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SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios – os srs. Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Ordem do dia: Conclusão da discussão, na generalidade e especialidade, do projecto de lei n.º 36 (lei de meios) — Explicações dadas por differentes srs. deputados ácerca do mesmo projecto — Approvação, por unanimidade, de uma proposta do sr. Rodrigues de Freitas affirmando os direitos da camara electiva ácerca da votação de leis — Continuação das explicações.

Chamada — 46 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Alberto Carlos, Sá Nogueira, Arrobas, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Ferreira de Andrade, Carlos Bento, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Beirão, Costa e Silva, F. M. da Cunha, Quintino de Macedo, Barros Gomes, Palma, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Ulrich, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Figueiredo de Faria, Almeida Queiroz, Moraes Rego, Nogueira, Mexia Salema, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Affonseca, Marques Pires, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Pedro Roberto, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Villaça, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Pequito, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Eça e Costa, Saraiva de Carvalho, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Coelho do Amaral, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Van-Zeller, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Zuzarte, Barros e Cunha, Augusto da Silva, Nogueira Soares, Gusmão, J. A. Maia, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Paes Villas Boas, D. Miguel Coutinho, Sebastião Calheiros, Thomás Bastos, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey.

Não compareceram — os srs: Pereira do Lago, Bicudo Correia, Lobo d'Avila, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Camara Leme, Mello Gouveia, Pedro Franco, Visconde de Valmór.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Da direcção geral dos trabalhos geodesicos, remettendo dois exemplares da carta topographica de Lisboa.

Foi recebido com agrado.

Representação

Dos quarenta maiores contribuintes do concelho de Chaves, pedindo a revogação da lei de 22 de junho de 1846.

Foi á commissão respectiva.

Participação

Participo a v. ex.ª e á camara que o sr. deputado José Teixeira de Queiroz não compareceu ás tres ultimas sessões e á de hoje por motivo justificado.

Sala das sessões, 2 de junho de 1871. = Antonio José Teixeira.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — É grande a divida em que os poderes publicos d'esta terra estão para com o paiz vinhateiro do Alto Douro e povos que, á sombra do systema restrictivo do commercio dos vinhos d'aquella abençoada zona, para o estrangeiro, descansavam crentes nas vantagens do seu exclusivo privilegio.

Acabou-se com aquelle privilegio, e a commissão especial d'esta camara, que deu parecer sobre o assumpto, disse no seu relatorio: «A industria vinicola do Douro, uma das mais importantes do paiz, reclama a protecção do governo; mas essa protecção são os meios de transporte facil e barato; é o caminho de ferro, são as estradas ordinarias».

Tirámos ao paiz do Douro o privilegio protector da sua especialissima industria, promettendo-lhe em troca o caminho de ferro e as estradas ordinarias.

Foi um contrato bilateral (em rigorosa moralidade), a que annuiram aquelles povos, na convicção de que a palavra dos poderes do estado seria religiosamente cumprida! Não o foi todavia até hoje, e é preciso que o seja, porque é uma divida sagrada.

Que se tem feito até ao presente em favor do paiz do Douro? Estudou-se e decretou-se o caminho de ferro pela sua margem direita, mas nem um palmo se fez ainda. Têem-se estudado alguns kilometros de estrada ordinaria, mas nem um só está em construcção! A divida do estado para com aquelle paiz está inteira e plenamente em pé; é preciso cumpri-la, por honra e dever do estado, e em bem d'aquelles povos, a quem solemnemente se prometteu em troca d'aquillo que elles suppunham a suprema garantia da prosperidade da sua singular industria.

Seduzimos aquelles povos, para que cedessem do seu privilegio, com a promessa solemne das estradas ordinarias e do caminho de ferro, é forçoso cumprir a promessa feita em favor dos principios da liberdade commercial.

Eu entendo que o caminho de ferro e boas estradas não são só remedio para produzir bom e barato, mas para sustentar a genuidade do vinho do Douro; e confio mais na efficacia e milagres do caminho de ferro, do que em quantas peias e restricções tinha o systema restrictivo.

É isto o que eu já disse, com profunda convicção, na sessão de 28 de novembro de 1865; e esta minha convicção tem se avigorado e robustecido cada vez mais.

O caminho de ferro do Douro, senhores, é a salvação do Douro; é a mais poderosa garantia para o desenvolvimento e prosperidade da agricultura transmontana, da de grande parte das duas Beiras, e de uma importante porção do districto do Porto.

A navegação do rio Douro é o que todos sabem; em outro paiz, onde mais se prezasse a vida do homem, estaria prohibida, porque a navegação do Douro é um sorvedouro de vidas, alem de o ser de valiosos capitaes!

Mas, senhores, não é do caminho de ferro do valle do Douro que venho hoje fallar-vos, precisamente é para outro ponto que eu chamo a vossa sisuda attenção. Venho fallar-vos da absoluta necessidade de serem consideradas como estradas reaes algumas estradas perpendiculares ao rio Douro, ou ao futuro caminho de ferro; estradas indispensaveis para que no Douro se produza muito e barato, porque por ellas ha de aquelle paiz ser abastecido de tudo o que precisa para o custeamento da sua valiosissima industria.

E para vos convencer da antiguidade e perseverança

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d'esta minha convicção, offereço-vos, com a devida venia, o que já disse no relatorio, em 25 de maio de 1866, quando apresentei o projecto que tem o n.º 118; é o seguinte:

«Senhores. — A lei de 15 de julho de 1862 denomina estradas reaes directas as que partirem, de Lisboa para as capitães dos districtos administrativos e para os pontos principaes da fronteira, quer essas estradas comecem em Lisboa, quer partam de algum caminho de ferro que as ponha em communicação directa com a capital do reino.

«Denomina estradas reaes transversaes as que ligarem as capitães dos districtos e os pontos principaes da fronteira e do litoral entre si.

«Foi uma medida de occasião e de certa conveniencia para o paiz em geral, porque era preciso assentar e definir quaes estradas ficavam a cargo do governe, quaes a cargo dos districtos, quaes a cargo dos municipios; mas uma medida de injustiça relativa pelas rasões diversas e especiais que se davam da provincia a provincia, de districto a ditricto, pois se nem todos tinham caminhos de ferro, nem portos de mar que servissem da base para d'elles partirem, ou n'elles terminarem as estradas geraes directas ou transversaes, parece-me claro que as provincias e os districtos do litoral, e os que ja têem caminhos de ferro, tinham de ficar, nem podiam deixar da ficar, muito mais favorecidos do que as provincias e os districtos em que não havia uma nem outra cousa.

«Aonde estão, por exemplo, em Traz os Montes e na Beira Baixa os caminhos de ferro e os portos de mar que servissem de base á partida ou ao terminus das estradas reaes? Ainda ninguem os viu

«Tinham, é verdade, terras principaes da fronteira, mas aonde está a bitola para aferirmos o que eram terras principaes ou não principaes?

«De sorte que ha provincias que têem caminhos de ferro, portos de mar e terras principaes da fronteira; ha provincias que têem sómenta portos de mar e terras principaes da fronteira; ha provincias que têem só pertos de mar; e outras apenas terras da fronteira, principaes, ou não principães? Não sei.

«Sei, todavia, que foi d'esta base anomala e injusta que nasceu a classificação e tabellas das estradas reaes, districtaes e municipaes! E d'aqui derivou o beneficio com que umas provincias form attendidas, e a injustiça com que outras foram desconsideradas.

«Por outro lado a classificação das estradas foi feita quando a viação estava muito adiantada em algumas provincias e atrazadissima em outras! Isto é, depois da termos feito, em algumas provincias e districtos, caminhos de ferro, estradas reaes, districtaes e municipaes á custa do cofre geral do estado, fazemos a classificação e tabella geral das estradas reaes; démos a algumas provincias as poucas estradas a que lhes dava direito a base estabelecida; e dissemo-lhes —tudo que não for isso são estradas districtaes e municipaes, e hão de ser feitas á vossa custa! Mais claro ainda; vós tendes concorrido para os caminhos de ferro, estradas reaes e districtaes das outras provincias; nós tambem concorremos, (lá para as kalendas gregas) para algum caminho de ferro que porventura vos seja decretado, e para essas poucas estradas reaes que vos são concedidas; mas a vossa viação districtal e municipal, essa fazei-a vós, se a quizerdes ter, porque os outros districtos não têem nada com isso. Eis aqui o que está o que resulta da injustiça que presidiu á confecção da tabella geral das estradas reaes, no estado em que estavam as cousas quando se fez.

«E como se de uma base tão anomala, como a que serviu para a classificação da viação publica, não resultasse uma desigualdade sufficientememte revoltante, deixando-se a cargo de estado todas as estradas que n'aquelle tempo estavam em construcção, embora devessem ser classificadas como districtaes ou municipaes; e como se isto não fosse beneficio bastante para os districtos favorecidos, tem-se pegado nas verbas votadas para as entradas districtaes e municipaes de todo o reino, e feito com ellas estradas municipaes ás povoações privilegiadas para as ligar com os caminhos de ferro.

«Sei que podem dizer-me que eu, como membro da commissão de obras publicas e da camara electiva, concorri para essa injustiça; concorri de certo; mas venho hoje contricto e arrependido, entoar o penitet me peccati.

«Concorri, mas não sem ponderar no seio da commissão a injustiça da base escolhida para a classificação.

«Concorri, mas não sem propor aos meus collegas, que os rios navegaveis fossem equiparados ao litoral, para ponto de partida das estradas; o que tornava a base mais ampla, mais igual e menos injusta.

«Concorri, mas não sem ponderar a injustiça que resultava em favor dos districtos e provincias que tinham a viação mais adiantada, e contra aquellas que a tinham mais atrazada.

«Concorri, porque, como disse se principio d'este relatorio, era preciso adoptar uma base; e porque os meus collegas da commissão me fizeram reconhecer, como o honrado ministro, os inconvenientes de se fazer n'aquella occasião qualquer alteração nas bases propostas pelo governo; e alem d'isto porque me ficava, e a todos, o direito de iniciativa para propor nova classificação de estradas como fosse justo.

«É usando d'este direito, senhores, que venho hoje fallar-vos em favor da provincia transmontana, que foi a mais prejudicada de todas com a classificação feita em 1862, deixando-se-lhe para serem feitas como districtaes estradas na extensão de mais de 1:100 kilometros, cuja construcção importará em cifra superior a 4.000:000$000 réis, e alem d'estas todas as estradas municipaes que pelo pouco custarão 2.000:000$000 réis!

«Eis aqui, senhores, o que e deixou a cargo da pobre provincia transmontana; não por vontade do governo ou do parlamento, de certo, mas em consequencia da pouco justa base que se adoptou para a confecção da lei de 15 de julho de 1862.

«Senhores, se as provincias que têem portos de mar precisam de estradas para a communicabilidade de seus habitantes, para proteger a sua agricultura, o seu commercio, a sua industria, o que diremos das provincias que não têem portos de mar, esses elementos de prosperidade para os povos confinantes com elles, ou que d'elles se podem utilisar! São de certo as provincias a que faltam portos de mar as que têem mais urgente precisão de uma viação facil e em mais larga escala; no entanto têem ellas sido as menos consideradas, e offereço-vos para exemplo a provincia de Traz os Montes que quasi nada tem, e bem pouco se lhe promette, pela injustiça resultante das bases escolhidas para a classificação das nossas estradas.

«É mister pois, que, conhecendo as forças dos districtos e dos municipios, alarguemos o mappa das estradas reaes e encurtemos o das districtaes e municipaes; deixando a cargo do districto e do municipio sómente as estradas que estiverem em harmonia com as suas possibilidades, porque só assim, e depois bem definido o que a cada um cumpre fazer, e de estabelecida uma justa proporcionalidade de protecção governativa entre todos os districtos do reino, poderá ser proficua a acção do districto e do municipio, applicada aos melhoramentos de viação.»

Eram já estas as minhas convicções e as dos meus amigos, os srs. Augusto Cesar Falcão da Fonseca, Joaquim Pinto de Magalhães e José de Moraes Faria de Carvalho, em maio de 1866, quando sobre um projecte quasi identico ao que venho offereçer-vos, e que elles honraram com a sua assignatura, eu escrevi o relatorio supra.

Mais firme ainda na minha antiga convicção, insisto na obrigação que tem o estado de dar á região vinhateira do Alto Douro o que lhe é devido; isto é, o caminho de ferro e as estradas ordinarias que lhe são indispensaveis para a sustentação da sua custosissima industria agricola; insisto

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na necessidade de diminuir o numero espantoso de estradas districtaes lançadas a cargo dos districtos de Villa Real e Bragança, decretando se como reaes estradas, para que elles não têem, e nunca terão forças para as fazer, e que, ou hão de ser feitas á custa do estado, ou hão de ficar por construir.

Insisto para este fim, que se altere a base estabelecida para a classificação das estradas reaes, ou que se aproveite já para a classificação das que proponho hoje, e das que já propuz em outros projectos, o decretado caminho de ferro do Porto á Regua e Foz do Pinhão, ou se considere o rio Douro como porto de mar, unico que para o effeito podem ter as provincias não confinantes com o litoral, sendo ao mesmo tempo pontos principaes da fronteira todas as capitães de concelho situadas dentro da area de cinco leguas da raia do reino vizinho.

Por esta fórma desapparecerão as injustiças com que foram tratadas algumas provincias, e nomeadamente a de Traz os Montes; por esta fórma será trazida a termos mais rasoaveis e exequiveis a classificação das entradas districtaes, e desapparecerá a descrença n'esta ordem de melhoramentos com a possibilidade de os levar a effeito.

Surprehendeu a muitos o facto de não lançarem as juntas geraes dos districtos de Vizeu, Villa Real e Bragança cousa alguma para estradas districtaes! Quereis saber a explicação? Para mim é obvia.

Esmoreceram e descreram aquellas corporações diante da impossibilidade de fazerem milhares de kilometros de estradas districtaes; e a consequencia é não fazerem nenhuma!

Quereis que desappareça a descrença e o esmorecimento? Quereis que aquelles districtos cuidem da sua viação? Não os trateis como enjeitados; deixae-os compartilhar nos gosos que a mãe commum concede a seus irmãos; deixae para os districtos o que é possivel fazerem os districtos, e as juntas geraes votarão fundos para a construcção das estradas districtaes.

Quereis uma prova do que acabo de affirmar? Olhae para o mappa ha poucos dias publicado sobre o quantum votado por cada junta para as estradas disrictaes, e vereis que as juntas geraes dos districtos mais favorecidos com a viação publica, e a quem se incumbiu a feitura de menor numero de estradas districtaes, foram as que, em regra, votaram maiores quantias para ellas, não as atacou o esmorecimento e a descrença!

Entre as estradas districtaes de Traz os Montes, que eu julgo mais indispensavel passar para a tabella das estradas reaes, encontram-se as seguintes:

1.ª A de Vimioso a Foz Tua, tendo como pontos forçados Izeda, Chacim, Alfandega da Fé, Villa Flor, Carrazeda de Anciães, Linhares.

2.ª A de Vinhaes á Foz do Pinhão, tendo como pontos forçados Valle Passos ou Valle de Salgueiro, Murça, Sabrosa, Provezende.

3.ª De Sabrosa á Regua, tendo como pontos forçados S. Martinho d'Anta e Poiares.

4.ª A de Montalegre á foz do Tamega, por Boticas, Ribeira da Pena, Althey, Mondim de Basto, Freicheiro, Amarante e Canavezes.

5.ª A de Mirandolla ao Mogadouro por Alfandega da Fé

A primeira cortando o centro do districto de Bragança de norte a sul, por terras importantes e terreno fertilissimo, absorve em si parte da estrada districtal n.º 22, de Vimioso a Izeda, na extensão approximadamente de 20 kilometros; parte da n.º 24 de Chacim a Alfandega da Fé, em igual distancia; parte da n.º 25 da Alfandega da Fé a Villa Flor, na distancia approximada de 15 kilometros; ao todo 55.

A segunda contém em si parte da estrada districtal n.º 20 de Vinhaes a Rebordello, na distancia approximada de 20 kilometros; parte da estrada n.º 21, da Bouça a Valle Passos, na extensão de 15 kilometros; toda a estrada n.º 17

de Valle Passos a Sabrosa, na extensão de 30 kilometros; ao todo 90 kilometros. A terceira, atravessando a importante zona entre Sabroza e Regua, absorve toda a parte da estrada n.º 17, entre aquelles dois pontos, na extensão approximada de 25 kilometros.

A quarta, seguindo sempre o importante valle de Tua, abrange parte da estrada districtal 14 de Montalegre a Boticas, na distancia approximada de 25 kilometros; parte da estrada n.º 14 de Boticas a Ribeira de Pena, na extensão de 27 kilomstros; parte da n.º 15 de Ribeira de Pena a Mondim de Basto, na extensão de 25 kilometros; e toda a n.º 12 de Arnoia á foz do Tamega, na extensão de mais de 60 kilometros; ao todo 137.

A quinta, devendo ser a continuação da estrada real de Guimarães a Mirandella, que tem como pontos forçados Fafe, Cavez, Ribeira de rena, Villa Pouca e Carrazedo Montenegro, deve extender-se agora ao Mogadouro, cortando assim de nascente a poente o districto de Bragança; esta estrada absorve tambem em si parte da estrada districtal n.º 25, entre Mogadouro e Alfandega da Fé, na extensão de 30 kilometros.

Vem por esta fórma a diminuir para a viação districtal da provincia 337 kilometros.

Se juntarmos a estes os que são supprimidos pelas estradas da foz do Pinhão a Mirandella por Alijó e Abreiro, e a do caes das Cabanas a Bragança, pelo valle de Villariça e Macedo dos Cavalleiros, que eu já propuz em outros projectos, e cuja extensão avalio em 120 kilometros, teremos, diminuido nos 1:100 kilometros das estradas districtaes da provincia de Traz os Montes 457 kilometros; para os quaes o governo tinha de concorrer com a metade das despezas de construcção, e a importancia das pontes e de grandes obras de arte; não vindo por isso augmentar muito, com os projectos que tenho proposto e venho propor, as despezas a cargo do estado: ficando alliviados de uma despeza com que não podiam os dois districtos, e mais equiparados, que não de todo iguaes, em vantagem e protecção aos mais districtos do reino.

Em vista de quanto deixo exposto, tenho a honra de propor á vossa illustrada consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O caminho de ferro do valle do Douro, ou o mesmo rio Douro, servirão de base para a partida ou para o terminus das estradas reaes, que haja mister para fazer este caminho de ferro, ou o rio Douro, e as capitães dos concelhos da Beira e Traz os Montes, que estão dentro da area de 5 leguas da fronteira de Hespanha.

Art. 2.° São classificadas como estradas reaes:

1.° A de Vimioso a Foz Tua, por Santulhão, Izeda, Chacim, Alfandega da Fé, Villa Flor, Carrazeda e Linhares;

2.º A de Vinhaes á foz do Pinhão, por Valle Passos ou Valle de Salgueiro, Murça, Sabrosa e Provezende;

3.° A de Sabrosa á Regua por S. Martinho de Anta e Poiares:

4.° A de Montalegre á foz do Tamega por Boticas, Ribeira de Pena, Athey, Mondim de Basto, Freichieiro, Arnosa, Amarante e Canavezes;

5.° A de Mirandella ao Mogadouro por Alfandega da Fé, como continuação da estrada real de Guimarães a Mirandella.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 1 de junho de 1871. = O deputado por Valle Passos, Julio do Carvalhal Soma Telles = Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

O sr. Julio do Carvalhal: — Na sessão de hontem, na occasião em que mandei para a mesa um projecto de lei, pedi a v. ex.ª que me reservasse a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas; e visto que s. ex.ª está presente, permitta-me v. ex.ª que eu chamo a attenção do nobre ministro sobre o mesmo projecto.

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S. ex.ª sabe que a provincia de Traz os Montes foi muito desconsiderada na classificação das estradas reaes, em consequencia de não ter portos de mar nem caminhos de ferro, que são a base para a partida das estradas reaes; e como aquella provincia não tem nem uma nem outra cousa, a classificação das suas estradas reaes, por fórma alguma corresponda ás suas necessidades.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Apoiado.

O sr. Falcão da Fonseca: — Apoiado.

O Orador: — No projecto que hontem mandei para a mesa proponho que, para diminuir a injustiça que pesa sobre aquella provincia, sejam declaradas reaes a de Montalegre á Foz do Tamega, por Boticas, Ribeira da Pena, Mondim de Basto, Freixieiro, Amarante e Canavezes. Esta estrada, que se desenvolve pelo valle do Tamega, é de uma grande importancia, e supprime todas as estradas districtaes que estavam decretadas para toda aquella extensão.

A de Vinhaes á Foz do Pinhão por Valle Passos, Murça, Sabrosa e Provezende, esta estrada desenvolvendo-se por um terreno sempre cultivado, e por junto de terras importantes, vae dar saída facil aos vinhos de uma das zonas mais privilegiadas na qualidade dos vinhos finos do Douro.

Propuz que fosse considerada real a de Sabrosa á Regua.

A do Vimioso a Foz Tua, por Izeda, Chacim, Alfandega da Fé, Villa Flor, Carrazeda de Anciães e Linhares, e que a estrada real de Guimarães a Mirandella, por Fafe, Villa Pouca e Carrazedo Montenegro, se estenda ao Mogadouro.

Chamo a attenção do nobre ministro para este assumpto, desejando ouvir a sua opinião, de certo muito auctorisada a este respeito, sobre a utilidade d'estas estradas, e sobre se s. ex.ª, depois de examinada a sua importancia, as toma a seu cuidado e lhes presta a sua approvação. Desejando tambem que nos diga a sua opinião sobre a construcção do caminho de ferro do Porto ao Pinhão, ha muito decretado; e se s. ex.ª entende que elle deve servir de base para d'ella partirem as estradas que a provincia precisa que sejam consideradas como reaes, o que eu julgo indispensavel, ou que seja considerado o rio Douro como porto de mar para aquelle fim, visto que n'aquella provincia não ha portos de mar.

Com o decretamento d'aquellas estradas como reaes fica a provincia de Traz os Montes alliviada de mais de 400 kilometros, na enorme somma de mais de 1:100 kilometros de estradas districtaes, cuja construcção, por motivo d'aquella injustissima base, foi deixada a seu cargo (apoiados).

Aguardo a resposta do nobre ministro.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Eu não quero privar o meu collega, o sr. ministro das obras publicas, de responder ao illustre deputado; mas supplico á camara que não perca de vista que a lei de meios tem de ir para a outra casa do parlamento, á qual devemos dar a liberdade de a discutir como entender.

Por consequencia, eu pedia aos srs. deputados que permittissem que entrassemos já na terminação da discussão da lei de meios, porque depois fica tempo livre aos srs. deputados para fazerem todas as perguntas ao governo, ás quaes elle está prompto para responder.

Eu appello para o patriotismo da camara. Não se diga que a camara se fechou sem lei de meios, porque ella empregou o tempo em negocios, importantes é verdade, mas todos de um interesse secundario, relativamente aquelle a que me refiro.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre o pedido do sr. presidente do conselho, para se entrar já na discussão da lei de meios.

Consultada a camara, decidiu afirmativamente.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 36, lei de meios

O sr. Presidente: — Está inscripto em primeiro logar e tem a palavra o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Tinha pedido a palavra para responder a algumas observações feitas pelo sr. ministro da fazenda e pelo sr. José Luciano; entretanto, é tamanho o meu desejo que esta lei passe, que peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para depois da votação da lei de meios.

Assim não fico privado do uso da palavra, e não prejudico a discussão.

O sr. Faloão da Fonseca: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga esta materia sufficientemente discutida.

Resolveu-se afirmativamente.

Posto a votos o projecto n.º 36 na generalidade foi approvado, e successivamente foram apprtvados sem discussão os artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.º e 7.º, não sendo posta á votação a proposta do sr. Latino Coelho, por se considerar simplesmente questão de redacção.

Entrou em discussão o

Artigo 8.º

O sr. Alberto Carlos: — Sr. presidente, depois que o governo fez a devida justiça ao parecer da maioria da commissão de fazenda, adoptando-o completamente, tenho todo o desejo de abreviar esta discussão, de accordo com as declarações que já fez o sr. relator da mesma commissão; mas ha dois dias, quando fallava o sr. presidente do conselho de ministros, querendo sustentar praticas e deveres d'esta camara, offensivos dos direitos nacionaes, e dos seus representantes, houve da minha parte uma interrupção, que pareceu produzir espanto em s. ex.ª e em alguns membros d'esta camara; e asseverando eu n'essa interrupção a verdadeira doutrina constitucional, prometti demonstra-la logo que me chegasse a palavra, que tinha pedido; mas a inscripção dos oradores (como por outras vezes tem acontecido) foi transtornada, e desordenada debaixo da palavra sobre a ordem! E por isso não posso agora deixar de usar d'ella sobre este artigo, não sé para me desempenhar da promessa que fiz, mas ainda para confundir intrigas e calumnias; e, principalmente, para chamar as attenções da camara e do publico sobre os verdadeiros e salutares fins, extensão e limites das prerogativas dos poderes publicos, segundo os principios da organisação constitucional, que actualmente nos rege.

Eu disse que a minha demonstração tambem é necessaria para confundir calumnias, porque alguem me disse que o espanto, que se manifestou n'esta casa, foi correndo até grande distancia! E em alguma parte fui considerado como um demagogo desatinado! E que as minhas palavras foram tomadas como grande absurdo ou grande desacato!...

Cumpre-me, pois, dar satisfação ao sr. presidente do conselho de ministros, á camara e ao paiz; mas para melhor se apreciarem as ponderações que vou fazer, lerei o discurso do sr. presidente do conselho no ponto em que lhe fiz a minha interrupção, como se acha já publicado no Diario, e lerei mais os periodos que provam a confusão, ou inexactidão de idéas em que s. ex.ª labora sobre materia de tamanha transcendencia governativa.

A pag. 814 do Diario da camara dizia o sr. presidente do conselho: «A pratica constante tem sido que, apenas se apresenta um projecto d'esta ordem, a camara se occupa d'elle immediatamente (apoiados). É o que eu peço; faço exactamente o que pediu a maioria da commissão. Em logar de insistir que o projecto entre já em discussão, não o faço; mas é absolutamente indispensavel que a discussão comece ámanhã (muitos apoiados). E parece-me tambem indispensavel que ámanhã este negocio esteja resolvido n'esta camara (muitos apoiados).

«Vozes: — Não póde ser, não póde ser.

«O Orador: — Quer a camara obrigar o poder moderador a prorogar a sessão?

«O sr. Alberto Carlos: — Certamente tem direito, e obrigação de promover isso.

«O Orador: — Veja v. ex.ª que doutrinas se estão aqui

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estabelecendo. Diz um sr. deputado, que a camara tem direito de obrigar o poder moderador...

«Vozes: — Não é assim.

«O sr. Alberto Carlos: — É assim, hei de demonstra-lo.

«O Orador: — Estabelecido o conflicto, o poder moderador deve resolve-lo livre e desembaraçadamente, e fa-lo-ha como entender; mas o ministerio emquanto occupar estas cadeiras não póde consentir por fórma alguma que se imponham limites ao livre exercicio das attribuições do poder moderador (apoiados).

«Uma voz: — Ao que se não póde pôr limites, é ao livre exercicio dos deputados. Não se lhes dão ordens (muitos apoiados).

«O Orador: — A camara deve comprehender a sua situação, como o governo tambem comprehende a sua (apoiados). O governo não póde funccionar com esta camara (apoiados). A camara deve comprehender, que todas as suas attribuições politicas cessaram, e que se não deve occupar senão de actos de pura administração, começando por habilitar o governo, quem quer que elle seja, para que, sem assumir attribuições dictatoriaes, possa governar (apoiados).

«Vozes: — Não apoiado.

«O Orador: — Esta é a doutrina. E se o governo não tivesse outras rasões para declarar ao poder moderador, que ora incompativel com a camara, bastava o que se esta passando. Os srs, deputados estão saíndo das suas attribuições constitucionaes.

«Vozes: — Ordem, ordem».

Seguem-se varios periodos, em que o sr. presidente do conselho manifestou idéas menos exactas e offensivas das attribuições d'esta camara, e conclue por este periodo mais notavel, que será o que unicamente lerei agora:

«O que o ministerio quer é que não se imponha nenhuma pela ao livre exercicio das prerogativas do poder moderador, o que o ministerio quer é que o poder executivo não seja obrigado, por não haver a camara votado a lei de meios, a decretar diclatorialmente a cobrança dos impostos!»

Pelo que acabo de ter, parece me que o sr. presidente do conselho não tem idéas exactas e devidamente reflectidas sobre o importantissimo assumpto de que se trata. Talvez assim não fosse, se s. ex.ª tivesse sido deputado na camara constituinte de 1837 (mas não foi), porque ali estudou se, examinou-se e debateu-se cuidadosamente este e outros artigos da organisação constitucional; e eu, assim como v. ex.ª, sr. presidente, que somos, creio, os dois unicos que fizemos parte d'ella, tendo assento na actual; eu, digo, tomei parte muito activa n'aquelles trabalhos, e meditei-os, e votei-os; e tenho por isso obrigação de ajuizar com mais acerto sobre a verdadeira intelligencia das doutrinas constitucionaes no ponto especial de que nos occupâmos, pois os artigos da constituição de 1838 foram quasi litteralmente transcriptos no artigo 12.° do acto addicional; e depois d'este, não é pelo systema da antiga carta constitucional que nos havemos de regular, mas pelo systema que está vigorando, depois das modificações que o acto addicional lhe introduziu.

Para se apreciar melhor o estado da nossa organisação actual sobre o importante assumpto de que nos occupâmos, convem referir de passagem o que sempre foi respeitado nos fóros da nação portugueza, ainda antes de se estabelererem em artigos e codigos definidos; e qual a marcha e os motivos das modificações que foram successivamente apparecendo até á promulgação do acto addicional.

Nas antigas côrtes, quando os nossos reis pediam subsidios aos povos, não só tratavam de justificar os motivos e fins especiaes e urgentes da sua applicação, mas os procuradores do povo eram severos nas suas considerações, e muitas vezes se recusavam com firmeza aos pedidos mais instantes, porque nas suas procurações vinham de ordinario limitados os poderes para as concessões pedidas.

Depois que as nações modernas começaram a conhecer melhor os seus direitos, e a deriva-los da soberania nacional, trataram de firma-los em leis fundamentaes ou constituições, e consignando diversas garantias para si e para os poderes publicos, que estabeleciam o conjuncto das providencias capitães, foram sempre acautelando o que lhes parecia mais necessario sobre contribuições, e sua arrecadação e applicação ás despezas publicas; e para me limitar ao que se passou mais proximo de nós na Hespanha e em Portugal, bastará dizer, que a constituição hespanhola de 1812, no artigo 338.º conferia ás côrtes o estabelecimento ou confirmação annual das contribuições directas ou indirectas, geraes, provinciaes ou municipaes; mas não tendo ainda as lições da experiencia sobre os modos e meios como o poder executivo sophismaria esta salutar providencia, acrescentou: que as contribuições antigas subsistiriam até que se publicasse a sua derogação, ou a imposição de outras!

Depois da revolução de 1820 os legisladores portuguezes trataram de acautelar este objecto, dizendo no artigo 224.° da constituição de 1822:

«Cumpre ás côrtes estabelecer annualmente as contribuições directas á vista dos orçamentos e saldos que lhes apresentar o secretario dos negocios da fazenda. Faltando o dito estabelecimento ou confirmação, cessa a obrigação de as pagar.»

Esta nossa lei foi mais cautelosa do que a hespanhola, emquanto disse que faltando o estabelecimento ou confirmação das contribuições, não havia obrigação de as pagar; mas por outro lado foi mais restricta, porque tratou sómente das contribuições directas, e nada providenciou sobre as indirectas, talvez porque a maior parte d'ellas estavam consignadas para encargos da divida publica, ou para despezas de corporações e institutos beneficos, e os legisladores receiaram considera-las annuaes como as directas, e que isso produzisse maiores embaraços e viesse talvez abalar o credito publico, etc..

Appareceu depois, no anno de 1826, a carta constitucional, e no artigo 137.° adoptou parte do que se achava na constituição de 1822, deixando permanecer as contribuições indirectas, de que não fallou; mas quanto ás directas ainda estabeleceu que se considerassem permanentes as que estivessem applicadas aos juros e amortisação da divida publica, e fechou o artigo com a disposição generica, analoga á constituição hespanhola de 1812: «Mas as contribuições continuarão até que se publique a sua derogação ou sejam substituidas por outras».

Era manifesto que esta ultima clausula convertia todas estas providencias n'uma tristissima illusão, que mais se podia considerar uma zombaria, porque o poder executivo não tratava dos orçamentos nem de regularisar a receita; quando lhe parecia dissolvia as côrtes, e se estas já tivessem votado a lei do orçamento, e lhe não fosse agradavel, usava do veto conforme os artigos 57.° e 58.°, e não lhe causava isso o menor embaraço, porque as contribuições anteriores continuavam, tanto as indirectas como as directas.

As consequencias de tão illusorias providencias começaram a sentir-se em maior escala depois que se restabeleceu o systema da carta em 1834, porque o esbanjamento dos recursos nacionaes chegou ao maior auge, contrahindo-se em Londres emprestimos avultadissimos (em grande parte sem urgente necessidade), para fazer conversões desnecessarias, que só serviram para auctorisar commissões e pretextar despezas arbitrarias, que regularmente se não podiam justificar; e tudo isto emquanto se estavam repartindo sem fundamentos justificados os importantes valores dos bens nacionaes, etc.

O sentimento nacional, isto é, a opinião publica, reagindo naturalmente contra aquelles abusos e falta de providencias, preparou e realisou a revolução de setembro de 1836.

A Camara constituinte que foi então convocada, e de que v. ex.ª e eu tivemos a honra de fazer parte, começou a

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trabalhar na constituição que depois se publicou em 1838; mas a commissão que apresentou o projecto das modificações que deveriam fazer-se na constituição de 1822 e na carta, não attingiu logo todo o remedio conveniente sobre o ponto que hoje se questiona, apesar de ser composta de nomes muitos respeitaveis, como eram é barão de Sabrosa, Derramado, Castro Pereira, conde da Taipa, Leonel, José Liberato, Julio Gomes, etc..

Pois no artigo 141.º propunha a mesma distincção do artigo 137.° da carta, acautelado todavia com o final do artigo 224.° da constituição de 1822: «Faltando o dito estabelecimento ou confirmação, cessa a obrigação de pagar».

A discussão e a reflexão apuraram melhor á obra. Viu-se que n'um paiz, onde as contribuições indirectas, abrangendo os redditos das alfandegas e varios outros artigos, constituem á melhor parte dos rendimentos publicos, não podiam considerar se permanentes, ficando como á disposição do poder executivo, sem que os representantes da nação lhes podessem pôr o seu veto annual, quando isso lhes fosse preciso para obrigar aquelle poder a conter-se dentro dos rasoaveis limites do interesse publico, e a prestar-se á discussão do orçamento e exame das despezas publicas, e a conformar se com todas os alterações, ou modificações tributarias e legislativas, que os representantes da nação considerassem uteis; reflectiu se tambem, que a verdadeira protecção do credito publico só podia derivar-se da boa e regular administração da fazenda publica, e que a ingerencia efficaz dos procuradores da nação para fiscalisar e providenciar definitivamente sobre todos os rendimentos publicos, infundiria muita mais confiança nos credores do estado, do que a esteril permanencia das contribuições directas ou indirectas consignadas para os mesmos credores; e então votou-se com firmeza o que se acha consignado nos artigos 131.° e seguintes da constituição de 1838.

Poucos annos se conservaram em vigor aquellas saudaveis disposições, porque a reacção bem depressa fez substituir á constituição o systema da carta; mas não tardaram tambem os mesmos abusos e embaraços, anteriores á revolução de setembro, e, cousa bem singular! não tardou que a opinião publica se apresentasse de novo irritada, e que desfechasse na revolução de 1845, que produziu as lutas e os estragos que todos conhecem; e se não fossem as protecções amigaveis de governos estranhos, e a dedicação profunda de alguns chefes, sabe Deus que desastres teria soffrido a dynastia?!

A reacção triumphante Apresentou em seguida a 1847 quasi os mesmos abusos e desatinos, que já tinham produzido duas revoluções! e como ás mesmas causas se seguem ordinariamente os mesmos effeitos, não tardou que em 1851 viesse uma terceira revolução para ver se punha cobro ás causas de tanta desordem.

Os legisladores mais consciencioso d'essa epocha julgaram então dever apresentar entre as outras providencias do acto addicional, o restabelecimento do artigo 131.° e seguintes da constituição de 1838, que foi quasi litteralmente transcripto no artigo 12.° e seus §§, e desde então ficou esta camara armada de um remedio efficaz, e de facil execução para obstar indirectamente aos abusos do poder executivo, ou ás imprudencias do poder moderador, quando quizesse obstinar-se em subtrahir-se á discussão das leis tributarias, e ao exame do orçamento, etc.; porque á camara dos deputados, não lhe auctorisando a cobrança dos impostos, deixa-o impossibilitado de governar, e se elle quizer precipitar-se fôra da orbita constitucional, terá de lutar com a resistencia legal dos contribuintes e dos tribunaes, que em poucos dias lhe quebrantarão toda a força!

Assim, fazendo esta camara uso das armas e das defezas que o acto addiconal lhe confere no artigo 12.°, pelo simples facto negativo de não approvar a auctorisação para a cobrança dos impostos e applicação das despezas, (facto em si facillimo, e inteiramente dentro das suas attribuições; porque como poder independente ninguem lhe póde determinar como e de que modo ha de resolver), vem, pela necessaria consequencia d'essa faculdade, a estorvar que o poder executivo ou moderador, se ache em circumstancias de realisar a dissolução, ou qualquer outra providencia, que embarace a discussão do orçamento ou algumas outras medidas, reclamadas pela opinião publica — estorvo indirecto mas providencial, que resulta das difficuldades ou impossibilidades legaes, em que o poder moderador não póde legalmente precipitar-se, porque lh'o veda a mesma lei fundamental de que se deriva todo o seu poder.

O sr. Presidente: — Peço licença ao sr. deputado para lhe observar, que as explicações só podem ter logar em nora de prorogação de sessão.

O Orador: — Sr. presidente, eu não estou a dar explicações, estou a fallar e a discutir sobre o artigo 8.°, para restabelecer as verdadeiras doutrinas constitucionaes; se me não tivessem transtornado a palavra, que tinha pedido sobre á generalidade do projecto, e estava proxima a chegar-me, já teria feito as demonstrações da verdadeira doutrina, como prometti quando teve logar a interrupção que fiz ao sr. presidente do conselho, agora estou discutindo sobre o artigo 8.° na especialidade: podia reservar-me para explicações na hora de prorogação; mas se mé compete o direito de o fazer n'este ponto, discutindo o artigo 8.°, que v. ex.ª poz em discussão na especialidade, peço que me permitta a continuação, que eu forcejarei quanto possivel por abreviar.

Para que fizeram os legisladores de 1851 este artigo 12.° do acto addicional, alterando e reformando os artigos da carta? Não foi senão para consignarem uma garantia efficaz, com que esta camara e o poder legislativo se defendessem contra qualquer excesso, ou procedimento menos conveniente dos outros poderes. D'aqui deriva se claramente, que a camara póde não approvar á lei de meios; creio, que ninguem lhe poderá disputar este poder; porque ella é independente e nenhum poder do estado a póde obrigar a fazer o que ella entender, que não é de interesse publico fazer-se, ou a resolver n'este ou n'aquelle sentido. D'este poder de não approvar a lei de meios, deriva se o poder de estudar indirectamente, que o governo a dissolva, ou que a não prorogue, para evitar a impossibilidade de governar, em que se constituiria sem os meios, etc.; e eis-aqui demonstrado, como disse na interrupção do sr. ministro, que a camara póde estorvar e impedir indirectamente certos actos dos outros poderes; por que esses actos os conduziriam á illegalidade que os mesmos poderes não têem direito de praticar e lhe ficam por isso sendo moralmente vedados.

Tenho ouvido dizer que não é assim que se tem praticado depois do acto addicional. Como tenho estado absolutamente separado dos trabalhos legislativos desde 1840 até 1870, não devo occupar-me do que se tem praticado; o que eu trato é de demonstrar o que a camara tem direito de fazer: e se entregando-lhe os legisladores do acto addicional uma defeza, e um remedio proveitoso para obstar á continuação das desordens que produziram tres revoluções successives; se as camaras posteriores não souberam, ou não quizeram empregar essa arma, isso póde contar-se como mais uma calamidade, porque a verdade é que os nossos gravissimos embaraços actuaes são essencialmente derivados d'estas condescendencias e irresoluções desgraçadas, ou d'este esquecimento dos direitos e deveres capitães dos procuradores dos povos; e quanto mais inveterado é o mal tanto maior é a necessidade de clamar pelo emprego do remedio, antes que uma quarta revolução venha duplicar os nossos embaraços, ou fazer estragos de maior alcance...

Na minha interrupção ao sr. presidente do conselho eu disse que a camara tinha direito e obrigação de embaraçar indirectamente, como já expliquei, quaesquer actos dos outros poderes, que estorvassem a discussão do orçamento e a votação das leis tributarias, etc.; demonstrei que ella póde; agora vou demonstrar que tem obrigação de o fazer.

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Para facilitar esta demonstração é necessario remontar ao estudo das finanças, ao que se tem feito e ao que se estava fazendo, e isto me conduz a referir tambem alguma cousa do que se passava na commissão de fazenda, e algumas occorrencias que tiveram logar particularmente entre mim e o sr. presidente do conselho, as quaes não lhe são desfavoraveis até certo ponto; mas são necessarias, para que se manifeste com toda a clareza qual é a verdadeira causa d'este rompimento do governo com a camara, e que esta é victima innocente dos seus esforços, para cumprir o seu primeiro dever, e que em altos brados lhe está sendo todos os dias reclamado por seus constituintes nas representações transcriptas no Diario do governo.

Quando a camara se reuniu na sessão passada, todos os partidos, dentro e fóra da camara, se declararam accordes em que a questão da organisação da fazenda se devia antepor a tudo, e cuidar d'ella com todo o desvelo: ninguem contestará esta verdade. O que eu pensava a esse respeito e a minha humilde opinião sobre os meios que julgava conducentes para conseguir o possivel n'aquelle grande fim, consta da exposição que dirigi aos meus constituintes.

O que o sr. ministro da fazenda apresentou na sessão passada, pareceu-me absolutamente deficiente, ou em boa parte contrario aos intuitos propostos, e pela recusa que achei da sua parte, a respeito da substituição que eu propunha ao projecto da contribuição predial, substituição que s. ex.ª teve em seu poder e não foi discutida na commissão; fiquei entendendo que seria inutil qualquer trabalho isolado para o auxiliar da melhor vontade, pois que elle desprezava um que me parecia da maior transcendencia, e ainda agora o considero tal, e me reservava para o apresentar muito ampliado quando se tratasse das contribuições predial e industrial; e então, sem esperança nem excitamento de qualquer ordem, reduzi-me a silencio quasi completo, e quando principiou esta sessão, achando-me ausente da camara, tive idéas de não voltar, por me parecer completamente inutil a minha comparencia. Entretanto os meus constituintes começaram a representar contra os projectos das contribuições e a encarregar-me de apresentar e solicitar as suas representações, e desde então não me era permittido continuar ausente.

No principio da sessão actual, e particularmente depois da apresentação dos projectos sobre as contribuições predial industrial, e sumptuaria, as idéas de todos os partidos, e as reclamações de todos os pontos do reino continuaram concordes, mas muito mais claras e decisivas, não só para que se tratasse com preferencia das questões relativas aos arranjos financeiros; mas com muita especialidade que se principiasse pela possivel reducção das despezas, discutindo-se os orçamentos, e que sem conseguir essas reducções, se não impozessem tributos novos! Reconhecida por todos esta inevitavel direcção dos trabalhes, não se ella serviu de motivo justificativo para que os partidos dentro d'esta casa annuissem a uma especie de tregua, ensarilhando as armas, sem arrear as suas bandeiras; mas o proprio governo, por vezes pediu, e instou, que se tratasse do exame, e discussão dos orçamentos, e a commissão de fazenda principiou este improbo trabalho pelo orçamente da marinha. Sem nos embaraçarmos com questões de iniciativa, é certo que o sr. presidente do conselho, acompanhado do sr. ministro da fazenda, íam quasi sempre assistir aos trabalhos da commissão; e pelas economias, que na maxima parte foram propostas pelo relator, o sr. Arrobas, pelas relações de amisade que elle tem com o sr. presidente do conselho, e muito claramente pelos esforços que s. ex.ª fazia para resolver as difficuldades que o sr. ministro da marinha apresentava na maior parte dos artigos, era patente que o sr. marquez d'Avila estava decididamente empenhado em que os orçamentos se examinassem, e se discutissem com efficacia, e com e resultado de importantes economias; e que n'este empenho era acompanhado pelo sr. ministro da fazenda e pelo sr. ministro das obras publicas, segundo o que se observou, quando se discutiu o orçamento da sua repartição.

Pela minha parte, apesar de velho, e muito descrente ha muitos annos, acreditei (e ainda acredito) que o sr. marques d'Avila estava decididamente empenhado em que se discutissem os orçamentos, fazendo-se todas as possiveis economias; e assim o manifestei sempre a diversas pessoas, que duvidavam!... e ainda mais eu andava bastante contente com a esperança de que se ía fazer alguma cousa util; talvez porque os velhos são como as creanças, que em certos momentos se esquecem do que se tem passado;... n'esta boa crença, tomei tambem toda a parte que me era possivel para coadjuvar aquelle empenhe; e por vezes solicitava o sr. marquez d'Avila para que fizesse progredir os trabalhos, impellindo os seus collegas da marinha e guerra, onde cada dia se manifestava mais inercia, ou antes mais decidida resistencia!

No meio dos trabalhos da commissão, via-se que o sr. Arrobas tinha feito um profunda exame dos negocios da marinha e ultramar, e tinha conhecimentos e dava explicações muito superiores ás do sr. ministro da matinha; e ainda que nem eu, nem creio que a maior parte dos membros reformistas da commissão tinham conhecimentos especiaes do objecto, não me era difficil apreciar as propostas das reducções e as duvidas que se lhes oppunham, e votavamos com resolução todas as que nos pareciam que tem prejudicavam a marinha, nem o serviço publico; mas nem por isso deixavamos de respeitar as opiniões que alguns dos nossos collegas apresentavam em contrario.

Para satisfazer ás ponderações que elles oppunham á nossa incompetencia, para resolver as questões technicas, e recebendo uma especie de appellação, que n'este sentido foi apresentada pele sr. ministro da marinha, a commissão de fazenda pedia e vote da commissão de marinha sobre certas e determinadas questões em que o sr. ministro oppunha maior resistencia; e aquella zelosa commissão, animada de desejos iguaes aos da commissão de fazenda, da melhor vontade se prestou a vir trabalhar com ella na presença do sr. ministro, e depois de ter resolvido unanimemente todos os pontos controversos, sobre que fôra consultada, no mesmo sentido em que a commissão de fazenda os havia proposto e desejava resolver, confirmou-se a primeira resolução, e o sr. ministro e alguns raspeitaveis membros da commissão, senão ficaram commissão, senão ficaram convencidos, tiveram de ficar vencidos.

Por esta epocha, me parece, que se iam organisando, e desenvolvendo as resistencias que a final produziram a crise actual; a marcha d'esses preparativos, conhecia-se muito bem pelos artigos da imprensa de certas cores politicas; é como se jogavam muitas calumnias contra as resoluções, que a commissão havia adoptado, parecendo-me que era da maior conveniencia responder-lhes de prompto com a apresentação do parecer, eu todo confiado na sincera vontade do sr. marques d'Avila, me dirigi particularmente a elle, pedindo lhe que influisse para que o sr. Arrobas apresentasse quanto antes o relatorio; porque por elle se via que era a cousa mais innocente d'este mundo; e que a maioria da commissão propoz e votou economias de mais de réis 200:000$000, que em nada prejudicam o serviço publico, nem os interesses efectivos e permanentes que rasoavelmente se podem conceder aos servidores do estado.

E n'este ponto seja me permittido fazer duas declarações que devem esclarecer as sinceras intenções que a commissão tinha de não causar embaraços ao governo, e de assegurar a realidade das economias; e vem a ser, que eu e os srs. Barros Gomes e Ulrich tinhamos votado com a commissão de marinha, para que se extinguisse desde já a cordoaria, o hospital, etc.; etc.; mas declarando-se que o sr. Mello Gouveia se oppunha decididamente, e parecendo nos que não eram de grande importancia as economias iramediatas, que essas extinccões produziriam, e que era mais prudente estudar e reflectir pausadamente estes objectos e as modifi-

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cações a que se podiam prestar; julgámos conveniente modificar a nossa primeira votação no sentido em que se apresentou o parecer da commissão. A segunda declaração é que nós reputamos economias reaes e effectives essas que se dizem phantasticas, como as resultantes das vacaturas, que se não podem prover, etc. as dos navios que se não podiam conservar armados, etc. pelo seu estado de ruina etc.; porque segundo nos informou o sr. Arrobas, e ninguem o contestou, as despezas d'essa ordem, logo que estão auctorisadas no orçamento sempre se fazem, porque se transferem para outros artigos não auctorisados, e que foi por este modo que se construiu o quartel de Alcantara, construcção que eu nunca tinha visto auctorisada em parte alguma! E que me causava grande admiração, e servia de argumento para mostrar, que os governos faziam o que muito bem queriam, sem se importarem com as devidas auctorisações! Fui agora saber como isto aconteceu; e se a construcção tem uma certa utilidade, e ao mesmo tempo serve para convencer que a importancia das suas despezas não foi applicada em proveito particular dos que indevidamente a ordenaram; tambem é certo que mostra que as verbas auctorisadas para certas applicações, ainda que se não possam realisar, sempre se gastam em outras applicações que não são de reconhecida necessidade, e por isso é uma economia real, supprimir a auctorisação d'aquellas mesmas verbas, que se não podem gastar no objecto designado, mas que não sendo supprimidas, se gastariam arbitrariamente em qualquer outro.

Tudo correu como fica exposto no orçamento da marinha, e principiou o exame do orçamento do ministerio da guerra, que eu esperava se concluiria depressa com resultados de maiores economias, mas depressa se desvaneceu a minha illusão! Porque o sr. ministro da guerra em logar de promover, começou a oppor duvidas que embaraçaram todo o andamento!

Eu devo declarar antes de tudo, que respeito particularmente o sr. ministro da guerra como um cavalheiro e cidadão muito probo, muito virtuoso e muito digno; e antes de o conhecer pessoalmente pela primeira vez n'esta camara, já fazia de s. ex.ª uma idéa muito vantajosa n'aquelle sentido; e vou até referir uma circumstancia, que corrobora o que acabo de dizer. Ha uma pessoa muito relacionada com outra, que se acha em contacto com s. ex.ª por occasião de serviço publico: na noite em que se principiou o exame do orçamento da guerra aquella pessoa, com outros de amisade, ficaram em minha casa fazendo companhia a minha mulher, cega, como é sabido, ha mais de dezesete annos; quando eu recolhi a casa depois da meia noite, ía mais satisfeito do que nas antecedentes; porque me pareceu que o sr. ministro da guerra estava animado da mesma vontade do sr. marquez d'Avila, para se levar a effeito a discussão do orçamento da guerra; e eu julgava que se ía realisar sem as repugnancias e resistencias que o sr. ministro da marinha tinha apresentado. A minha triste cega percebeu a minha boa disposição de animo, e disse-me que eu tinha obtido alguma vantagem porque parecia satisfeito; e eu referi o que era. A pessoa extranha referiu-me então as distinctas qualidades particulares do sr. ministro; e eu fortifiquei as minhas esperanças com estas informações; mas infelizmente logo na primeira reunião que se seguiu da commissão comecei a desconfiar...

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que entre na questão.

O Orador: — Sim, senhor, eu estou tratando da questão; e não posso deixar de entrar n'estas particularidades, para que seja bem conhecida da nação e d'esta camara a causa especial e ainda não conhecida da crise actual.

Como disse, o sr. ministro da guerra, que na primeira reunião pareceu disposto a todas as reducções, e até que iria adiante da commissão, na segunda já parecia o contrario! Tudo eram embaraços e duvidas; e logo que o relator, o sr. Osorio de Vasconcellos, poropoz reducções no pessoal do generalato, e logo que se poz em duvida a legalidade da nomeação de alguns ajudantes de Suas Magestades, apresentou-se, como na discussão do orçamento de marinha, a incompetencia da commissão de fazenda, que resolveu sobre combinações de serviços militares, etc. etc..

A commissão adoptou o mesmo expediente de pedir á commissão de guerra o seu voto sobre os pontos controversos; mas n'esta conjuntura manifestou-se a desintelligencia de alguns membros da referida commissão! O que alguns embaraços produziu; mas a final convidado o sr. ministro para conferenciar com a commissão de guerra, em repetidas conferencias nada poderam concluir, e a commissão de fazenda póde obter, nem ao menos para assentar as primeiras reducções que o sr. Osorio propozera! Devo referir que no começo das resistencias, laborando ainda na illusão, pedi particularmente ao sr. Luiz de Campos, commissionado pela commissão da guerra para assistir na commissão de fazenda ao exame do respectivo orçamento, que fosse com o sr. Osorio procurar o sr. ministro da guerra na secretaria, a ver se com elle combinavam alguma cousa, para se não gastar tempo inutil na commissão de fazenda; elles annuiram ao meu pedido, impellidos por sentimentos iguaes aos que o motivaram; mas perguntando-lhes no dia seguinte o estado e resultado das conferencias, responderam-me que tudo estava no mesmo estado de duvida e irresolução!

Lembrei-lhes então que era preciso recorrer ao sr. marquez d'Avila, para que elle influisse no andamento, como tinha acontecido na marinha; e eu particularmente por vezes lhe pedi, que visse se conseguia do sr. ministro da guerra, que annuisse ás reducções propostas; e s. ex.ª me promettia sempre que o faria; e para mais qualificar estas minhas instancias, e a boa vontade que eu suppunha no sr. marquez d'Avila, referirei por ultimo, que n'uma das conferencias que a commissão de guerra tinha na sala contigua á da commissão de fazenda, e que tinha entrada por esta, estando o sr. marquez e o sr. ministro da fazenda, e ouvindo eu altercações mais animadas, pedi particularmente ao sr. presidente do conselho, que fosse lá ver se faria marchar aquelle negocio; e s. ex.ª respondeu-me, que ía lá o sr. Carlos Bento, e effectivamente para lá entrou; mas passado pouco tempo tornou-se a ouvir acalorada discussão; e eu tornei a pedir ao sr. marquez, que se elle lá não ía nada se faria. S. ex.ª foi logo; mas passado pouco tempo saíu e atravessou pela casa da commissão de fazenda com passos rapidos, e aspecto de pouca satisfação; e pouco depois retirando-se os membros da commissão de guerra, perguntei a um que passava o que haviam concluido; e elle respondeu-me ao ouvido nada, nada, como no principio.

A final até houve reunião da commissão de guerra que esteve esperando mais de duas horas pelo sr. ministro; e elle não póde comparecer, e até me parece que não mandou participar o seu impedimento! Emquanto nada se podia adiantar no orçamento da guerra, porque o sr. ministro resistia ás reducções propostas, discutiu-se com rapidez e boa harmonia o orçamento das obras publicas; porque o sr. ministro se apresentou com franqueza e bons modos prestando-se ás reducções immediatas, que pareciam possiveis, e encarregando-se de propor modificações no sentido que a commissão indicava, ou pareciam convenientes.

A este tempo já a discussão do orçamento de marinha ía adiantada n'esta casa, e dando-se principio na commissão ao exame do orçamento de fazenda, o sr. relator ponderou as duvidas que poderiam occorrer sobre a legalidade da dotação do sr. Infante D. Augusto, e sobre outras despezas de archeiros, etc.; e o sr. ministro da fazenda pediu que ficasse adiada qualquer resolução para quando se achasse presente todo o ministerio; assim se fez; e n'este adiamento terminou até hoje todo o exame dos orçamentos e veiu apresentar-se a lei de meios! O que se conclue de tudo isto? Parece-me claro. O sr. marquez d'Avila, secundado pelos srs. ministros da fazenda e obras publicas, queria que se

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continuasse a examinar e discutir, addmittindo-se todas as possiveis reducções, que talvez só no ministerio da guerra se poderiam elevar a 400:000$000 ou 500:000$000 réis; mas o sr. ministro da guerra ainda oppoz maior resistencia do que o da marinha, os interesses ameaçados manobraram energicamente, resolveu-se que se aproveitassem os pretextos para declarar, que a camara não podia continuar com a discussão dos orçamentos, e que sendo incompativel com o ministerio devia ser dissolvida; e quando as combinações têem certos apoios, e chegam a certas alturas, não respeitam nenhuns obstaculos.

Ora eu torno a dizer o que já disse, e n'isto faço justiça ao sr. marquez d'Avila, eu tenho a convicção de que s. ex.ª a principio lutou muito contra resistencias; mas não póde mais! Imagino um grande comboio puxado por uma locomotiva de força regular a subir uma rampa, carregaram-no tanto, metteram-lhe tantos passageiros e tantos contrapesos nas carruagens de 1.ª, 2.ª, e de 3.ª classe, que a locomotiva não teve força, e parou. É este o juizo que faço de s. ex.ª

S. ex.ª, e o sr. ministro das obras publicas, o sr. visconde de Chancelleiros, para mim estão fóra de toda a responsabilidade directa n'este negecio; mas os seus collegas esses não, e s. ex.ª tambem tem grave responsabilidade por querer lançar sobre a camara a culpa de se não continuar a discussão dos orçamentos e as leis das contribuições, quando os embaraços derivam todos das resistencias apresentadas pelos seus collegas contra as reducções e contra as economias; arguir a camara das culpas, que só devem attribuir se aos ministros, ou ás pessoas, que tem sobre elles a conhecida influencia, é uma injustiça revoltante. Se s. ex.ª não póde vencer as resistencias, d'onde quer que ellas proviessem, era forçoso que apresentasse a sua demissão declarando o motivo; e então cairia dignamente, e os votos da opinião publica o levantariam. Assim prejudicou-se inevitavelmente, porque me parece que não poderá ser ministro por muitos mezes!

S. ex.ª n'isto não usou da devida prudencia e fez um grande prejuizo á nação.

E aqui está um seu amigo, o sr. Arrobas, a quem o tenho dito repetidas vezes...

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Pondero, que como a continuação da discussão embaraçava-a remessa do projecto para a camara dos pares, pedia ao orador que deixasse votar o artigo, e que reservasse para depois as suas considerações.

O Orador: — Eu convenho n'isso, sem repugnancia, comtanto que me fique reservada a palavra para continuar, e concluir as demonstrtções, que tenho principiado a fazer.

O sr. Pinto de Magalhães: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia do artigo 8.° está suficientemente discutida.

Julgou-se discutida a materia.

Posto á votação o artigo 8.°, foi approvado.

O artigo 9.º foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a v. ex.ª que veja se a illustre commissão de redacção apresenta a ultima redacção d'este projecto de lei, sem demora, para ir para a outra camara.

O sr. Presidente: — Agora vou dar a palavra aos srs. deputados que estavam inscriptos para antes da ordem do dia.

O sr. Pinheiro Borges: — Pedi a palavra para antes da ordem do dia, para fazer uma rectificação.

No Diario da cantara, a pag. 823, quando se trata da discussão do projecto n.º 31 diz-se: «que em 1851 a arma de engenheria fôra commigo pedir ao sr. duque de Saldanha, que os officiaes que estavam prejudicados pelos acontecimentos politicos entrassem na sua devida altura». Eu não podia dizer que foram commigo, porque então natus non erat. N'aquelle tempo era eu estudante da escola do exercito, não tinha a honra de pertencer ao quadro da engenheria. O que eu disse foi: que a arma de engenheria, por accordo unanime, se dirigíra ao sr. duque de Saldanha para aquelle fim e não que fôra commigo; mas ficou-me de memoria este acto de boa camaradagem d'aquella briosa corporação, que foi um exemplo salutar de que me tenho aproveitado.

Tambem a pag. 822, e com relação ao projecto n.º 30, attribue-se-me o ter eu citado o decreto de 12 de setembro de 1866, quando deve ser de 12 de janeiro de 1837. Esta rectificação é importante, porque effectivamente os requerentes referiam-se a uma epocha anterior á indicada no Diario da camara.

Como está presente o sr. ministro da guerra, aproveito ainda a palavra para fazer a declaração de que fiz todos os esforços possiveis para com s. ex.ª, a fim de que se cumprisse a lei da dictadura que foi approvada n'esta casa e comprehendida no bill de indemnidade, que manda entregar á camara municipal de Evora parte dos fossos que circundam aquella cidade.

O sr. Francisco Beirão: — Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei de meios.

Foi approvada.

O sr. Figueiredo de Faria: — São tão conhecidos e vulgares os beneficios que o illustrado soberano de um paiz nosso amigo e aluado tem constantemente dispensado a uma parte de concidadãos nossos, residentes nos seus estados, tratando-os e protegendo-os em tudo sempre de um modo tão positivo, que esta nação jamais esquecerá; e não querendo desmentir o seu timbre de ser grata e generosa, procura agora se não desquitar-se de todo, porque tanto jamais poderá, mas ao menos pagar parte da divida, dando aquelle augusto personagem uma prova de respeito e veneração pelas suas altas qualidades magestaticas, e ao mesmo tempo de reconhecimento e gratidão pela estima e finezas continuadas, que os nossos concidadãos estão acostumados a receber d'elle.

Já a camara vê que me estou referindo ao muito illustrado e virtuoso chefe d'estado da nação brazileira que brevemente será nosso hespede, e não o fiz mais cedo esperando que voz mais auctorisada se levantasse na representação nacional sobre este importante assumpto; mas não acontecendo assim até hoje vespera do seu encerramento, e parecendo-me que a camara não quererá deixar de corresponder ás brilhantes festas de recepção, que se preparam nas duas primeiras cidades do reino, com o seu voto de louvor, e uma manifestação pronunciada de que partilha iguaes sentimentos, mando para a mesa a seguinte moção que vou ter, esperando que seja approvada no seu pensamento, deixando á illustre commissão competente dar-lhe a redacção que tiver por mais conveniente e adequada ao assumpto.

«Proponho que seja consignado na acta, que é summamente agradavel a esta camara a noticia da proxima visita do Imperador do Brazil e sua Augusta Esposa a este paiz; e que na impossibilidade dos eleitos do povo portuguez cumprimentarem por meio de uma deputação a Suas Magestades Imperiaes na sua chegada, por não estarem já reunidos quando se realisar tão fausto acontecimento, desde já se antecipam a dar-lhes as boas vindas, e um testemunho sincero de respeito e consideração pelas suas altas virtudes, e ao mesmo tempo de reconhecida gratidão pela syropathia e estremada benevolencia com que Bempre se têem dignado tratar os nossos compatricios residentes nos seus estados; e esperam que o governo, tendo em consideração os laços de sangue que unem as familias reinantes d'estes dois paizes amigos e irmãos, que fallam a mesma lingua, e as boas relações politicas e commerciaes, que entre elles tem constantemente existido, dará as precisas providencias para que os augustos hespedes sejam recebidos com todas as demonstrações de regosijo nacional e honras devidas á sua alta jerarchia.

«Sala das sessões, 2 de junho de 1871. = O deputado pelo

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circulo n.º 19, José Joaquim Figueiredo de Faria = Visconde de Montariol = Paes de Villas Boas.»

O objecto, sr. presidente, d'esta proposta recommenda-se por si mesmo, e escusado será recordar á camara que a nação portugueza ha de sentirse commovida de enthusiasmo, e ao mesmo tempo de saudade, recordando-se dos seus concidadãos de alem do Atlantico, quando vir no seu seio um Soberano seu verdadeiro amigo e protector, que na illustração, prudencia e tino governativo, entregando-se todo ao difficil officio de reinar, fará avivar-lhe a lembrança do nosso sempre chorado D. Pedro V; como, se chegar á Belgica, avivará a do seu saudoso Leopoldo, o grande arbitro dos conflictos internacionaes do seu tempo.

Esta homenagem espontanea e sincera, alem de ser um tributo prestado ás altas qualidades governativas do primeiro magistrado da nação brazileira e a sua Augusta Esposa, será tambem o cumprimento de um dever, a que por gratidão e amor fraternal estamos obrigados para com aquelles nossos compatricios; pois ao passo que elles se dariam por offendidos com o nosso indifferentismo n'esta occasião tão extraordinaria e solemne, por certo que se congratularão e darão por satisfeitos com todas as demonstrações de regosijo, que no seu paiz natal se fizerem aos augustos soberanos do paiz em que se acham; e muito mais sendo-lhes devedores de estima e distincta predilecção.

Para não tomar mais tempo á camara, termino por declarar que me parece estarmos todos de accordo em que os nossos conterraneos de alem mar bem merecem da mãe patria (apoiados), pois em todas as occasiões que este paiz tem sido acommettido pelo flagello de alguma calamidade publica, tem sido por elles soccorrido com valiosos donativos; e sem embargo de muitos d'elles estarem desde a infancia separados dos lares patrios, e com residencia fixa n'aquelle imperio, nem por isso deixam de subsidiar generosa e patrioticamente os estabelecimentos de caridade d'este paiz e muitos dos nossos melhoramentos publicos, distribuindo e animando o seu desenvolvimento com valiosas sommas, tornando-se por tudo credores da nossa estima e gratidão (apoiados). E finalmente, para a recepção do Imperador do Brazil se não poder limitar a uma simples cortezia official ás galas da realeza, quando se não dessem as rasões especiaos que deixo expostas, e de certo muito attendiveis, bastaria a circumstancia de ser filho do Imperador, que legou á cidade do Porto o coração, e tio do nosso augusto Soberano (apoiados).

Peço a v. ex.ª que, em attenção á natureza d'esta proposta, seja consultada a camara se dispensa o regimento, para ser votada com urgencia.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Tendo lido, a proposta mandada para a mesa pelo illustre deputado, declaro, pela minha parte e em nome do governo, que me associo completamente a que seja lançada na acta esta manifestação da parte da camara, tendente a felicitar o Imperador do Brazil e sua Augusta Esposa, pela sua vinda a este reino.

Entendo que todos os portuguezes não podem deixar de se associar a esta manifestação de regosijo, tributada á pessoa do Imperador, mostrando assim o apreço e consideração que a nação portugueza professa pela nação que o Imperador representa, já pela união intima dos dois povos, já pelas suas relações commerciaes entre si, e já em uma palavra porque esta proposta traduz sem duvida o sentimento unanime de todo o paiz (apoiados).

Foi admittida, e votada a urgencia foi approvada por unanimidade.

O sr. Presidente: — Devo lembrar á camara, que o illustre deputado que fez a proposta, declarou logo que a apresentava salva a redacção.

O que o sr. deputado deseja é que seja approvado o pensamento geral da sua proposta, sem fazer questão da redacção.

Parece-me portanto, para abreviar trabalho, ser conveniente encarregar a commissão de redacção de redigir esta proposta nos devidos termos.

Tem a palavra o sr. Barros e Cunha.

O sr. Barros e Cunha: — Sendo salva a redacção, cedo da palavra.

O sr. Alberto Carlos: — Ouço muito pouco o que se passa na mesa, e então peço desculpa se estou em uma hypothese illusoria; v. ex.ª me explicará.

Parece que se trata de votar que se nomeie uma commissão d'esta camara...

Vozes: — Não é isso.

O sr. Presidente: — Não é para se nomear nenhuma commissfio, mas sim para se fazer uma declaração na acta.

O sr. Alberto Carlos: — Então apoio a proposta com toda a satisfação.

O sr. Dias Ferreira: — Desejo unicamente fazer uma pergunta a v. ex.ª

Eu tinha pedido a palavra quando se discutia o artigo 8.° da lei que foi para a outra casa do parlamento.

O sr. Alberto Carlos começou a fallar; mas, attendendo á necessidade, posta em relevo pelo sr. presidente do conselho, de que o projecto passasse com a maior brevidade n'esta camara, para poder ser remettido para a outra camara, que tinha de o considerar, não continuou as suas reflexões; e parece-me que v. ex.ª disse que as continuaria depois de concluida a votação do projecto.

Ora, como eu queria dar uma explicação sobre essa materia, desejava saber se v. ex.ª dava a palavra aos srs. deputados que aquizessem para explicações ácerca d'aquelle assumpto depois da votação d'esta proposta, ou se essas explicações ficavam para prorogação da sessão.

O sr. Presidente: — A camara o que ha de decidir.

Eu irei dando a palavra aos srs. deputados inscriptos; e a camara decidirá se quer que se prorogue a sessão para explicações.

O que está em discussão não é isso, é a proposta do sr. Figueiredo de Faria para que na acta se faça menção dos sentimentos de benevolencia e gratidão d'esta camara para com Sua Magestade o Imperador do Brazil.

O sr. deputado declarou que sujeitava esta proposta a melhor redacção; e parece-me que a camara se inclina a que seja remettida á commissão de redacção, para a redigir como entender.

Consulto a camara. Os srs. deputados que approvam a proposta n'este sentido, para que seja remettida á commissão de redacção, a fim de a redigir como entender, queiram ter a bondade de se levantar.

Foi approvada a proposta unanimemente, salva a redacção.

O sr. Pereira de Menezes: — Mando para a mesa uma representação dos professores de instrucção primaria do concelho de Ponte do Lima, pedindo que lhes sejam augmentados os seus vencimentos.

Peço a v. ex.ª que mande esta representação ao governo, para decidir a seu respeito como for de justiça.

O sr. Pedro Roberto: — Mando para a mesa duas representações, uma da camara municipal da Villa de Calheta na ilha de S. Jorge, e outra da camara municipal da Ilha Graciosa, pedindo a extincção da engenheria districtal.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Já na sessão passada, creio eu, o illustre deputado o sr. Julio do Carvalhal mostrou desejos de interpellar o governo sobre se aceitava a indicação apresentada por s. ex.ª com relação ao desenvolvimento a dar á viação publica na proyincia de Traz os Montes, e n'esta sessão realisou o seu proposito.

Cumpre-me declarar por parte do governo o seguinte. Acho justissimas as considerações que o illustre deputado apresentou. O governo, este ou outro qualquer, todos os poderes publicos d'esta terra devem tomar a peito o desenvolvimento da viação publica d'aquella provincia.

Effectivamente a classificação das estradas reaes foi su-

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bordinada á existencia de linhas ferreas e de portos de mar; e, como aquella provincia não tem uma cousa nem outra, o resultado foi que a distribuição foi feita desigualmente, e não lhe tocaram estradas reaes.

Entendo portanto que todo o desenvolvimento da viação publica d'aquella provincia deve ser subordinado á idéa da construcção do caminho de ferro do Porto ao Pinhão.

A outra idéa apresentada pelo sr. deputado não póde realisar-se já.

Mas, a ter de se construir esse caminho de ferro, como me parece conveniente, é necessario acommoda-lo ás condições economicas e technicas indispensaveis, para que elle seja instrumento de civilisação.

O parlamento, creio eu, deseja que a respectiva lei tenha execução immediata e prompta; mas isso depende ainda da maneira por que o governo, qualquer que seja, entender que a dever executar.

Tendo respondido ao illustre deputado, aproveito a occasião para pedir a v. ex.ª, sr. presidente, que dê para a discussão os pareceres da commissão de obras publicas sobre duas propostas de lei que apresentei na ultima sessão.

São simples, e da sua approvação depende a regularidade do expediente da minha repartição.

Creio que os srs. deputados não terão duvida em as approvar.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Francisco Beirão: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se, com preferencia a todos os outros negocios que nos estão occupando, concede a palavra a todos os srs. deputados inscriptos sobre o artigo 8.° da lei de meios, e, alem d'isso, a todos os que a pedirem para explicações (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Pequito.

O sr. Pequito: — Eu tinha pedido a palavra quando se discutia o projecto de lei que auctorisa o governo a cobrar os impostos, mas para depois de votado o projecto, porque não queria obstar a que elle fosse remettido com toda a brevidade para a outra camara.

Visto que v. ex.ª me dá agora a palavra, tenho a observar que o sr. Alberto Carlos estava fallando sobre essa materia, e, cedendo da palavra pedíra que se lhe reservasse para mais tarde, porque queria continuar as suas observações depois de votado o projecto.

E peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para depois de fallar o sr. Alberto Carlos.

O sr. Presidente: — Eu não ouvi que o sr. Alberto Carlos tivesse pedido que lhe fosse reservada a palavra.

O sr. Alberto Carlos: — Disse-o claramente.

O sr. Presidente: — Bem. Então tem a palavra o sr. Alberto Carlos para continuar o seu discurso.

O sr. Alberto Carlos: — Eu estava demonstrando que esta camara podia e devia fazer todos os esforços para que se tratasse da discussão do orçamento e do arranjo das finanças.

Já tinha demonstrado que no acto addicional estava consignado, e no nosso systema parlamentar estava introduzido o principio de que esta camara devia resistir contra qualquer tentativa de qualquer outro poder que tendesse a embaraçar a discussão do orçamento, e que tinha o direito de não auctorisar a lei de meios, como recurso para obrigar o governo a prestar-se á discussão, a prorogar as côrtes, etc. pelo receio de não poder governar legalmente sem meios. Sem esta alavanca, o systema da carta podia ser convertido muito facilmente em poder dispotico qualquer governo que o quizesse fazer.

A verdade a este respeito já aqui foi exposta pelo sr. Rodrigues de Freitas, porque effectivamente o systema da carta é muito deficiente, e está disposto para se abusar d'elle, como desgraçadamente se tem abusado ha muitos annos, sem que se tenha dado a devida attenção aos artigos do acto addicional! Agora porém os legisladores do 1871, a maioria d'esta camara, quando restringiu a um curto praso a auctorisação dos meios, é que procurarem pedir que o poder moderador abuse das attribuições que tem marcadas na carta constitucional da monarchia portugueza, modificada pelo acto addicional (apoiados).

Ninguem trata de cercear as attribuições do poder moderador (apoiados). Pois para que foi elle instituido? Foi para conservar a independencia entre os outros poderes do estado, e para regular as suas attribuições dentro da orbita constitucional; mas nós, que conhecemos a historia da discussão do orçamento, sabemos o que infelizmente tem succedido! O orçamento não se tem discutido, continuara todas as despezas que estavam estabelecidas, quando se precisa de certas e determinadas reducções nas despezas publicas não se fazem; e até os governos têem á sua vontade transferido differentes verbas de uns para outros capitulos do orçamento! contra a expressa disposição do acto addicional, no artigo 12.°, § 1.º Sinto, sr. presidente, que assim se tenha procedido, porque as revoluções de 1836 e de 1845, que produziram no paiz grande commoção social, foram já o effeito de se não terem cumprido as disposições da carta constitucional, no sentido rasoavel para que foi outorgada; e Deus sabe por que circumstancias essas revoluções deixaram de ter maiores consequencias!...

Eu entendo, pois, que esta camara cumpre o seu dever, instando para que se cumpra um dos primeiros preceitos constitucionaes, que é a discussão do orçamento (apoiados). Nós devemos pugnar com firmeza, para que seja satisfeita esta grande necessidade e organisada a fazenda. A este respeito comparo os deputados com uns poucos de homens que estivessem encarregados de guardar uma casa que outros homens queriam invadir, casa onde se achavam depositados alguns objectos preciosos, e cuja guarda lhes fôra incumbida. Quando os aggressores pediam que lhes abrissem a porta, para se não verem na necessidade de a arrombarem (como agora inconsideradamente diz o poder executivo, que lhe votem a lei de meios para se não ver na necessidade de os decretar dictatorialmente!), a resposta dos guardas seria como devia ser: «Nós não abrimos a porta, porque o nosso dever é guardar estes objectos que nos foram coufiados, e vocês querem dissipar; nós não lhes mandámos commetter o crime de arrombamento e roubo, mas se o querem commetter, as leis e os tribunaes os punirão. (Riso.)

«Arrombem, mas nós cumpriremos o nosso dever, trancando as portas!»

Applicando a analogia d'este caso ao que está succedendo no parlamento portuguez, entendo que a maioria d'esta camara cumpre o seu dever, instando pela discussão do orçamento e não permittindo que o poder moderador a estorve, dissolvendo a camara, ou que seja habilitado para governar, quando quer prejudicar a nação com o uso prejudicial das suas attribuições; porque não podemos suppor, que o poder moderador, não sendo habilitado com a lei de meios, se queira precipitar, abusando das suas attribuições, porque para tal effeito lhe não competem, nem a lei fundamental lh'os confere antes lhe impõe o rigoroso dever de apresentar e fazer discutir os orçamentos, e prestar contas das despezas publicas, deveres primarios e essenciaes do systema representativo (apoiados).

Conhecida a imperiosa necessidade de discutir os orçamentos, e de votar as contribuições rasoaveis e possiveis para as despezas publicas, confessada essa urgencia pelo governo, e reclamada de todos os pontos do paiz, e demonstrado o dever dos representantes dos povos a tal respeito; para que é que se veiu apresentar a lei de meios, sem restricções, logo que a commissão de fazenda instava por certas reducções e economias; e o sr. marquez d'Avila não póde conduzir algum dos seus collegas na direcção de reducções, que elle tanto promoveu no orçamento de marinha?

O fim não só era claro, mas elle claramente o disse no seio da commissão; é porque a camara tinha de ser dissol-

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vida, porque era incompativel com este governo! Mas se a camara se occupava do rigoroso cumprimento dos seus deveres, se era incompativel, porque se não retirava o governo, para que ella fosse continuando a tratar dos orçamentos e leis de fazenda?

A lei de meios podia muito bem conceder-se, subordinando-se á discussão do orçamento e leis financeiras, e terminaria quando ellas fossem votadas, prorogando-se para esse fim as camaras emquanto fosse preciso.

Quando na commissão se tratou d'este objecto, eu disse ao sr. marquez d'Avila que eu nada tinha combinado com os meus collegas, mas tinha redigido em minha casa os termos em que me parecia que se podia conceder a lei de meios sem prejudicar, antes fazendo activar a discussão do orçamento e leis de fazenda; a minha indicação está consignada n'este papel, que li na commissão, e agora torno a ler para servir de esclarecimento.

«Artigo 1.° Emquanto as camaras legislativas, dentro do primeiro semestre de 1871 a 1872 continuarem effectivamente funccionando para concluírem a discussão e votação do orçamento geral do estado, e dos projectos já apresentados, ou que se apresentarem para a auctorisação e regularisação de toda a receita e despeza do dito anno, é o governo provisoriamente auctorisado a cobrar os impostos estabelecidos, e quaesquer rendimentos publicos, e a applicar o seu producto ás respectivas despezas, regulando-se em tudo pelas leis actualmente em vigor.

«§ unico. Esta auctorisação provisoria se limita restrictamente á hypothese e termos em que é concedida; e fóra d'elles, quaesquer actos e ordens de quaesquer auctoridades serão apreciados na conformidade do disposto no acto addicional, artigo 12° e § 1.º e mais legislação applicavel.»

Como se vê, o meu pensamento era conceder a lei de meios, mas assegurando a continuação da discussão do orçamento e leis de fazenda. O sr. presidente do conselho pareceu-me contrariado nos seus intuitos com esta indicação, mas não teve objecção que apresentar-me senão dizendo «se eu julgava possivel que as camaras ficassem prorogadas e obrigadas a restringir-se unicamente a tratar do orçamento e leis de fazenda, o que elle julgava impraticavel?» Eu respondi que não só julgava possivel essa restricção, mas até muito conforme ao que se tinha manifestado por tantas vezes na camara com geral assentimento, e ainda mais, a julgava muito conveniente para se cortarem muitas questões de pequenos interesses ou despeitos pessoaes que consumiam muito tempo.

Entretanto a maioria da commissão propunha a limitação do artigo 8.°, e eu accedi immediatamente por me parecer mais politica, emquanto obriga o governo a convocar nova camara em curto praso para o obrigar á discussão dos orçamentos, etc, se assim entender que é do seu dever, e ao mesmo tempo previne se contra os calumniadores, que poderiam dizer que a camara actual queria obrigar o governo a proroga-la, etc. para se conservar, etc.

Estes receios não me faziam grande impressão; mas reconheci que bom era prevenir uma vez que se deixavam dispostas as cousas para que os interesses nacionaes não sejam abandonados, e haja brevemente novos procuradores do povo que possam pugnar pelos seus direitos (apoiados).

Mas na discussão que teve logar na commissão occorreu uma circumstancia, que merece notar-se para esclarecimento do publico. O sr. Santos e Silva perguntou qual o acto d'onde o governo concluiu a sua incompatibilidade com a camara — se fôra a votação empatada sobre os bancos e companhias, Ou algum outro? O sr. ministro da fazenda pareceu declarar que fôra a votação empatada!... Mas, redarguindo-lhe o sr. Rodrigues de Freitas que isso não podia ser, porque o sr. ministro tinha approvado o projecto tal qual foi para a camara dos pares; e se não queria passar por contradictorio comsigo mesmo, era forçoso reconhecer que a incompatibilidade com as idéas do ministro tinha sido na camara dos pares, e não na camara dos deputados, quando ainda queria sustentar a mesma votação, em que estava conforme o sr. Carlos Bento. Logo que se apresentou esta observação, o sr. marquez d'Avila declarou que a incompatibilidade existia depois dos discursos dos srs. Latino Coelho e Osorio de Vasconcellos, etc. A isto oppuz eu uma simples consideração, e foi, que me parecia impossivel que se sustentasse com reflexão similhante motivo, pois ninguem poderia admittir que uma camara se julgasse incompativel com qualquer governo só porque dois, dez ou ou mais dos seus membros discutiam por um modo que não parecia conveniente ao mesmo governo; que isto seria o cumulo do absurdo, pois ou havia de haver despotismo governamental, sujeitando-se todos ao gosto do governo, ou havia de haver dissoluções continuadas, porque a cada hora os ministros podiam declarar se incompativeis com as camaras!... Mas, emfim, todas estas ponderações eram infructuosas, porque as resoluções estavam tomadas; e as insistencias da commissão de fazenda para fazer certas reducções e economias eram incompativeis com as vontades dos respectivos ministros, ou de quem podia dirigi-las e determina-las!...

Antes de concluir desejo ainda convidar as attenções da camara sobre o deploravel estado em que se acha a nossa situação financeira, como ella é admiravelmente comprehendida e apreciada nas representações que se têem apresentado a esta camara, e como parece fatal a cegueira do governo em as desprezar, ou marchar de encontro aos pedidos populares tão uniformemente manifestados!...

Todos sabem que temos um deficit enorme; mas o peior de tudo é que vae em progresso, apesar de algumas receitas que se vão creando!... A divida fluctuante, fructo das arbitrariedades, ou imprevidencias, ou abusos de diversos governos, é um veneno que está corroendo toda a substancia publica; porque não só absorve do thesouro juros excessivos, e totalmente desproporcionados aos proventos que se podem auferir dos respectivos capitães; mas o seu mais desastroso resultado é que o seu mesmo excesso attrahe para o thesouro todos os capitães que deveriam ir auxiliar e alimentar a agricultura e todas as industrias; e estas, ou os não encontram facilmente, ou lhes ficam tão caros que prejudicam todos os beneficos resultados que deveriam produzir em condições normaes.

Pela minha parte communiquei em tempo aos meus constituintes as minhas humildes idéas para acudir a este embaraçoso estado; e quando observei no progresso da sessão anterior, que o governo não adoptava providencia alguma plausivel, mantendo-se n'uma desgraçada rotina, e copiando tristemente antigos orçamentos ou projectos!... esmoreci inteiramente e cruzei os braços!...; e, como já disse no principio d'esta sessão, estive ausente por espaço de um mez, com tenções de não voltar. Em verdade a minha presença aqui nunca podia fazer falta; mas n'aquella epocha tambem nada havia que tratar, porque as propostas do sr. ministro da fazenda foram de tal ordem, que a camara não tinha tempo senão para receber e mandar publicar representações de todos os pontos contra as ditas propostas! Tão inconsideradas e impopulares ellas foram!

Agora que a camara parecia em caminho de fazer alguma cousa util, discutindo os orçamentos e fazendo algumas reducções, vendo cortar-lhe o passo, julguei dever levantar-me para protestar pela observancia das garantias constitucionaes, contra as doutrinas que me pareciam erroneas e com que se pretendia a principio manietar esta camara e abafar as suas justas queixas; mas eu protesto que as minhas considerações não envolvem nenhuma idéa demagogica, nem falta de respeito pelo primeiro poder do estado.

Sincera e lealmente respeito esse poder como o fecho da abobada da nossa organisação social, e tambem o respeito pelas qualidades pessoaes e bondosas do seu actual representante. É verdade que nunca tive a honra de tratar com elle em particular (nem a tenho solicitado), mas tambem é

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verdade que todos informam que as suas qualidades pessoaes e a bondade do seu coração em toda a parte se manifestam muito superiores.

Tambem entendo que é nosso dever e de nossa utilidade conservar a dynastia que está vinculada ás liberdades publicas, que devemos encaminha-la, ampara-la e promover-lhe todos os meios de se consolidar; porém ella não se consolidará sem que satisfaça aos fins primarios da sua instituição!

Quando ella esquecer esses fins, ou se deixar induzir por maus conselhos, pela minha parte, como um velho já quasi descrente e desgostoso de tantas illusões, fecharei os olhos e lamentarei no isolamento as desgraças publicas!

Para justificar as doutrinas constitucionaes que tenho defendido, e de que estou possuido, eu não irei buscar os discursos dos nossos admiraveis e saudosos collegas, que aqui se leram hontem, digo os discursos do sr. José Estevão e de outros homens politicos de muito respeito; mas vou ter alguns periodos de um nosso collega muito respeitavel, que se acha presente, o sr. Barros e Cunha. Acham-se no projecto n.º 26.

Diz elle:

«Desde o desabamento do imperio romano, até á revolução de 1789, houve uma luta incessante para firmar o grande principio de que o governo é sómente delegado da sociedade, encarregado de fazer as cousas para que não póde ser suffiçiente, util ou efficaz a acção individual.»

Mais abaixo diz:

É tradição da nossa historia o facto com que honrar nos devemos, que já muitos annos antes da revolução social usavamos com liberdade do direito de reprimir o arbitrio dos réis; e com zêlo guardâmos o bom costume de votar os impostos e fiscalisar as despezas.»

Segue ainda n'outro periodo:

«E como nunca em tempo algum faltou nos conselhos d'estado, nos tribunaes, nos senados, nas assembléas populares, nas juntas geraes, nos municipios e na imprensa quem lisongeie os triumphadores, quem os instigue a ousarem tudo, em breve nos achariamos de novo, para commodidade nossa, reduzidos a uma doce escravidão!»

Finalmente, remata aquelle relatorio as suas profundas considerações com o seguinte periodo:

«Senhores, não esqueçamos que esta garantia (a do artigo 12.° do acto addicional) para a liberdade, para a paz interna, para a fiscalisação da fazenda publica custou trinta e seis annos de combates no campo, na imprensa e na tribuna ao partido liberal.»

A commissão especial que tomou conhecimento d'este projecto, e onde se encontram os respeitaveis nomes dos nossos collegas José Luciano, Nogueira Soares, Dias Ferreira, Barros Gomes, Beirão, Barros e Cunha, e Adriano Machado, relator, manifestou se de accordo com aquellas idéas quando escreveu no seu relatorio o seguinte periodo:

«Vê-se portanto que o principal fim do projecto é resolver as duvidas que se têem suscitado, ou possam ainda recrescer sobre materia que tanta importa á fiel observancia e exacto cumprimento do artigo 12.º do acto addicional, que encerra a mais solida garantia das instituições representativas.»

Eis aqui a verdadeira doutrina, e tenho pena que não esteja presente o sr. presidente do conselho de ministros, porque me parece que não está muito certo d'ella... e precisa medita la!... e eu muito de proposito a quiz auctorisar com a opinião de tão distinctos deputados; porque nem eu sei fundamenta-la com tanta eloquencia, nem julgo que depois de se achar por tal modo auctorisada, poderei, quando manifesto que a professo com igual convicção, ser taxado de demogogo!... por quem possuir intelligencia regular das cousas publicas!...

Aqui vem a proposito lembrar, que o nosso estado actual é por tal modo conhecido, e a opinião publica por tal modo pronunciada, que talvez não tenha havido epocha igual, graças ás representações que os projectos financeiros do sr. ministro da fazenda provocaram de todos os pontos! (e talvez seja este o unico e importante beneficio que taes projectos hajam de produzir!) Mas ao sr. ministro da fazenda quero especialmente recommendar, que estude e medite na representação da camara de Arouca, que se acha publicada no Diario do governo de 16 de maio, n.º 110, que aqui tenho.

O sr. Latino Coelho: — Foi o sr. ministro da fazenda que a apresentou.

O Orador: — Se o fez, o que ignoro, faz-lhe muita honra; mas o que é preciso é que a estude e medite (sem prejudicar o prazer que encontra depois da sua refeição matinal, em ter o tal periodico, que o chasqueia).

Aquella representação tem considerações tão profundas e graves, sobre a nossa situação e necessidades, que eu já disse na commissão ao sr. ministro que a devia mandar copiar em letras grandes, e colloca-la n'um painel defronte da sua cama, para a ter todas as manhãs! Todos os periodos d'esta representação encerram considerações muito graves e serias sobre impostos, sobre economias, sobre empregados publicos, sobre organisação dos serviços, arsenaes, empregados das repartições publicas, etc. etc.; e como eu os não devo ter todos, lerei só por amostra o seguinte:

«Esta camara comprehende assas quanta repugnancia tenham os governos em fazer economias; porque estas só podem realisar-se despedindo muitos empregados, forçando-os a deixar a posição; comprehende, que a uns governos falte a coragem; outros receiam perder a popularidade, o partido; outros ferir interesses de amigos, parentes e afilhados; porém, está demonstrado até á evidencia, que o actual estado de cousas não póde subsistir de modo algum, e que sem grandes córtes na despeza publica não é possivel extinguir o deficit, e suas consequencias; portanto, quem aceita a governação publica n'estas circumstancias é porque se sente com forças, e tem sciencia e coragem para fazer os córtes precisos, e realisar economias tão valiosas como as circumstancias reclamam, aliás não tomaria sobre si tal onus.»

Não lerei mais, porque demora muito; mas eu acho uma importancia especial a esta representação, por ser da camara de Arouca, cabeça do circulo eleitoral que elegeu o sr. Carlos Bento; e como é regular que o procurador conheça e desempenhe a vontade dos seus constituintes, considero o sr. ministro duplicadamente obrigado a satisfazer o que a representação indica. É verdade que ella contém algumas cousas difficeis, tal é a theoria a respeito dos empregados publicos, que julga que a nação tem direito de os despedir logo que não precise dos seus serviços. Parecendo-me sustentavel o direito, não julgo conveniente a sua execução, pelo transtorno social que causaria a deslocação de posições creadas, e que prendem com a sorte de muitas familias; etc. e julgo que as difficuldades das excessivas accumulações dos empregados se devem prevenir de futuro pela organisação, e simplificação dos quadros effectives, entretendo os actuaes servidores como addidos, etc. e preenchendo com elles as vacaturas que forem occorrendo, pois d'esta sorte em poucos annos a reducção se conseguirá sem violentas deslocações e desarranjos de familias, etc.; mas na generalidade das considerações que a representação encerra, ha muito que aprender e que respeitar; e em verdade eu não sei como o sr. Carlos Bento se ha de haver com os seus constituintes, porque eu sei que o mandato politico traz a clausula de preferir o bem geral da nação ao interesse especial dos mandantes eleitoraes; mas n'esta parte o que eu faria, e o que me parece que devia fazer todo o homem melindroso, era ver se a vontade pronunciada dos eleitores sobre certo e determinado ponto se podia conciliar com o bem geral da nação, e n'esse sentido forcejar para convencer os constituintes; mas se o não conseguisse, e se elles persistissem na sua

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maioria contra a vontade do seu procurador, este em tal caso deveria recusar-se á continuação do mandato, porque envolve certa repugnancia que o procurador se opponha á vontade do constituinte, quando este não considera fundadas as rasões que para isso houver; e agora ahi vae uma pequena intriga eleitoral de mistura com alguma maldade da minha parte (riso). Eu não sei quem foi o auctor da representação de Arouca, mas sei que é um homem muito reflectido e muito conhecedor do nosso estado e das nossas precisões, e seria um optimo deputado para a futura camara, para advogar e sustentar os direitos dos povos; e então se eu estivesse no caso dos eleitores de Arouca dirigia uma missiva ao sr. Carlos Bento, perguntando-lhe se elle se conformava com as indicações que a representação contém; e que declarasse os termos em que se obrigava a faze-lo. Se elle respondesse affirmativamente elegia-o, no caso contrario promoveria a eleição do auctor da representação, se elle se acha, como creio, habilitado para ser eleito (riso).

Todos os nossos politicos devem ir ter a representação da camara de Arouca; e ainda convinha que outras pessoas a lessem... O sr. ministro já aqui deu signaes de que a lêra, quando n'uma sessão passada apresentou no seu discurso o seguinte periodo:

«Todos entenderam que o recurso ao credito, de que já se tem abusado demasiadamente, não podia continuar, que a diminuição da despeza, e a creação da receita eram os unicos meios conhecidos de podermos saír das difficuldades financeiras em que nos achavamos.»

Mas quando se procura a pratica d'estas theorias acha-se no final o conselho ao poder moderador, para que dissolva a camara, que trabalhava com empenho no sentido da theoria proclamada!!...

No remate das minhas considerações desejo enviar para a mesa Um additamento á proposta do sr. Rodrigues de Freitas, sobre a nomeação de uma commissão de inquerito, porque ainda que não possa ter seguimento desejo que fique consignada no Diario da camara.

Desde muito tempo eu previa que uma commissão seria indispensavel para ir examinar as secretarias, e coadjuvar os ministros na organisação dos quadros effectivos; pois julgo que não sou temerario quando penso que um ministro rodeado de empregados, mais ou menos interessados contra as reducções dos quadros, etc.; penso, digo, que elle não terá coragem de sobejo para afrontar despeitos, amisades, pedidos, etc. etc.; e a commissão remediaria essas naturaes fraquezas ou condescendencias. Indiquei estas idéas na exposição aos meus constituintes, mas na discussão do orçamento de marinha reconheci mais de perto a necessidade imperiosa d'essa commissão; e como o sr. Rodrigues de Freitas, na sessão passada, tinha apresentado uma proposta para a eleição de uma commissão n'este sentido; quando se nos oppunha que não era possivel no exame e discussão do orçamento fazer todas as reformas, e só uma pequena parte; sendo até certo ponto plausivel esta duvida que alguns membros da commissão, muito respeitaveis, quasi sempre nos oppunham; eu lembrei ao sr. Freitas a necessidade e conveniencia de promover n'esta occasião aquella sua antiga proposta; e confiava que ella seria adoptada por todos; pois que até n'uma das primeiras reuniões que houve na secretaria do reino, onde me parece que já se achava o sr. marquez d'Avila, fallando algum deputado na conveniencia d'aquella medida, o sr. bispo de Vizeu declarou por parte do governo, que nada tinha para oppor, antes estimava que se empregasse aquelle expediente para auxiliar o governo.

O sr. Freitas, por occasião da discussão do orçamento de marinha, apresentou effectivamente a sua proposta; e pareceu-me conveniente addita-la com os seguintes artigos (leu).

Cumpre-me agora concluir, para não estorvar alguns dos meus collegas de apresentarem consideraçõs por ventura mais uteis do que as minhas; mas desejo consignar esta simples observação, e é — que o sr. marquez d'Avila nos disse, que o poder moderador já tinha resolvido o conflicto pela dissolução da camara. Nada me parece mais improprio e injusto, emquanto a camara está deliberando e expondo as circumstancias do paiz e as conveniencias publicas.

Primeiramente deve advertir-se que, levantado o conflicto entre o governo e a camara, são verdadeiramente dois contendores, cujo pleito tem de ser decidido pelo poder moderador; mas este, para o fazer com acerto, deve ouvir ambas as partes, e pesar maduramente as circumstancias da nação.

A parte governo foi expor as suas rasões a seu modo, e sabe Deus se o fez com toda a exactidão e justiça; cumpria ouvir as rasões da camara, e tanto mais quanto esta as manifestava em publico, e as do governo tinham sido expendidas no gabinete, e na ausencia da camara; e d'esta exposição (cuja necessidade e justiça agora será melhor apreciada por alguns illustres deputados, que têem julgado que nada se devia disputar depois de apresentada a lei de meios!) é que o poder moderador e os seus conselheiros deviam colher as verdadeiras rasões para determinar a pendencia contra os que se achassem contrarios á rasão, á verdade, á justiça, e principalmente contrarios aos interesses e desejos da população, isto é, resolver pela demissão dos ministros, ou pela dissolução da camara!

Mas este procedimento, aconselhado pelo senso commum e por todos os motivos, foi postergado; e resolveu-se o pleito antes de ouvir uma das partes contendoras!

Assim marcha a justiça politica d'esta terra, que considero muito infeliz, porque ha grande esterilidade de senso commum!

Tenho concluido as minhas considerações politicas, que julguei necessario expender n'esta occasião solemne, porque serão, segundo penso, as ultimas que terei occasião de fazer n'este logar; e peço desculpa aos meus collegas e á camara de lhes ter tomado tanto tempo.

Tenho concluido.

Leu-se na mesa um officio do ministerio do reino, do teor seguinte:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de participar a v. ex.ª, para conhecimento da camara dos senhores deputados da nação portugueza, que Sua Magestade El-Rei houve por bem decretar que a sessão real de encerramento das côrtes geraes ordinarias se effectue ámanhã, pelas cinco horas da tarde, na sala das sessões da camara electiva, reunidos ambos os corpos co-legisladores, sob a direcção do presidente da camara dos dignos pares do reino, e que por circumstancias occorrentes que impedem Sua Magestade de assistir a esta solemnidade, assistam ao referido acto, por commissão do mesmo augusto senhor, os ministros e secretarios de todas as repartições.

«Deus guarde a v. ex.ª Paço da Ajuda, em 2 de junho de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = Marquez d'Avila e de Bolama.»

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de legislação, e peço que se dispense o regimento para entrarem hoje mesmo em discussão, porque se referem a negocios urgentes.

O sr. Visconde dos Olivaes: — Mando para a mesa as contas da gerencia da commissão administrativa, relativas ao tempo decorrido de 2 de novembro de 1870 a 11 de março de 1871.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Requeiro que a camara seja consultada, a fim de se conceder desde já a palavra aos srs. deputados que a tenham pedido para explicações consementes á discussão do projecto da lei de meios.

Sala das sessões, em 2 de junho de 1871. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

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O sr. Pequito: — Parece-me que essa proposta é inutil, por isso que já o sr. Alberto Carlos deu explicações, e eu já tambem tinha dado as minhas explicações, se não cedesse a palavra ao sr. Alberto Carlos, que já tinha começado o seu discurso, e que o tinha interrompido.

O sr. Presidente: — Está em discussão o requerimento do sr. Beirão.

Foi approvada a proposta do sr. Beirão.

O sr. Pequito: — Eu creio que estou de accordo em muitas cousas com o sr. ministro das obras publicas, que muito sinto não ver presente, e que foi meu nobre e muito distincte companheiro nas antigas lides parlamentares d'esta casa.

Uma das cousas em que estou de accordo com s. ex.ª é em que realmente conviria mais fazer menos discursos e tratarmos com mais seriedade das cousas necessarias e uteis, de que muito precisâmos. É assim que não só não estava preparado para fazer um discurso, mas nem até tinha idéa de pedir a palavra, ainda n'esta occasião, embora solemne. Desviou-mo porém d'este proposito a necessidade de cumprir um dever de gratidão para com o meu illustre collega o sr. Luiz de Campos, que no brilhante discurso que proferiu ha dias n'esta casa teve a bondade de me dirigir algumas expressões agradaveis, devidas não aos meus merecimentos, mas unicamente á extrema bondade de s. ex.ª para commigo.

Ainda que eu não quizesse, via-me forçado a cumprir aquella regra do mestre dos oradores, que diz: de se parce et modeste; regra que, sem animo de censura, vejo tão frequentemente postergada em nossos dias.

Não tenho que dizer de mim, o mais que posso allegar é que na minha vida publica e politica, que já tem sido longa, tenho procurado cumprir como posso o meu dever, e sempre com intenções rectas (apoiados).

Mas esta necessidade de manifestar a minha gratidão para com o sr. Luiz de Campos, torna-se para mim tanto mais imperiosa, quanto realmente me pareceram devidas essas expressões a um áparte que soltei, e que me parece não ter sido exactamente interpretado por s. ex.ª

Quando s. ex.ª no seu brilhante discurso alludiu á repugnancia que, apesar dos espinhos pungentes, os ministros tinham de abandonar as suas cadeiras, disse eu um áparte «não são todos». Creio que s. ex.ª suppoz que eu queria referir me só á minha humilde pessoa.

Ora, s. ex.ª não interpretou fielmente o meu pensamento.

A minha saída do poder não foi para mim sacrificio de nenhuma especie, e tem uma explicação muito simples. Explica-se pelo meu muito mau estado de saude e pela convicção em que estava de que a minha permanencia no poder já não podia aproveitar, vistas as circumstancias, ao paiz, segundo as medidas dos meus bons desejos.

N'essas circumstancias pedi a minha demissão, Sua Magestade houve por bem conceder-m'a; e eu recebia com muita satisfação, porque foi para mim o allivio de um grande peso.

E a prova d'isto é que depois não tratei de me apresentar como candidato, e estou tão satisfeito por estar ausente do poder

Que inda não sinto cousa que mais queira.

Foi pois a principal rasão por que pedi a palavra, e parece-me que o sr. deputado Luiz de Campos não interpretou bem o meu áparte proferido por accasião do discurso de s. ex.ª...

O sr. Luiz de Campos: — Interpretei bem o áparte de s. ex.ª, mas quando me referi a s. ex.ª, não foi porque não quizesse referir-me a outros cavalheiros.

O Orador: — Se o sr. deputado tivesse interpretado o áparte no sentido em que eu o tinha feito, as suas expressões-agradaveis não se dirigiriam só a mim, mas tambem a outros cavalheiros muito mais dignos d'ellas.

Quando eu disse que não era a todos que repugnava deixar aquellas cadeiras (as do ministerio), referi-me ao ministerio de que tive a honra de fazer parte, e de que fui o membro menos conspicuo; ministerio que passou por graves trances e grandes amarguras.

Em janeiro de 1869 houve n'esta camara, em uma votação, uma pequena maioria contra esse ministerio; e, note v. ex.ª, foi n'uma questão que até certo ponto não se podia considerar verdadeiramente ministerial, porque foi na questão da eleição da presidencia da camara que, se tem alguma significação politica, é mais uma questão de regimen e direcção dos trabalhos da camara, do que outra cousa.

Mas o facto é que o ministerio d'esse tempo, de que tive a honra de fazer parte e de que foi muito digno membro o sr. Carlos Bento, actual ministro da fazenda, julgou que até certo ponto se tinha dado incompatibilidade entre a existencia do ministerio e a da camara, e procedeu como entendeu que devia proceder.

Mas qual foi o procedimento d'esse ministerio? Foi elle porventura como o do ministerio actual? Não, sr. presidente. Foi muitissimo diverso (muitos apoiados).

Quer v. ex.ª saber o que o ministerio fez? Não foi dizer a Sua Magestade que entendia que era conveniente a dissolução da camara, como fez este ministerio (muitos apoiados); não se limitou a dizer a Sua Magestade que entendia que havia incompatibilidade entre elle e a camara; disse a Sua Magestade: «deu-se incompatibilidade entre a camara e o governo; nós entregâmos as nossas pastas e pedimos a Vossa Magestade a nossa demissão. (Vozes: — Muito bem.)

Estas é que são as verdadeiras doutrinas constitucionaes. (muitos apoiados). Isto é que é respeitar verdadeiramente a prerogativa da corôa, porque é deixar-lhe toda a liberdade e facilidade na resolução da questão (muitos apoiados).

Mas o que fez o ministerio actual? O que disse elle pela bôca do sr. presidente do conselho? Apresentou-se a Sua Magestade e disse-lhe: «deu se incompatibilidade entre a existencia da camara e a do ministerio; Vossa Magestade resolverá a questão como entender conveniente».

Não deu uma unica palavra, pela qual se entendesse que desejava a demissão; e d'esta fórma Sua Magestade não podia deixar de entender que o ministerio lhe aconselhava que dissolvesse a camara (muitos apoiados).

E entendia muito bem, porque se não fosse este o desejo do ministerio teria dito a Sua Magestade «aqui estão as nossas pastas; pedimos a Vossa Magestade que nos dê a demissão»; e Sua Magestade resolveria como entendesse conveniente (muitos apoiados).

Assim é que fez o ministerio de janeiro de 1869, respeitando o liberrimo exercicio da prerogativa da corôa. E ha porventura alguma similhança entre o procedimento do ministerio de 1869 e o do ministerio actual? Eu entendo que não (apoiados), porque o ministerio actual, fazendo o que fez, disse: «O que convem ao paiz é a minha conservação e não a conservação da camara, e por consequencia resolva Vossa Magestade a questão!»

N'estas circumstancias, confrontando o procedimento d'estes dois ministerios, pergunto qual é o que está mais em harmonia com a essencia do systema representativo, é o d'aquelle que diz á corôa: «Aqui estão as nossas pastas,

dê-nos Vossa Magestade a demissão»; ou aquelle que se limita a dizer-lhe: «A existencia do ministerio é incompativel com a existencia da camara, resolva Vossa Magestade a questão?!» A camara não póde deixar de fazer a devida justiça ao modo por que procedeu o ministerio de janeiro de 1869 (muitos apoiados). E esta differença de procedimento é tanto mais notavel, quanto que na situação relativa de um e de outro ministerio se dá tambem uma differença importantissima.

Toda a camara sabe quaes os principios, qual o grande partido que tinha o ministerio de 1869 (apoiados); e se algum dia se escrever imparcialmente a sua historia, ella dirá que se não foi bom tudo o que elle fez, a sua vontade, os seus desejos, as suas intenções eram que o fosse (muitos apoiados).

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D'esse ministerio tão calumniado se disse tambem n'essa epocha, que elle tinha promovido representações entre os povos, pedindo ao poder moderador a sua conservação! E a verdade ao contrario é que por esse mesmo facto de se quererem apresentar espontanea e livremente differentes representações ao poder moderador pedindo a conservação do ministerio de 1809, foi que elle se apressou a entregar as pastas a Sua Magestade, para que nunca se podesse considerar que tinha havido uma certa pressão sobre o poder moderador no exercicio da sua prerogativa! (Apoiados.)

Quaes são porém o partido, os principios, a popularidade que tem o ministerio actual, que o auctorisem a julgar que a sua conservação é mais util e proficua para este paiz do que a conservação da camara?

O sr. presidente do conselho de ministros disse que « não tinha atrás de si nenhum partido, porque a nenhum a pertencia»; e declarou igualmente que durante a sua longa vida publica e parlamentar tem estado sempre disposto a offerecer os seus serviços ao paiz (apoiados). Effectivamente s. ex.ª tem feito importantes serviços; mas o sr. presidente do conselho não tem partido; creio que os outros membros do ministerio estão nas mesmas circumstancias, porque realmente não sei em que partidos s. ex.ªs estão filiados!.. (Apoiados.) Ora, em taes circumstancias, onde é que s. ex.ª esperam encontrar os elementos da força necessaria não sé para os sustentar no poder, mas para tornar util ao paiz a sua permanencia n'elle? Onde a plausibilidade dos motivos para aconselharem á corôa a dissolução da camara de preferencia á sua saída do ministerio? Eu estou intimamente convencido de que o sr. ministro das obras publicas não aconselhou a dissolução;e sabe v. ex.ª a rasão por que eu tenho esta convicção? É porque sei o nobre caracter que ali está (apoiados).

O sr. ministro das obras publicas foi meu companheiro por muitos annos nas lides parlamentares n'esta casa, e tenho perfeito conhecimento do seu modo de pensar. E sabe v. ex.ª a rasão por que me parece que elle não podia aconselhar a dissolução d'esta camara? É porque não posso acreditar que elle caísse em tão grave contradicção com os seus precedentes. Em 1858, elle e eu, tratando de combater aqui uma das maiores iniquidades de que temos sido victimas, iniquidade que a Providencia, depois de cheia a medida com muitas outras, acabou de punir com a quéda de Sedan; s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, seguindo-se a fallar depois de mim, e tratando a questão com o talento que tem, e que todos lhe reconhecem, disse o seguinte na sessão de 18 de dezembro de 1858:

«Eu confesso com sinceridade que tenho toda a consideração pelos srs. ministros, quando vejo que aos ministros os leva ali o pensamento de fazer alguma cousa, e deixo de a ter quando comprehendo que tomaram sobre si um tão honroso, como difficil encargo, não tendo a consciencia da propria força. Ser ministro é ter certas idéas, é trabalhar pelas levar a effeito, é representar n'este sentido em certo partido, é ter regularidade nos trabalhos, é ter illustração e intelligencia, é ter lealdade nos principios, a fé no coração e a convicção no espirito. Ser ministro não é o resultado de um acaso, nem uma vaidade satisfeita, nem um favor da prerogativa real, nem o apanagio de certa posição. Ser ministro é ter estas qualidades que indiquei, e que são as verdadeiras attribuições de um bom governo e de um bom ministro. Não sei se com estas qualidades se ganham as honras de ser ministro, mas sei que se ganha a força e vigor, que são a primeira honra do governo.»

Depois d'estas sensatas e vigorosas expressões, posso eu ou alguem pensar que o sr. ministro das obras publicas, em taes circumstancias, fazendo parte de um governo organisado e composto de tal modo, havia de aconselhar á corôa a dissolução da camara e a conservação do ministerio? Não posso acredita-lo em honra de s. ex.ª (apoiados). S. ex.ª está effectivamente fóra do seu elemento; não póde viver ali (apoiados). S. ex.ª é para mais altos emprehendimentos, e é pena que se deixe suffocar n'aquella atmosphera (apoiados).

Tinha pedido a palavra unicamente para dar estas explicações, não quero

alargar-me mais para mostrar a situação em que nos achâmos. As cousas passaram, a questão está decidida e não temos mais nada a fazer; mas parece-me realmente que as indicações constitucionaes aconselhavam o ministerio a proceder de outro modo. Quando se olham e consideram as cousas fria e imparcialmente, e eu olho-as e considero-as assim, até porque é mais do que provavel que esta seja a ultima vez que levante a minha voz n'este recinto....

Vozes: — Não é, não é.

O Orador: — Seja-me licito dizer que as indicações constitucionaes, segundo a natureza e essencia do systema representativo, não faziam esperar que por parte do ministerio se desse á corôa tal conselho (apoiados).

Eu comprehendia que o partido regenerador, chamado ao poder, aconselhasse a dissolução. Comprehendia que o partido historico, ao qual eu tive a honra de pertencer, e com cuja camaradagem me honro muito, aconselhasse tambem á corôa a dissolução, se esse partido fosse chamado ao poder (apoiados). Finalmente, comprehendia até que o partido reformista, chamado ao governo, podesse, em dadas circumstancias, e seguindo as indicações constitucionaes, dar dentico conselho (apoiados). Mas o que nunca pude comprehender foi, que este ministerio aconselhasse a Sua Magestade El-Rei, que a sua conservação no poder era preferivel, para a causa publica, á conservação da camara. Na minha longa vida politica nunca vi um facto assim, e declaro a v. ex.ª que não esperava este desfecho (apoiados).

Não quero alongar mais as minhas considerações, que vieram talvez um pouco fóra de tempo. O que eu quiz foi deixar consignada a minha opinião. Eu entendia as cousas assim; o ministerio entendeu-as de outro modo e procedeu n'essa conformidade. Fica a cada um o direito livre de apreciar os factos. Se fosse n'outra conjunctura, eu poderia fazer algumas considerações em relação a certas phrases, pronunciadas pelos illustres deputados os srs. Luciano de Castro e Santos e Silva, cujos talentos eu considero e respeito. Mas os factos deram-se, e agora pertencem só ao passado.

Limito-me pois só a acrescentar que, em vista de tal resolução, que acatâmos devidamente, aguardâmos a morte, não só com resignação, mas até satisfeitos, porque entendemos termos cumprido o nosso dever.

Diz a historia, que os primeiros navegadores que descobriram o archypelago, que em uma de suas ilhas deu berço ao nobre presidente do conselho, encontraram na praia uma estatua que lhe apontava com o dedo para o occidente, como indicando a existencia do novo mundo.

Tendo defendido um grande principio — a reducção das despezas publicas e o augmento de receita — sustentando a igualdade perante a lei, parece-me que os deputados reformistas, desfraldando a sua bandeira e apontando para um mundo novo, o mundo do futuro, se podem dirigir ao sr. presidente do conselho e dizerem-lhe:

Ave preclarissime praeses morituri te salutant.

Tenho concluido.

(Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

O sr. Francisco Mendes: — Não entrei na discussão da lei de meios, por isso que, quando desejei faze-lo, a discussão corria já tão larga e illustradamente que, não podendo as minhas palavras exprimir novas idéas, entendi que não mereceriam a attenção da camara; uso agora da palavra simplesmente para explicar o meu voto.

Desde o momento em que eu vi o nobre presidente do conselho de ministros declarar que era incompativel com esta camara, foi opinião minha que não se podia votar a lei de meios, e surprehendeu-me quando lh'a vi apresentar.

Digo que me surprehendi, porque significando a lei de meios, segundo a minha opinião, a concessão de um voto

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de confiança, votar-se a lei de meios era conceder-se um voto de confiança, que a camara não podia ter no governo que se declarava incompativel com ella (apoiados). Por consequencia, creio que o mais regular era ter-se rejeitado a lei de meios, e seria isso o que eu faria, se não me prendesse a consideração de ter o sr. presidente do conselho declarado hontem que aceitava finalmente as restricções apresentadas pela maioria da illustre commissão de fazenda, e se não fosse tambem a consideração de pretender evitar o perigo de uma nova dictadura (apoiados).

Dada esta explicação, peço a v. ex.ª que me permitta tambem emittir a minha opinião relativamente á dissolução.

Eu considero a dissolução inconvenientíssima (apoiados). Considero a dissolução inconvenientissima, não só porque ella vae adiar a resolução da importante questão de fazenda (apoiados), mas tambem pelo profundo abalo e pela profunda descrença que vae decididamente produzir no paiz (muitos apoiados).

Lamento que os conselheiros responsaveis não aconselhassem o poder moderador, que no espirito da carta constitucional deve estar o simples uso das regias prerogativas (apoiados).

Eu tenho o maior respeito pelo augusto chefe do estado; no entanto, como representante do meu paiz, entendo que é rigoroso dever meu manifestar-lhe aqui a minha opinião. Não se julgue por fórma alguma que influa no meu espirito, para me pronunciar assim contra a dissolução, qualquer consideração de interesse proprio (apoiados).

Não me entristece ter de deixar esta casa; as suas cadeiras não me prendem. Os meus collegas do districto podem attestar que em 1869, pertencendo a uma camara que foi dissolvida pelo meu partido, eu rejeitei a reeleição com que os meus conterraneos pretendiam honrar me (apoiados); e podem igualmente attestar que, se agora voltei de novo á camara, foi porque um circulo vizinho me foi generosa e espontaneamente offerecer a candidatura (apoiados). Esse circulo, que tenho a consciencia de não ter, não por falta de desejos, mas por falta de competencia, podido representar dignamente, estou certo de que, apesar d'isso, ainda me não retirou a sua confiança (apoiados), e que se eu aqui quizesse voltar, elle me continuaria a sua benevolencia, benevolencia que de certo valeria bem mais do que a força da auctoridade... do que a vontade do sr. presidente do conselho (apoiados). E eu sinto que o nobre presidente do conselho não esteja presente, porque podia, com a propria experiencia, assegurar a v. ex.ª a verdade das minhas palavras.

Em 1868, sendo a minha eleição combatida pelo sr. presidente do conselho, os eleitores de Vizeu tiveram a honra de o vencer.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Coelho do Amaral: — V. ex.ª tem a bondade de me dizer como fez a inscripção? A que estava feita era para explicações.

O sr. Presidente: — Eu inscrevi a todos conforme as declarações que faziam. Uns pediam para explicações, outros para requerimentos e eu inscrevia-os n'esse sentido.

Agora vae ler-se um requerimento mandado para a mesa pelo sr. Luciano de Castro.

Leu-se na mesa, e é o seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam declarados urgentes os pareceres da commissão de legislação que mandei para a mesa, a fim de ser dispensada a impressão, e entrarem desde logo em discussão.

Sala das sessões, 2 de junho de 1871. = José Luciano de Castro.

Foi approvada a urgencia d'este requerimento.

Leram-se na mesa os dois pareceres a que se refere este requerimento, e nenhum foi declarando urgente.

O sr. Caldas Aulete (para um requerimento): — Mando para a mesa a seguinte moção de ordem (leu).

O sr. Presidente: — Lembro aos srs. deputados que isto não são requerimentos; são propostas que têem de ser discutidas e que vêem interromper os trabalhos da camara.

Tem a palavra o sr. Barros e Cunha sobre a ordem.

O sr. Barros e Cunha: — A minha moção de ordem é, creio eu, partilhada pelo sentimento de todos os meus collegas. Diz assim: «A camara presta homenagem á imparcialidade com que o seu digno presidente, dirigiu os trabalhos das suas sessões, e manda consignar na acta esta declaração».

Eu tinha obrigação de propor aos meus collegas esta moção, que significa ao mesmo tempo o meu reconhecimento pessoal para com v. ex.ª e o meu reconhecimento pessoal para com todos os meus collegas d'esta camara, aos quaes declaro que, se nas discussões apaixonadas que tive aqui, alguma vez em que fui mais vivo na manifestação das minhas idéas, proferi phrase que lhes podesse ser desagradavel, desejo e peço que a esqueçam completamente; e isto muito principalmente se dirige a um meu illustre collega com quem ultimamente tive uma pequena discussão um pouco mais acalorada, mas que não partia senão do modo por que eu tinha interpretado uma interrupção.

Eu não levo, da camaradagem que tive com todos os partidos, e até mesmo com o partido reformista, com o qual de principio se accendeu guerra sem limites; não levo senão recordação muito grata e a convicção plena do grande numero de talentos que existem aqui, alguns dos quaes ainda se não tinham revelado tanto quanto seria para desejar, e tanto quanto de futuro se revelarão, e ao mesmo tempo muita consideração dos collegas com quem mais de perto tratei.

Se v. ex.ª me permitte direi agora que tendo sido hoje citado um documento, que tive a honra de apresentar a esta camara, e que mereceu a sua approvação por unanimidade, n'um projecto de lei em que está consignado o principio verdadeiramente liberal que existe nos codigos mais livres, e que se pratica em Inglaterra, como hontem foi referido pelo sr. Latino Coelho; se v. ex.ª, digo, me permitte, direi agora que sustento toda a doutrina que ali exprimi e que só o que sinto é que, da primeira vez que ella foi apresentada n'esta casa, na fórma de um voto de louvor ás juntas geraes de districto, não tivesse merecido ao sr. deputado Alberto Carlos a mesma sympathia. Então, mal tinha caído na mesa da presidencia essa mesma doutrina, o meu amigo o sr. Alberto Carlos, a quem conheço de longa data, e a quem presto a maior homenagem tanto á sua pessoa como á boa fé das suas convicções, foi o primeiro membro d'esta casa que se levantou contra... até contra a sua admissão.

Uma voz: — Não se oppoz.

O Orador (mostrando o Diario da camara): — Peço perdão. O que consta d'este documento é que o sr. Alberto Carlos se oppoz a que fosse admittida a minha proposta á discussão; porque pediu a palavra contra, quando v. ex.ª propoz a sua admissão. A doutrina era então a mesma que é hoje. Pois o sr. Alberto Carlos refutou-a. Votou em seguida para que a minha moção fosse á commissão especial. Votou depois contra a votação nominal, que eu requeri, e para coroar a obra votou que esta doutrina, que hoje cita, estava prejudicada pelo voto da lei de meios, que tambem votou sem restricções, a este mesmo ministerio; foi portanto o illustre deputado a primeira pessoa que repelliu e atacou a minha proposta que hoje adopta com tanto fervor. Votou-a depois, de certo, remindo-se completamente d'aquelle ministerialismo exagerado que n'aquella occasião dedicava ás mesmas pessoas ou parte das mesmas pessoas que se sentam actualmente nos bancos ministeriaes; digo, remido d'esse ministerialismo, remiu-se de uma falta mais grave quando votou na minha proposta, a doutrina que primeiro tinha rejeitado, do que lhe devo agradecimento, e

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pelo favor com me honrou votando-a, e pelo maior favor ainda de citar as rasões em que se fundou essa proposta, que para mim e para os meus amigos foi sempre principio liberal.

O que vou dizer não o faço por independencia nem por excentricidade. Declaro, que votava a lei de meios sem restricção de qualidade alguma, e a rasão é porque eu me achava comprometido a votar d'esta maneira para que não soffresse o principio de resistencia aos impostos legalmente cobrados, que a camara tinha votado na proposta que o sr. deputado por Coimbra acaba de citar.

Nós tivemos uma conferencia com o governo, eu e o meu illustre collega o sr. Adriano Machado. N'essa occasião o governo categoricamente perguntou, porque já pairava na atmospbera a crise que n'uma das sessões anteriores eu tinha declarado n'esta casa, mas contra a qual os meus illustres collegas tinham protestado; digo, o governo n'aquella occasião muito categoricamente perguntou se a lei auctorisando a resistencia ao imposto, sem voto do parlamento, tinha por fim levantar mais difficuldades, para o governo ter de declarar-se em dictadura collocando-o em embaraços para occorrer ás necessidades inpreteriveis da fazenda, no caso de haver crise entre a camara e o governo? Nós immediatamente declarámos que não.

Portanto, depois de uma tal lei ter passado n'esta casa, votando por ella os membros do gabinete, que são deputados; se os homens que tinham dado a sua palavra de que só queriam fazer passar um grande principio para a legislação, viessem reunir se á votação de restricções tão pronunciadamente acintosas, difficilmente poderiam lavar-se de uma deslealdade que nenhuma explicação poderia attenuar.

Ainda o sr. Alberto Carlos foi menos justo quando quiz increpar o partido historico de muito condescendente com o que hoje chama inercia do gabinete.

Na sessão de 18 de novembro propuz eu que a camara solicitasse do governo as propostas sobre economias e reformas.

O sr. presidente do conselho (o mesmo que é hoje) viu n'isso uma censura; e o illustre deputado foi dos que mais o applaudiu, e todo o partido reformista me censurou aqui e na imprensa, a ponto de que tive de retirar a minha proposta.

Pois era o mesmo sr. marquez d'Avila, o mesmo sr. Carlos Bento, o mesmo sr. Alberto Carlos. Só ha de menos o sr. bispo de Vizeu (apoiados).

Eu, sr. presidente, entendo sempre a mesma cousa. Respeito aos principios, respeito á lei, primeiro do que tudo, e não appello nunca para as revoluções senão contra as revoluções.

Quanto porém ás minhas idéas ácerca do direito que a camara tem, e do dever de restringir constantemente ao governo a lei de meios para o obrigar a discutir a lei permanente da receita e despeza geral do estado, tambem não preciso appellar para a auctoridade do meu collega, não careço d'ella, acho me diante de s. ex.ª, por infelicidade minha contra o seu proprio voto na proposta por mim apresentada n'esta casa na sessão de 15 de novembro de 1870, quando o governo pediu a auctorisação para cobrar os impostos; já então eu propuz a restricção até 15 de janeiro de 1871; encarnara, pelo mesmo sentimento politico, e pela unificação com o sr. presidente do conselho, rejeitou este meu additamento. E o sr. deputado Alberto Carlos foi um dos que então o rejeitou, para o advogar agora! Se esse additamento tivesse sido approvado, o parlamento não tinha sido adiado em janeiro, e não tinha havido a crise, que depois se deu, chamada a crise do patriarcha; não tinha havido o adiamento de fevereiro, o parlamento achar-se-ía livre d'esta necessidade de votar a lei de meios, porque hoje estaria discutido e approvado o orçamento e as leis de receita. E eu propuz a restricção para quinze dias a mais, alem do praso legal, dentro do qual o parlamento infallivelmente se devia reunir.

Pois o sr. Alberto Carlos!... O sr. Alberto Carlos votou contra. E os ministros eram os mesmos que são.

Emquanto ás outras questões ácerca da responsabilidade do poder moderador effectiva e moral, que se discutiu aqui, sou contra essa doutrina. O poder moderador não é responsavel, os ministros é que são responsaveis em todos os actos do poder moderador, porque o poder moderador não é uma pessoa. É uma instituição. E responsaveis por todos os actos do poder moderador, mesmo por aquelles que na carta estão consignados, como sendo exercidos livremente, taes como a demissão e nomeação dos ministros.

N'esses mesmos dois actos, não o poder executivo (como aqui se tem dito com grave confusão de termos), mas os ministros que aceitam o logar de conselheiros responsaveis, respondem por esses actos que a constituição diz que o rei exerce livremente.

Os ministros respondem por tudo, absolutamente por tudo, porque entendo que o homem que aceita um logar no ministerio responde inclusivè pela demissão do seu antecessor, que deve justificar, e responde pela sua propria nomeação, não porque foi nomeado, ou porque o poder moderador o chamou, mas porque entendeu que era sua obrigação e seu dever aceitar, e que as indicações constitucionaes o chamavam áquelle cargo.

O poder moderador está sempre a coberto de qualquer responsabilidade; entendo que o poder moderador não tem, nem póde ter de modo algum qualquer responsabilidade, assim como entendo que a camara dos deputados, até ao momento de ser dissolvida, é inteiramente livre e independente nas suas opiniões (apoiados); entendo que não ha poder algum que lhe possa restringir os direitos, porque a camara dos deputados recebe investidura directa d'aquelles que a elegeram, e não ha poder fóra do que procede do tribunal formado por aquelles que, em virtude da constituição, lhe conferiram mandato, que nem elles mesmos podem restringir, ou alterar, ou revogar senão por outro acto eleitoral (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara presta homenagem á imparcialidade com que o seu digno presidenta dirigiu o trabalho das suas sessões, e manda consignar na acta esta homenagem.

Sala das sessões, 2 de junho de 1811. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Admittida.

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu desejo simplesmente fazer um additamento a essa proposta, e creio que todos os meus illustres collegas estarão de accordo commigo a este respeito.

Desejo que a essa moção, á qual me associo de todo o coração, se acrescente mais alguma cousa. Desejo que se louvem tambem os excellentes trabalhos que têem feito os dois dignos secretarios, os srs. Adriano Machado e Pinheiro Borges, e todos os outros membros da mesa (muitos apoiados).

Creio que a camara toda se associa a este pensamento, porque realmente é impossivel desempenhar melhor os trabalhos (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Foi approvada por unanimidade aproposta do Sr. Barros e Cunha, e bem assim o additamento do sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Presidente: — Cumpre-me agradecer este voto (para mim muitissimo lisonjeiro) de uma assembléa tão illustrada, manifestando á camara o meu mais profundo reconhecimento por esta tão solemne demonstração da sua muita benevolencia.

Posso assegurar á camara que procurei sempre, tanto quanto permittiam as minhas faculdades, desempenhar as funcções d'este cargo com toda a imparcialidade e na con-

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formidade da lei (muitos apoiados), tendo sempre em vista que não fossem offendidos os direitos dos srs. deputados.

É possivel que algumas vezes o presidente parecesse um pouco severo negando a palavra a alguns srs. deputados; mas quando assim procedia era porque o regimento assim o exigia, e ordinariamente para que não fossem preteridos outros srs. deputados, (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Eu não teria conseguido que os trabalhos da camara progredissem com tanta regularidade se não fosse eficazmente coadjuvado pelos dignos secretarios, que têem exercido os seus cargos com zêlo e com muita intelligencia, e do modo mais conveniente. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Por este motivo não podia deixar de approvar, como já approvei, o additamento do sr. Mariano de Carvalho, que eu proporia se este sr. deputado o não tivesse apresentado, e a camara tivesse votado pura e simplesmente a proposta do sr. Barros e Cunha, a quem agradeço particularmente esta prova de benevolencia que acaba de me dar.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Agradeço a v. ex.ª e á camara a demonstração de benevolencia que acaba de dar-me, que eu de certo não merecia. Isto dispensa-me do pedir desculpa das minhas muitas faltas (Vozes: — Não houve nenhuma), porque a camara se antecipou a perdoar-me.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Uno o meu pedido ao do meu collega e amigo, o sr. Adriano Machado; e depois do que s. ex.ª disse não tenho palavras mais eloquentes para agradecer á camara a demonstração que acaba de dar.

O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi a palavra por parte da commissão de obras publicas, para mandar para a mesa um parecer da mesma commissão a respeito de uma proposta do governo. Já que estou com a palavra, ainda por parte da commissão de obras publicas, permitta-se-me dizer que eu me associo completamente ás doutrinas proclamadas ultimamente pelo sr. Barros e Cunha. A camara até ao momento em que é dissolvida está no pleno uso das suas faculdades constitucionaes que a lei fundamental lhe confere.

Posto isto, em nome da commissão de obras publicas digo que, estando na mesa alguns pareceres importantes d'esta commissão sobre assumptos que são de interesse geral, parecia-me que pediam entrar em discussão, porque com isso lucraria a causa publica (apoiados). Não peço que entre em discussão nenhum projecto ou parecer de interesse particular, mas sim de interesse geral. Portanto peço a v. ex.ª que consulte a camara a este respeito. Concluindo, mando para a mesa um requerimento, que é assignado por mim e pelos srs. Barros Gomes e Pereira de Miranda, a respeito do qual peço a urgencia (leu).

O sr. Presidente: — O sr. Mariano de Carvalho requer que sejam publicados no Diario do governo os documentos a que se refere o seu requerimento. Vou consultar a camara.

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeremos que sejam requisitadas do ministerio da marinha e publicadas no Diario do governo as consultas das escolas polytechnica, naval e do exercito, ácerca do observatorio de marinha.

Sala das sessões, 2 junho de 1871. = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Henrique de Barros Gomes = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi approvado.

O sr. Mariano de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que entre em discussão os pareceres sobre objectos de interesse geral.

O sr. Antunes Guerreiro (para um requerimento): — Mando para a mesa o seguinte requerimento.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que se não proponha á discussão mais projecto algum, visto estarmos na vespera da dissolução d'esta camara, segundo a declaração do governo.

Sala das sessões, 2 de junho de 1871. = Antonio José Antunes Guerreiro.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Parece-me que na proposta agora mandada para a mesa se diz que esta camara não deve continuar os seus trabalhos desde que lhe é annunciada a dissolução. Eu, em nome das liberdades parlamentares, protesto contra esta doutrina (apoiados). Nós podiamos, ainda depois de annunciada a dissolução da camara pela simples palavra do sr. presidente do conselho, negar a lei de meios (apoiados); e para que este direito fique bem affirmado por esta camara, mando para a mesa a seguinte moção (leu). Se esta camara estivesse dissolvida desde que o sr. presidente do conselho nos annunciou a dissolução pela sua simples palavra, o governo declarava-se em dictadura, e nós não podiamos discutir regularmente a lei de meios. Esta parece-me que é a doutrina constitucional. Os actos do poder moderador são reconhecidos por esta casa sómente quando o respectivo decreto lhe é mandado. Antes d'isso continua trabalhando do mesmo modo.

A declaração do que a camara está dissolvida antes que venha o decreto do poder moderador é altamente inconstitucional.

Se tal declaração fosse válida, esta camara passaria a ter attribuições que estão especialmente reservadas ao poder moderador; da resolução d'ella penderia equilibrar os poderes publicos; se tal declaração não póde ser aceita, fica-nos o direito de continuarmos procedendo como se ella não existisse; se a resolução da camara ácerca da lei de meios obrigasse a não realisar o que foi annunciado, todo o desaire seria para os ministros, por terem procedido como quem desconhecia o nosso direito publico (apoiados).

Permitta me v. ex.ª que diga algumas palavras em resposta a uma explicação do sr. presidente do conselho. Havia eu notado que s. ex.ª, asseverando que não aconselharia á corôa a prorogação das côrtes, dava a entender que aconselharia a dictadura; respondeu o sr. marquez d'Avila que era muito diverso o sentido das suas palavras; e unicamente pretendia dizer que, depois de annunciada a incompatibilidade a El-Rei, a sua missão estava terminada, e restava-lhe aguardar a resolução da crise.

Novo erro, e não menos grave! Pois o presidente do conselho julga que não continuava a exercer as funcções de ministro desde que annunciava a incompatibilidade á corôa?! Abandonava El-Rei?! Negava-lhe conselhos?! Deixava-o na solidão da sua consciencia?! (Apoiados.) Assim se despreza a carta! Assim se quebra o laço entre o chefe do estado e o parlamento!! Realmente as rectificações são tão perigosas para o credito do gabinete como as phrases rectificadas.

Durante o debate da proposta de lei de meios não quiz apresentar esta moção, para tornar bem claro que não pretendia de, maneira nenhuma retardar a votação da lei de meios. Este facto protesta bem alto contra qualquer allusão desagradavel, que me possam ter feito aquelles que julgam que venho para aqui sustentar doutrinas contrarias á ordem constitucional.

Como professor que fui de economia politica e como jornalista, prezo me de ter sempre defendido a liberdade, a justiça, os fundamentos da sociedade humana; mas defender a justiça e a liberdade não é lança-las aos pés dos membros do poder executivo (apoiados); não é o mesmo que permittir que todos os poderes do estado sejam absorvidos pelo poder moderador (apoiados).

Sr. presidente, o governo quiz completar com uma pas-

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mosa contradicção a parte da sua vida passada n'esta camara; o sr. marquez d'Avila, que havia considerado offensiva para a corôa qualquer restricção na lei de meios, aceitou completamente o pensamento da maioria da commissão! (Muitos apoiados.)

A morte, que foi inconstitucionalmente annunciada á camara, é altamente gloriosa (vivos apoiados). Os triumphadores trajam vestes cuja trama é de contradicções flagrantes, e cuja urdidura é a mais irracional interpetração dos direitos da corôa e do parlamento (applausos). Com estas vestes póde s. ex.ª, o sr. presidente do conselho, apresentar-se ao paiz; elle o julgará e a cada um de nós. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Mando para a mesa esta moção, e espero que seja approda por unanimidade (apoiados); tal é a crença que tenho de que todas as pessoas que representam aqui o paiz são altamente liberaes, e prezam não menos o esplendor da monarchia, que o esplendor dos direitos populares, que não são menos veneraveis que os da corôa (applausos).

Eu torno a ter a minha proposta (leu-a).

Sr. presidente, a redacção d'esta moção póde ser alterada, se v. ex.ª me disser que, em logar de termos ordem do dia, temos ordem do cemiterio, temos ordem do tumulo.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi abraçado pelos seus collegas.)

Foi admittida á discussão a proposta do sr. Rodrigues de Freitas, que é a seguinte:

Proposta

A camara dos deputados da nação portugueza, depois de ouvir as explicações do governo, e depois de affirmar o seu direito de não votar a lei de meios, ainda quando a dissolução é annunciada pela simples palavra do presidente do conselho de ministros, passa á ordem do dia.

Sala da commissão, em 2 de junho de 1871. — Rodrigues de Freitas Junior.

O sr. Pedroso dos Santos (sobre o modo de propor): — Peço a v. ex.ª consulte a camara, se quer votação nominal sobre essa moção.

Foi approvado.

O sr. Antunes Guerreiro: — Pedia a v. ex.ª a bondade de perguntar á camara se permitte que eu retire o meu requerimento.

O sr. Presidente: — Não é preciso consultar a camara, póde retira-lo.

Foi retirado.

O sr. Luciano de Castro: — Ouvi ha pouco ter a proposta do sr. Rodrigues de Freitas. O seu conteudo, se me não engano, é a doutrina de que a camara dos deputados, ainda depois de annunciada, pelas palavras do presidente do conselho de ministros, a resolução tomada pelo poder moderador, de dissolver a mesma camara, tem direito de votar ou negar ao governo a lei de meios. Só tenho a dizer, que isto é doutrina corrente, e parece-me que nenhum homem liberal o póde contestar (apoiados).

A camara tinha a direito de rejeitar ou approvar, como ainda hoje o fez, a lei de meios. Isto para mim é clarissimo.

Não sei, porém, o alcance da proposta do illustre deputado. Mas se se quer com ella dar um voto de censura ao governo, declaro a v. ex.ª que julgo que esta occasião é impropria, e que a camara dos deputados não deve, no estado em que as cousas se acham, dar demonstrações d'esta natureza.

Portanto, julgando que a moção considerada como politica é inopportuna e inconveniente, declaro a v. ex.ª que me abstenho de votar.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Declaro a v. ex.ª que na proposta que escrevi não tive intenção de censurar o governo.

Nas palavras que proferi antes de a apresentar é que realmente havia uma censura muito clara, explicita e categorica.

N'essa proposta affirma-se unicamente o direito d'esta camara, que eu quero que fique bem consignado, por isso que se tem dito muitas vezes que nós queremos impor ao poder moderador a nossa vontade. O que nós queremos é affirmar o direito d'esta camara. Todos os homens constitucionaes podem votar esta proposta, porque n'ella não ha a menor offensa ao governo (apoiados).

O sr. Pequito: — Parece-me que a proposta do meu illustre collega contém a doutrina constitucional. A camara é que avalia os motivos, em virtude dos quaes deve conceder ou negar essa faculdade ao governo; quer dizer, a declaração do governo fica sempre sujeita á apreciação do parlamento. O que resulta d'aqui é que se a camara resolver que, apesar d'essa declaração, deve negar a auctorisação para cobrar os impostos e applica-los ás despezas do estado, assume perante o paiz a responsabilidade que d'ahi lhe póde vir. Mas que tem incontestavelmente o direito de o fazer, ninguem o contesta nem póde contestar (apoiados).

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — Vae votar-se a moção do sr. Rodrigues de Freitas. A votação é nominal, porque acamara já approvou o requerimento do sr. Pedroso dos Santos n'esse sentido.

Feita a chamada

Disseram approvo os srs. Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, Pedroso dos Santos, Pequito, Sousa de Menezes, Antonio de Vasconcellos, Eça e Costa, Saraiva de Carvalho, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Van-Zeller, Barros Gomes, Palma, Zuzarte, Mendonça Cortez, Augusto da Silva, Nogueira Soares, Gusmão, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, Latino Coelho, Julio Rainha, Lopo Vaz, Luiz Pimentel, Marques Pires, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Sebastião Calheiros, Thomás Bastos, Sá Nogueira, Pinheiro Borges, e Adriano Machado.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — A moção do sr. Rodrigues de Freitas foi approvada por 42 sr. deputados, que eram os que estavam na sala.

O sr. Coelho do Amaral: — V. ex.ª e a camara permittirão que n'esta hora solemne do passamento seja licito a um moribundo dizer algumas palavras, talvez propheticas, e que para mim são as ultimas. São a expressão, não da minha ultima vontade, mas dos meus graves receios. São o meu testamento politico.

Eu não tenciono voltar a esta casa, porque o desalento tem cavado fundo no meu animo, mas quero que a minha opinião fique bem consignada e bem conhecida. Quero lavar as mãos do sangue do justo.

Sáio d'aqui com a profunda e dolorosissima convicção de que toda a camara que se propozer a discutir seriamente o orçamento é morta (apoiados).

Esta convicção assenta nos factos, assenta no conhecimento dos homens e das cousas.

A camara dos representantes da nação que se propozer a discutir seria e efficazmente o orçamento, tem lavrado a sua sentença de morte (apoiados).

Ha quatro annos que se não discute o orçamento, a primeira das attribuições da camara popular! Anda tão desprezado o respeito pelos mais salutares principios do systema representativo, que ha annos as actas do parlamento registam o triste facto da ausencia de accordo entre os poderes do estado.

Quando a camara popular, no uso das suas prerogativas constitucionaes, e no desempenho do mais importante dos seus deveres, se propõe a fiscalisar as despezas publicas e a zelar a bolsa do povo, surgem as resistencias, umas claras, outras occultas, saltam as contrariedades de toda a ordem, criam-se incompatibilidades entre a camara e o governo, e um alto poder do estado, no uso, é certo, tambem das suas prerogativas, resolve as crises, oppondo

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faculdades a faculdades, e appellando de seis em seis mezes para o paiz (apoiados).

Respeitemos o uso que o poder moderador possa fazer das suas prerogativas, lastimemos que o uso possa alguma vez degenerar em abuso, e cumpra cada um o seu dever (muitos apoiados).

Mas o orçamento não se discute, sr. presidente, apesar de ser cada vez mais instante e improcrastinavel a necessidade da sua discussão, e apesar de todos se dizerem de accordo no empenho de o discutir, porque todos querem economias. Singular accordo!

Tenho ouvido dizer aqui que as economias são de todos os partidos. Serão. Que são de todos os individuos. Seja assim. Ha uma pequena differenca que é, para uns são bastantes as economias nominaes, e outros querem-as reaes. Para os impenitentes as economias são gota de agua no oceano do deficit, e para os crentes são tabua de salvação no meio do naufragio da fazenda publica.

Uns aceitam-as apenas como acto de moralidade; para outros, alem d'esta alta significação, são um poderoso elemento financeiro. E desenganemo-nos, senhores, as economias hão de fazer-se, peze a quem pezar; desenganem-se de uma vez os poderes constituidos, que se elles as não decretarem, ha de decreta las a mão despotica da inexoravel necessidade (muitos apoiados).

Não podemos saldar o desequilibrio entre a receita e a despeza só com as economias; mas é necessario tambem que não se vá só ao imposto pedir a regularisação das finanças; é necessario que as reducções na despeza publica concorram com um grande contingente. Esta é a minha convicção, e creio que é a de toda a camara e do paiz (apoiados). Não póde haver a este respeito duas opiniões contrarias e conscienciosas.

Desde 1867 eu nunca mais votei augmente de imposto; desde que n'esta casa se votou a reforma da secretaria dos negocios estrangeiros, que eu combati, contra a qual votei e por occasião da qual, entendendo que não podia ir mais longe, me separei dos meus antigos amigos politicos; cuja camaradagem dos bellos tempos historicos é para mim ainda de saudosa lembrança, pelos duros e gloriosos combates que em luta a todo o trance aqui sustentámos com uma opposição forte pelo numero e pela illustração dos sens membros, discutindo e votando leis radicalmente liberaes, e que ganharam para o parlamento que as decretou um logar distincto na historia.

Desde 1867, digo, declarei eu aqui que não votava mais augmento de impostos a nenhum governo, ainda que os seus membros fossem dos meus mais antigos e intimos amigos.

E este procedimento inspirava-m'o a consciencia e a convicção de que só pelo imposto não podia resolver se a questão de fazenda, e era conveniente negar a sua elevação para obrigar á diminuir a despeza.

Eu não o votei ao ministerio Sá-Vizeu, e não o votei apesar de convencido de que aquella administração tinha feito profundas reformas e largas reducções na despeza publica; mas era então, como é ainda, convicção minha que não tinham ido até aonde deviam e podiam ter ido; e declarei por essa occasião n'outra parte, que emquanto o governo não trouxesse á camara proposta de reducções de despesa, eu não votava mais augmento algum de impostos (apoiados).

Quando na sessão, que findou em dezembro, aqui se votaram alguns impostos, declarei tambem em uma reunião dos meus amigos, que não votava impostos emquanto se não apresentassem propostas para a reducção da despesa publica. Era resolução minha inabalavel. Por essa occasião ouvi ao sr. ministro da fazenda a asseveração que a camara lhe ouviu mais tarde, na sessão de 11 de março, de que as reducções no serviço publico podiam ser feitas, em importancia não inferior a 500:000$000 réis; mas o sr. ministro da fazenda, avaro com o seu segredo, não quiz revela-lo á camara, e não appareceu uma unica proposta n'este sentido.

Completa esterilidade!! (apoiados.) E os seus nobres collegas não foram mais fecundos.

Na minha antiga convicção, pois, eu permaneceria se voltasse aqui, porque, repito, as economias hão de a final fazer-se, e se os poderes constituidos as não realisarem, ha de realisa-las a mão despotica e fatal da necessidade, porque não póde ser de outro modo. Hoje é baldado esforço! No futuro Deus e o paiz proverão de remedio!

Inconcebível cegueira! Amargo desengano!

Quer a camara discutir seriamente o orçamento, discuti-lo como elle o deve ser, para que produza os resultados que reclamam as angustias do thesouro, e que aqui nos promettia o sr. presidente do conselho, e é dissolvida! E consulta-se o paiz! Para que?! Da bôca do nobre presidente do conselho ouvi eu, e com isto não serei taxado de indiscreto ou desleal, porque não refiro conversa de feição particular, que na marinha se podiam fazer 300:000$000 réis de economias, na guerra 400:000$000 réis, e que nos outros ministerios se faria o restante para que a somma total se acercasse de 900:000$000 a 1.000:000$000 réis. Mas o orçamento da marinha veia naufragar na dissolução da camara, tendo os desejos do nobre marques d'Avila naufragado primeiro na discussão do ministerio da guerra na commissão de fazenda!

É minha opinião individual que o nobre presidente do conselho teve vontade de discutir o orçamento; mas do que estou igualmente convencido é de que a s. ex.ª falleceu a firmeza, a decisão e a energia que inspiram a consciencia de um grande dever para resistir á pressão de forças superiores á sua vontade, que se empenhavam em que a discussão do orçamente fosse embaraçada, e se provocasse a crise politica.

Combinando as hesitações, procrastinações e difficuldades que começaram a levantar se quando na commissão de fazenda se abria a discussão sobre o orçamento do ministerio da guerra com factos anterior e posteriormente occorridos na camara, mais se robustece a minha convicção de que no animo do illustre presidente do conselho actuaram pressões, contra as quaes elle não teve força de reagir, e ás quaes foram sacrificadas a discussão do orçamento, e a camara que se empenhava seriamente em a levar a cabo de modo proveitoso á solução do grave problema financeiro.

Sr. presidente, os factos que presenciâmos hoje, vê-los-hão repetir-se as camaras futuras, se tiverem a ousadia do querer estudar detida e escrupulosamente o orçamento do estado, e expurga-lo do parasitismo que suga a substancia do povo, e lhe pretende á custa de exagerados sacrificios atrophiar as faculdades productivas.

A camara que se lembrar de entrar n'esse terreno escorregadio, conte com a guerra subterranea, e tenha por contados os seus dias (apoiados).

Sr. presidente, ao saír pela ultima vez aquellas portas, quero sacudir o pó das sandalias, e deixar bem varrida a minha testada, e bem liquidadas as responsabilidades.

Vou restituir aos meus constituintes o meu diploma, limpo de maculas de mercancias politicas (apoiados), e isento de partilha nos males que affligem o paiz.

Se a Providencia não illuminar os espiritos, se as continuas dissoluções da camara electiva levarem a ultima descrença ao espirito publico, se o povo no meio das suas angustias e miserias não souber a quem soccorrer-se, quaes poderão ser as consequencias, quem poderá medir-lhes o alcance?!! Não sei...

Deus salve o paiz (apoiados).

Votes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

Leu-se na mesa uma proposição de lei vinda da camara dos dignos pares, relativamente aos logares de agronomos nas capitaes dos districtos.

O sr. Presidente: — As emendas feitas a este projecto são poucas, e é de costume quando ellas não demandam estudo, serem immediatamente tomadas em consideração.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Ministro das Obras Publicas: — (Visconde de Chancelleiros): —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

Leu se na mesa o seguinte:

Alterações feitas pela camara dos pares na proposição de lei da camara dos senhores deputados, sobre a creação de um logar de agronomo em cada um dos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes.

Artigo 1.° É o governo auctorisado, sobre proposta das juntas geraes, a crear em cada um dos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes um logar de agronomo.

Art. 2.° Os logares a que se refere o artigo antecedente serão providos, precedendo concurso documental, em individuos habilitados com diploma de curso completo pelo instituto geral de agricultura ou de curso em escolas agricolas estrangeiras de igual categoria, e que hajam merecido qualificações distinctas.

Art. 3.° O provimento a que allude o artigo 2.° sómente se effectuará sobre proposta dos governadores civis, com approvação das juntas geraes de districto.

Art. 4.° Ficam auctorisadas as juntas geraes a incluir no orçamento annual das suas despezas obrigativas e a derramar pelas camaras municipaes a verba que julgarem necessaria para os ordenados dos agronomos e mais despezas de melhoramentos agricolas nos respectivos districtos.

§ unico. O ordenado annual dos agronomos não será inferior a 400$000 réis.

Art. 5.° As funcções dos agronomos serão determinadas em regulamento especial, tendo em consideração as conveniencias locaes dos respectivos districtos.

Art. 6.° O governo publicará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 2 de junho de 1871. = Conde de Castro, servindo de presidente = Visconde de Soares Franco, par do reino, secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino, secretario.

O sr. Presidente: — Tenho a lembrar á camara, em primeiro logar, que o que estava em discussão eram as emendas feitas pela camara dos dignos pares ao projecto relativo á creação dos logares de agronomos.

Tenho tambem a lembrar que deu a hora, e não sei se a camara quer prorogar a sessão (apoiados). Vou consulta-la.

Foi approvada a prorogação da sessão.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Declaro que não posso votar este projecto, porque não estou ao facto das emendas que vieram da camara dos dignos pares. Aqui estabeleceu-se uma doutrina, e de lá veiu com emendas.

O sr. Falcão da Fonseca: — São mais liberaes.

O Orador: — Declaro que não me julgo habilitado para votar, o parece-me que, apesar de estarmos no nosso direito de continuar a discutir e fazer leis emquanto a camara não for dissolvida, comtudo que procederiamos muito mais convenientemente se não votassemos mais nenhum projecto.

Este que está em discussão contém materia, que pede estudo e maduro exame.

Eu fui ouvido sobre o assumpto, e se não assignei com declarações o parecer interlocutorio que precedeu este que se discute agora, foi porque tencionava pedir a palavra quando pela primeira vez se tratasse d'este objecto, pois tinha duvidas e precisava de algumas explicações que me esclarecessem. Se não tomei então a palavra n'essa discussão, foi por motivos muito dolorosos para mim o obstarem.

Não estando eu pois habilitado para votar, peço a v. ex.ª que não ponha já á votação um projecto, que precisa ser muito estudado. A camara póde ainda vota-lo, mas não deve faze-lo. Moralmente, está impedida d'isso.

O sr. Falcão da Fonseca: — Pelo que ouvi ao illustre deputado, o sr. Francisco de Albuquerque, s. ex.ª tem duas duvidas; a primeira, é de não estar ao facto do que se vae votar; e a segunda, é a de julgar mais conveniente pôr termo aos nossos trabalhos.

Á primeira duvida responderei que na mesa já foram lidas as alterações, e quem estivesse com alguma attenção percebia logo que se tratava de uma ligeira modificação no projecto que approvámos.

Á segunda direi que ella é contraria á proposta apresentada pelo sr. Rodrigues de Freitas.

Emquanto a camara não for dissolvida, está no seu plenissimo direito de discutir o que quizer.

Não digo mais nada.

O sr. Pedroso dos Santos; — Peço a v. ex.ª que mande verificar se ha numero na sala.

Verificou-se estarem apenas presentes 32 srs. deputados.

O sr. Presidente: — Não ha numero para votar, e não ha mais nenhum sr. deputaio inscripto.

Ámanhã ainda temos sessão, para serem apresentadas e votadas, como é costume, as contas do sr. deputado thesoureiro, e a acta d'esta sessão. Portanto dou para ordem do dia de ámanhã a votação d'essas contas, a d'estas alterações, que estavam em discussão, e a discussão do projecto pedido pelo sr. ministro das obras publicas.

A sessão ha de abrir-se á uma hora da tarde.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

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