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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas a questão que nos occupa não póde abater-se até ao oodigo penal.

Regula-se pela carta e deve encarar-se á face dos principios que regem as relações superiores entre a igreja e o estado.

Conhecidas as relações que em o nosso paiz existem entre a igreja e o estado, relações que são todas de protecção e de accordo da parte do estado para com a igreja, não ha que combater o placet á face dos principios liberaes, nem é possivel queixar-se alguem com justiça, allegando que dos principios geraes de liberdade se faz uma excepção odiosa para se sujeitarem os bispos a um regimen que está abolido para todos.

É preciso não confundir o placet com a censura previa. A censura previa abrangia a doutrina dos escriptos a que era applicada; o placet não abrange a doutrina catholica, ou puramente religiosa, que é a unica que devem conter as pastoraes e outros escriptos ecclesiasticos. O placet limita-se unica e simplesmente a vigiar e evitar que a pretexto de doutrina catholica sejam inseridas n'esses documentos doutrinas prejudiciaes e contrarias á constituição do estado, á soberania civil e ás relações do estado com os outros paizes.

Posta a questão n'estes termos, é claro que a doutrina religiosa não póde soffrer o menor prejuizo, nem a mais leve quebra pelo facto das pastoraes dos prelados serem sujeitas á inspecção do governo, que é religioso tambem; que é governo de um paiz onde a religião catholica é declarada officialmente religião do estado.

Em taes condições é que eu me admiro muito d'este zêlo e d'este ardor com que os illustres deputados se levantam, declarando que o fazem em nome da religião, como se vissem a religião atacada pelos infieis, ou se tivessem de defende-la contra os hereges.

Os illustres deputados, a quem respondo, não negam, antes reconhecem, como não podiam deixar de reconhecer, que, sendo a religião catholica a religião do estado, é tambem a religião dos membros do governo, e de todos os membros d'esta camara.

Todos seguem e professam a mesma religião, e todos experimentam por essa religião o mesmo zêlo que têem os illustres deputados, todos se acham possuidos das mesmas crenças, em cuja defeza s. ex.ª tanto se exaltam inutilmente, porque ninguem as aggride nem combate.

Que perigo corre, pois, a religião catholica n'uma assembléa de homens que todos a professam e respeitam? Que mal póde fazer á religião catholica um governo composto de homens catholicos, e que é governo de um paiz onde a religião catholica é declarada oficialmente religião do estado? Onde estão os perigos? Que motivos ha para os receios? A que adversarios se dirige essa defeza?

Eu comprehendia, e havia de partilhar o zêlo e o ardor dos illustres deputados, se elles viessem denunciar a este parlamento que houvera um ministro que não deixara publicar uma pastoral, sem que n'essa pastoral se fizessem modificações de preceitos religiosos, ou se inserissem doutrinas contrarias aos dogmas da religião catholica. Então é que eu via a religião em perigo, porque via os preceitos religiosos sujeitos não ao seu natural e competente interprete, o poder espiritual, mas ao poder temporal, ao simples governo de qualquer estado, ou de qualquer paiz.

Mas aqui a questão não é esta. Desde que n'este paiz em tempo algum se negou aos prelados e rev.dos bispos amplo direito de explicarem as doutrinas religiosas, desde que a garantia do placet é unica e exclusivamente para evitar que nas pastoraes, e em outros escriptos que devem conter unicamente doutrinas religiosas, se não vá incluir qualquer outra doutrina que seja contraria á constituição, ao estado ou ás boas relações que todos os governos têem obrigação de manter com os paizes estrangeiros, eu não comprehendo nem este ardor, nem este zêlo em sustentar que periga ou se abate a religião, sujeitando-se as pastoraes ao beneplacito.

O sr. Alves Matheus disse que se levantava em nome da liberdade...

O sr. Alves Matheus: — Apoiado.

O Orador: — Pois se ex.ª se levanta em nome da liberdade para supprimir o beneplacito nas pastoraes, a logica obriga-o a levantar-se tambem em nome da liberdade a pedir a liberdade de cultos. Não vae de certo tão longe o seu amor pela liberdade, não chega a esse ponto...

(Interrupção do sr. Alves Matheus.)

Está claro que se a liberdade de cultos for decretada n'este paiz, s. ex.ª, queira ou não queira, ha de aceita-la desde que ella legalmente existir. Não é d'isso que eu trato agora; trato de saber se a liberdade de cultos será proposta pelo meu illustre amigo, cuje enthusiasmo e cuja eloquencia estão sempre ao serviço da sustentação das idéas liberaes, e que ainda na ultima sessão tanto se exaltou para conseguir a liberdade das pastoraes. É a s. ex.ª que eu pergunto, se quer em nome dos principios liberaes levantar-se tambem para pedir a liberdade de cultos?

O sr. Alves Matheus: — Não a peço, e entendo que não deve adoptar-se.

O Orador: — Eu já o sabia, e estou de accordo com s. ex.ª O meu illustre amigo não só não vem propor a liberdade de cultos, mas foi mais longe. Na ultima sessão o sr. Alves Matheus, referindo-se ao paiz aonde existe essa liberdade, lamentou o estado de aviltamento em que se encontrava n'esse paiz a religião, exercida como industria.

S. ex.ª não quer a liberdade de cultos; está muito longe de ceder a todas as exagerações dos principios liberaes. Agora o que s. ex.ª quer é exagera-los a favor do direito de publicar as pastoraes, reclamando para os bispos a liberdade mais ampla e mais absoluta, conservando ao mesmo tempo na lei fundamental a declaração de que uma determinada religião é religião do estado, a unica que o estado subsidia e sustenta, a unica tambem que o estado respeita, a ponto de punir como crime todas as injurias que sejam feitas a esta religião.

O illustre deputado, com a sua illustração superior, não deve, nem póde estranhar que o estado, desde que identifica uma religião com a sua constituição politica e civil, adoptando o systema que vigora entre nós, e que não discuto agora se é ou não é o mais perfeito, não deve, nem póde estranhar que o estado, que dá ás publicações feitas em nome da religião a maior prova de consideração que se póde dar, adopte ao mesmo tempo uma certa ordem de cautelas e prevenções, nenhuma das quaes é contra a doutrina religiosa, e todas as quaes só existem para que nos escriptos que devem conter só essa doutrina se não introduza doutrina politica, prejudicial ao estado ou ás suas relações com outros paizes.

Estes são os principios que regem não só as relações do governo portuguez para com Portugal, mas as relações do governo de Portugal para com todas as outras nações, com as quaes estamos em paz e boa harmonia.

Este artigo da carta é interpetrado não só por nós, mas por todos os outros governos que comnosco estão em relações.

Dado o caso, como agora se deu, de um prelado portuguez, que pela constituição d'este paiz não póde publicar sem beneplacito uma pastoral religiosa, dado o caso em que esse prelado insulta um governo amigo, pergunto á camara se não podem surgir d'aqui graves complicações diplomaticas com as outras nações? Examinando o nosso pacto fundamental, essas nações têem incontestavel direito a exigir uma reparação das offensas que são dirigidas aos governos dos seus paizes, e que são dirigidas com caracter official; porque a pastoral depois de publicada leva implicito o beneplacito do governo, e se o governo a não reprovar ou a não censurar, confirma-se o caracter official da injuria que leva implicita a approvação do governo, approvação que tanto vale tacita como expressa.

Não é só isto. Admittida a doutrina dos illustres depu-