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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A religião do estado, que é a religião de todos nós, não corre risco nenhum, em se annunciar e verificar n'esta casa uma interpellação, que versa, não sobre doutrina religiosa, mas sobre o direito que possa ter, ou deixar de ter, um bispo eleito, ou simplesmente apresentado, de n'uma pastoral fazer publicar e correr, a pretexto de doutrina catholica, idéas que são, ou podem ser, contrarias ás conveniencias e á constituição politica do estado e ás relações que o estado precisa manter com as outras nações estrangeiras e amigas.

O sr. Ornellas estranhou esta interpellação, declarando-a precipitada, e censurando-a por ser baseada em um documento de cuja authenticidade se não apresentavam provas.

A esta censura respondeu plena e perfeitamente o nobre ministro da justiça. Se não ha prova authentica da pastoral no rigor juridico da palavra, se não existe ainda a demonstração da absoluta authenticidade, como se exige nos documentos ordinarios, a culpa é unica e exclusivamente do prelado que a assignou, porque, convidado immediatamente por um officio da secretaria da justiça a mandar copia authentica, deixou passar desde o dia 16 ou 18 até hoje, sem remetter á secretaria da justiça a copia authentica que lhe foi officialmente exigida (apoiados).

Mas a authenticidade de um documento d'esta ordem e n'estas circumstancias não se prova só pela remessa da copia que foi pedida, nem para a reconhecer é indispensavel essa remessa. A authenticidade, no sentido generico, está provada até á saciedade desde o momento em que todos os jornaes mais lidos do paiz publicaram a pastoral, como sendo do reverendo bispo do Algarve, e os dias e as semanas passaram sem uma unica reclamação do illustre prelado, em que protestasse ou que lhe attribuiam uma pastoral que não era sua, ou que algumas idéas foram invertidas, ou que algumas das suas palavras estão adulteradas.

A authenticidade estabeleceu-se demais pela publicação da pastoral, desde o momento que ella correu até hoje sem reclamação alguma d'aquelle, cuja aasignatura a firmára, e que nos jornaes era indicado como unico auctor.

Eu reputo inconveniente e prejudicial, pelo menos n'este momento, o tratar a questão de jure constituindo, visto que para o fim da interpellação temos rigoroso dever de a tratar unicamente de jure constituto.

N'este campo, em harmonia com o direito constituido, não ha questão e se ha, ella é muito facil de resolver. No meu entender, não póde admittir duvida alguma que a verdadeira doutrina foi sustentada n'esta casa pelo sr. deputado interpellante e pelo governo.

Para sustentar o placet ou o beneplacito regio não é preciso, creio eu, remontar ao alvará de 1795, nem entrar na questão, que reputo superflua, de considerar se elle estará ou não em vigor. A questão decide-se unica e exclusivamente pelo artigo 75.°, § 14.°, da carta constitucional.

Seria muito triste abater esta alta questão de principios até ao ponto de a considerar perante uma lei anachronica e revogada ou mesmo perante uma lei ordinaria, embora vigente, como é o codigo penal.

Os principios que regem não só neste paiz, mas em todos os paizes, as relações entre o estado e a igreja, não se escrevem nas leis ordinarias, escrevem-se sempre nos codigos fundamentaes.

O § 14.° do artigo 75.° da carta é expresso em dizer que uma das attribuições do governo portuguez é «conceder ou negar o beneplacito aos decretos dos concilios e letras apostolicas e quaesquer outras constituições ecclesiasiticas que se não oppozerem á constituição, e procedendo approvação das côrtes, se contiverem disposição geral.»

(Áparte do sr. Alves Matheus que se não percebeu.)

O meu amigo o sr. Alves Matheus repete-me, em particular, a objecção a que eu ía referir-me.

Argumenta s. ex.ª que no § 14.° do artigo 75.º da carta se não faz uma referencia expressa ás pastoraes, e portanto que as pastoraes estão excluidas d'esta obrigação do beneplacito.

A camara sabe que eu reconheço ha muita, e tenho hoje o maior com prazer em affirmar que respeito o mais possivel a illustração do meu amigo o sr. Alves Matheus; mas, prestada esta homenagem ao seu elevado talento, julgo-me auctorisado para dizer que esta argumentação está muito abaixo do talento do meu nobre amigo.

Se esta doutrina podesse ser verdadeira, ou passar por verdadeira, as consequencias seriam notaveis. Os decretos dos concilios, as letras apostólicas, as constituições ecclesiasticas, para serem dispensadas do beneplacito regio, recorreriam a uma operação bem simples. Bastava-lhes mudar de nome. Os bispos publicariam como pastoraes ou com nomes diversos dos escriptos na carta as mesmas idéas e as mesmas doutrinas, que sem o beneplacito não podem ser publicadas com os verdadeiros nomes.

Isto não póde ser, nem é argumento que possa ser empregado pelo meu nobre e muito illustrado amigo. A lei nas palavras = quaesquer outras = comprehendo todas as publicações ecclesiasticas que o alto clero dirige aos fies em nome da igreja. Não ha excepções, porque nenhuma está expressamente estabelecida e a existencia da excepção nunca se reconhece sem disposição especial que expressamente a estabeleça. Esta regra é um principio fundamental de direito.

Admittido tal principio, a disputa sobre a necessidade ou dispensa do beneplacito versaria sobre os nomes das publicações, e não sobre as doutrinas que as publicações encerrassem. O que não se publicasse com letra apostolica, serva recebido e correria como pastoral.

É impossivel: uma garantia que se reputa indispensavel para conservar as relações superiores entre a religião e o estado, não póde ficar dependente de um nome qualquer que se dê a um escripto, nem a examinar unicamente se elle é decreto de concilio, letra apostolica ou pastoral de um prelado.

Alem d'isto ha um argumento de muita força, que reputei decisivo; é o argumento de maior para menor. Pois se o illustre deputado reconhece, e se não póde negar, ainda que o não tivesse já reconhecido, que é indispensavel o beneplacito para os decretos dos concilios e para as letras apostolicas, e se indubitavelmente os decretos dos concilios e as letras apostolicas tem mais alta significação e muito maior importancia que os escriptos pastoraes, como quer s. ex.ª negar ao estado, contra o que é menos, um veto que n’ella reconhece contra o que é mais?

O sr. Alves Matheus: — Aonde a lei não estabelece preceito claro, ninguem póde impor uma obrigação.

O Orador: — O que ninguem póde é descobrir ama excepção onde a lei não fez expressamente. Tento pelos principios de direito, como pelos preceitos da logica, não me parece que essa argumentação seja admissivel.

Estabelecer expressamente a lei fundamental que os decretos dos concilios e as letras apostolicas não podem correr e publicar-se no paiz sem o beneplacito, e haver quem sustente a interpellação de que as mesmas idéas possam publicar-se e correr sem o beneplacito, sob a fórma de pastoraes, não me parece admissivel em direito, nem em logica, nem reputo seria tal pretensão.

O illustre deputado allegou tambem o codigo penal. Mas s. ex.ª tinha tido previamente o cuidado de mostrar que o codigo penal não era appblicavel nem pedia ser applicado.

O sr. Alves Matheus: — É applicavel aos bispos, que são cidadãos portuguezes e que podem ser punidos pelas nossas leis, mas não é applicavel ao papa, que é soberano inviolavel.

O Orador: — O codigo penal não póde ser applicado ás pastoraes, porque as não refere, a a lei penal, sendo da interpretação estricta, não se applica aos (...) que na legislação não estejam especificados.