povos e todas as raças.

É o systema, que foi violentamente introduzido em Inglaterra por Henrique VIII; é o systema, que vigora actualmente na Russia, aonde a religião não é mais do que um instrumento do poder e um auxiliar da força. Na Russia este systema é a negação absoluta da liberdade de consciencia, é a formula brutal de uma tyrannia, de que tem sido victima a desditosa Polonia, á qual nem sequer se reconhece o direito de professar a religião catholica (apoiados).

A terceira solução é a da separação absoluta do estado da igreja, que tem partidarios tanto nas fileiras do clero catholico, como entre os publicistas da escola mais radical e democratica.

São os Estados Unidos da America a unica nação do mundo aonde existe em toda a sua extensão o systema da independencia absoluta da igreja e do estado.

Mas, sr. presidente, qual é o espectaculo que n'esta parte nos offerece a grande e poderosa republica do novo mundo, que eu por muitos titulos admiro? É o deploravel espectaculo do ministerio sacerdotal rebaixado entre as seitas pro-

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testantes ás condições de um mister e de uma industria vulgar, é o facto tristissimo de os ministros da religião, em vez de desempenharem uma missão de paz, de conciliação e de caridade, atiçarem a guerra entre o norte e o sul, concitarem irmãos contra irmãos, e pertenderem justificar em nome do Evangelho o commercio illicito de carne humana, e os horrores da escravatura (apoiados).

Esse espectaculo é, como diz um publicista francez, o de seitas as mais irracionaes, as mais absurdas e immundas, como são as dos sackers e mormons profanando o nome de Deus e da liberdade impunemente aos olhos da sociedade desarmada, e enxovalhando o bom senso, os bons costumes, e os mais elevados sentimentos, que em todos os povos civilisados constituem o esteio e a dignidade da familia (apoiados).

A quarta e ultima solução, que está em vigor entre nós desde o principio da monarchia é a da alliança da igreja e do estado, é o systema da união e ao mesmo tempo da distincção e da liberdade de cada um dos poderes na sua osphera sem quebra dos deveres, que ambos devem respeitar; é a liberdade no concerto de vontades e de forças, que não obstante haver sido algumas vezes perturbado por lutas e conflictos, não deixa de ser o systema existente entre nós.

O estado em Portugal dá apoio, protecção e subsidio á religião, mas o estado não póde fazer isto sem condições. O estado tem não só o direito, mas até a obrigação de assegurar-se da fidelidade dos ministros da religião, da sua abediencia a auctoridade civil e politica, da sua submissão ás instituições e ás leis do estado, de que depende a sua liberdade, a sua prosperidade e a sua honra (apoiaidos).

Estas obrigações reciprocas do estado e da igreja são expressas em um contrato synallagmatico, em que o estado protegendo a religião e fazendo respeitar os seus dogmas e o seu ensino, se compromette pela sua a não intervir na vida espiritual da igreja, e em que a igreja parte, sem fazer sacrificio algum relativo á fé e á doutrina se compromette tambem por sua parte a acatar o poder civil, a respeitar a constituição do estado, a não attentar contra as leis, e a deixar que a vista do estado penetre na sua disciplina exterior e na parte da sua administração propriamente financeira, que tem relação immediata com os interesses sociaes (apoiados).

D'estes principios deriva a questão de benaplacito applicado ás bulas, breves, rescriptos e mais documentos emanados da sé apostolica. D'este principio deriva tambem a questão do beneplacito ou da censura previa applicada ás pastoraes dos bispos.

O placet, em relação aos documentos procedentes da sé apostolica, não obstante ser hoje condemnado por muitos liberaes como instituição anachronica e inutil, póde comtudo justificar-se já pela necessidade que ha de descriminar as bulas falsas das verdadeiras, as authenticas das apocriphas, já pela obrigação que corre ao estado de evitar que o poder espiritual invada a esphera do poder civil e attente contra qualquer direito inherente á soberania politica.

Alem d'isso, o chefe da igreja não é, nem deve ser subdito de nação alguma. O chefe da igreja é soberano, é independente e inviolavel. Não está sujeito aos tribunaes portuguezes. Contra o chefe da igreja não podem empregar-se meios repressivos, emquanto os bispos, como cidadãos portuguezes, são responsaveis perante a justiça e podem ser julgados nos tribunaes (apoiados).

Contra os bispos podem-se empregar medidas repressivas, contra elles podem instaurar-se processos, podem applicar-se punições severas se attentarem contra as leis e concitarem á desordem.

As rasões, que justificam a conservação do placet em relação aos documentos emanados da curia romana, parece-me, que não justificam nem podem justificar o placet, e a censura previa em relação ás pastoraes dos bispos (apoiados).

O illustre deputado e meu amigo, o sr. Barjona do Freitas, citou em seu favor o artigo 75.° da carta constitucional, que determinando as attribuições do rei como chefe do poder executivo, diz o seguinte no § 14.º:

«Conceder ou negar o beneplacito aos decretas dos concilios e letras apostolicas, e quaesquer outras constituições ecclesiasticas, que se não oppozerem á constituição, etc.»

S. ex.ª argumentando com a sua logica potente fez um grande esforço para arrancar das entranhas d'este paragrapho um sentido que fosse favoravel á sua opinião. Parece-me que o illustre deputado perdeu o seu tempo e que o seu esforço foi completamente baldo.

Não ha uma só palavra n'este paragrapho, que possa fornecer uma interpretação em harmonia com a opinião de que as pastoraes dos bispos devem ser submettidas ao beneplacito. N'este paragrapho só se falla de decretos de concilios, de letras apostolicas, que são documentos emanados de Roma, e de constituições ecclesiasticas. Disse s. ex.ª que nas constituições ecclesiasticas estavam com prehendidas as pastoraes dos bispos. Não é assim.

As pastoraes não são constituições ecclesiasticas; as pastoraes contém instrucções religiosas e moraes, mas não contém nem podem conter leis e regulamentos, não estabelecem direitos nem deveres, e é disto que tratam as constituições. Por consequencia, a palavra constituições não póde ter a interpretação, que lhe deu o illustre deputado, cuja intelligencia respeito muito.

Sendo tão importante esta materia, de que o legislador se occupou no artigo 95.°, determinando elle n'esta parte da carta as prerogativas da côroa naa suas relações com a igreja, deviam ser mencionadas muito expressamente as pastoraes dos bispos. O legislador estabelecendo o beneplacito para os documentos vindos da curia romana, não consignou a mesma necessidade para as pastoraes dos bispos. E onde a lei não é explicita (sirvo-me do argumento de s. ex.ª), onde a lei não estatue um preceito, ninguem tem auctoridade para o estatuir, e particularmente quando se trata de um ponto importantissimo (apoiados).

Citou s. ex.ª o alvará de 1795, que no seu artigo 13.° determina que pastoral nenhuma possa ser publicada ou promulgada sem que preceda beneplacito regio.

Este artigo 13.° do alvará é um documento singular na nossa legislação antiga, é completamente inapplicavel perante a nossa legislação moderna; está revogado; não póde considerar-se já em vigor desde a promulgação da carta, e por consequencia não póde d'elle deduzir-se argumento algum valioso em favor da opinião, que o illustre deputado sustenta.

Dispenso-me de fazer a leitura do referido artigo 13.°, que o sr. Barjona leu já, e que trasladei tambem para os meus apontamentos; mas direi, para que a camara o aprecie devidamente, que se dá n'este artigo uma contradicção notavel, como em muitos documentos antigos em que se trata de materias ecclesiasticas, e das relações do estado com a igreja.

Ao passo que se declara da maneira mais categorica que não é de esperar, que os bispos nas pastoraes expendam más doutrinas, ou idéas que sejam offensivas da moral, ou attentatorias da ordem e da paz publica, o legislador, depois d'esta declaração, obriga os bispos a submetterem as pastoraes ao beneplacito regio!

Disse s. ex.ª que o beneplacito regio não é censura prévia, e que quer para as pastoraes dos bispos beneplacito e não censura.

A este argumento já respondeu da maneira a mais cabal o illustre deputado o sr. Ornellas.

Em virtude do direito de beneplacito o governo approva ou rejeita. Onde ha rejeição, ha uma censura. Para approvar ou rejeitar é preciso distinguir, é preciso conhecer, é preciso examinar, formar um juizo, assentar em uma decisão. Condemnar uma cousa como má e approvar outra como boa, importa n'estes assumptos o exercicio da censura.

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E é uma verdadeira censura, principalmente dando se o caso de não se conceder o beneplacito.

Mas, se está ainda em vigor o artigo 13.º do alvará de 1795, nós devemos considerar tambem em vigor todos os quarenta e cinco artigos de que se compõe esse alvará; devemos applicar a censura a todos os artigos que se publicarem pela imprensa, e a todos os livros que vierem a lume, devemos reviver o desembargo do paço, o tribunal da inquisição e a mesa censória, porque faziam parte integrante do systema do censura, e o 13.º do alvará está intimamente ligado a esse systema.

O alvará de 1795 era, para assim dizer, uma machina destinada a comprimir o pensamento; o artigo 13.º era uma roda d'essa machina; no momento em que a ralo poderosa da liberdade destruio o systema, e despedaçou a machina, não póde dizer se que exista e funccione ainda essa parte e essa roda.

O alvará de 1795 é um monumento archeologico do absolutismo; não póde ninguem escorar-se n'elle desde que o systema constitucional foi implantado entre nós.

E admiro-me, sr. presidente, de que homens liberaeâ venham invocar uma instituição obsoleta, reaccionaria e injustificavel, como é a do beneplacito regio para as pastoraea. Tal beneplacito equivale á censura previa, póde dizer-se, que é realmente a censura prévia, mas feita por um modo especial, exercida pelo poder executivo, em vez de o ser por tribunaes proprios, como succedia no antigo regimen.

Admiro-me de ver defender com tamanho afinco a censura prévia, para pôr fóra da lei liberal, que é igual para todos, a igreja portugueza, que não está determinada a aceitar esta grilheta infamante da escravidão, aonde todos são livres e iguaes!

Não posso deixar de lamentar, que homens liberaes se debrucem sobre o jazigo Sellado do absolutismo, e d'elle exhumem um principio tão repugnante como é o da censura prévia, para atirarem com elle ás faces de um paiz allumiado pela lua da liberdade, de um paiz aonde existe a liberdade de consciencia, e que presa e estima como preciosas franquias a liberdade do pensamento, e a liberdade de imprensa, de um paiz, emfim, que repelle e detesta a censura pré via debaixo de qualquer fórma que ella appareça, porque é uma instituição tenebrosa, porque é a mordaça da intelligencia, o aviltamento do homem, o escarneo da liberdade a o instrumento do despotismo (muitos apoiados).

O sr. Barjona de Freitas citou o aviso de 9 de dezembro de 1768 expedido ao cabido da sé de Coimbra, e no qual se dizia, que o bispo D. Miguel da Annunciação espalhara pelas parochias da sua diocese uma pastoral manuseripta, sem haver precedido censura e regio beneplacito. Firmou-se s. ex.ª n'estas palavras do referido aviso, para mostrar que o artigo 13.º do alvará de 1795 estava em conformidade com a legislação, ou com os antigos costumes do reino.

Todos sabem, que essa pastoral do bispo D. Miguel da Annunciaçào foi um dos mais graves acontecimentos do reinado de D. José I, e um dos factos, que mais accendeu as cóleras do marquez de Pombal. Foi o exame da pastoral commettido a uma commissão composta de homens de distincte merecimento, e profundamente versados ao conhecimento do direito canonico e civil. Fazia tambem parte d'essa commissão fr. Manuel do Cenaculo, que foi mais tarde bispo de Beja, e que era um dos homens mais eminentes do seu tempo pela sua vastissima erudicçâo, e que relevantes serviços fez ás letras patrias, á archeologia e á numismatica.

Fez a commissão um extenso relatorio, em que são empregadas, as qualificações mais vehementes, e esgotados os termos mais duros, que tem a lingua, para se mostrar que o procedimento do biepo foi horrendo e abominava, e um attentado enorme contra a magestade, contra a ordem e contra as leis; mas n'esse largo e erudito relatorio, que merece ser lido, nem uma só palavra apparece a respeito de beneplacito ou de censura prévia, não se topa a mais leve referencia a qualquer lei ou costume, que sobre este ponto existisse!

Esses tres homens encarregados de dar o seu parecer, se por ventura existisse esse costume ou essa legislação, não deixariam de a invocar para tornar mais aggravante o procedimento do bispo; a taes homens tão distinctos e sabedores, que exploraram todos os argumentos, para pôr em relevo a criminosa gravidade da pastoral, não, escaparia a circumstancia de o bispo de Coimbra haver faltado á obrigação de sujeitar a mesma pastoral ao beneplacito.

Mas para responder por maneira mais peremptoria á argumentação do sr. Barjona de Freitas, e mostrar com evidencia, que o regio consentimento de que falla o aviso de 9 de dezembro de 1768 não era o costume ao reino, citarei outro aviso dirigido em data de 24 da junho de 1750 ao patriarcha de Lisboa pelo ministro da justiça Pedro da Mota e Silva. Diz o seguinte:

«Em.mo e rev.mo sr. — Em conformidade do que já avisei a v. em.ª, manda Sua Magestade consultar por alguns ministros o que por minha via v. em.ª lhe fez presente a respeito da prisão do seu impressor, feita por ordem do marquez presidente do desembargo do paço, por se ter achado na busca, que se lhe deu em casa, que sem licença d'aquella mesa tinha impresso certa attestacão passada pela secretaria do capitulo geral da ordem Seraphina, que ultimamente se celebrou.

«Em consequencia me ordena Sua Magestade diga a v. em.ª, que supposto os ordinarios d'este reino costumem fazer imprimir (note bem a camara) sem licença os papeis pertencentes ao seu officio episcopal, como pastoraes e outras similhantes, ainda que para isso não assistidos do direito exproíso, este costume comtudo de nenhuma sorte basta para os auctorisar a mandarem com a mesma liberdade (note tambem a camara estas palavras) imprimir os arrazoados das suas causas e outros papeis da mesma natureza, por ser isso encontrado á rasão economica, em que se fundou a lei, que prohibe estamparem se papeis alguns sem permissão d'aquelle tribunal, e muito menos podem fazer assim imprimir papeis, que direitamente não pertencem ao officio episcopal, como é certo não pertence a dita attestação.»

Vê-se pela doutrina e dizer d'este aviso, que os bispos tinham a maxima liberdade em publicar pastoraes, e todos os papeis direitamente pertencentes ao seu ministerio sem que para isso fossem obrigados a beneplacito m a censura

Erevia. Devo observar, que este aviso é assigoado por um ornem, que era collega do marquez de Pombal no ministerio, por um jurisconsulto abalisado, que conhecia bem a legislação e os costumes do reino, e este homem, este jurisconsulto declara da maneira mais terminante e expressiva, que os bispos podiam publicar pastoraes sem beneplacito. E se o marquez de Pombal insinua a idéa, de que o bispo de Coimbra devia sujeitar a sua pastoral ao real beneplacito, o sr. Barjona de Freitas que é jurisconsulto distinctissimo, e que conhece os monumentos da nossa antiga legislação, sabe muito bem, que o grande ministro de D. José no intuito de manter as prerogativas da corôa, de que era zelador ar lente e energico, invocava muita* vezes principios falsos e adduzia factos, que não eram verdadeiros.

Mas pelo alvará de 1795 a lei era igual para todos; o cidadão, qualquer que fosse a sua condição a categoria, não podia publicar escripto algum, sem primeiro o submetter aos tribunaes competentes para o revêr e examinar. Mas hoje a liberdade é a lei commua); a liberdade é o direito de todos; não se póde estabelecer para o episcopado uma excepção, sem se praticar um acto iníquo e despotico.

Em 1863 foi esta materia tratada com. grande proficiencia e elevação pelo illustre decano da imprensa portugueza, que respeitámos como mestra todos os que exercemos o duro officio de jornalistas (apoiados), O sr. Sampayo escreveu em um dos artigos publicados n'esta, occasião as seguintes palavras:

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«Lamentâmos a injuria dos tempos em que, dando se a liberdade a todo o mundo, se nega a uma das classes mais nobres da sociedade, julgando-se a carta impotente para annullar o contrato de uma servidão, conservando-se aquelle direito banal contra a igreja no meio da alforria de todos.»

É verdadeiro, é substancioso, é bello na idéa e na fórma (apoiados).

A censura previa é um embaraço, é uma pela a uma das attribuições mais altas e a um dos mais importantes poderes do episcopado. Esta attribuição e este poder é o de magisterio, que procede immediatamente de Jesus Christo. Ide e ensinae todas as gentes, disse o Divino Mestre. Prégae o Evangelho a toda a creatura. Se não poderdes annunciar a minha palavra nas ruas e nas praças, annuncae-a de cima dos telhados. Instrui, corrigi, adverti opportuna e inopportunamente, disse o Apostolo das gentes.

D'estas passagens deduz se com a maxima evidencia que os bispos têem nas suas dioceses a plenitude do magisterio debaixo da inspecção de Supremo Pastor da igreja.

Eu reconheço, que os bispos podem desmandar-se no exercicio d'este poder, que podem proferir discursos ou escrever pastoraes, em que neguem os direitos da corda, em que ataquem as leis, em que concitem á desordem. Mas nas leis do paiz ha remedio para tudo isso. Se acaso um bispo commetter um abuso d'esta ordem, promova o governo a sua punição pelos meios legaes, seja julgado e punido com severidade; mas não se lhe tolha e embarace por meios preventivos o exercicio de uma attribuição tão importante e essencial ao seu ministerio.

A carta constitucional acabou completamente com o direito de censura. Diz ella no 3.° do artigo 145.° «Todos podem communicar os seus pensamentos pela imprensa, por palavras e escriptos, e publica-los sem dependencia de censura com tanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio d'este direito. »

Todos! Esta palavra exclue toda a restricção, toda a excepção, toda a reserva. Esta palavra todos comprehendo os bispos, que são cidadãos portuguezes, que têem direitos iguaes aos de todos os cidadãos portuguezes. E se acaso os bispos não gosam d'este direito, estão elles privados de uma franquia de que usam os mais obscuros cidadãos, os bispos não têem a qualidade de cidadãos.

A argumentação ainda a mais habil, a logica mais valente, os sophismas mais capciosos não podem extrahir da disposição do artigo 145.° um só argumento que seja favoravel á opinião, que sustenta o beneplacito para as pastoraes dos bispos.

O artigo 145.° é forte como a columna de bronze encimada pela estatua da liberdade. E nem dedadas de pygmeos, nem braços de gigantes como são os do illustre deputado podem derribar ou estremecer essa columna firmis sima e inabalavel.

Chamei em meu auxilio o Evangelho, que é o codigo religioso e moral da humanidade; chamei em meu auxilio a carta constitucional, que é o codigo politico da nação portugueza; chamarei tambem agora em meu abono o codigo penal.

Pouco n'esta parte direi, mas esse pouco será o suffi ciente para mostrar que o argumento da insuficiência do codigo penal, adduzido pelo sr. Barjona de Freitas, não favorece de maneira nenhuma a opinião de s. ex.ª

Vejamos o que diz o codigo penal (leu).

Vê-se pela simples leitura d'estes artigos, que só são applicaveis penas aquelle que publicar bullas vindas de Roma, e que não tenham beneplacito, e aquelle que no desempenho de funcções sacerdotaes pronunciar palavras ou espalhar escriptos que neguem ou ponham em duvida os direitos da corda, que agredirem a constituição e instigarem á desordem. Mas não se applica penalidade, não se diz uma só palavra ácerca de pastoraes publicadas sem beneplacito.

O sr. Barjona de Freitas examinando estes artigos encontrou condemnada n'elles com tanta clareza e com tanta evidencia a sua opinião, que não póde deixar de confessar, que nos mesmos artigos não havia penalidade, que podesse significar obrigação por parte dos bispos no caso sujeito.

Disse s. ex.ª que o codigo penal era defficiente! Ora permitta-me o illustre deputado, que eu lhe diga, que não esperava ouvir tal argumento, que sendo tão pobre, a despeito de ser produzido por quem é tão rico de conhecimentos e recursos, está demonstrando a ruindade da causa.

Não ha nada mais claro nem mais explicito do que o codigo penal n'este ponto; a idéa do codigo é empregar a repressão depois do delicto commettido, e esta idéa, que é a mais liberal, condemna o principio de policia e de regimen preventivo.

Se a deficiencia e commissão do codigo póde ser invocada para se persistir em dizer que existe para os bispos a obrigação de subordinarem as pastoraes ao exame previo, é preciso declarar em que parte da nossa legislação está consignada a pena correspondente á inobservancia d'essa obrigação.

Mas, sr. presidente, nem na nossa legislação antiga nem na moderna se encontra penalidade alguma applicada ao bispo, que publicar as suas pastoraes sem approvação do poder executivo, e aonde não ha sancção penal deve concluir-se, que não ha lei, que não ha obrigação (apoiados).

Se em virtude das disposições do codigo penal os bispos são responsaveis perante a justiça pelos abusos, que commetterem por escripto e portanto nas pastoraes, logicamente se conclue que elles têem o direito de as publicar sem necessidade de prévia approvação (apoiados).

Eu abro a constituição belga, uma das mais liberaes do mundo, e encontro n'ella a seguinte doutrina:

Diz a constituição no artigo 16.°:

«O estado não tem direito de intervir nem na nomeação nem na installação dos ministros de um culto qualquer, nem de prohibir a estes, que se correspondam com os seus superiores, e que publiquem os seus actos, salva, n'este ultimo caso, a responsabilidade ordinaria em materia de imprensa e de publicação.»

E no artigo 17.°:

«O ensino é livre; toda a medida preventiva é prohibida; a repressão dos delictos não é regulada senão pela lei.»

Os liberaes belgas não se assustam, não têem pavor, nem medo, confiam nos principios e na efficacia das leis. Os governos da Belgica, quando os bispos abusam nas suas pastoraes, chamam nos aos tribunaes, instauram processos contra elles, mas não recorrem a medidas preventivas, não se servem da censura nem do beneplacito (apoiados).

Na Hespanha tem n'estes ultimos tempos sido processados alguns bispos por abusos de que são accusados; o facto de terem sido mettidos em processo mostra bem, que n'aquelle paiz não ha censura previa.

Em França desde 1845 tem havido differentes resoluções do conselho d'estado ácerca de pastoraes politicas em resposta a perguntas de eleitores, e ácerca de bullas e encyclicas pontificias, que não tinham beneplacito, e que alguns bispos publicaram nas suas cathedraes. O conselho d'estado ou condemna sómente o facto como abuso, o que é uma censura, ou, se o facto é mais grave, dá parecer para que seja julgado nos tribunaes o auctor d'elle. Em nenhuma d'estas resoluções apparece uma palavra sobre a obrigação de beneplacito para as patoraes. Em 1845 Vivien, relator do conselho d'estado, respondendo aos argumentos de Bonald, cardeal arcebispo de Lyão, sustentou os artigos orgânicos da concordata, e n'essa larga e interessante discussão nunca se disse cousa alguma para provar, que o governo francez tinha o direito de sujeitar as pastorees dos bispos ao beneplacito. Depois de consulta do conselho d'estado o governo francez publicou o decreto de 7 de abril de 1861, em que se declarava que havia excesso de poder e abuso na pastoral (Mandement) do bispo de Poitiers, de fevereiro do mesmo anno, pois que n'ella se havia intromettido na politica, fazendo censuras ao governo e perturbando as con-

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sciencias. O decreto é fundado na declaração do clero de 1662 e no codigo penal. A repressão depois do abuso commettido e não a prevenção é o systema adoptado e seguido em França.

Portanto, em Hespanha, na Belgica e em França, quando os bispos se transviam da sua missão religiosa, são entregues aos tribunaes e julgados conforme as leis do paiz.

Duas palavras só direi em resposta ao sr. ministro da justiça.

Disse s. ex.ª, que em Portugal era costume e pratica antiga o sujeitarem os bispos as pastorares, que houvessem de publicar, á approvação do governo; mas, depois das considerações que fiz, essa pratica, esse costume, não póde prevalecer contra a carta constitucional.

O sr. Ministro da Justiça: — Pratica constante até hoje.

O Orador: — Não é pratica constante, e permitta-me s. ex.ª que lhe diga, que desde 1861 nenhum bispo sujeitou as suas pastoraes á approvação do governo.

O sr. Ministro da Justiça: — Está enganado.

O Orador: — Se estou enganado, procede isso das falsas informações, que me deram. Eu não inventei o facto; foi-me referido, e sobre este ponto dirijo-me ao illustre deputado o sr. Barjona de Freitas para lhe dizer que durante o tempo em que s. ex.ª foi ministro da justiça não me constou, que as pastoraes publicadas pelos bispos tivessem a approvação do governo.

(Aparte do sr. Barjona de Freitas.)

Pois tenha s. ex.ª a certeza de que nas dioceses de Coimbra e Vizeu, e no arcebispado de Braga, se publicaram pastoraes, que a imprensa reproduziu; e s. ex.ª que é tão estrénuo defensor d'esta supposta prerogativa da corôa, nunca procedeu contra esses bispos, que faltaram aquillo que s. ex.ª reputa um dever.

Mas ainda que exista a pratica, ainda que o costume fosse inalteravel, essa pratica, e esse costume deve ter-se na conta de arbitrario e injustificavel, porque a carta e as demais leis o não auctorisam.

Se os bispos têem obrigação de subjeitar as suas pastoraes ao beneplacito, se o reverendo bispo do Algarve não cumpriu essa obrigação, como ha de proceder o governo para com este prelado? Ha de limitar-se o governo a estranhar o procedimento do reverendo bispo, como o sr. ministro da justiça diz, que fizera já? E se o prelado responder que não admitte a censura, e que usou do seu direito? Aonde encontra o sr. ministro da justiça na legislação antiga ou moderna penalidade ou algum meio de corrigir e atalhar este facto que se qualifica de abuso? Em parte nenhuma. Eis a posição arriscada, melindrosa e difficil em que o governo se collocou depois da declaração, que fez.

Eu não quero nem a escravidão nem a irrespnsabilidade de ninguem. Se um bispo abusou no exercicio das suas funcções e atacou a constituição e offendeu as leis, use-se para com elle dos meios repressivos, seja processado e punido. Quando se trata de justiça não quero privilegios nem immunidades. Se é bispo, seja julgado pelos seus pares; se é outro ecclesiastico seja julgado pelos tribunaes ordinarios.

Esta é a doutrina observada nos paizes mais liberaes e mais civilisados; e lamento, que Portugal seja talvez o unico paiz liberal da Europa, em que se faça a apologia publica da censura previa, que outra cousa não é o beneplacito applicado ás pastoraes dos bispos.

A liberdade é grande, é esplendida e formosa como o sol; a todos alumia, a todos concede os mesmos dons, e prodigalisa os mesmos beneficios. Liberdade, pois, para todos, liberdade ampla na lei e pela lei, responsabilidade e punição cara quem transgredir a lei (apoiados).

Se aqui ha quem diz, acima o beneplacito, que eu considero uma censura; eu digo, abaixo o beneplacito, abaixo a censura previa, abaixo em nome da carta, abaixo em nome da liberdade, abaixo em nome da dignidade do episcopado, abaixo em nome do direito e de todos os bons principios. Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi Cumprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Ministro da Justiça: — Pedi unicamente a palavra, para justificar um áparte meu ao illustre orador que acabou de fallar.

Disse s. ex.ª, que desde 1861 para cá não tinha subido á secretaria da justiça nenhuma pastoral para ser submettida á approvação do governo; mas permitta-me s. ex.ª que lhe leia os seguintes documentos, para lhe provar que não está bem informado (leu).

E um officio do illustre prelado do Algarve, datado de 3 de julho de 1864, pedindo a approvação de uma pastoral sua.

A resposta a este officio foi a seguinte portaria, assignada pelo sr. Gaspar Pereira da Silva, e com a data de 11 de julho (leu).

Agora outro officio do mesmo prelado, de 28 de outubro do mesmo anno de 1864, para fim identico (leu).

Respondeu se a este officio com a seguinte portaria, datada de 17 de novembro (leu).

Já vê v. ex.ª portanto justificado o meu áparte, quando o illustre deputado disse que não tinha subido á secretaria da justiça, de 1861 para cá, nenhuma pastoral para ser approvada.

Agora devo declarar a v. ex.ª, que trazendo aqui n'esta pasta bastantes documentos com relação a pastoraes submettidas por varios prelados ao beneplacito, não são elles os unicos que existem na secretaria da justiça, porque ha muitos mais que ali se acham archivados, e alguns sobre objectos bem simples.

Por agora nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Tinha pedido a palavra para antes de se fechar a sessão o sr. Rodrigues de Freitas. Tem a palavra.

O sr. Rodrigues de Freitas: —Tinha pedido a palavra a v. ex.ª, para mandar para a mesa a seguinte proposta; e requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a julga ou não urgente.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que haja sessões noturnas emquanto esta cama discutir o orçamento da receita e despeza do estado. = Rodrigues de Freitas = Francisco Mendes.

O sr. Presidente: —Tem a palavra, para antes de fechar a sessão, o sr. Pedroso dos Santos.

O sr. Pedroso dos Santos: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que se prorogue esta sessão até que se acabe de discutir o assumpto que está em discussão.

Vozes: — Não póde ser, não póde ser.

Posto a votos o requerimento, foi rejeitado.

O sr. Presidente: — Ha outro requerimento em que o sr. Rodrigues de Freitas pede para se julgar urgente a sua proposta.

Vae votar-se.

Foi admittida, e julgada urgente.

O sr. Falcão da Fonseca: — Requeiro a v. ex.ª que tenha o bondade de consultar a camara sobre se permitte que na sessão de segunda feira possa entrar em discussão o parecer n.º 28 da commissão de agricultura.

O sr. Santos e Silva: — Não me nego, nem nunca me neguei a quaesquer trabalhos parlamentares. Estou sempre prompto a tomar parte n'elles, de dia e de noite. Sou sempre presente a todas as sessões da camara ou das commissões, quer sejam diurnas, quer sejam nocturnas. Por consequencia não posso, em principio, deixar de aceitar a idéa de qualquer sr. deputado, que entenda que nos devemos apressar a dar resolução a certa ordem de assumptos que,

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pela sua importancia, precisam ser resolvidos sem demora. Mas para que eu possa aceitar a proposta do sr. Rodrigues de Freitas, oppõe-se-lhe um argumento serio, que é afoita de tempo. Se s. ex.ª me inventa tempo, aceito a sua proposta.

S. ex.ª querendo que haja sessões nocturnas, não quer que haja commissões. A camara sabe, e sabem todos, que as commissões não trabalham senão á noite (apoiados), A commissão de fazenda, que é composta de dezoito ou dezenove membros, trabalha constantemente quasi todas as noites (apoiados); começa a trabalhar ás oito horas e acaba os seus trabalhos á meia noite, o muitas vezes á uma hora (apoiados). Como é possivel haver sessão nocturna na camara, e ao mesmo tempo sessão na commissão de fazenda, que é quem tem de occupar-sa dos orçamentos dos differentes ministerios e das propostas de fazenda, para que esta camara tenha que discutir? Se as commissões não funccionarem, não tem a camara que discutir. Quer dizer, para que tenhamos sessões nocturnas, e a camara possa discutir o orçamento, é necessario que a commissão de fazenda prepare os trabalhos para isso.

A commissão de fazenda não póde resolver os assumptos que estão commettidos ao seu exame n'um quarto de hora, meia hora, ou em uma hora (apoiados), nem resolve los superficialmente em reuniões atrás da presidencia, ou por um d'estes modos por que nós decidimos os assumptos que não tem maxima importancia.

Se o illustre deputado quizesse modificar a sua proposta no sentido que vou indicar, e n'isto lhe dou uma prova de que não quero estar em desaccordo com a sua idéa fundamental, teria n'isso muito prazer.

A minha modificação é para que as sessões nocturnas sejam alternadas, para que nas noites em que a camara não funccionar a commissão de fazenda poder trabalhar (apoiados).

Se o illustre deputado modifica a sua proposta no sentido que tenho indicado, isto é, para que as sessões nocturnas sejam alternadas, voto-a; do contrario não posso aceita-la, porque as sessões nocturnas consecutivas darão occasião ou a que a camara não tenha numero para funccionar, ou se o tiver, a que as commissões não trabalhem por falta de tempo.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que haja tres sessões nocturnas por semana para a discussão do orçamento.

Sala das sessões, 27 de maio de 1871. = João Antonio dos Santos e Silva

Foi admittida.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu são pregava de ouvir as palavras do sr. Santos e Silva para saber que s. ex.ª não rebatia acintosamente as minhas opiniões; d'este cavalheiro tenho recebido tantas provas de sympathia, que me era vedado suppor que s. ex.ª combatia a minha proposta pelo simples desejo de impugna-la.

O sr. Santos e Silva disse que era prenso que eu inventasse tempo, se queria que ex.ª aceitasse esta proposta, porque se assim é que se poderão combinar duas sessões diarias na camara com o trabalho das commissões.

Eu não posso inventar tempo, aeria muito conveniente para o paiz que alguem tanto podesse e realisasse; mas vendo que ha uma necessidade imperiosa a que temos de satisfazer como parlamento, exprimi pela minha proposta o desejo de que a satisfizéssemos quanto antes. Refiro me á discussão do orçamento (apoiados).

A camara sabe que em breves dias tem de ser concluida a sessão ordinaria; a camara deve dar todas as manifestaições de ter os maiores desejos de que se analyse e vote a receita e a despeza publica; esta camara deve provar que não ergue difficuldadas a essa discussão e a esse voto.

Attendendo no modo por que tem sorrido a discussão do orçamento do ministerio da marinha, a commissão de fazenda, á qual tenho a honra de pertencer, deve estar completamente capacitada (e eu o estou) de que não conseguiremos em muitos dias, nem ainda em muitos mezes, discutir e votar o orçamento geral da receita e despeza do estado (apoiados).

Se a proposito de qualquer capitulo, de qualquer artigo, de qualquer verba, nos occuparmos de negocios, como a expedição da Zambezia, que não estejam dados para ordem do dia, podemos ter a certeza de que chagaremos ao fim do futuro anno economico sem termos discutido e votado o orçamento d'esse anno (apoiados). Seguindo outro systema poderemos em breve tempo cumprir um dos nossos maiores deveres.

Como disse, a camara deve dar todas na manifestações de que tem a maxima vontade de que se discuta e se vote o orçamento; é n'este sentido que mandei a minha proposta para a mesa.

Declaro portanto que concordo com qualquer outra, se por meio d'ella podermos conseguir mais convenientemente aquelle fim.

Agora mesmo o meu illustre collega, o sr. visconde de Moreira de Rey, acaba de apresentar-me a seguinte:

«Proponho que as sessões para a discussão do orçamento principiem ás nove horas da manhã e concluam ás cinco da tarde.» (Riso.) E eu não tenho duvida algum» em aceita-la, retirando a que tive a honra de mandar para a mesa.

Noto que a camara recebeu com bastante riso esta proposta, riso que certamente é de maxima alegria, por ter de entrar quanto antes na discussão do orçamento por fórma tal que em poucos dias teremos concluido o debate.

Se o riso quer dizer isto, eu tambem rio, eu tambem me alegro, porque me causa verdadeira satisfação a idéa de que em breve teremos completamente discutido e votado o orçamento, como eu entendo que deve ser desejo da camara e do governo.

Por consequencia se a camara consente, eu retiro a proposta que tive a honra de mandar para a mesa;, e, se o meu illustre collega me dá licença, assigno a de s. ex.ª, para mostrar assim que o meu unico desejo é o que acabo de patentear á camara.

Consultada a camara sobre se concedia licença ao sr. Rodrigues de Freitas para retirar a sua proposta, resolveu affirmativamente.

O sr. Visconde de Moreira de Rey; — Mando para a mesa a seguinte proposta (Leu).

O sr. Presidente: — A camara já resolveu que não se prorogasse a sessão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —A camara resolveu que não se prorogasse a sessão até se concluir uma certa discussão, e esta proposta é para que se prorogue a sessão até ás cinco horas.

Se tanto é necessario, eu requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se, apesar de todos os obstaculos regimentaes, quer prorogar esta sessão até ás cinco horas da tarde, porque eu creio que a camara está aqui para ser auctoridade superior a todas essas difficuldades. Mando a minha proposta.

E a seguinte:

Proposta

Proponho a prorogação da sessão de hoje até ás cinco horas. =Visconde de Moreira de Rey.

Foi admittida e approvadã.

O sr. Santos 6 Silva: — Eu pedi a urgencia da minha proposta; o se v. Ex.ª me dá licença acrescentarei apenas duas palavras e são, que ella não tem por fim interromper, quero dizer, transplantar completamente para a noite as discussões do orçamento. Se a camara entender que deve tambem discutir o orçamento de dia, discute-o do mesmo modo (apoiados).

O sr. Presidente: — O que está em discussão são as

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propostas dos srs. visconde de Moreira de Rey, e Santos

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Estou completamente disposto a aceitar qualquer proposa que tenha por fim facilitar a esta camara o meio de discutir o orçamento. Pela minha parte não tenho a menor duvida em faser todos os sacrificios pessoaes para não me eximir ao cumprimento d'esse dever, que julgo sacratissimo. Mas com relação ás sessões nocturnas propostas pelo sr. Santos e Silva, direi que é melhor, em primeiro logar, fazer com que haja luz, porque olhando para o tecto d'esta casa, vejo que nos faltam os candelabros (apoiadas), que nós hão de alumiar do noite. Parece-me pois necessario que v. ex.ª, como presidente da camara, nos diga se póde ou não póde facilmente, dentro em pouco tempo resolver esta difficuldade. Não sei mesmo se ha encanamento de gaz, não sei nada a este respeito.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Posso informar ao illustre deputado que já está a canalisação feita, e que já tive a satisfação de ver esta casa illuminada. Faltam só os lustres.

O Orador: —Perfeitamente. Essa duvida está esclarecida. N'esse caso aceito a proposta do sr. Santos e Silva, porque me parece muito preferivel á proposta apresentada pelo sr. visconde de Moreira de Rey e assignada pelo sr. Rodrigues de Freitas.

Os habitos da vida moderna repugnam a que as sessões comecem ás nove horas da manhã. Digamos isto com franqueia e verdade. Estou persuadido que no caso de se votar esta proposta, se não houvesse outro meio de resolver o problema, todos os membros da camara haviam de aqui apparecer ás nove horas da manhã ou a uma hora mais matutina, se necessario fusse. Mas se nós temos um meio, de accordo com os habito* da vida moderna, de resolver igualmente este problema, se nós, aceitando essa proposta do sr. Santos e Silva, chegámos á certeza de que podemos discutir o orçamento tanto quanto é possivel empregar esta palavra nas circumstancias que vamos atravessando, se nós temos essa certeza, um pouco duvidosa, e bastante periclitante, desde já approvo a proposta do sr. Santos e Silva.

O sr. Rodrigues de Freitas (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que mande ter na mesa o regimento d'esta casa ácerca das horas em que se deve abrir e encerrar a sessão.

O sr. Presidente: — O regimento é claro. Deve abrir-se ás onze horas da manhã e fechar ás quatro horas da tarde (apoiados).

O sr. Pinto de Magalhães: — Em substituição a todas as propostas que foram para a mesa, apresento a seguinte, e é, que v. ex.ª faça cumprir o regimento n'esta casa (apoiados).

V. ex.ª sabe e a camara, que o regimento diz que as sessões se abrirão todos os dias ás onze horas da manhã (apoiados). V. ex.ª e a camara têem observado que ás vezes se tem entrado na ordem do dia ás duas horas.

Vozes: — E mais tarde.

O Orador: —Por consequencia têem sido tres horas perfeitamente perdidas. Isto ha mais de um mez. Se formos agora estabelecer sessões nocturnas, teremos de abrir a sessão ás nove horas da noite o fecha-la á meia noite. São exactamente as tres horas que roubámos ás sessões diurnas. Acho porém que podemos prescindir da sessões nocturnas. Se a mesa fizer cumprir o regimento, teremos tempo mais que suffiçiente para discutir o orçamento, vindo todos os srs. deputados ás onze horas. Vindo a esta hora cumprem todos a sua obrigação.

Uma voz: — Mas não vem.

O Orador: — Se não vem de dia, tambem não vem á noite.

O sr. Presidente: — Devo notar que, para se cumprir o regimento e abrir a sessão á hora marcada, é necessario que os srs. deputados compareçam a tempo.

Tenho dito quasi todos os dias aos srs. deputados que compareçam mais cedo. Todos os dias se têem feito duas chamadas, a primeira á uma hora menos um quarto, e outras vezes á uma hora, e nunca ha numero.

Por consequencia, repito, para se cumprir o regimento é necessario que estejam na camara os srs. deputados ás onze horas, que é a hora marcada no regimento. Sem isso a mesa não o póde fazer cumprir.

O sr. Francisco Mendes: — Assignei a proposta do meu illustre amigo o sr. Rodrigues de Freitas, porque ella significava um augmento de trabalho a que eu, por fórma alguma, me devia esquivar. Mas este trabalho, sr. presidente, não nos fatigará por muito tempo; já foi apresentada a lei de meios, e dizem-me que se segue a dissolução.

Aproveito esta occasião para lamentar que não esteja nas attribuições d'esta camara o encurtar o praso das legislaturas, reduzindo o a uma uníca sessão, por assim Se evitar o attricto que se está dando entre o paiz e o poder moderador, despedindo este constantemente, pelas successivas dissoluções os seus eleitos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pedi a palavra, quando o meu illustre collega a sr. Santos e Silva fallou em se inventar tempo para serem mais longas as nossas sessões.

Mais que difficil, Verdadeiramente impossivel, é inventar tempo se a invenção se entende poder descobrir em cada dia mais de vinte e quatro horas; mas se é para dar mais tempo de trabalho a uma camara que dás vinte e quatro horas de cada dia aproveita apenas duas horas, não ha difficuldade nenhuma em inventar mais tempo de trabalho.

Concordando até certo ponto com o sr. Santos e Silva ácerca dos inconvenientes das sessões nocturnas, mandei para a mesa a proposta que o sr. Rodrigues de Freitas me fez a honra de assignar e apresentar essa proposta, com a qual julguei resolver as duas difficuldades. Teremos mais tempo para discussão, e deixaremos as noites livres pára os trabalhos das commissões, se nos reunirmos ás nove horas da manhã, encerrando as sessões ás cinco da tarde.

Não sei até que ponto sejam fundadas as objecções que poz o sr. Osorio de Vasconcellos, allegando que se oppõem á execução da minha proposta os habitos nacionaes; os meus não soffrem em cousa nenhuma; estou habituado a trabalhar a esta hora e mais cedo ainda, e tambem por mais tempo.

Quando a camara está fechada estou a trabalhar muitas vezes ás sete horas da manhã, tendo ido já de Buenos Ayres para a rua do Oiro, d'onde volto muitas vezes ás cinco e meia ou seis horas da tarde.

Não me incommoda nada estar a trabalhar ás nove horas da manhã, e se a camara quer occupar-se de assumptos graves e importantes, se n'elles quer trabalhar, reuna-se ás nove horas da manhâ, e fechemos as sessões ás cinco da tarde, ao menos emquanto se discutir orçamento.

(Interrupção que se não percebeu.)

Eu só respondo por mim.

Pela minha parte faço a proposta, voto-a, estou prompto a tomar parte nos trabalhos por esta maneira, o a demonstrar, quanto seja preciso, que se o orçamento não se discute não é minha a culpa.

O sr. Santos e Silva: — v. ex.ª, sr. presidente, tem a bondade de me dizer qual das duas propostas sé vota primeiro, se a do sr. visconde de Moreira do Rey, se a minha?

O sr. Presidente: — Estão ambas em discussão; mas a do sr. visconde de Moreira de Rey, que veiu primeiro para a mesa, ha de votar-se primeiro.

O Orador: — Precisava d'essa explicação para poder fazer ainda algumas observações.

Quando pedi ao sr. Rodrigues de Freitas que me inventasse tempo, não duvidei de certo que podesse haver alguem que proclamasse aqui o eureka, Appareceu o sr. visconde da Moreira de Rey.

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Se o sr. visconde de Moreira de Rey toma a serio a sua proposta; se a camara está disposta a vota-la, eu retiro a minha proposta. Se o sr. visconde de Moreira de Rey e a camara têem a convicção de que, votando tal moção, a podem realisar, eu peço licença para retirar a que apresentei.

S. ex.ª póde ter os melhores desejos; não lh'os contesto. Não duvido da sua boa vontade, da sua actividade, do seu amor ao trabalho; mas pergunto á consciencia do illustre deputado, se está convencido de que se póde realisar similhante proposta. Se ella não é praticável, eu peço ao meu illustre amigo licença para não chamar seria á sua moção.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Hei de estar aqui ás nove horas.

O Orador: — Estou convencido de que é capaz d'isso, assim como de que vem actualmente ás onze horas, para cumprir o regimento.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Ás onze horas não tenho posto cá os pés. Para quê? Para se fazer o que se faz!

O Orador: — Que maior garantia posso ter de que s. ex.ª ha de vir ás nove horas, quando declara que não tem vindo até aqui á hora marcada pelo regimento.

O sr. Visconde de Moreyra de Rey: — Eu explico já isso a v. ex.ª São os trabalhos da commissão de fazenda que me obrigam a proceder assim. E exactamente por não ter estado em discussão cousa alguma aproveitável.

O Orador: — Se s. ex.ª, com esse seu áparte ou interrupção, quer fazer accusações á commissão de fazenda, eu, apesar de ser um dos seus mais humildes membros, declaro a s. ex.ª que levanto todas as accusações, e que (o orador expressa se com vehemencia) com a severidade que o assumpto pedir, sem empregar expressão alguma que possa offender a s. ex.ª, hei de provar á camara que todas as accusações, que se fizerem á commissão, são infundadas. O sr. Moreira de Rey não é capaz de apresentar rasão alguma em que funde quaesquer accusações.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — O que eu não vejo é trabalhos apresentados aqui pela commissão de fazenda.

O Orador: —A commissão de fazenda occupa se con stantemente de todos os trabalhos que lhe estão incumbidos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não faz nada.

O Orador: — Se não faz nada, é porque falta-lhe v. ex.ª lá!

(O sr. presidente toca a campainha para pedir ordem.)

O Orador: — Um deputado, por mais auctoridade que tenha, não póde vir aqui, ao seio do parlamento, dizer que uma commissão não faz nada, porque não tem apresentado todos os trabalhos que lhe estão incumbidos. Se não os tem apresentado todos, é porque alguns assumptos são de tal natureza, que não podem resolver-se á pressa. S. ex.ª acaba de affirmar que a commissão de fazenda não faz nada.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Quero dizer, que não apresentou trabalhos nenhuns.

O Orador: — Não apresenta trabalhos nenhuns?

Está em discussão o orçamento da marinha; o orçamento das obras publicas está discutido e prompto; está já apresentado o orçamento da junta do credito publico. Vão em andamento outros orçamentos. Então isto não são trabalhos?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Ora!

O Orador: — Ora! E isto. S. ex.ª não póde sustentar a sua accusação; e não se lançam assim desairosas insinuações a uma commissão. É necessario que cada um tenha a precisa circumspecção nas discussões, se quer que os outros tenham para com elle o respeito que todos devemos carecer n'esta casa. A commissão de fazenda não aceita, rejeita, o devolve ao illustre deputado as censuras, que s. ex.ª lhe faz.

Tenho dito.

O sr. Mariano de Carvalho: — Creio que a proposta mais aceitavel é a do sr. Santos o Silva, para que as sessões nocturnas sejam em dias intercalados, porque assim não se prejudicam os trabalhos da commissão de fazenda. Pelo contrario, adiantar-se-hão muito.

Considero um dever especialissimo a discussão do orçamento, e visto que a sessão está muito adiantada concordo que haja sessões nocturnas. Mas parece-me conveniente additar a proposta de s. ex.ª com mais duas que vou mandar para a mesa.

A primeira é a traducção da idéa apresentada pelo illustre deputado. Entendo que na sessão diurna se deve contar a sua duração desde o momento em que segundo o regimento se devia abrir (apoiados). Todas as vezes que as sessões durem as cinco horas uteis, ha tempo para discutir o orçamento, e o que se julgue mais necessario (apoiados).

A outra proposta é para que o sr. visconde de Moreira de Rey seja addido á commissão de fazenda (apoiados).

Leram-se na mesa as seguintes:

Proposta

Proponho que as cinco horas de duração da sessão diurna da camara, se contem desde o momento da abertura da sessão.

Sala das sessões, em 27 de maio de 187í. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Proposta

Proponho que o sr. visconde de Moreira de Rey seja addido á commissão de fazenda.

Sala das sessões, em 27 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

O sr. Santos e Silva: —Peço licença ao illustre deputado para que a palavra addido seja substituida por qualquer outra, para que se não supponha que s. ex.ª não tem os mesmos direitos que têem os mais membros da commissão.

O sr. Mariano de Carvalho: — Devo declarar que pela rapidez com que fiz a proposta, escrevi a palavra addido em logar da palavra aggregado. Concordo pois que aquella seja substituida por esta, e peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte fazer essa mudança (apoiados).

O sr. Presidente: — N'esta occasião não posso consultar a camara por que está outro objecto em discussão, mas não haverá duvida em substituir a palavra.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não esperava e não desejava a questão n'este campo. Declaro a v. ex.ª que estou surprehendido com a proposta que o sr. Mariano de Carvalho acaba de apresentar. Mas se a questão entra n'este terreno, não a evito, aceito-a perfeitamente, mas declaro a v. ex.ª que se a camara, contra a minha expectativa e contra o meu desejo, resolver que eu vá fazer parte da commissão de fazenda, a qual se compoz já, creio eu, de dezoito a dezenove membros, eu só posso aceitar tal nomeação e desempenhar-me de tal encargo, quando ao mesmo tempo se resolva a recomposição completa da mesma commissão.

Eu, já que me provocam a este terreno, digo-lhes francamente. Se me deixam escolher quatro dos meus collegas, ficando a commissão de fazenda reduzida a cinco membros, aceito a proposta, e respondo á provocação tomando solemnemente perante a camara e perante o paiz o compromisso de apresentar dentro de cinco dias todos os pareceres sobre todos os projectos e propostas que hoje estão affectos ao exame da commissão de fazenda (riso).

Isto é serio, não é caso para rir. Tenho vencido sem grande esforço maiores difficuldades. Sei por experiencia o que é trabalhar, e nem o sr. Mariano ou outro qualquer sr. deputado me vem ensinar o que é a commissão de fazenda.

Já pertenci a duas e de uma d'ellas deliberei retirar-me, porque digo a v. ex.ª e a todos que me provocarem, que muitas vezes as commissões trabalham muito, mas no que ellas trabalham melhor e mais util seria que nada fizessem.

Algumas vezes abandonam tudo que é util e necessario, e gastam o tempo em... não me occorre ou escuso de di-

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zer o termo proprio. Basta-me invocar o sr. Osorio de Vasconcellos, que n'outro dia nos deu conta com toda a proficiencia dos difficeis trabalhos da commissão de fazenda. É por isso que os trabalhos uteis não apparecem. Muitas vezes não se trata dos assumptos para que as commissões foram eleitas, que é para apresentarem pareceres sobre as propostas do governo e projectos dos srs. deputados, que não vão ali para ficarem esquecidos e sem solução.

A commissão de fazenda trabalha ha tres mezes e...

O sr. Presidente: — Peço licença «o sr. deputado para observar que não está em discussão a proposta do sr. Mariano de Carvalho, porque ainda não foi admittida á discussão, nem tambem está em discussão a commissão de fazenda.

O que está em discussão é se ha de ou não haver sessões nocturnas, ou se as sessões de dia hão de começar ás 9 horas, ou ás 11 como manda o regimento.

O Orador: — Então que proposta é essa que está sobre a mesa?

O sr. Presidente: — Ainda não está em discussão.

O Orador: — Já eu estranhava não ter incorrido em advertencia de v. ex.ª Eu cedo, agradeço a advertencia, e se a proposta não foi ainda admittida á discussão, melhor é que o não seja, aliás a camara lucraria mais em me ouvir já, porque logo tenho de começar de novo, e não tenho d'isso vontade, nem o menor desejo.

O sr. Presidente: — A proposta a que o sr. deputado se refere fica para segunda leitura. É necessario decidir primeiro as propostas que estão em discussão e não estar a intercalar a discussão de umas propostas com a de outras, porque assim não se póde chegar a um resultado, nem isto se consente em nenhum parlamento.

Vae ler-se a primeira proposta do sr. visconde de Moreira de Rey.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Requeiro votação nominal sobre esta proposta.

Não se venceu que houvesse votação nominal, e foi em seguida rejeitada a proposta.

O sr. Santos e Silva: — Creio que ha uma outra proposta que estabelece que as sessões durem pelo menos cinco horas, contando-se as cinco horas desde a abertura. Ora, se temos cinco horas de sessão diurna, o melhor é concordar que não haja sessão nocturna (apoiados).

O sr. Presidente: — Então retira a sua proposta?

O Orador: — Não tenho duvida em retirar a minha proposta, sendo approvada a do sr. Mariano.

O sr. Presidente: — Vota-se então primeiro a proposta do sr. Mariano de Carvalho, mas vae primeiro admittir-se á discussão.

Foi admittida.

Posta a votos foi approvada.

O sr. Santos e Silva: — Peço licença para retirar a minha proposta.

Foi retirada.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de dizer qual é a hora a que na segunda feira se deve abrir a sessão?

O sr. Presidente: — Ás 11 horas, que é o que manda o regimento.

O sr. Falcão da Fonseca: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que na primeira parte da ordem do dia de segunda feira se discuta o projecto n.º 28 sobre a creação de um logar de agrónomo em cada um dos districtos.

O sr. Presidente: — Na segunda feira não póde deixar de continuar o debate encetado pelo sr. Barjona, não posso tambem deixar de dar para ordem do dia a continuação do projecto n.º 25 sobre bancos. Está a votação empatada, e é necessario resolver este negocio.

O sr. Falcão da Fonseca: — Mas é sem prejuizo dos projectos que v. ex.ª acaba de mencionar.

O sr. Presidente: — Mande o seu requerimento para a mesa. A ordem do dia para segunda feira é a continuação do debate em relação á interpellação do sr. Barjona de Freitas e a continuação do projecto n.º 25 sobre bancos, e mais os projectos n.ºs 26 e 21 se houver tempo.

Peço aos srs. deputados que compareçam ás 11 horas.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

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