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Discurso do sr. Saraiva de Carvalho, que devia ter sido publicado no Diario n.° 136, de 18 de junho, a pag. 1:386, col, 3.- lin. 90.ª

O sr. Saraiva de Carvalho: — Pedi a palavra sobre a ordem, a fim de remetter para a mesa uma emenda ao artigo 1.° do projecto de lei de meios.

A emenda é a seguinte (leu).

Sr. presidente, ha uma questão magna para que converge particularmente a attenção da camara e a attenção do paiz — é a do orçamento.

Cumpre-nos discutir miuda e circumstanciadamente, não só por capitulos, mas por artigos, se tanto couber no tempo, o livro do orçamento (apoiados).

Cumpre-nos esquadrinhar os seus recantos e penetraes mais intimos, sondar todos os seus arcanos, descoze-lo fibra por fibra desde a cútis até á medula para desempenho do mandato que nos foi commettido, e para responder dignamente á espectativa do paiz (apoiados).

A nós, que viemos em nome das economias, corre-nos o dever de exigir do governo que as torne effectivas (apoiados). O ministerio, pela nossa convocação prematura, pelo nosso chamamento ás armas, mostrou querer apresentar no parlamento medidas salvadoras, o resultado das suas cogitações e locubrações durante tres mezes de governação e gerencia. Essas medidas, diz-se, não estão concluidas, carecem de mais lima; urge mette-las novamente na forja, onde já devem ter sido batidas e rebatidas.

Pede-se entretanto que votemos a lei de meios. Diz-se no projecto que o orçamento será discutido com a maior brevidade, mas não se limita o tempo. Promessas indefinidas, como as de todos os governos, que talvez se não preencham, pois o vago da promessa dá ensanchas para tudo (apoiados). E como se não póde viver só de expectativas, como carecemos menos de palavras que de factos, convem exigir do governo mais alguma cousa (apoiados); que em abono dos seus actos não apresente sómente promessas in. determinadas (apoiados).

Não é só com o projecto attinente ás aposentações, jubilações e reformas, que se ha de salvar o paiz (apoiados); não é com elle que se satisfaz a expectativa publica, nem que se cumpre o mandato de que o povo nos investiu, para em nome d'elle virmos a esta casa (apoiados).

Pagâmos impostos, e pagâmos com largueza. Muitos srs. deputados talvez não sejam d'este sentir, tomando só em consideração o dinheiro que se desembolsa; mas é o sentir do paiz, quando se vê sem estradas, sem instrucção profissional, com tributos mal lançados e peior cobrados, e com uma mortalidade ascendente na milicia trabalhadora, que hoje esta sendo dizimada ou enfraquecida.

Não temos estradas quantas era mister, ou se temos, são em grande parte estradas precipicios, que por isso se estiolam os productos na sua terra natal por falta de circulação, como as plantas sé estiolam por falta de luz. D'aqui flue a falta de viço e vida que se nota nas nossas forças productivas.

Pagâmos, e não pouco, por falta de instrucção, falta que se aggrava com a proposta de lei sobre aposentações. O professor de instrucção primaria, a quem incumbe a diffusão da luz espiritual, não só nos grandes centros, mas nos pobiléos mais sertanejos e impervios do paiz, vê-se reduzido á mais escassa pitança, talvez a comer o pão da mendicidade! (Apoiaãos.)

Não galardoamos com mão profusa o derramamento não só da instrucção superior, mas nomeadamente da elementar. Não somos prodigos com aquelles que com mão diurna e nocturna folheiam os livros da sciencia, que herborisam por varzeas e encostas, sondam os mares, devassam as regiões sidereas, escrutando em longas vigilias os arcanos da natureza; mas somos mais que avaros com os que vão infiltrar na immensa plebe dos espiritos a instrucção elementar, as sementes da civilisação (apoiados).

Mas ainda pagâmos mais; pagâmos hoje um imposto, que nos ultimos dois annos se tem aggravado, e por isso requer, mais que nunca, a attenção dos poderes publicos. Este imposto é a grande mortalidade que dizima quasi todo o paiz.

Actualmente na população portugueza ha duas populações: uma normal, outra anormal; uma que acompanha no seu progresso os progressos das subsistencias, outra que recresce pela abstinência, ou por um sobejo de renda collectado pela caridade voluntaria ou legal; uma que cresce, crescendo os nascimentos, mas individuadamente pela reducção dos obitos (é o menor numero); outra que cresce, passando da casa sobradada para o casebre térreo, da mantença succulenta e animal para a pobre dieta vegetal, como succede em Flandres, na Galliza e Irlanda.

Hoje a maxima parte da população recresce, mas é abastardando-se a raça, minguando e peiorando o alimento, não se protrahindo a vida até á maturidade; recresce, mas sem o toque e a seiva das gerações espontaneas, sem que a rotação das colheitas seja adequada ás gerações acrescidas; recresce finalmente rareada sempre pelas erupções da fome, e sempre supprindo as vacaturas que o tumulo vem deixar no quadro des vivos.

Por este modo podemos ser reduzidos em breve á triste condição daquellas civilisações retardatárias, que ha seculos estacionam pela Asia extrema; podemos ser reduzidos á condição da India, China e Japão, e de muitas tribus errantes, que pela prolifiquidade da miseria e pela nimia parcimonia veem pullular em seu gremio gerações que não vingam.

Entre as nações caucasianas, primogénitas da civilisação, cujo incremento se filia na sufficiencia dos commodos, surgem ás vezes minorias parasitas eivadas da penuria, cujo numero engrossa pela deficiencia dos viveres. A Flandres, a Galliza, a Irlanda, que vegetam por inópia de meios, veem referver as ondas das multidões. No mesmo giro, obtemperando á mesma lei, gravitaram as civilisações antigas e tende a gravitar uma parte de Portugal moderno. Eis o mais grave dos impostos, que todos nós pagâmos, que todos estamos a sentir, e para que é mister chamar a attenção dos poderes publicos.

A importancia das nações mede-se pelo agrupamento dos seus naturaes em cada um dos tres periodos da idade do homem, pois a debilidade em que vegeta a infancia e adormece a velhice não póde amontoar valores nem capitaes. Dentro do circulo dos adolescentes e adultos varia ainda o grau de efficacia laboriosa, segundo a raça, o "alimento e outros accidentes, o que é manifesto comparando o operario inglez com o irlandez ou com o indio. É necessario não obliterar estas verdades, para não vermos em breve a gente portugueza colhida ainda em flor da arvore da vida, ou fatalmente agrilhoada ao cepo da miseria gemer n'um tristissimo crepúsculo.

O allivio de pesadissimos encargos que vexavam a nossa agricultura fez com que de 1836 a 1850 nascesse n'este paiz um alimento vegetal, e com que os cereaes e as leguminosas crescessem 32 por cento -mais que os habitantes. N'estes ultimos annos porém nota-se um movimento de retrogradação. E isto é grave, pois cada operario é um multiplicador dos agentes da riqueza, cada geração addiciona orgãos supplementares ás faculdades humanas, cada surgente mais copiosas de nascimentos é um novo coefficiente que vem fomentar uma distribuição de riquezas mais equitativa.

Só quando o infante póde ter accesso a semi-trabalhador, e este a trabalhador completo; só quando as primeiras idades chegam a envergar a toga viril, do trabalho; quando os adolescentes e adultos conseguem cingir a fronte com a grinalda das cãs; quando os anciãos veem alongar os seus dias até á longevidade de um Buffon, de um Cornaro, de um Fontenelle, só então é que a humanidade trilha a via láctea do progresso, e que se alargam os horisontes da civilisação.

Não podemos pois aceitar o parallelo que se faz entre os impostos que pagâmos e os que solvem outros paizes, que muito nos ultrapassam nos commodos da vida particulares e publicos.

N’esta situação precaria não devemos protrahir por mais tempo a reducção das despezas publicas, de que esta pendente á nossa regeneração economica, e com ella a nossa regeneração financeira (apoiados).

A opinião publica é a suprema autocrata do mundo, á força reitora e moderadora da ordem social. Ora, a opinião publica quer que se economise, e cumpre-nos acatar os seus decretos (apoiados).

A situação precaria de Portugal é filha de muitas causas. As internas são bem conhecidas e já dellas apontei algumas. As externas são por uma parte as crises tormentosas que têem vexado o Brazil, pois é sabido como a nossa antiga colonia influe ainda hoje na terra que lhe foi metropole. Por outra parte são os fundos abalos que commovem a Europa tentando regenerar-se, as peripecias dos thronos e das gentes, as subversões e transformações sociaes que vem reflectir em nós e aggravar uma situação já de si difficil.

N'esta conjunctura o adiamento da camara, que parece ameaçar-nos, é uma calamidade. Votar meios ao governo para vermos as camaras adiadas até janeiro é abnegar os nossos fóros, é abdicar (apoiados).

Escasseiam as colheitas; mingua o trabalho; grande parte da povoação não usa de alimento animal, o que importa falta de gados, e consequentemente atrazo de agricultura; e falla-se no lançamento de impostos, no adiamento das camaras, e em mais uma vez protelar as economias (apoiados).

E necessario não zombar da opinião publica; os homens que o têem tentado foram sempre varridos pelo furacão; haja vista a historia do mundo inteiro. Houve n'este seculo um homem que, na phrase de Chateaubriand, foi o Isaias da espada, quasi um semi-deus. Com um sobrecenho prostrava um reino ou desfazia um exercito, com um passo commovia a Europa. Um dia quiz pôr diques á torrente impetuosa das gerações e das idéas, mas sentiu-se envolto n'um tur-