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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

estabelecendo. Diz um sr. deputado, que a camara tem direito de obrigar o poder moderador...

«Vozes: — Não é assim.

«O sr. Alberto Carlos: — É assim, hei de demonstra-lo.

«O Orador: — Estabelecido o conflicto, o poder moderador deve resolve-lo livre e desembaraçadamente, e fa-lo-ha como entender; mas o ministerio emquanto occupar estas cadeiras não póde consentir por fórma alguma que se imponham limites ao livre exercicio das attribuições do poder moderador (apoiados).

«Uma voz: — Ao que se não póde pôr limites, é ao livre exercicio dos deputados. Não se lhes dão ordens (muitos apoiados).

«O Orador: — A camara deve comprehender a sua situação, como o governo tambem comprehende a sua (apoiados). O governo não póde funccionar com esta camara (apoiados). A camara deve comprehender, que todas as suas attribuições politicas cessaram, e que se não deve occupar senão de actos de pura administração, começando por habilitar o governo, quem quer que elle seja, para que, sem assumir attribuições dictatoriaes, possa governar (apoiados).

«Vozes: — Não apoiado.

«O Orador: — Esta é a doutrina. E se o governo não tivesse outras rasões para declarar ao poder moderador, que ora incompativel com a camara, bastava o que se esta passando. Os srs, deputados estão saíndo das suas attribuições constitucionaes.

«Vozes: — Ordem, ordem».

Seguem-se varios periodos, em que o sr. presidente do conselho manifestou idéas menos exactas e offensivas das attribuições d'esta camara, e conclue por este periodo mais notavel, que será o que unicamente lerei agora:

«O que o ministerio quer é que não se imponha nenhuma pela ao livre exercicio das prerogativas do poder moderador, o que o ministerio quer é que o poder executivo não seja obrigado, por não haver a camara votado a lei de meios, a decretar diclatorialmente a cobrança dos impostos!»

Pelo que acabo de ter, parece me que o sr. presidente do conselho não tem idéas exactas e devidamente reflectidas sobre o importantissimo assumpto de que se trata. Talvez assim não fosse, se s. ex.ª tivesse sido deputado na camara constituinte de 1837 (mas não foi), porque ali estudou se, examinou-se e debateu-se cuidadosamente este e outros artigos da organisação constitucional; e eu, assim como v. ex.ª, sr. presidente, que somos, creio, os dois unicos que fizemos parte d'ella, tendo assento na actual; eu, digo, tomei parte muito activa n'aquelles trabalhos, e meditei-os, e votei-os; e tenho por isso obrigação de ajuizar com mais acerto sobre a verdadeira intelligencia das doutrinas constitucionaes no ponto especial de que nos occupâmos, pois os artigos da constituição de 1838 foram quasi litteralmente transcriptos no artigo 12.° do acto addicional; e depois d'este, não é pelo systema da antiga carta constitucional que nos havemos de regular, mas pelo systema que está vigorando, depois das modificações que o acto addicional lhe introduziu.

Para se apreciar melhor o estado da nossa organisação actual sobre o importante assumpto de que nos occupâmos, convem referir de passagem o que sempre foi respeitado nos fóros da nação portugueza, ainda antes de se estabelererem em artigos e codigos definidos; e qual a marcha e os motivos das modificações que foram successivamente apparecendo até á promulgação do acto addicional.

Nas antigas côrtes, quando os nossos reis pediam subsidios aos povos, não só tratavam de justificar os motivos e fins especiaes e urgentes da sua applicação, mas os procuradores do povo eram severos nas suas considerações, e muitas vezes se recusavam com firmeza aos pedidos mais instantes, porque nas suas procurações vinham de ordinario limitados os poderes para as concessões pedidas.

Depois que as nações modernas começaram a conhecer melhor os seus direitos, e a deriva-los da soberania nacional, trataram de firma-los em leis fundamentaes ou constituições, e consignando diversas garantias para si e para os poderes publicos, que estabeleciam o conjuncto das providencias capitães, foram sempre acautelando o que lhes parecia mais necessario sobre contribuições, e sua arrecadação e applicação ás despezas publicas; e para me limitar ao que se passou mais proximo de nós na Hespanha e em Portugal, bastará dizer, que a constituição hespanhola de 1812, no artigo 338.º conferia ás côrtes o estabelecimento ou confirmação annual das contribuições directas ou indirectas, geraes, provinciaes ou municipaes; mas não tendo ainda as lições da experiencia sobre os modos e meios como o poder executivo sophismaria esta salutar providencia, acrescentou: que as contribuições antigas subsistiriam até que se publicasse a sua derogação, ou a imposição de outras!

Depois da revolução de 1820 os legisladores portuguezes trataram de acautelar este objecto, dizendo no artigo 224.° da constituição de 1822:

«Cumpre ás côrtes estabelecer annualmente as contribuições directas á vista dos orçamentos e saldos que lhes apresentar o secretario dos negocios da fazenda. Faltando o dito estabelecimento ou confirmação, cessa a obrigação de as pagar.»

Esta nossa lei foi mais cautelosa do que a hespanhola, emquanto disse que faltando o estabelecimento ou confirmação das contribuições, não havia obrigação de as pagar; mas por outro lado foi mais restricta, porque tratou sómente das contribuições directas, e nada providenciou sobre as indirectas, talvez porque a maior parte d'ellas estavam consignadas para encargos da divida publica, ou para despezas de corporações e institutos beneficos, e os legisladores receiaram considera-las annuaes como as directas, e que isso produzisse maiores embaraços e viesse talvez abalar o credito publico, etc..

Appareceu depois, no anno de 1826, a carta constitucional, e no artigo 137.° adoptou parte do que se achava na constituição de 1822, deixando permanecer as contribuições indirectas, de que não fallou; mas quanto ás directas ainda estabeleceu que se considerassem permanentes as que estivessem applicadas aos juros e amortisação da divida publica, e fechou o artigo com a disposição generica, analoga á constituição hespanhola de 1812: «Mas as contribuições continuarão até que se publique a sua derogação ou sejam substituidas por outras».

Era manifesto que esta ultima clausula convertia todas estas providencias n'uma tristissima illusão, que mais se podia considerar uma zombaria, porque o poder executivo não tratava dos orçamentos nem de regularisar a receita; quando lhe parecia dissolvia as côrtes, e se estas já tivessem votado a lei do orçamento, e lhe não fosse agradavel, usava do veto conforme os artigos 57.° e 58.°, e não lhe causava isso o menor embaraço, porque as contribuições anteriores continuavam, tanto as indirectas como as directas.

As consequencias de tão illusorias providencias começaram a sentir-se em maior escala depois que se restabeleceu o systema da carta em 1834, porque o esbanjamento dos recursos nacionaes chegou ao maior auge, contrahindo-se em Londres emprestimos avultadissimos (em grande parte sem urgente necessidade), para fazer conversões desnecessarias, que só serviram para auctorisar commissões e pretextar despezas arbitrarias, que regularmente se não podiam justificar; e tudo isto emquanto se estavam repartindo sem fundamentos justificados os importantes valores dos bens nacionaes, etc.

O sentimento nacional, isto é, a opinião publica, reagindo naturalmente contra aquelles abusos e falta de providencias, preparou e realisou a revolução de setembro de 1836.

A Camara constituinte que foi então convocada, e de que v. ex.ª e eu tivemos a honra de fazer parte, começou a