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Discurso do sr. deputado Cortez, pronunciado na sessão de 25 de junho ultimo, e que devia ler-se a pag. 1491, col. 1.ª, lin. 20.º, do Diario de 27 do mesmo mez.

O sr. Cortez: -— Cumprindo o preceito regimental do artigo 45.° vou ler e mandar para a mesa a minha moção de ordem exarada nos seguintes termos:

«Proponho a seguinte substituição ao artigo 6.° do projecto:

«Artigo 6.º Cessa o direito aos terços e todos os funccionarios que, segundo a legislação vigente tem direito a elles, terão de hora em diante melhoria nos seus ordenados pela fórma seguinte:

«No fim de quinze annos de bom e effectivo serviço, contado desde a posse em virtude do primeiro despacho, receberão annualmente mais 1/9 dos seus ordenados; no fim de vinte annos 2/9; no fim de vinte e cinco 3/9; alem de que não continuarão a ter mais augmento.

«§ 1.° Todos os mesmos funccionarios ficarão sujeitos a uma deducção nos seus vencimentos pela fórma seguinte:

«1) Instrucção primaria, 1 por cento;

«2) Instrucção secundaria, 7 por cento;

«3) Estabelecimentos scientificos e instrucção especial, 7 por cento;

«4) Instrucção superior (universidade de Coimbra, polytechnica de Lisboa e Porto, e as escolas medico-cirurgicas de Lisboa, Porto e Funchal), 10 por cento;

«5) Magistratura superior (supremo tribunal de justiça), 15 por cento;

«6) Magistratura de 2.ª instancia (relações de Lisboa, Porto, commercial e dos Açores), 13 por cento;

«7) Magistratura de 1.º instancia (juizes de direito, criminaes, tribunaes commerciaes e ministerio publico), 7 por cento.

«§ 2.° Em todas as jubilações, aposentações e reformas, o funccionario terá direito, tendo sido julgado com bom e effectivo serviço a 735 annual do ultimo ordenado que vencer por cada anno de serviço effectivo, contado na fórma d'esta lei.»

Sr. presidente, mando esta moção, porque o artigo em discussão me parece illogico como proposta, injusto como medida, fatal como lei, se o chegar a ser.

Sr. presidente, quando se discutiu este projecto na generalidade, eu pedi a palavra, porque queria fazer algumas considerações que me pareciam vir a proposito; mas comquanto a materia fosse importante e a discussão ainda não corresse larga, foi abafada e a palavra não me chegou.

Com isto não quero fazer a menor censura a ninguem;' nem a v. ex.ª que o consentiu, nem á maioria que o votou, nem áquelle dos meus collegas que póde tirar dos seus pulmões o anhelito com que apagou o facho da discussão, que promettia durar, e que eu, com as minhas exiguas forças, os meus collegas, com as suas robustas, haviamos de alimentar.

Não censuro ninguem, sr. presidente; lastimo o facto! Lastimo que assim se restrinja a liberdade da discussão, que deve ser amplissima n'esta casa. Lastimo que assim se illaqueie a livre enunciação da idéa! Comprehendo, sr. presidente, que algumas vezes seja necessario abafar a discussão, quando ella corre infrene e ameaça transpor todos os justos limites. Mas era este o caso? Havia motivo para o fazer, sr. presidente? A materia era pouco importante? A presidencia não sabia, ou nao podia cumprir os seus deveres? Urgia que se tomasse aquella decisão, apertados que estavamos pela economia de tempo?

Nenhum dos meus collegas ousará aventar alguma d'estas asserções.

A materia é de summa importancia pelo objecto em si, pelas pessoas a quem diz respeito, pelas consequencias funestas que ha de ter este projecto se chegar a ser convertido em lei.

A presidencia tem a energia e intelligencia sufficientes para manter a discussão nos justos termos. Tem alem d'isso a força que lhe presta o apoio de uma maioria compacta e disciplinada, de um ministerio que se diz forte e robusto.

O sr. Freitas e Oliveira: — Teço a palavra, com relação á maioria compacta e disciplinada.

O Orador: — Eu tambem pertenço á maioria, por isso digo compacta e disciplinada.

O sr. Freitas e Oliveira: — Não esta má maioria; se todos fossem assim, estava bem servida.

O Orador: — Além d'isso, sr. presidente, não têem direito de appellar para a economia do tempo os que, como nós, concorrem ás sessões a tardias des horas, os que, como nós, levantam uma ficção semanal para nos forrarmos mais um sueto (apoiados).

Mas, sr. presidente, tudo isto tem um effeito, que eu deploro; é a exautoração do systema constitucional, o descredito das actuaes instituições.

Sr. presidente, antes que fundamente a minha moção, como a hora vae adiantada, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu, levantando algumas das asserções que acaba de fazer o nobre ministro da fazenda, desde já lhe responda.

Diz s. ex.ª que = os deputados que combatem a medida não têem rasão, e que não devem advogar só os interesses das classes atacadas no projecto, mas tambem os da sociedade =.

Sr. presidente, ao contrario do que s. ex.ª assevera, é em nome dos interesses sociaes que nós temos combatido e continuâmos a combater o projecto na especialidade. Não antepomos o interesse particular ao do estado, mas tambem não queremos que a um mal entendido interesse do estado se sacrifique a rasão e a justiça. É em nome da rasão e da justiça, sr. presidente, que entrámos na luta e que a havemos de continuar (apoiados).

Hei de prova-lo.

Assevera o talentoso ministro que = só se devem remunerar aquelles que trabalham e emquanto podem trabalhar =. Ao aphorismo de s. ex.ª opponho outro de igual valor: «Só deve pagar quem deve, e deve faze-lo a quem deve, e emquanto dever.»

Sr. presidente, o estado não deve só pagar os serviços que lhe são feitos, devo tambem pagar os sacrificios que se fazem para lh'os prestar. Não extingue a sua divida com pagar o valor immediato do esforço, tem ainda de pagar os incommodos e consequencias d'elle: mormente quando as retribuições são tão mesquinhas como entre nós. E se a camara me permitte que em materia tão corrente eu aponte um exemplo, aponto o que se pratica n'um paiz, que n'isto como em muito mais nos póde servir de modelo, a Allemanha. Creio que o nobre ministro concordará. Pois na Allemanha, sr. presidente, respeita-se profundamente o principio de que o estado deve remunerar o funccionario probo e honrado quando já não póde trabalhar.

As nossas leis tambem aceitam este principio, mas não as fui procurar, porque o sr. ministro revoga-as.

O sr. ministro assevera que = com o artigo 5.° previne o arbitrio-governamental = Muito bem: louvores a s. ex.ª pelos seus desejos. Mas de que serve, sr. presidente, esta illusoria restricção ao lado da larga porta que s. ex.ª abriu ao arbitrio no artigo 1.° e 4.° e particularmente n'este 6.°?

Eu não quero attribuir a s. ex.ª segundas intenções, porque quero que s. ex.ª tambem respeite as nossas, senão diria, sr. presidente, que aquelle artigo 5.° me parece um engodo para obter a adhesão da camara ao projecto. E é força confessar que sempre produz um tal ou qual effeito.

Continua o ministro dizendo: «trabalhe-se emquanto se póde o pague-se a quem trabalha». Ainda o mesmo gratuito aphorismo! E eu respondo tambem: «Pague-se emquanto se deve e quando se não deva, só então, não se pague». São estes os principios elementares de todo o codigo da honra que obriga tanto os individuos como os governos (apoiados).

Acrescenta mais o nobre ministro: «nem todos os funccionarios estão no mesmo caso, e é injustiça que a uns se conceda terços, jubilações, aposentações, reformas, etc... o a outros nada».

Mas o que se deve deduzir d'aqui é o contrario do que s. ex.ª deduz; é que ha grande injustiça em que esses taes funccionarios não tenham tambem direito a jubilações, reformas, aposentações, etc. como se faz nos paizes cultos e civilisados.

Pagar só a quem serve! Então os empregados que deram toda a sua vida ao estado; que preferiram o seu serviço aos mil misteres mais lucrativos, e muitos d'elles mais faceis da industria, devem ser lançados a rebatinhas á miseria, á indigencia, á fome?

(Áparte que não se ouviu.)

Pagar só a quem serve! Mas era a mesma maxima que guiava o pulso do feroz Lycurgo, legislando para os seus ferozes concidadãos: «que só se deviam deixar viver as creanças robustas e escorreitos»; as outras eram tambem lançadas a rebatinhas ás feras do Taygeto!

Continuou o nobre ministro: «mas os srs. deputados não querem esta reforma que vem reduzir consideravelmente a despeza do orçamento do estado? Pois existe em todos os paizes, em toda a parte».

Com todo o respeito, a que s. ex.ª tem direito pela sua elevada intelligencia e grande saber, digo a s. ex.ª que esta enganado. Nas nações mais civilisadas seguem-se principios contrarios aos que s. ex.ª proclama. Mostra-lo-hei.

Mas occorre-me agora, sr. presidente, o que s. ex.ª ha poucos dias avançava, referindo-se, se me não engano, ás palavras eloquentes e profundamente pensadas do sr. Mártens Ferrão, que para mim, e provavelmente para todos os meus collegas, é uma verdadeira auctoridade em materias de sciencias sociaes (apoiados), quando n'esta casa se discutiu a resposta ao discurso da corôa.

Dizia o sr. ministro da fazenda então: «Para se governar bem o paiz não ha necessidade de saber o que se faz dos Pyrenéus aos Oraes; não importa saber como se governam as demais nações, basta conhecermos a nossa».

Sr. presidente, protesto contra a asserção. Isto não se póde dizer a não ser que nós queiramos arvorar em microscópicos Ornares..Se é isso, fechem-se então as escolas, arrazem-se as bibliothecas, queimem-se os livros que a sciencia, do que se tem feito, do que se faz n'outras nações que nem são peiores em moralidade, nem menos intelligentes do que nós, é inutil!

O nobre ministro, asseverando que em parte nenhuma se dá o que se observa no nosso paiz, quererá dizer que em parte alguma da Europa culta ha jubilações, aposentações, pensões, augmentos de ordenado, etc...? Se não é isto, s. ex.ª dá ás suas palavras um sentido enigmático que me dispensa de as interpretar. Se é, s. ex.ª equivoca-se.

Encontra-se na Belgica, sr. presidente, na Hollanda, na Italia, na Baviera, no Wurtemberg, na Austria, na Prussia, na Inglaterra, na França; não fallo da Italia, porque se esta organisando; não fallo da Hespanha, porque alem d'isto receio me digam que o seu exemplo é inutil, pois que é muito nossa irmã.

O sr. Teixeira: — Mas era a Hespanha que nós queriamos; era a Italia; queremos tudo.

O Orador: — Não fallei na Hespanha, repito, porque receiei que v. ex.ª me não aceitasse a auctoridade do exemplo; o mesmo da Italia. Mas V. ex.ª quer tudo; descanse, que terá tudo. Tenho aqui apontada a legislação hespanhola como a dos mais paizes de que fallei. Hei de expo-las á camara para ella ver que nos outros paizes se admittem, n'este assumpto, principios de administração totalmente oppostos aos proclamados aqui pelo nobre ministro, e por elle, e por v. ex.ª, nos seus relatorios aliás excellentes.

Sr. presidente, quando pedi a palavra na generalidade do projecto tencionava dizer muito explicita e terminantemente a v. ex.ª e á camara que o votava na generalidade, porque apenas o aceitava como alvitre financeiro a que a força das circumstancias obrigaria o sr. ministro; mas que não aceitava nem as rasões, nem os motivos que s. ex.ª e o illustrado relator da commissão adduziam para o fundamentarem; e, menos ainda, eu admittia as restricções a que pareciam subordina-lo.

Aceito o alvitre, sr. presidente, mas não a fórma por que esta enunciado, porque quero o meio de salvação publica, e não o elemento deletério que se vá juntar aos demais que infelizmente ahi estão corroendo a nossa sociedade.

Na minha consciencia entendo, sr. presidente, que este projecto é desorganisador em administração publica, desorganisador na instrucção, desorganisador na magistratura, desorganisador em geral no exercito e no funccionalismo; porque corta por desigual; porque destroe sem construir; porque nem é consentaneo com a situação, nem coherente nas suas disposições, nem conforme a algumas das propostas suas irmãs gémeas.

Pelo que tem dito o nobre ministro e o illustrado relator, deve ser bem espinhosa a minha posição! De um lado os interesses legaes e justos de classes importantissimas e essenciaes á manutenção da ordem social, e entre elles os da universidade, a quem tenho a honra de pertencer, e a quem, comprazo-me n'este momento em o declarar, devo tudo quanto sou, quanto valho e quanto poderei fazer em bem do meu paiz. (Vozes: — Muito bem.) Do outro os interesses d'esta pobre mas nobre terra de Portugal, que eu, sr. presidente, julgava estavam essencialmente ligados, como interesses de nação civilisada, aos daquellas classes; mas que o sr. ministro, mas que o nobre relator nos vem hoje, com o peso das suas auctoridades, demonstrar que são adversos, que são antagónicos.

De um lado, sr. presidente, os preceitos da justiça, que mandam respeitar por igual os direitos dos funccionarios e os direitos dos proprietarios; porque uns e outros são proprietarios. Estes porque o são dos valores que formam a riqueza moral e material das nações; aquelles porque tambem são proprietarios dos valores que hão de desenvolver, que hão de garantir aquella riqueza (apoiados). Do outro lado as exigencias indefinidas, elasticas, mysteriosas de uma politica mais indefinida ainda, das sympathias partidarias, que eu, sr. presidente, julgava pela critica dos tempos passados, pela observação do presente, ainda indissoluvelmente ligadas ao respeito daquelles preceitos; mas que o nobre ministro da fazenda, e o intelligentissimo relator nos vem demonstrar, com os grandes recursos do seu talento, que se combatem, que se offendem, que se gladiam.

Quem me dirigirá n'este labyrintho de difficuldades, sr. presidente? Sabe v. ex.ª quem será? Ha de ser o serio e profundo amor pelo bem do nosso paiz (apoiados); ha de ser a convicção sincera de que estamos aqui para cumprir os nossos deveres, para respeitar a verdade, a justiça, a moralidade (apoiados).

Mas antes de o demonstrar, V. ex.ª e a camara hão de permittir-me que eu faça uma declaração.

Sr. presidente, se a auctoridade • das leis só dependesse da dos seus auctores, este projecto para mim gosaria dos fóros de uma verdadeira lei. Em tanto eu tenho o seu auctor, o talentoso ministro da fazenda!

A camara não o deve estranhar, se quizer notar que conheço s. ex.ª desde os bancos da universidade e que por tão diuturna pratica deverei já poder avaliar de que largos commettimentos é capaz a sua grande illustração, o seu brilhante talento, as suas robustas faculdades.

S. ex.ª e ninguem me poderá chamar lisonjeador, desprezo isso; s. ex.ª se quizer póde ser um dos homens politicos mais notaveis d'esta terra. Póde se-lo.

Sr. presidente, se a sciencia larga e verdadeira; se a intelligencia robusta e brilhante; se a firmeza de convicções,; se a probidade dos sentimentos emfim fossem titulo para se escrever em qualquer projecto o noli me tangere, este devia ter escripta aquella epigraphe. Não é assim, e ainda bem! Ha ampla e plena liberdade de o examinar e combater. O meu nobre amigo verá que usarei d'ella.

E necessario que os projectos importantes, como este, sejam discutidos e examinados pausada e detidamente. <É por isso, sr. presidente, que me levanto contra o principio