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APPENDICE Á SESSÃO N.° 56 DE 13 DE ABRIL DE 1896 978-A

Discurso do sr. deputado José Dias Ferreira que devia ler-se a pag. 978 da sessão n.° 56 de 18 de abril de 1896

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, seguindo as antigas praxes parlamentares, discutirei como os illustres oradores que me precederam, com o projecto do orçamento do estado, a situação da fazenda publica.

Antigamente não poucas, vezes era apreciado o estado do thesouro e as condições, economicas e financeiras do paiz, no ponto que mais interessava á causa publica, a proposito de quaesquer medidas de fazenda. Mas o logar mais proprio é de certo o orçamento, onde se verifica, não só se estão descriptas as despezas e as receitas em conformidade da lei, mas se as despezas se contêem dentro das receitas e se a vida economica e financeira tem condições de prosperidade.

Sr. presidente, o meu desaccordo com o governo é tão profundo na questão financeira, como na questão politica.

O governo apregoa que o paiz navega n'um mar de rosas, repete á camara constantemente que a situação financeira tem melhorado muito, e attríbue até os nossos desastres só a dificuldades especiaes do thesouro, e não tambem ás condições perigosas da vida economica.

A minha opinião é abertamente contraria.

É certo que nos habituámos á crise, que por isso não é tão exagerado o panico, que na apparencia estamos mais tranquillos, e que a tranquillidade é tambem elemento que muito contribue para o rejuvenescimento social.

Mas a crise não está, nem póde estar vencida, porque não é uma crise de momento, mas uma crise preparada por meio de trabalhos successivos durante o longo periodo de quarenta annos.

Nem o paiz chegou verdadeiramente a experimentar as dificuldades da crise em toda a sua dureza. O desapparecimento da moeda da circulação, em 1891, não se sentiu de modo palpavel, por ter sido acceito sem grande repugnancia o papel; e a reducção dos juros da divida publica, produzindo uma valiosissima diminuição de encargos desde logo, evitou ao povo a prova dolorosissima de ter chegado o vencimento de um coupon sem poder ser pago por falta de recursos, quer ordinarios, quer extraordinarios.

A crise que atravessâmos não foi um incidente passageiro. Formou-se durante largos annos, e foi consequencia necessaria e fatal dos processos administrativos dos nossos governos.

Os interessados não quiseram, é claro, attribuir nunca os nossos desastres á administração de governos perdularios.

Houve até quem procurasse attribuir a crise ao ultimatum, que, se porventura concorreu para a precipitar, nenhuma influencia exerceu na constituição dos factos que a produziram.

Se o ultimatum tivesse sido a causa da crise, a nossa reconstituição financeira e economica seria prompta, e as dificuldades do thesouro estariam hoje completamente debelladas.

Nem o deficit só por si indica a gravidade da situação financeira. Proporções quasi phantasticas assumiu o deficit no orçamento da despeza do Brazil no anno da guerra do Paraguay, e, todavia, a situação economica e financeira reconstituiu-se promptamente.

E porque foi tão prompta a restauração das finanças d'aquelle povo em seguida a uma crise em que o deficit foi superior a metade, se não á totalidade da receita?

Porque a crise tinha sido consequencia apenas de um incidente de momento, aliás gravissimo.

A guerra do Paraguay perturbara profundamente as finanças brazileiras; mas feita a paz, aquelle riquissimo paiz voltou logo á situação normal.

Desorganisadas estavam as finanças da França em 1870 por causa da guerra com a Prussia.

As despezas militares e de campanha é o pagamento de 900:000 contos de réis de indemnisação á Prussia não podiam deixar de causar grande abalo á situação d'aquelle grande povo, por mais prospera que fosse.

A França, porém, póde com tão grande desfalque nos seus rendimentos e nos seus capitaes.

A Itália mesmo, que chegou a ter as suas finanças completamente arruinadas com as despezas da unidade italiana e com os trabalhos de obras publicas e mais serviços reclamados pela necessidade de manter essa unidade, foi-se levantando, á custa de grandes e successivos sacrificios, do estado lastimoso em que a força das cousas a collocára.

Mas a nossa situação é essencialmente differente.

Outras foram as causas e as origens dos desastres financeiros em Portugal.

A crisea gudissima, que determinou a inconvertibilidade da nota em 1891 e a reducção dos juros em 1892, não nasceu de momento, não foi preparada só em 1889 e em 1890.

Esta crise proveiu de termos vivido sempre de juros de juros durante o largo período de quarenta annos!

Durante esses quarenta annos o systema de governo em Portugal era o seguinte. Levantava-se um emprestimo no estrangeiro para occorrer ás despezas do estado dentro e fóra do paiz, em seguida levantava-se outro emprestimo para satisfazer novas despezas correntes e para pagar os juros do emprestimo anterior, e assim successivamente.

Este systema, ruinoso para o paiz, mas extremamente commodo para os ministros, porque dispensava as remessas de oiro para o estrangeiro, visto pagarem-se os encargos lá fóra com os emprestimos lá fóra levantados, durou á larga até que se negaram a emprestar sem garantia solida os mercados estrangeiros.

Fez-se então o desastrado emprestimo sobre a garantia dos tabacos, com a clausula de ficar a caução na mão do credor!

Não se contentaram os prestamistas com a caução, aliás valiosissima, como é a receita dos tabacos.

Exigiram ainda que o penhor ou garantia ficasse nas mãos dos credores, e, para nada faltar, metteram na companhia a administração estrangeira!

No proprio relatorio do actual sr. ministro da fazenda tem a camara a explicação do modo como a crise nasceu e se desenvolveu, e das consequencias graves que produziu.

Aponto estes factos á camara, menos para apreciar o criterio com que se têem havido as nossas administrações, do que para prevenir o paiz da situação gravissima em que nos encontramos, para elle providenciar, se muito bem quizer.

O relatorio ministerial descreve côr de rosa a situação da fazenda.

É o systema de nos querermos illudir e de querermos illudir o paiz, tornando depois os desastres mais sensiveis por serem menos esperados!

Mas quaes foram os resultados d'esses emprestimos?

Quaes os encargos que nos custaram?

Diz o relatorio de fazenda "que realisámos desde 1869 até ao presente, n'um periodo de vinte e sete annos, sete operações de credito em fundos consolidados, e que a importancia nominal dos titulos emittidos, em virtude d'estas