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N.º 17. Sessão em 20 de Março 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 55 Srs. Deputados.

Abertura — Um quarto de hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

Correspondencia.

Officios. — 1.º Do Ministerio da Fazenda, enviando, em satisfação á primeira parte do requerimento do Sr. Assis de Carvalho, em que pede declaração do que se entende por encontros assim classificados, e qual a lei que os auctorisa, uma nota explicativa da proveniencia de similhantes encontros; e pelo que respeita á primeira parte do mesmo requerimento, dizendo, que com quanto o Governo não tenha obrigação alguma de fazer a publicação requerida, já havia resolvido mandar inserir no Diario do Governo a conta de que se tracta. — Para a secretaria.

2.º Do mesmo Ministerio, participando não caber no possivel ser por ora satisfeito o requerimento do Sr. Assis de Carvalho, na parte em que pede uma conta da gerencia dos fundos publicos, no presente anno economico; e pelo que respeita aos outros esclarecimentos, que se expediu portaria ao Tribunal do Thesouro Publico para os prestar. — Idem.

O Sr. J. J. de Mello: — É para mandar para a mesa o seguinte parecer da commissão de Instrucção Publica (leu).

Ficou para se lhe dar seguimento, e se transcreverá quando entrar em discussão.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, sou pouco amigo de fantasmagorias e de ficções; tenho contraído algumas obrigações, de que me resulta alguma responsabilidade; pertendo exonerar-me das obrigações e da responsabilidade: principio por me exonerar de uma, para não parecer fantasmagorico. V. Ex.ª, a Camara e o publico sabem, que eu principiei na sessão deste anno, pedindo que o Governo remettesse conta da gerencia dos fundos publicos, e que se nomeasse uma commissão para tomar contas da gerencia dos fundos publicos: acaba de chegar á mesa um officio, em que se declara, que o Ministerio não pode dar essas contas: estamos em 20 de março, restam dez dias só, para se fechar a sessão, segundo a lei, declaro a V. Ex.ª é á Camara que não pertenço á commissão de Contabilidade; faço esta declaração, para que o publico entenda, que estou exonerado da responsabilidade, que eu tinha tomado a este respeito, e que tambem me hei de ir exonerando de mais alguma responsabilidade, e da obrigação, que tinha contraído em zelar os interesses publicos, a respeito do banco de Portugal: quando fôr occasião, o publico entenderá o modo, porque me retiro desta responsabilidade. Passo a outro objecto. N'um dos officios que o Ministerio dirige hoje á mesa, a respeito do meu requerimento, acho summa inconveniencia, está em contradicção com a decisão desta Camara: a Camara decidiu que o Governo fizesse publicar mensalmente a conta da gerencia dos fundos publicos, e o Governo diz que entende, que não tem obrigação de publicar essa conta, a Camara tomará a resposta na consideração que entender.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado e a Camara sabem, que não é licito a qualquer Sr. Deputado exonerar-se das commissões, para que foi eleito ou nomeado, (apoiados) A commissão de Contabilidade não tem só a proceder ao exame sobre as contas da gerencia do Ministerio, tem tambem outras a examinar, como as da junta administrativa, no intervallo das sessões, objecto que está para lhe ser remettido, e que já foi examinado pelo illustre Deputado o Sr. Thesoureiro.

Quanto ao Governo tem obrigação de mandar as suas contas; se as não manda, a commissão não dá o seu parecer sobre ellas; mas nem por isso fica desacreditada.

O Sr. Sousa Lobo: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para fazer uma declaração a esta Camara, não sei se a occasião será propria: entre tanto, como julgo a minha declaração de bastante importancia, supplico de V. Ex.ª e da Camara a benevolencia necessaria para me ouvir.

VOL. 3.º — MARÇO — 1849.

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Numa das ultimas sessões o Sr. Ministro da Fazenda, apresentando o estado da cobrança dos impostos disse, que elle se achava em grande atraso, devido isto á negligencia dos empregados administrativos, e das auctoridades civis, que não activavam as cobranças. Na posição especial de governador civil de um districto, vejo-me obrigado a justificar o meu procedimento, e a repellir de mim esta imputação: fiz que me remettessem as notas da cobrança do meu districto, e por ellas, que tenho presente, se vê, que no anno de 1848, desde julho a dezembro, isto é no primeiro semestre do anno economico actual, se cobraram no districto d'Aveiro para cima do 64 contos de réis; esta quantia não parecerá exaggerada a quem não souber qual e a receita orçada no districto d'Aveiro — esta orçada em 72 contos: e quando em seis mezes se receberam 64 contos, já se vê que é devido á diligencia, actividade e boro serviço dos empregados daquelle districto. Por isso fiz esta declaração por julgar ser d'importancia.

O Sr. E. J. Mascarenhas: — Sr. Presidente, a Camara pão ignora que depois da perda do Brazil, o Estado de Gôa ficou em abandono. Sendo uma da, importantes possessões da Monarchia Lusitana, os seus habitantes tem igual direito para gosar de todas as garantias, que tem os seus irmãos do continente: igualdade do direito que foi estabelecida no glorioso reinado do Sr. D. José 1.º, da Sr.ª D. Maria 1.ª, e do Sr. D. João 6.º, e mais expressamente na Carta Constitucional outhorgada pelo Sr. Duque de Bragança: tem direito, digo, para gosaram de todos os beneficios que lhes deu a Carta Constitucional, e tambem para terem todas as leis organicas que fazem parte desta garantia. Infelizmente, porem, depois do Governo da Carta Constitucional, quasi nunca tem sido contemplado este Estado. Eu bom sei que isto não é devido a má vontade ou indifferença, antes o attribuo á falla do conhecimentos especiaes e necessarios para dar providencias adequadas; por isso mando, para a mesa, e peço a urgencia do seguinte

Requerimento, — Requeiro que se peça ao Governo, que pela secretaria da repartição dos Negocios de Marinha e Ultramar sejam enviadas a esta Camara as cópias das consultas da junta geral do districto de Gôa desde 1840 até 1848, de que constam pela maior parte as necessidades desse districto, o em que vem indicadas as providencias proprias para as remediar; a fim de que a commissão do Ultramar as tome em devida consideração, quando tractar de apresentar projectos de lei a respeita do dito districto de Gôa.» — E. J. Mascarenhas,

Julgado urgente, foi logo approvada.

O Sr. Albergaria Freire: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Borba, em que pede medidas legislativas, que obstem ao arbitrio das camaras municipaes no lançamento de impostos.

Aproveito esta occasião para participar a V. Ex.ª que o anno passado, em 22 de abril, foi remettida igual representação, de que não houve resultado.

O Sr. J. L. da Luz Mando para a mesa duas representações, uma de varios medicos, cirurgiões, e farmacêuticos, outra dos estudantes da Escóla Medico Cirurgica de Lisboa; pedindo ambas, que os estudantes que completarem o curso das Escólas Medico-Cirurgicas de Lisboa e Porto, na conformidade do decreto de 20 do setembro de 1814, se concedam os graos de bacharel.

Ficou para se lhe dar o seguimento regular.

O Sr. Moniz: — E para mandar para a mesa duas representações, a primeira é da camara municipal da ilha de Porto Santo, em que se queixa de te sido esbolhoda da posse e administração de um ilheo, que lhe fôra antigamente concedido, e da faculdade que tinha de lançar sobre a pedra daquelle mesmo ilheo um imposto para auxilio das suas despezas municipaes: pede providencias a esta Carneira, e allega para isso o estado de penuria e miserias a que estão reduzidos os seus moios municipaes: o outra dos escrivães e mais empregados do poder judicial das comarcas da Madeira, em que se queixam de terem sido gravemente lesados com a ultima reforma das tabellas judiciarias, attribuindo esse resultado a terem sido essas tabellas confeccionadas som os conhecimentos locaes, e pedem que, para se providenciar devidamente, seja a reforma preparada sob a direcção do governador civil do districto, ouvida a junta do districto, e as auctoridades superiores administrativas. Esta representação acha-se assignada só pelos empregados da cidade do Funchal, e por falla de tempo é que não poderam assignar os das outras partes da ilha.

Peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de lhe mandar dar o destino competente.

Ficou para seguir os termos regulares.

O Sr. Freire Falcão: — É para mandar para a mesa tres pareceres da commissão do Petições sobre objectos particulares.

Ficaram para se lhes dar destino opportunamente, e se transcreverão, quando se discutirem.

O Sr. Presidente: — Tenho a communicar á Camara, que a commissão de Misericordias, que tinha sido nomeada pela mesa, em virtude do mandato da Camara, é composta dos

Srs. A. B. da Silva Cabral.

A. L. de Abreu.

A. M. Couceiro.

A. V. d'Araujo.

J. F. Tavares Proença.

J. M. da Fonseca Abreu Castello Blanco.

J. F. Agnello da Silva Gazo

Deites Senhores só se acham na Camara dois o 1.º, e o 6.º Km consequencia a commissão não póde constituir-se, nem funccionar, tendo, como tem já, objectos affectos a ella. Sôbre o não estar constituida, um dos seus membros participou, que havendo em Lisboa e na Camara sómente dois dos seus membros não era possivel decerto constituir-se: por tanto, eu proporei á Camara, se quer proceder á sua eleição, ou se quer que a mesa nomeie os que faltam para o preenchimento da commissão?

Resolveu-se, que a Mesa nomeasse.

O Sr. Presidente: — Em consequencia da auctorisação dada á Mesa, esta nomeia como membros supplementares da commisão do Misericordias, durante a ausencia e falta dos cinco Senhores já indicados, os

Srs. Bispo Eleito de Castello Branco.

E. J. Mascarenhas.

J. C. Freire Falcão.

J. de D. Antunes Pinto.

J. Elias da C. F. e Silva.

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Segunda leitura.

Requerimento. — «Requeiro, que conjunctamente com os quadros dos cabidos do Ultramar hontem pedidos pelo illustre presidente da commissão Ecclesiastica, se peça ta o bem ao Governo o parecer, que deu a esse respeito uma commissão creada pelo reverendo arcebispo de Gôa, em virtude das instrucções a elle dadas, e que em 1844 foi enviado pelo mesmo arcebispo, coberto em seu officio, para a secretaria da repartição dos negocios da Marinha e Ultramar; bem como sejam enviados á mesma commissão Ecclesiastica para serem tomados em devida consideração, os dous Pareceres, que a commissão do Ultramar desta Camara deu na Legislatura de 1838 e 1840 sobre a organisação e reforma do sobredito cabido de Gôa, e todos os mais relativos a esse objecto — E. J. Mascarenhas.

O Sr. Presidente: — Ele requerimento leve primeira leitura em 17 de março, devia ter segunda leitura no dia 19, mas não a teve, porque o Sr. Deputado não se achava presente; por isso proporei agora á Camara, se o admitte á discussão.

Foi admittido e logo approvado.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do parecer n.º 8 (v. sessão de hontem.)

O Sr. Carlos Bento: — Sr. Presidente, antes de entrar neste assumpto, julgo do meu dever agradecer ao nobre Deputado pelo Douro, que tinha feito hontem uma proposta para que a sessão se prorogasse até se decidir este objecto, a delicadeza e a maneira cavalheira com que retirou a mesma proposta. Entrando no assumpto direi, que eu não fui o auctor da proposta que se discute, mas devo prestar homenagem aos sentimentos que levaram o seu auctor a apresenta-la nesta Camara, sentimentos com os quaes plenamente me conformo. Não sei se a fórma pela qual se pertende satisfazer um desejo, que acho muito louvavel, será praticamente uma difficuldade para que esta Camara que tem os memos desejos, chegue á realisação delles; parece-me que estes sentimentos seriam satisfeitos se se achasse presente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, por que entendo que, da parte de S. Ex.ª poucas palavras só que soltasse, podiam remover aquella difficuldade. E nem se me diga, que a presença de qualquer outro membro do Gabinete preenche inteiramente a ausencia do Sr. Presidente do Conselho, não é assim; os membros d'uma Administração, com quanto solidaria, e habilitados cada um para responder sobre diversos assumptos, podem não ter a respeito do que ora nos occupa, a mesma conformidade de idéas, não conformidade que já se tem dado a respeito de outros objectos; e sem pertender dirigir, nesta occasião, accusação alguma ao Governo, é certo que já se tem dado esse caso; por exemplo, todos nós sabemos, que a respeito da questão eleitoral todos os Ministros não eram da mesma opinião, porque a tinham compromettido differentemente no mesmo assumpto. A opinião pois do Sr. Presidente do Conselho de Ministros significava mais alguma cousa que a opinião particular de qualquer dos seus collegas; S. Ex.ª com uma insinuação qualquer tornaria inutil esta exigencia, nem era necessario então o emprego d'um meio qualquer, e evitaria a discussão que póde trazer este assumpto.

Sr. Presidente, parece-me que o fundamento em que se estriba este parecer, o qual não é mais que uma modificação na fórma de realisar o pensamento da proposta, (nem outra cousa era de esperar dos cavalheiros que compõem esta commissão) parece-me, digo, que apesar dessa modificação na fórma, que já para mim é uma grande recommendação; todavia esse fundamento não póde conseguir o resultado desejado por via do parecer que a commissão apresenta para ser approvado. A commissão diz — que ella deixou d'examinar a questão, se sim ou não esta Camara tem o direito de dirigir mensagens ao Throno sobre objecto desta natureza» — A mim parece-me que é muito da competencia desta Camara tractar similhantes assumptos: parece-me que não esta inteiramente d'accordo o parecer da commissão a respeito da competencia da Camara para fazer estas mensagens, com o que estabelece sobre os effeitos que essa mensagem deve ter; e não posso convir, por isso, em que num assumpto desta natureza a mensagem attentaria contra as prerogativas do podér moderador; digo que este fundamento não póde servir de base ás conclusões que a commissão quer tirar: nem é preciso, para sustentar esta minha opinião, recorrer á exaggeração de principios, ou de douctrinas que sejam menos conformes com a essencia do verdadeiro systema representativo.

Sr. Presidente, todos nós devemos suppor, e com razão, e o sabemos por experiencia, que effectivamente o chefe do poder executivo, obrando segundo os seus desejos, não tem dado constantemente senão provas da sua clemencia; todos nós sabemos que não ha senão uma objecção á realisação destes sentimentos naturaes, e são — as considerações politicas — só as considerações politicas podem concorrer para que estes desejos naturaes do coração da Soberana não tenham o respectivo effeito: não ha senão o impedimento do principio politico, nenhum outro; nem podiamos suppôr que houvesse algum outro sem offensa desses mesmos sentimentos, que sabemos existem no coração do Monarcha. E em quanto á avaliação dessa consideração politica sabemos, que existe um Governo; que esse Governo é composto de pessoas responsaveis; e que essas pessoas responsaveis é que podem, pela natureza da sua posição, saber se é ou não conveniente a realisação de semilhantes desejos, isto é, o emprego do acto de clemencia: ora a consideração politica acha-se manifestada por essas pessoas responsaveis. E nem a manifestação desta Camara, no sentido de vêr realisado o pensamento da proposta, e assim completado o acto de clemencia, vai de maneira alguma atacar as prerogativas da Corôa, essa manifestação suppomos e sabemos que esta completamente d'accordo com os sentimentos da Soberana; essa manifestação exhibe a a Camara, porque entende não haver inconveniencia nenhuma politica na concessão desse acto de clemencia, que a proposta do nobre Deputado tende a fazer apparecer. Eis-aqui pois a unica influencia debaixo da qual apparece a manifestação da Camara sobre este assumpto; aqui não ha cousa que vá, de qualquer maneira, coarctar as prerogativas dum poder independente; não ha senão esta Camara entender que a conveniencia, ou

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consideração politica não se oppõe á realisação d'uma semilhante medida.

E ha mais alguma cousa. A commissão no desenvolvimento das suas razões effectivamente vem a reconhecer este principio; porque o que diz a commissão? Diz que — a finalmente a Camara deve plenamente confiar em que serão religiosamente observados, em tudo quanto fôr aconselhado pela humanidade e bem do estado, os principios de conciliação e moderação, solemnemente enunciados pelo Governo de Sua Magestade no programma de 30 de janeiro preterito.» — Note a Camara que nesta proposição da commissão apparece como entidade para a resolução deste pensamento a realisação das disposições d'um programma apresentado pelo actual Ministerio; e por ventura, pergunto eu, — o Ministerio quando apresentou este programma, feriu em alguma cousa as prerogativas do poder moderador? De certo não. — A commissão entende que póde conseguir-se um acto desta natureza, confiando nas disposições d'um programma; mas é preciso que o Ministerio dê garantias de que ha de realisar esse programma. E posto seja verdade que effectivamente o Ministerio, quando o apresentou, fallou nos principios de conciliação e de moderação, comtudo a Camara discutindo a questão que nos occupa, quer chegar ao resultado de vêr apparecer os seus beneficos effeitos, que não tem apparecido ate agora, e para isso tem por necessario fazer alguma manifestação. E como se poderá doutro modo chegar a um resultado no sentido proposto?... Poderia chegar-se por certo, como disse ha pouco no principio do meu discurso; duas palavras do Sr. Presidente do Conselho de Ministros bastavam, me parece, para tornar inutil esta discussão; qualquer demonstração que se apresentasse, bem que cercada de toda a reserva diplomatica, de certo evitava toda a questão, que poderá haver na discussão deste assumpto.

Sr. Presidente, com quanto se diga que a questão, a respeito do direito que esta Camara tem de dirigir mensagens ao Throno, e questão em que a commissão não quer entrar, todavia não só por direito constitucional, mas tambem pelos precedentes existem argumentos a favor da opinião de se poderem fazer para objectos taes como aquelle que vem na proposta. Teem apparecido propostas para mensagens, e teem ellas sido feitas por individuos, cujas idéas não são contrarias aos verdadeiros principios do systema representativo. Em 1840, pessoas pertencentes ao partido que hoje se deve considerar como estando no poder, vieram propor uma mensagem ao Throno, para o pensamento benefico de que se realisasse, a respeito de individuos que se achavam implicados em processo crime, um acto de clemencia; e, n'essa occasião, ninguem julgou que isso fosse offensa ás prerogativas do podér moderador. Ora parece-me que a situação de hoje é mais liberta que a d'então; porque então pedia-se uma concessão a respeito de individuos d'um partido que podia considerar-se quasi como restabelecido no poder, e hoje vai applicar-se a mesma cousa a respeito de individuos de partido diverso do que esta no poder. A generosidade pedia que assim se faça; e a generosidade até certo ponto, é justiça, é uma virtude, e mesmo conveniencia politica; por que as virtudes são uma conveniencia, e uma conveniencia grande para os partidos.

Sr. Presidente, eu bem sei que esta proposta até certo ponto assustará alguem, que intimamente tivesse disposto a approvar a sua doutrina; mas reflectindo-se em que esse susto, pelo que toca á formula d'um assumpto qualquer, vai prejudicar o fructo, e tornar inuteis os melhores desejos, se porá de parte deixando só o accesso livre ao sentimento benefico. Pela minha parte acho-me n'uma posição difficil, quando realmente não tenho procurado conhecer, nem sei effectivamente quaes são os desejos dos individuos a quem este acto póde beneficiar; mas não me importa sabe-lo; tenho um dever a cumprir, e esse obriga-me a considerar o negocio unicamente como membro desta Camara: não sei, digo, se aquelles individuos pediram, ou não a applicação do beneficio que se intenta fazer-lhes, mas esta Camara não tem precisão que lhe peçam o que entende que é de justiça.

Diz a commissão — «que a materia a que a proposta allude, não é devidamente conhecida do Parlamento, para que se possa formar um juizo seguro» ora eu peço perdão á commissão, para declarar que discordo absolutamente desta opinião, pois que o lado por onde este assumpto pertence ao Parlamento, é pelo lado politico. E se isto é um acto politico, será desconhecido d'elle? Pois este Parlamento não saberá sobre que tem a votar?... E se por acaso aconselhar que um veo d'esquecimento se corra sobre similhante acto, este Parlamento quererá observar todo o andamento do processo, todos os actos de que elle se compõe, para dar o seu voto sobre este assumpto?... Entendo que não. Entendo que este Parlamento esta perfeitamente informado do que precisa saber a este respeito, para tomar alguma decisão: e esta parte do parecer da commissão não tem a força que ella lhe pertende dar.

Sr. Presidente, ha uma circumstancia particular a que hontem de leve alludi, e que hoje de passagem mencionarei, e a posição especial em que se acham os individuos que se beneficiam com este acto; posição que deveria aconselhar o Governo a não demorar a adopção d'uma medida da natureza d'aquella que se pede; por que todos sabem que a maior parte dos individuos comprehendidos no processo de que se tracta, já foram declarados innocentes a respeito das accusações que se lhes faziam; já um tribunal competente assim o julgou; e então este estado da questão não póde ser desconhecido da Camara, tanto mais que até aqui se distribuiram folhetos com as proprias informações a este respeito: é verdade que por outro lado (creio que só dos periodicos ministeriaes) se pertendia por outras informações invectivar a decisão do tribunal; mas não é menos certo que essa decisão não póde ser desconhecida de nenhum dos illustres Deputados; e que nella se reconhece que não havia provas contra os accusados, nem logar para se lhes formar processo. Nestas circumstancias pois poderá a Camara e o Governo hesitar por mais tempo em tornar applicavel, sollicitando-o do Poder Moderador, um beneficio ao resto dos individuos que podem considerar-se implicados naquelle processo, quando os tribunaes, fazendo justiça á maior parte d'elles, entenderam que não tinha logar o processo que se lhes formou?

Se effectivamente quizermos que sobre os individuos de que tracta a proposta, recáia igual decisão, acharemos que esse alvitre só vai protrair indefinida-

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mente a situação excepcional em que se acham esses individuos. Nem se diga que elles tem o recurso das leis; todos sabem como esse recurso das leis é demorado, e incommodo: os implicados no mesmo processo a respeito dos quaes já houve a decisão, estiveram présos, quatro mezes e meio para se saber que não tinham contra si a prova da criminalidade; e a innocencia de que resulta estar preso quatro mezes e meio, é uma innocencia muito incommoda. Ora os individuos de que se tracta na proposta, teem estado ha um anno a soffrer todos os vexames da perseguição e do homisio; se quizessem recorrer á acção ordinaria das leis, estando ao processo, o menos que lhe podia acontecer, era juntar mais quatro mezes e meio aos trabalhos que ato aqui teem soffrido.

Sr. Presidente, não sou mais extenso. Digo que não approvo o parecer da commissão, porque entendo que esta Camara estava no seu direito, recorrendo ao arbitrio suggerido pelo auctor da proposta. Esse direito tem a seu favor os precedentes n'um paiz onde se entendo o verdadeiro systema representativo, e os precedentes que tem passado entre nos, apresentados por pessoas que não podem sei alheias, pela sua opinião politica, aos cavalheiros que actualmente se acham na governança do paiz. Mas digo tambem que me parece haver um meio para se chegar ao fim que desejamos, e era qualquer declaração que o Governo fizesse, como já succedeu antecedentemente em 1840, quando se propoz a votação da Camara uma mensagem sobre assumpto analogo a este. Em quanto porem o Governo não fizer uma declaração neste sentido, em quanto não houverem apparencias de o caso se resolvei por outra fórma, eu não posso deixar de combater o parecer da commissão, porque me parece que elle contraria as vistas que todos ternos.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, a commissão de Legislação quando deu o parecer, sobre o requerimento do illustre Deputado, o Sr. Cunha Sotto-Maior, como se vê do mesmo parecer, não entrou, nem quiz entrar na analyse dos sentimentos que moveram o Sr. Deputado a fazer o seu requerimento; quaesquer que elles sejam, que não podem deixar de ser filhos da bondade do seu coração, das suas virtudes, da sua filantropia, e beneficencia: quaesquer que fôssem os motivos, que o determinaram a expressar este sentimento, a commissão não lhe faz censura, nem se quiz encarregar de os avaliar.

Pensei, Sr. Presidente, ouvir razões do nobre Deputado que acabou de fallar, razões que convencessem os fundamentos que a commissão adoptou para o parecer que esta em discussão: mas, sem que por isto queira desconhecer a summa intelligencia de que o nobre Deputado é dotado, a vastidão de conhecimentos que possue, e mesmo a facilidade que tem em fallar nesta casa, permittir-me-ha que eu diga — que não lhe ouvi uma só razão — ouvi palavra, ouvi fallar ao sentimentalismo alguma cousa; ouvi fallar nos precedentes, mas não foi capaz de apresentar um só na hypothese sujeita, uma só razão que destruisse aquellas, pelas quaes a commissão entendeu que não era adoptavel o requerimento do Sr. Cunha Sotto-Maior. Ainda mais, o nobre Deputado não se quiz fazer cargo de analysar os termos em que era concebido o mesmo requerimento.

Sr. Presidente, concluiu o nobre Deputado dizendo «não adopto o parecer da commissão porque esta Camara esta no direito de poder fazer a mensagem requisitada, e este direito é apoiado pelos precedentes.» Quaesquer que tenham tido os precedentes nos Parlamentos estrangeiros, se bem creio que em nenhum delles é tão usado como no da Inglaterra este direito de mensagem; todavia e certo que entre nós eu não tenho conhecimento algum de mensagens desta Camara que fossem á effectividade, a respeito de casos analogos ao de que se tracta: não sei senão de uma ou duas, se bem me recordo; a primeira foi em 1823 pedindo a demissão do Ministerio, e uma outra em 1841 que esta Camara enviou a Sua Magestade, por causa dos desastrosos acontecimentos da villa da Praia; são duas as de que tenho lembrança que fossem á effectividade, não sei se ha mais uma em 1835, mas — nenhuma sobre a hypothese dada.

Qualquer porem que seja o direito da Camara dos Deputados para dirigir uma mensagem á Soberana, a commissão não entrou na discussão desse direito; porque entende que embota a Camara o tenha, deve comtudo usai delle com toda a moderação, e sómente em casos gravissimos. E repetirei que com relação á materia sujeita do requerimento do nobre Deputado ainda não me consta que um só exemplo fosse dado, porque em 1810 havendo a proposta de uma mensagem ácerca de oito soldados (se bem me recordo do regimento n.º 1) que estavam presos na Cova da Moura, mas já condemnados, sentenciados, e indultados por duas vezes, esse mesmo requerimento não teve effeito como o nobre Deputado ha de saber, porque foi retirado da Camara.

Sr. Presidente, a belleza do systema representativo, tenho lido e tenho ouvido muitas vezes dizer, consiste na independencia dos poderes do estado, e esta independencia é baseada, em que? Na mutua collisão em que estão esses poderes, e por isso convém que seja absoluta e inteiramente differente o exercicio dos seus direitos Desde o momento que cio um poder do estado sair uma sollicitação que diz respeito ao uso dos direitos do outro poder do estado, não póde deixar necessariamente de havei um tal ou qual ataque aos direitos desse outro poder. Portanto já se vê que a commissão sem querer entrar na discussão ácerca do uso do direito que esta Camara tenha de enviar uma mensagem ao Throno, não lho disputou, e sómente das expressões que enunciou no parecer, teve em vista principalmente, que esse direito deve ser usado com toda a modelação, e em casos summamente graves.

O nobre Deputado querendo combater os fundamentos do parecer em relação ao periodo — Por quanto, além de não se a materia a que ella allude devidamente conhecida do Parlamento, etc. — disse que essa materia era conhecida Mas a commissão neste fundamento quiz enunciar a duvida, em que se achava para decidir se podia ou não ser applicado o indulto aos homens a quem se pertendia applicar; se estão ou não nas circumstancias de poder gozar esse indulto. O nobre Deputado diz que a Camara toda o sabe: aqui estou eu que o não sei, porque não sei quem são esses homens, nem o estado do processo em que se acham. O nobre Deputado apresenta-se a este respeito com conhecimentos mais exactos do que ou, e mesmo do que os outros membros da commissão (posso dizel-o) e disse-nos aqui que uma parte dos reos mencionados nesse processo já foram soltos por decisão do poder judiciario. Esta

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razão é contra-producente, e mesmo é contra o auctor do requerimento, porque isto o que indica é, que os réos a quem se quer applicar o indulto desejado pelo nobre Deputado auctor do requerimento, estão ainda sub judice, ainda estão nas mãos do poder judicial: é o que isto indica. E então dois arbitrios tinham a tomar, ou usar dos mesmos meios de que usaram aquelles que pelo poder judicial foram livres e mandados soltar, ou usar do meio de pedir perdão, e implorar a clemencia da Soberana. E agora esta mui proximo o tempo em que a Soberana para solemnisar os mysterios augustos da nossa Religião costuma conceder esse perdão, e muito principalmente áquelles réos que segundo as informações do processo estão mais nas circumstancias de poderem ser perdoados. Mas isto não e razão para que o illustre Deputado arguisse a commissão de lançar aqui esse fundamento, porque elle é uma prova de que a commissão não conhecia se estes réos estavam nas circumstancias de poderem ou não ser amnistiados, como queria o auctor do requerimento.

Disse o nobre Deputado — que esta Camara mandando uma mensagem á Soberana não dava nada mais a entender senão que não havia inconveniente algum politico em amnistiar estes réos. Perdôe-me o nobre Deputado. Pois é a Camara dos Deputados a quem compete declarar á Soberana, que não ha inconveniente politico para praticar tal ou tal acto?... Serão estas as attribuições desta Camara?... Serão as attribuições do Corpo Legislativo?!... A quem compete apreciar as conveniencias politicas, é á Camara ou é ao Governo?... Ha de a Camara sair da sua orbita só por satisfazer os desejos e sentimentos de filantropia que teve o nobre Deputado?... E isso mesmo, essa intelligencia que o nobre Deputado quiz dar á mensagem, não seria de alguma maneira uma censura ao attributo da regia clemencia de Sua Magestade? (apoiados) —? A Camara enviando uma mensagem a Sua Magestade, não podia deixar de entender-se por ella, que estes eram os sentimentos da Camara.» — Venho á mesma conclusão; é o mesmo principio, não posso deixar de tirar a mesma consequencia para não estar a repetir palavras.

Diz mais o illustre Deputado — que o fim da existencia politica desta Camara não póde estar nunca em desaccordo com o direito da mensagem ao Throno. — Tornarei a repetir, se não esta em desaccordo perfeito, está-o em relação aos principios que acabei de emittir; esta de certo em desaccordo pelo que diz relação aos principios que regem o systema constitucional. Sr. Presidente, a Camara enviando uma mensagem, e sollicitando por ella perdão dos homens que estão pronunciados nesse processo, ía usurpar (permitta-se-me a expressão) um dos attributos mais bellos que revestem o poder moderador. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Peço a palavra para uma explicação de facto). Esse attributo sem duvida, no exercicio desse poder, é a espontaneidade. (apoiados) Uma de duas, Sr. Presidente, ou a Soberana pondo em pratíca os sentimentos de clemencia que adornam o Seu Augusto Coração (apoiado, apoiado) attendia á mensagem, ou não attendia... Se a Soberana attendia á mensagem, podia deixar de desviar-se do acto a presumpção de que essa consideração era em consequencia do pedido desta Camara? Pelo menos havia inducção para o crer, e a impressão que ficava era, que a Soberana perdoava porque

a Camara lhe implorava o perdão dos réos. E senão fosse attendida a mensagem, em que circumstancias se collocava esta Camara? A que campo teria ella descido? Que direito teria ella reconhecido em tal caso?...

Eis-aqui as considerações que aforam presentes á commissão para concluir no seu parecer, que não era attendivel, nem o podia ser o requerimento do nobre Deputado o Sr. Cunha Sotto-Maior, para que esta Camara enviasse uma mensagem á Soberana a pedir-lhe um decreto de amnistia. O requerimento é concebido nos seguintes termos (leu).

O nobre Deputado ha de saber de certo o que significa amnistia: creio que por todos é reconhecido, que importa um perdão geral, promovido pelas razões do estado, a multíplices réos de um crime; pelo menos recordo-me agora d'uma disposição, ou lei que assim o define; não é objecto que não esteja já definido na nossa legislação; é o decreto de 6 de setembro de 1765, que assim define a amnistia. E pergunto, estarão os réos, a que o illustre auctor do requerimento se refere, nas circumstancias de serem elles sós capazes de promover um decreto de perdão geral, para que esta Camara, na sua mensagem, fosse solicitar a benevolencia de Sua Magestade?... Eu não sei quantos são, e torno a repetir, que a commissão, igualmente comigo, desconhece o numero delles, nem sabe quem são; mas o que é certo, é que uma amnystia nunca póde ter logar senão por graves razões d'estado, quando essas aconselham a Soberana: porém isto nunca pertenceu ao Corpo Legislativo. Portanto a commissão entendeu, que o uso da mensagem desta Camara, se não atacava de frente, pelo menos não póde deixar de ferir a independencia do Poder Moderador: e vendo que pelo requerimento do nobre Deputado não se podia de maneira alguma conhecer, separa o fim que elle pedia a mensagem, havia ou não gravissimas razões d'estado, que obrigassem esta Camara a sair da orbita, que deve occupar no mundo politico, entendeu que o requerimento devia ser indeferido, ale pelo inconveniente que daí podia vir, e póde vir todas as vezes, que o Corpo Legislativo quizer ingerir-se em attribuições, que são proprias privativamente do Poder Moderador, e cujo brilhantismo mais sobresáe pela espontaneidade, com que os seus actos são decretados. (apoiados — muito bem.)

O Sr. Pinheiro Furtado: — Peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara, se a materia esta sufficientemente discutida, para se passar a outro objecto.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Peço que a votação, sobre a sufficiencia da discussão, seja nominal.

Decidindo-se negativamente, foi logo julgada a materia discutida.

E propondo-se á votação o parecer, disse

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Peço que a votação sobre o parecer seja nominal.

Decidiu-se negativamente, e foi logo o parecer approvado.

O Sr. Presidente: — O Sr. Cunha Sotto-Maior tinha pedido a palavra para uma explicação de facto; mas segundo a disposição 8.ª addicional do regimento não tem logar.

Segue a ordem do dia com o projecto n.º 18, que vai lêr-se.

É o seguinte

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Relatorio. — Senhores: A vossa commissão de Guerra, depois de ter maduramente meditado na proposta do Governo, para serem conservados, em quanto o bem do serviço publico o exigir, os corpos nacionaes auctorisados pela carta de lei de 23 de março de 1848, vem hoje apresentar-vos a sua opinião baseada nos seguintes fundamentos: em todos os paizes existe creada, a par do exercito, uma força auxiliar para occorrer a circumstancias imprevistas, e sómente no nosso paiz, depois de destruida a antiga, e excellente organisação militar, é que tem havido uma ião sensivel lacuna, salvas algumas interrupções. Este êrro tão palpavel tem sempre levado os Govêrnos aos desejos, que lhe subministra a necessidade do bem publico, de mostrar ao Parlamento a urgente conveniencia de elevar o exercito a uma força respeitavel; porém tem sempre recuado em frente dos embaraços financeiros.

A vossa commissão entende, que esta medida devia ser adoptada em todo o reino, melhorando a em todas as suas partes; porem julga ao mesmo tempo, que é conveniente ír pouco a pouco acostumando os povos a estes ensaios, para que depois se possa crear uma constituição militar definida, e permanente.

A restricção a que o Governo se presta é uma forte garantia para se não pôr o menor obstaculo a esta auctorisação, visto que elle não usará nos tempos normaes de força alguma auxiliar, senão daquella, que preencher a falta que houver no exercito da força de terra, votada na sessão legislativa do respectivo anno.

Por todas estas razões, a vossa commissão é de parecer, que a mencionada proposta se converta no seguinte

PROJECTO de lei. — Artigo 1.º São conservados, em quanto o bem do serviço publico assim o exigir, os corpos nacionaes, que o Governo foi auctorisado a conservar pela -carta de lei de 23 de março de 1848.

Art. 2.º Na conformidade do art. 3.º da mencionada carta de lei de 23 de março de 1848, o Governo podéra ainda modificar a organisação de alguns corpos nacionaes, ora existentes, adaptando-a as circumstancias; porem de maneira, que de tal modificação não resulte augmento algum de despeza.

Art. 3 º O Governo é auctorisado a crear, e fazei organisar na ilha da Madeira, e nas dos Açôres, batalhões, e companhias nacionaes de infanteria, e de artilheria, para o fim de coadjuvarem opportunamente a tropa de linha na defensa, e no serviço das referidas ilhas. Usando, porém, desta auctorisação, o Governo attenderá circumspectamente á população de cada ilha; não podendo em caso algum organisar, naquella que tiver maior numero de habitantes, mais do que um batalhão de oito companhias.

Art. 4.º O Governo conservará licenciados todos os corpos nacionaes, e só em caso de guerra estrangeira, ou de rebellião interna os poderá empregar activamente fóra dos seus respectivos districtos. Todavia e permittido ao Governo aproveitar se da coadjuvação activa de uma parte destes corpos, quando o bem do serviço publico assim o reclamar; mas com a restricção de que em tempo de paz o numero de praças de pret dos corpos nacionaes, que forem chamadas eventualmente, ou reunidas para qualquer serviço, sommadas com o numero de praças de pret effectivas do exercito, nunca exceda á totalidade da força militar de terra, votada na sessão legislativa do respectivo anno.

Art. 5.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 7 de março de 1849. — Barão de Francos, Carlos Brandão de Castro Ferreri, Augusto Xavier da Silva (com declaração), Antonio Maria de Fordes Pereira de Mello (com declarações), Gabriel Antonio Franco de Castro, Innocencio José de Sousa.

Proposta a que se refere este projecto.

Relatorio. — Senhores: O estado actual da Europa, e em particular aquelle em que se acha o nosso paiz, não permittem, por em quanto, diminuir a força armada existente, a qual pelo contrario seria vantajoso augmentar, se as apuradas circumstancias financeiras em que nos achamos, nos dessem para isso a necessaria latitude.

Vós sabeis, Senhores, que antigamente a nação toda constituia um exercito, sempre armado, organisado, e prompto para a defensa da nossa independencia, ou para manter a ordem publica, se em alguma parte do territorio ella era ameaçada; porem, hoje as circumstancias mudaram: o espirito de innovação, nem sempre feliz, e reflectido nas mudanças, e reformas que entre nós emprehendeu, aboliu amais veneranda, e proficua constituição militar, que se tem conhecido, e para maior fatalidade, consummando esta obra, engrossou de tal sorte no conceito do povo os defeitos suppostos, porque só eram abusos, daquella constituição, e escondeu tão perfeitamente as suas vantagens, e honrosas recordações, que imprudencia seria por certo tractar, neste momento, da sua defensa, e rehabilitação.

Aguardando que os factos se restabeleçam na sua verdadeira luz, ou que um profundo estudo sobre a matei ía nos faça descobrir uma nova constituição militar melhor para as nossas circumstancias presentes, do que aquella que outr'ora tivemos, cumpre entretanto observar, que a força numerica do exercito permanente, que podemos sustentar, e insufficiente para satisfazer em todos os pontos do continente do reino, e das ilhas adjacentes, ás necessidades do serviço publico, e que por isso e forçoso conservai, e mesmo em algumas localidades desenvolver mais a força militar subsidiaria, ou auxiliar, a que chamamos corpos nacionaes, os quaes sem fazerem grande despeza ao thesouro, prestam muito valiosos serviço, ao paiz, como a experiencia o tem provado, quando são chamados a coadjuvar a tropa de linha no dicto serviço.

Por estes motivos, pois, o Governo vem hoje submetter á vossa consideração a seguinte

Proposta de lei. — Artigo 1.º São conservados, em quanto o bem do serviço publico assim o exigir, os corpos nacionaes, que o Governo foi auctorisado a conservar pela carta de lei de 23 demarco de 1848.

Art. 2.º Na conformidade do art. 3.º da mencionada carta de lei de 23 de março de 1848, o Governo podéra ainda modificar a organisação de alguns dos corpos nacionaes, ora existentes, adaptando-a ás circumstancias locaes; porém, de maneira que de tal modificação não resulte augmento algum de despeza.

Art. 3.º O Governo é auctorisado a crear, e fazer organisar na ilha da Madeira, e nas dos Açôres, batalhões, e companhia nacionaes de infanteria, e de

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artilheria, para o fim de coadjuvarem opportunamente a tropa de linha na defensa, e no serviço das refetidas ilhas. Usando, porem, desta auctorisação o Governo attenderá circumspectamente á população de cada ilha; não podendo em caso algum organisar, naquella que tiver maior numero de habitantes, mais do que um batalhão de oito companhias.

Art. 4.º O Governo conservara licenciados todos os corpos nacionaes, e só em caso de guerra estrangeira, ou de rebellião interna, os poderá empregar activamente fóra dos seus respectivos districtos. Todavia, é permittido ao Governo aproveitar-se da coadjuvação activa de uma parte destes corpos, quando o bem cio serviço publico assim o reclamar; mas com a restricção de que, em tempo de paz, o numero de praças de pret dos corpos nacionaes, que forem chamadas eventualmente, ou reunidas para qualquer serviço, sommado com o numero de praças de pret effectivamente do exercito, nunca exceda á totalidade da força militar de terra, votada na sessão legislativa do respectivo anno

Art 5.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da Guerra, em 22 de fevereiro de 1849. — Barão de Villa Nova de Ourem.

O Sr. Vaz Preto: — Peço a V. Ex.ª consulte a Camara se dispensa a discussão na generalidade deste projecto para se entrar já na especialidade.

Decidindo-se affirmativamente, poz-se á discussão o art. 1.º

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, é este tambem um projecto da commissão de Guerra, no qual venho assignado com declaração. Eu não estava disposto a entrar nesta discussão: mas não posso deixar de dizer alguma cousa para fundamentar o meu voto, e para mostrar á Camara quaes foram as razões, porque assignei com declaração.

Estou convencido de que a nossa antiga organisação militar era uma das melhores, e tanto assim que a nação que hoje se acha organisada militarmente com mais perfeição, a Prussia, não tem exactamente a sua organisação militar como a nossa, mas aproxima-se muito. Verdade é que não ha alli os inconvenientes que havia entre nós, quero dizer, a força dos privilegios, e outros vicios, que tinham logar em consequencia das circumstancias particulares do nosso paiz. Todavia, sempre a nossa milicia fez importantes serviços, porque nunca deixou de defender o paiz dos ataques d'uma potencia limitrofe, formidavel a nosso respeito, e que procurando em todos os tempos anniquillar a nossa independencia, foi sempre repellida pela nossa briosa gente. Ora isto não quer dizer, que vamos formar corpos de milicias, e dai anuas a um grande numero de cidadãos; ou o que eu quero dizer, é que é necessario, debaixo deste ponto de vista, dar uma organisação geral ao paiz. E foi este um dos fundamentos pelo qual en assignei o parecer com declaração. Não sou opposto, antes convenho em que existam estes corpos no nosso paiz, mas o que me parece, é que não devia existir esta organisação limitada sómente a certos pontos do reino, sem a desenvolvermos por todo elle. Eu não quero negar ao Governo o direito de sustentar-se, e estou convencido de que a Camara deve habilita-lo, visto que o apoia; e em geral, quer o apoie, quer não, o Governo deve ter força para manter as

Instituições, e a independencia da nação; não lhe nego o direito de dar armas aos homens que sabe que lhe são affeiçoados, e que o sustentam; mas por isso mesmo queria eu ver o projecto com o pensamento mais lato, mais desenvolvido, com uma organisação geral, e não enfesado, e apenas limitado a um ponto de vista restricto, que não póde abranger a grande maioria da nação.

Sr. Presidente, estes corpos além de não preencherem o grande pensamento de organisação militar, que eu desejaria tivesse loirar no nosso paiz, pensamento que nos livrou muitas vezes das invasões de Castella, viriam no nosso estado desgraçado de fazenda publica, augmentar a despeza, e eu não posso conceber como por esse lado seja possivel approva-se o parecer. Eu preferiria antes, que nós votassemos a força de linha, que o Governo julgasse indispensavel para acudir ás necessidades publicas, e para o serviço ordinario; porque estou convencido, que esta organisação de batalhões nacionaes, que á primeira vista parece mais economica, não o é. Se nós considerarmos a despeza do Thesouro, de certo que elle não despende tanto directamente como se fosse uma força de linha; mas os interesses do paiz não se resumem nos do thesouro.

Estes homens que fazem parte dos batalhões nacionaes, são alguma cousa na sociedade, porque elles ou são operarios, ou fabricantes, ou negociante, tem diversos officios; e deixam de os exercer em quanto estão empregados no serviço militar, e o que acontece? E que a riqueza do paiz. que não consiste só nas sommas accumuladas no Thesouro (accumulação que desgraçadamente não tem logar entre nós), mas sim na producção e faculdades geraes, fica desfalcada com a falta do trabalho desses homens, que nenhum podem fazer em quanto estão em serviço. E eis-ahi como não fica mais barato esse serviço dos batalhões; fica-o quando se considera sómente o interesse do Thesouro, mas não considerando-o por estes principios; e eu desejaria, que o Governo, ou o Parlamento olhasse com attenção para esse objecto n'um ponto de vista mais elevado, do que se aqui apresenta.

Isto não quer dizer, que não se deva crear a segunda linha; quer sim dizer, que seja ella qualquer que fôr, deve estar em harmonia com o desenvolvimento do seculo, e de tal sorte organisada, e a despeza comparada com a receita, de fórma que não venham a faltar os meios de a satisfazer. É isso o que eu reclamo, o que desejo, e o que penso: assim como, que estes corpos não comprehendam individuos, como certas entidades, que existem no batalhão de empregados publicos, que apezar de licenceado, nem por isso deixamos de encontrar empregados e operarios nas ruas, quando vão montar guardas, e observamos que em grande numero existem elles nos batalhões, porque os conhecemos, e nem tal conhecimento admira n'uma cidade que pôsto seja grande, não é extraordinaria. Ora, Sr. Presidente, quando estes empregados que estão nos batalhões, fazem serviço, quem desempenha os seus trabalhos nas repartições. Ou elles são lá precisos, ou são inuteis; sendo precisos, como entendo que todos os empregados devem ser, ha desfalque no serviço da repartição, achando-se occupados no serviço militar.

Mas eu não quero entrar mais desenvolvidamente nos motivos, que realmente me parece não existirem

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para se pedir a conservação dos batalhões nacionaes, apenas tenho feito estas considerações, para fundamentar o meu voto. Entendo, que o projecto não deve ser approvado, porque é muito restricto e insufficiente, não tem um grande pensamento organisador, e além disso vai continuar a sustentar um numero de corpos, que fazem effectivamente um desfalque á riqueza publica. Debaixo deste ponto de vista entendo, que seria mais util estabelecer-se a parte correspondente de tropa de linha; principalmente depois que o Governo ficou auctorisado a ter em effectivo serviço um exercito de 24:000 homens: o projecto que lhe deu esta auctorisação, dizia n'um dos seus artigos, o 2.º me parece — que em tempo de paz se licenciasse o numero de praças, que se podesse dispensar: — não licenciar nada do exercito.

Por tanto não desejo dizer mais nada; e ouvirei os argumentos que se apresentarem.

O Sr. Castro Ferreri: — Sr. Presidente, em primeiro logar tenho a dizer que sou relator especial deste projecto, e por isso em cumprimento do dever que esta qualidade me impõe, procurarei responder aos argumentos apresentados pelos illustres Deputados que o impugnaram.

Sr. Presidente, a nossa antiga organisação militar, que se compunha de exercito, milicias e ordenanças, foi muito sabiamente ordenada, e era muito conveniente ao paiz nas circumstancias em que então elle se achava; entretanto, como a Camara muito bem sabe, essa organisação foi destruida, e hoje, no estado actual do paiz, tornar-se-ia impossivel renova-la. e não traria o resultado que n'outro tempo della se podia tirar, quando a organisação politica era outra, quando a Constituição do Estado era differente da actual, e não havia como hoje infelizmente ha, divisões politicas, não estava o paiz retalhado em partidos politicos; então podiam-se entregar, para assim dizer, armas a todos os portuguezes, porque havia a segurança de que elles só tractariam de defender a ordem publica, o decóro e a independencia da nação; mas hoje não seria assim, hoje se se estabelecesse uma organisação militar similhante, resultariam os inconvenientes que a Camara sabe avaliar, e que eu escuso de expor.

Sr. Presidente, apesar de não ser possivel estabelecer uma organisação militar como a antiga, e apesar de ter sido destruida essa organisação, eu vejo que nem por isso se tem dispensado entre nós uma força auxiliar do exercito, pelo contrario sempre a tem havido; e vejo tambem que em quasi todos os paizes existe uma força auxiliar; nem podia deixar de existir, porque, para assim dizer, seria novo o paiz que estivesse habilitado para sustentar um exercito prompto para occorrer aos casos extraordinarios, e que podesse ao mesmo tempo preencher todas as necessidades do serviço publico. E eis aí como todos os paizes, sem exceptuar o nosso, tem reconhecido a necessidade de uma força auxiliar do exercito, e têem creado essa força.

Sr. Presidente, não se deve trazer em argumento contra o projecto em discussão o ter-se votado na outra sessão um exercito de 24:000 homens, talvez muita gente entenda que é um exercito sufficiente, para se poder dispensar uma segunda linha; mas a Camara deve saber que esse exercito de 24:000 homens é uma força muito diminuta para com elle se guarnecer o continente do reino, e ilhas adjacentes; porque é preciso notar que desses 24:000 homens se deve deduzir um sexto, que não esta, para assim dizer, em serviço activo, no serviço proprio dos corpos; logo dos 24:000 homens, podemos considerar só 20:000; porém ainda mesmo dado o caso de que tivessemos um exercito de 24:000 bayonetas promptas a operar activamente, seria isto sufficiente? Poderiamos nós guarnecer o nosso paiz só com esta força? O nosso paiz comprehende talvez 2:550 legoas quadradas, supponhamos que a nossa população é de tres milhões e meio de habitantes, teremos 1:300 e tantos individuos por legoa quadrada, e dividindo os 24:000 homens pelo numero de legoas, teremos 9 por cada legoa, isto é, 9 soldados para guardar 1:300 e tantos habitantes: já se vê que teriam muito pouca defeza; e tambem se vê quão diminuta o a força de 24:000 homens para se estender pela superficie do paiz, e para defender a população, manter a ordem e a tranquilidade. Por tanto não se póde trazer contra o projecto o argumento de se ter votado um exercito de 24:000 homens, porque, como fiz vêr, além deste exercito não se póde prescindir de uma força auxiliar que exista nas localidades aonde ella possa dispensar a tropa, mesmo para que se evite o que esta acontecendo, porque hoje o nosso pequeno exercito esta tão fraccionado em destacamentos que não é possivel sustentar a disciplina conveniente, nem ter a força competentemente reunida nos quarteis para qualquer caso urgente, e excepcional. Para se remediarem pois estes inconvenientes, torno a dizer, é indispensavel a força auxiliar; porque se acaso esses destacamentos, em que esta subdividido o exercito, se deixassem de dar para as differentes terras do reino, sem os substituir pela força auxiliar, o resultado era perigar a ordem publica, não ter uma força que faça respeitar as leis, sendo mesmo obrigação dos Governos prevenir os crimes para não ter de os castigar; e é tão reconhecida a utilidade da força publica para se conseguir estes fins de ordem, segurança e respeito ás leis, que em todos os paizes sendo o exercito das verbas do orçamento a mais quantiosa, em nenhum ainda vi que se guerreasse a concessão dessa verba no Parlamento.

Sr. Presidente, um nobre Deputado, quando se tractou aqui da força militar de primeira linha, fallou na Inglaterra, trouxe a comparação da Inglaterra, dizendo que quando naquella poderosa nação se faziam diminuições na força publica, é que entre nós se estava a augmentar. O nobre Deputado sabe muito bem quaes são as forças da Inglaterra, tanto de terra, como do mar, e que o estado de prosperidade em que se acha, é em grande parte devido ás suas armas, tanto no continente, como nas suas immensas possessões ultramarinas; o nobre Deputado deve saber que nas possessões inglezas, só nos seus Estados da India, não fallando nas outras, existe uma força militar de 34:000 homens de tropas chamadas da Rainha, o 280:000 e tantos homens de tropas da companhia; ha lá sempre em Inglaterra uma superabundancia, não só de malinha, como de exercito, de sorte que quando se faz um pequeno corte, não faz falta nenhuma ao serviço. Entre nós não acontece o mesmo; nós só podémos conservar aquella força que é indispensavel, e então não é possivel fazer diminuições, porque não ha superabundancia.

Uma nação para subsistir como tal, é necessario que dê garantias de ordem, segurança e tranquili-

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dade, e estas garantias para que existam exigem algum sacrificio da parte do povo, exigem uma força publica accommodada ás circumstancias desse mesmo povo; por consequencia um bom Governo não póde deixar de ter esta força; e sempre se accusaria de imprudencia aquelle que não a tivesse conveniente para manter a ordem, a segurança individual e da propriedade — e a independencia do seu paiz — porque os illustres Deputados sabem muito bem que o exercito não é só para manter a ordem, e tambem para manter a independencia, visto que se as nações não se podem destruir, podem-se todavia conquistar; e nós temos um exemplo de casa, relativamente á Hespanha. É portanto preciso termos o nosso exercito em circumstancias de poder resistir, quando uma nação poderosa pertender roubar-nos a nossa independencia; somos poucos, mas já o fizemos; e para termos um exercito nestas circumstancias é essencial a existencia da força auxiliar da segunda linha.

Sr. Presidente, ha umas certas providencias, das quaes entre nós parece ser um grande crime fallar-se; ha não sei que receio de fallar nellas; uma destas providencias é a dos corpos auxiliares; apenas se tracta desta medida, diz-se logo — milicias, o povo não quer milicias: — falla-se por exemplo no imposto das estradas, diz-se — o povo não póde com esse imposto — falla-se em direitos de barreiras, clama-se — não se falle em barreiras, porque o povo não quer barreiras; — em fim não sequer nada, por que tudo vai ferir a susceptibilidade dos povos. Mas eu não tenho esse receio que vejo apresentar aqui; porque entendo que de duas uma, ou somos nação, ou não somos, se somos nação devemos forçosamente tomar as medidas convenientes para podermos existir como tal, e uma dellas e a principal é, na minha opinião, o estabelecimento de uma segunda linha que possa cooperar com o exercito em todo o Reino para a manutenção da paz e da independencia. «Mas essa força vai pezar sobre o paiz, e soffrer com isso a riqueza nacional Sim Senhor peza sobre o paiz, mas parece-me que a conservação da ordem compensa bem este sacrificio. Além de que o onus não é tão grande como á primeira vista parecerá, por isso que no Projecto diz-se que dessa força não está em armas senão aquella que fôr absolutamente indispensavel; e aquella que não estiverem activo serviço não fica por isso sendo inutil, porque nas localidades onde ella estiver, produz sempre um effeito mora), que é bastante para conter os criminosos e agitadores.

Por tanto a necessidade de uma força auxiliar ao exercito não póde deixar de ser reconhecida pela Camara e por todos que se interessam no bem estar do paiz, assim como é reconhecida em outros paizes da Europa, como por exemplo na Prussia, aonde ha o Landwehr, que é a segunda linha; em Inglaterra onde tambem ha uma especie de ordenanças, em França, onde ha uma numerosa guarda nacional, na Hespanha mesmo, que tem tido uma segunda linha por differentes vezes, e se hoje a não tem, é porque tem alli o exercito em grande força.

Parece-me portanto que tenho respondido a algumas das observações que fizeram os Srs. Deputados que impugnaram o projecto, e que tenho preenchido o dever que me impunha a minha qualidade de relator especial delle.

O Sr. Palmeirim. — Sr. Presidente, pedi a palavra, por que assignei o parecer com declaração, e assignei com declaração, porque penso do mesmo modo que o illustre Deputado que encetou a discussão.

Eu entendo que a organisação da força publica em Portugal, que abrange a força do exercito permanente e auxiliar, deve occupar a attenção do Governo seja elle qual fôr, e desde muito tempo que devia estar estabelecida definitivamente; visto porém que o não esta, julgava que esta occasião era a melhor para se encetar uma nova organisação em que se attendessem todas ás conveniencias, que a experiencia mostrasse necessarias. Aqui acabou-se de fazer elogios á nossa organisação militar antiga; eu estou tambem um pouco convencido de que essa organisação era boa, e que não repugnava á nossa fórma de Governo desde 1832 até hoje, e até a julgo preferivel aos differentes ensaios que se tem feito sobre este objecto; porque pela experiencia, ninguem póde duvidar que elles tem sido todos imperfeitos. E para que destas minhas palavras se não possa nem remotamente suppôr qualquer idéa em desabono dos corpos nacionaes, eu declaro que esses corpos tem feito grandes serviços, que a elles devemos a tranquillidade em Lisboa, o auxilio ao exercito que não podia prescindir delles, (apoiados.) etc. Combato esta organisação, sómente porque entendo que ella se devia generalisar, e folgo de que o Governo a alargasse mais estendendo-a até ao archipelago Açoriano e á Ilha da Madeira.

Ora quanto á organisação desses corpos tambem tenho algumas idéas especiaes; eu não concordo em que haja corpos de certas e determinadas classes, porque isso póde trazer inconvenientes, não porque sejam contra a ordem publica; mas o corpo, por exemplo, de empregados publicos, quando tem algum exercicio, revista etc. quasi que é necessario fechar as repartições, e o mesmo acontece a respeito dos arsenaes. Em 1834 tivemos um corpo dos artistas do arsenal do exercito, outro dos do arsenal da marinha, outro dos das obras publicas; e a experiencia demonstrou que era necessario distribui-los pelos outros corpos, para que não entrassem de serviço todos no mesmo dia, e que em consequencia tivessem de se fechar os arsenaes.

Ora isto não se póde fazer de repente, mas bom é que esteja em vista.

Quanto a certos preconceitos que ha é necessario que o Governo tracte de os combater, e as Camaras tambem de os desvanecer, não só adoptando medidas, mas mesmo discutindo-as no Parlamento.

Sr. Presidente, em 1832, no decreto que extinguiu as milicias, disse-se com razão, que esses corpos eram nocivos ao paiz, porque (leu) «eram compostos de lavradores, negociantes, e artistas, que sendo violentados a abandonar suas profissões uteis, distraem para as armas braços destinados á agricultura, e Industria, engrossando assim os males provenientes da miseria e abandono em que nestes reinos jazem as primeiras bases da riqueza publica; tanto mais que o exercito de primeira linha tem estado desde longo tempo em grande desproporção com a povoação do paiz, e rendimentos do estado.

Mas viu-se que as circumstancias exigiram a creação de uma força auxiliar, e crearam-se os batalhões nacionaes, compostos das mesmas classes de que eram compostas as milicias, e mais tarde estabeleceu-se a

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guarda nacional; e o decreto da sua creação diz assim:

» Esta proposição, que ainda n'outras circumstancias seria verdadeira, é hoje de incontestavel evidencia depois de extinctos os corpos de segunda linha, e ordenanças, e na situação em que se acha o reino. É por tanto de immediata necessidade crear uma força local sempre prompta a manter com a sua presença a ordem publica, e restabelece-la, tendo sido perturbada; uma milicia, que pelos elementos da sua composição, e pela natureza da sua organisação, seja propria para servir de barreira contra as tentativas do despotismo, e contra os excessos da anarchia; uma força que sendo habitualmente sedentaria possa no caso de invasão estrangeira offerecer uma poderosa e efficaz cooperação ao exercito de linha.»>

Ora combateu-se esta instituição como pesando sobre a industria, e tendendo á não protecção, e não-desenvolvirnento da riqueza nacional; e entre tanto vê-se que pelas leis mais liberaes que tom apparecido, todos esses homens tem sido chamados a fazer parte dessa força.

Sr. Presidente, é necessario que um dia acabe esta idéa de que a instituição militar nacional é nociva á liberdade. Diz-se — que esta força militar do paiz é nociva á liberdade, porque esta debaixo da influencia de certos commandantes, e deve seguir as ordens que elles lhes derem — e por outra parte é opinião já dos estadistas, já dos militares — que quando todos estes corpos forem compostos de homens proprietarios, se estabelece a anarchia. — Isto é exacto: mas se avaliarmos este encargo com relação á prosperidade publica, e á independencia do paiz, porque é necessario pôr na balança estas coisas, acharemos que sendo nós uma nação pequena, precisamos de força que auxilie a auctoridade civil em toda a parte.

Ora o que disse o illustre Deputado que encetou a discussão, é que a Camara não póde oppor-se a batalhões, porque confiando no Governo devia votar-lhe a força de que elle precisasse: eu peço licença para dizer que estes batalhões são para defender a Carta Constitucional, a ordem publica e as leis, e por tanto não são para defender este Governo, são para todos os Govêrnos que querem sustentar a ordem publica e as leis.

Foi pois no sentido exposto que assignei com declaração, e não com a idéa de combater a conservação dos batalhões nacionaes, porque nesse caso assignar-me-ia como vencido; mas approvando o principio, segue-se que approvo tambem o fim. Não digo mais nada.

O Sr. Carlos Bento: — Ha circumstancias em que realmente o silencio é o unico recurso, que se póde empregar; ha circumstancias de natureza tal, que impedem os individuos que tem formado uma opinião qualquer, não só de se deixarem persuadir das opiniões dos que os combatem; mas até estão decididos a não lhes prestar attenção: estão tão decididos na sua opinião, que não ha consideração alguma que lha contrarie, nem de leve; por consequencia para estes individuos toda a discussão é inutil, porque, por muito boas cousas que se digam em contrario, é impossivel convence-los, e nestas circumstancias que ha a fazer? Nada absolutamente.

Sr. Presidente, esta Camara dura ha quasi o tempo legal, por circumstancias extraordinarias não se póde occupar dos objectos importantes desde o momento da abertura, e o que se seguiu foi, que se occupou de assumptos, que sendo importantes, não são comtudo considerados de primeira ordem, não eram os mais importantes, mas occupou-se pausada, e incessantemente delles, e agora que o tempo vai fallando, passa por alto nos assumptos de maior gravidade. A experiencia acaba de o mostrar hoje, e no que teve logar nas sessões antecedentes, que se votaram assumptos importantissimos por um simples voto de confiança, e isto que prova? Prova a má direcção que até agora tem havido nestes negocios.

Pois será imaginario que a medida de que se tracta, é importantissima? Pois será imaginario que uma igual medida soffreu aqui uma opposição furiosa em 1840, não dos que todos se aprazem em chamar desordeiros, mas dos homens do mesmo partido daquelle que agora propõe essa medida? Pois não se sabe que se fez toda a resistencia possivel contra esta organisação? Pois não se disse então que era renovar uma instituição que não estava em harmonia com o systema estabelecido?.. E não se dá hoje este mesmo caso? Não ha duvida nenhuma. E note-se que estavam então no Ministerio nessa época de 1840 dois cavalheiros muito importantes do partido conservador, que eram os Srs. Rodrigo da Fonseca Magalhães, e Conde de Thomar; pois esses cavalheiros não puderam conseguir que a maioria lhes votasse um projecto analogo a este, o debaixo das inspirações mais nobres que se podiam invocar que eram, nada menos, que a conservação da independencia nacional, e não uma asserção vaga; não, Senhor, foi apresentado em consequencia da ameaça da invasão da parte da Hespanha, que depois se chamou a invasão do Gomes. Pois nestas circumstancias, Sr. Presidente, uma maioria cartista negou ao Governo este voto. As circumstancias hoje são muito diversas; hoje o paiz esta em perfeita paz; os motivos que deram causa á creação destes corpos, acabaram; não ha ameaça alguma de invasão estrangeira; por consequencia não ha necessidade de conservar uma força, que não esta em harmonia com as nossas instituições.

Eu combato pois este parecer. Esta força, na occasião em que foi creada, era necessaria, porque era occasião de guerra, e não se podia tractar senão de combater; cada um devia manejar as suas armas; o partido contrario tinha tambem batalhões em campo; mas hoje não ha guerra, e eu não comprehendo que haja batalhões em campo senão nestas occasiões; não concedo, não é do systema representativo. Sr. Presidente, o batalhão de empregados publicos que significa? Diz-se, é para manter a ordem. Oh! Sr. Presidente, n'uma occasião de combate é necessario que se adoptem providencias extraordinarias, como, por exemplo, a creação de batalhões, mas em tempo de paz? (O Sr. Corrêa Leal: — Na paz é que se prepara para a guerra.) Na paz é que se prepara para a guerra, diz o Sr. Deputado; pois mande acampar um exercito em tempo de paz, faça todas as despezas que se fazem tem tempo de guerra, e verá que não tem as vantagens da paz: pois o que é a paz? É um estado que tem vantagens que não tem o estado de guerra, e se a paz ha de ser acompanhada de todos os inconvenientes da guerra, então é indifferente haver paz ou guerra, porque o estado

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soffre sempre da mesma fórma. Se a paz e a ordem é um estado que não dá mais vantagens que o estado de guerra, então tire o Governo do seu programma, e dos seus relatorios as pomposas declarações de que a ordem existe, de que a paz não tem sido alterada, porque nesse caso não gosâmos das vantagens que a paz e a ordem trazem comsigo, por isso que estamos sujeitos a todas as despezas, e a todos os inconvenientes do estado da guerra. Sr. Presidente, os batalhões foram creados para em quanto continuasse a guerra civil; claramente diziam os decretos que os crearam, que elles existiriam em quanto não concluisse a guerra civil; por consequencia notem bem os illustres Deputados, que a creação destes batalhões ficou dependente da duração do perigo, para fazer face ao qual elles foram creados, mas esse perigo passou, e os batalhões continuaram: e realmente não só tem succedido isto a respeito dos batalhões, mas tem succedido a respeito de muitos outros ramos da força publica, que foram augmentados nessa occasião; por exemplo, a guarda municipal; tambem nessa occasião se augmentou uma companhia, dizendo se que em consequencia das circumstancias extraordinarias; as circumstancias extraordinarias passaram, e a companhia ficou; augmentou se a força publica a muitos respeitos, motivando-se pela situação excepcional em que se achava o paiz; passou a situação excepcional, e as cousas ficaram do mesmo modo. Mas, Sr. Presidente, emquanto aos batalhões, ainda seriam uma força que se podia defender, se por acaso o seu recrutamento não estivesse dependente de considerações limitadas á politica de uma Administração qualquer; e senão, pergunto eu, como é que se formam estes batalhões? Ha ou não ha arbitrio em chamar os individuos que lhes devem pertencer? Oh! se ha. Vejam a latitude que fica aos commandantes dos batalhões para despedirem aquelles individuos que não pertençam, não sei a que partido; de maneira que eu não sei que garantias se podem dar, de que esta força é uma força publica, porque a dizer a verdade, pelos meios que o Governo tem á sua disposição, póde ser uma força, para assim dizer, particular, uma força privativamente do systema de uma Administração qualquer. Uma das cousas mais importantes a considerar, tractando-se da existencia de uma força desta natureza, era o recenseamento; e como e feito o recenseamento para os batalhões? Póde-se por ventura assegurar que este recenseamento dá garantias para que esta força seja effectivamente o que deve ser? De certo que não. Apenas na Camara dos Pares se tractou désse ponto importante; foi lá onde se estabeleceram algumas bases que effectivamente limitavam o arbitrio com que o recenseamento para os batalhões devia ser feito, mas apezar de se estabelecerem essas bases, é inquestionavel, sei-o de sciencia certa, que realmente existe o arbitrio. Póde-se dizer — mas não havemos de abusar désse arbitrio — é verdade, porém não sei que Isto seja garantia sufficiente para o Corpo Legislativo quando tracta de fazer uma lei similhante; o facto e, que segundo a actual disposição do recenseamento, realmente o recenceamento é arbitrario, é arbitrarissimo. (O Sr. Barão de Francos: — Não é); então já que V. Ex.ª diz que não é, eu digo lhe que é, e a prova de que é, esta em que, querendo-se ser exceptuado désse recenseamento effectivamente se consegue com toda a facilidade pelo arbitrio, que na lei se deixa na escolha dos individuos que devem pertencer aos batalhões.

Sr. Presidente, a instituição das milicias era uma organisação de força militar que se podia dar no tempo em que existia, porque nesse tempo, como muito bem disse o illustre Deputado, não havia partidos; é verdade, a lei não reconhecia partidos, e ahi tem os illustres Deputados como as milicias politicamente não offereciam inconveniente: nessa occasião a lei não reconhecia partidos, mas é preciso que nos desenganemos de uma cousa — o systema constitucional reconheceu partidos, e ha partidos legaes sem que tenham os seus chefes sentados nas cadeiras dos Ministros; ou então não ha systema constitucional (O Sr. J. J. de Mello: — Apoiado): ou não ha systema constitucional, ou ha partidos legaes que não tem os seus chefes sentados nos bancos dos Ministros; desta alternativa ou deste dilemma é que não se póde sair; por consequencia se ha partidos legaes que não teem os seus chefes sentados nos bancos dos Ministros, realmente não se póde admittir uma força, que esta essencialmente ligada a um systema politico de Governo. E não se diga que o exercito esta no mesmo caso; é verdade que o exercito até certo ponto esta ligado ao Governo, nem podia deixar de estar; o Ministro da repartição competente, como director daquella repartição, tem influencia no exercito; mas note-se bem, que a carreira para os individuos pertencentes ao exercito esta marcada, e o Sr. Ministro da Guerra não póde fazer um soldado coronel de um regimento; e nos batalhões que impedimento tinha para o fazer? Porque lei esta preso? Esta preso pelo regulamento que o Governo fez? Pois o Governo não póde fazer ámanhã outro regulamento? Foi o actual votado pelas Côrtes? Por consequencia quem impede ao Governo o converter o commandante de um corpo em soldado, e vice-versa, um soldado em commandante de um corpo? Onde esta a limitação para isto? Então não se póde dizer que effectivamente esta milicia esta dependente essencialmente do Governo? E em assumpto de eleições esta milicia não vota?... As praças de pret não votam, e nisso transigiu-se com uma triste necessidade: privou-se o cidadão de um direito que devia ter, por causa do abuso que podiam commetter aquelles a cujas ordens estava subordinado; mas neste caso não acontece o mesmo, acontece o contrario, porque estes individuos teem um rendimento determinado, e teem o direito de votar, porém a sua liberdade não se póde considerar; desde que ha subordinação não se póde contar effectivamente muito com a liberdade desses individuos, porque é certo que se elles quizerem exercita-la de facto em direito tão sagrado, podem ter que luctar e resistir a uma auctoridade que os domina, auctoridade que esta immediatamente á disposição do Governo, a quem este póde tirar o posto quando queira, porque não tem outra limitação senão a de um regulamento que elle póde destruir com a mesma facilidade com que o fez: e isto não acontece a respeito dos militares, porque esses teem as suas patentes garantidas por lei. Neste sentido pois, os batalhões são uma força de partido, uma força que é obrigada a seguir, e que tem necessariamente tendencias para seguir a politica de um systema determinado de Governo.

Tem-se dito, que o estado não póde com a despeza de ter um grande exercito, e que então é preciso

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recorrer a estes meios; ora, este modo de argumentai nasce, na minha opinião, de uma confusão que se faz, quando se separa o estado do paiz, e isto acontece muitas vezes; ou vê-se muitas vezes dizer — o thesouro não póde pagar, paguem os povos; — quando se estabeleceu a dotação para o clero, invocou-se isso mesmo como uma grande vantagem — o thesouro não paga, quem paga são as parochias. — Realmente esta força auxiliai não a paga o thesouro, mas teem de a pagar aquelles que teem de preencher este systema, e effectivamente quem vem a pagai tudo em ultima analyse e o paiz.

Sr. Presidente, nós na maior parte das cousas temas ido para traz, e na maior parte dos relatorios e projectos que apparecem aqui se diz — que effectivamente nos tinhamos enganado a respeito de muitas reformas que se fizeram, e que é necessario retrogradar: — e isto é tão verdade, que lendo ha pouco tempo um jornal, que se diz o orgão de um pai tido chamado — realista — vi que elle dizia «graças a Deos que vão reconhecendo o que nós tinhamos feito; já as procissões religiosas não são más; já certas attribuições de tribunaes de Legacia não são más; já as milicias não são más; n'uma palavra já são boas aquellas instituições que foram destruidas por se entender que eram um mal, e que nós entendiamos que eram um bem; já se canta a palinodia a este respeito:» e até certo ponto aquelle jornal tem razão, mas não o tem absolutamente dirigindo-se a todo o partido, porque ha muita gente désse pai lido que ainda insiste, que ainda teima nas suas opiniões a muitos respeitos, e que não se arrepende a respeito de certas reformas ha muita gente que persiste, que se obstina em acreditar na conveniencia de certas reformas, e que a essas reformas é que se deveu o lei mos atravessado 16 annos sem que effectivamente tenha apparecido nenhuma reacção seria no sentido das instituições antigas. Nesse caso esta o decreto que creou a guarda nacional, creação de uma instituição que tinha certos defeitos que a experiencia mostrou, mas que produziu grandes resultados, e grandes resultados quanto á liberdade do paiz; é minha opinião que essa instituição, estabelecida com a amplitude que depois se podia e devia restringir, impediu que nos primeiros annos ninguem podesse levar a effeito uma tentativa seria de restabelecimento do systema que tinha sido destruido; e se essa instituição (da qual depois resultaram inconvenientes quanto á amplitude das disposições do decreto que a creou) deu o resultado de tornar impossivel uma reacção no sentido do systema antigo, ao menos, na presença desta vantagem, desculpemos aquelles que a publicaram.

Ora, o illustre Deputado, cicio que relator da commissão, modificou alguma cousa o que se acha no relatorio da commissão a este respeito, quando assevera que em todos os paizes existe creada, a par do exercito, uma força auxiliar; o illustre Deputado fez bem em dizei — em quasi todos os paizes — porque em todos não era exacto; mesmo ate toca comnosco uma nação onde não existe essa força auxiliai; é verdade que tem um grande exercito... (O Sr. Moares Soares: — Existe na Catalunha). Existe na Catalunha, mas na Catalunha ha a guerra civil, e é preciso attender ao que são os moços de esquadra que existem na Catalunha. Na Catalunha existe um resto do systema que existia nas provincias Vascongadas; existe uma força puramente local, mas a Hespanha não se póde dizer que tem uma força auxiliar; ao contrario, o proprio Governo é o primeiro que declara que não quer força nacional, que não precisa senão do exercito; e os moços de esquadra da Catalunha são tanto força militar como os nossos cabos de policia das parochias; não existe força nacional alguma, a que se possa chamar força auxiliai; o Governo mesmo declara que não quer essa força auxiliar nacional; sabio esse ponto ha ale reclamações do partido da opposição que quer que exista uma força nacional. Em Inglaterra não ha senão Os constables, os yeomen que senão podem considerar como uma força auxiliar. Foi tanto, repito, que nem em todas as nações ha fôrças auxiliares, e aonde as ha não são organisadas do modo, porque esta organisada aquella que ora se pertendo, que continue a existir.

Não deixemos pois ao arbitrio a escolha dos individuos que devem compor a força, que se deve reputar nacional; estabeleçamos um censo elevado a ponto de poder mos confiar na sua efficacia, e façam parte desta força nacional os que tiverem esse censo: assim entendo eu; porém fazer-se isto por distincções de individuos, ficar livre ao commandante dizei — este individuo não póde pertencer ao batalhão por politica — não entendo como isto possa ser adoptavel: desta maneira não se da garantia senão ao Governo; vem a ser uma força de partido, e nada mais, e d'um similhante arbitrio não póde resultar senão inconvenientes.

Não direi mais: noto só que estes batalhões, creados em circumstancias extraordinarias, não podem ser sustentados quando se tracta do circumstancias-ordinarias; estes batalhões creados por motivos especiaes não podem ser conservados tendo terminado esses motivos: e se os ha para conservai essa força, então é preciso confessar que realmente estamos na mesma situação em que estavamos ha dois annos, e, neste caso, todos os nossos esforços, todos os nossos trabalhos teem sido inuteis, nós hoje achâmo-nos da mesma foi ma que ha dois annos.

A commissão quiz adoptar uma restricção; dou-lhe todos os elogios por isso, e estou sempre prompto a prestal-os a tudo que tende a aproximai-se das opiniões que me parecem as mais acertadas; digo, a commissão faz uma limitação a respeito da existencia da força em serviço destes batalhões, não sei se esta limitação poderá dar resultados efficazes; não sei como é que das differentes partes do reino (e aqui tracta se tambem de estabelecei batalhões nas ilhas da Madeira, e Açôres) se ha de sabei que na hypothese dada, a força auxiliar empregada não excede a força marcada para a totalidade do effectivo do exercito. Porque o que diz este projecto? Diz que o serviço destes batalhões póde ter logar quando o bem do serviço publico assim o reclamar: ora reclama-se n'um ponto a força dos batalhões, outra n'outro, pergunto como e que se ha de limitar ao ponto de não exceder a força marcada para o exercito. Pergunto, dado o caso que parte destes batalhões tenha sido empregada em diligencias, e apparece uma reclamação ha de estar-se primeiro a perguntar a cada um dos districtos, quanta força tem empregada para depois annuir á reclamação. Se ha necessidade d'uma força extraordinaria para este serviço, a limitação não vale; esta limitação realmente não póde ser praticavel. Conheço qual foi a razão que levou a commissão a adoptar esta restricção, estou de

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accordo quanto aos meios de evitar os inconvenientes que resultam de dar grande amplitude á faculdade do emprego destes batalhões, sou o primeiro a prestar homenagem a esse pensamento, realmente a commissão reconheceu a inconveniencia de ter em effectivo serviço grande numero destas baionetas além dos casos extraordinarios d'uma guerra civil, ou guerra estrangeira; a commissão reconheceu os inconvenientes que havia em dar auctorisação ao Governo para poder empregar estes corpos fóra dos casos de guerra estrangeira, ou rebellião interna, mas o meio proposto não conduz ao fim de evitar esses inconvenientes: não se poderá dizer que ha de existir empregado só o numero que a commissão teve em vista, quando exarou o seu artigo, nem eu sei como praticamente se póde levar á execução essa limitação, ou restricção que se aqui estabelece.

Sr. Presidente, não posso votar por estes batalhões, não é possivel querer uma força onde só se admittem individuos por considerações politicas; uma força assim organisada nunca póde dar á propriedade a garantia que dá aquella que é creada por meio d'um censo elevado; este projecto não estabelece esta base, logo a garantia é para o systema politico do Governo; e eu entendo que quando se tracta da existencia da liberdade, e da propriedade, a força d'um partido não lhe póde dar muitas garantias, essas garantias não hão de vir senão dos individuos que sejam immediatamente interessados nessa propriedade, e não n'um partido qualquer. — A força pedida não é nacional, é politica. Voto contra o artigo,

O Sr. Ministro da Guerra: — Sr. Presidente, depois do que disse o nobre relator da commissão de Guerra, em favor do projecto que esta em discussão, certamente quasi era escusado, que entornasse a palavra; entretanto tendo sido o auctor da medida de que se tracta, julgo-me por isso obrigado a dar algumas explicações relativamente ao pensamento que a dictou, e mesmo a responder a algumas objecções que se lhe fizeram.

Sr. Presidente, disse o primeiro Orador, que encetou esta discussão, que muito boa era a nossa antiga organisação militar. É verdade, Sr. Presidente, muito boa era, e muito máo foi que se tivesse abolido. Por aquella organisação a nação toda estava armada, e o nosso exercito constava, 1.ª e 2.ª linha, de 117:050 praças; e póde ser gastassemos menos com essas 117:050 praças do que gastamos hoje com a quarta parte de similhante força.

Sr. Presidente, o Governo apresentou este projecto pedindo á Camara a conservação dos batalhões nacionaes, porque o estado presente da Europa não é muito lisongeiro, e o Governo não deve portanto limitar-se em taes circumstancias, a ter apenas os 24:000 homens de 1.ª linha, que lhe foram votados, cuja força ainda mesmo no estado completo é insufficiente para guarnecer todos os pontos, que em caso de guerra, ou de rebellião precisam ser guarnecidos; sendo certo que a conservação dos dictos batalhões nacionaes se torna tanto mais necessaria, que os differentes corpos do exercito não estão completos, nem ha esperanças de que isso possa conseguir-se, donde resulta haverem provincias, que estão quasi completamente desguarnecidas. Não é pois no estado presente da Europa, e nas circumstancias em que se acha ainda hoje o paiz visinho, que seria prudente desarmar os batalhões nacionaes que existem. O Governo não tenciona entretanto conservai todos estes batalhões debaixo de armas; o seu pensamento é que elles estejam licenciados aonde fôr possivel; mas é preciso que taes corpos existam para poderem substituir aquelles do exercito, que forem mandados reunir em algum ponto, ou manobrar longe do seu quartel permanente. Muitas vezes em certas localidades dá-se a necessidade de ser preciso o emprego d'uma porção de força publica, e não a havendo de tropa regular para facilmente acudir a essa necessidade, mas havendo algum batalhão nacional, ou companhia na proximidade do sitio, as auctoridades, em caso de precisão, dirigem-se aos commandantes de taes corpos, e facilmente conseguem auxilio, ou soccorro. Entretanto o Governo pedindo esta auctorisação, circumscreveu elle mesmo a faculdade, que della podia resultar-lhe; não foi a commissão de Guerra que pôz limites á despeza, que elle havia de fazer com estes corpos, nem que determinou o numero de praças que havia de conservar reunidas em tempo de paz; foi o mesmo Governo que disse — estes corpos em tempo de paz devem conservar-se no estado de licenciamento; porém se fôr necessario empregar alguma porção delles para satisfazer ás necessidades do serviço publico, eu o farei dentro da cifra que me fôr votada no presente anno, tanto a respeito do numero, como da despeza: eu me explico melhor: se o Governo puder conseguir elevar o exercito ao maximo da força votada, isto é, a 24:000 homens, o Governo terá licenciados todos os batalhões nacionaes; mas senão fôr possivel elevar aquella força senão, por exemplo, a 23:000 homens, e as necessidades do serviço publico exigirem o emprego de 24:000, o Governo chamará ao serviço 1:000 homens dos batalhões nacionaes. Creio que terei sido entendido, e que é ocioso portanto desenvolver ainda mais este pensamento; se o Governo não puder elevar a força do exercito senão a 22:000 homens, então chamará 2:000 homens destes batalhões, e assim progressivamente até ter a força votada por esta Camara. Eu entendo que é possivel o Governo satisfazer ás necessidades publicas no estado de paz, sem ser preciso chamar ao serviço mais do que 1:000 homens destes batalhões; isto em todo o reino; mas é precisa a sua conservação, porque dar-se-hão circumstancias em que não seja possivel de prompto chamar a força de 1.ª linha em certas localidades em auxilio das auctoridades; mas havendo naquellas uma força subsidiaria para coadjuvar estas, as necessidades do serviço serão do mesmo modo satisfeitas. (apoiados)

Disse tambem o nobre Deputado, que desejava que esta organisação fosse mais generica, e que se organizassem batalhões em todo o paiz; e a mesma opinião exprimiu o Sr. Palmeirim, dizendo, que por esta razão é que tinha assignado com declaração o parecer da commissão. Eu sou da opinião dos illustres Deputados; mas nem todas as cousas que se desejam, se podem fazer quando se desejam; é necessario primeiro organisar o paiz a outros respeitos; é necessario fazer desapparecer certos preconceitos; é necessario virmos a outro estado de cousas differente do estado presente, para podermos fazer uma organisação militar completa em todo o reino. Então, em circumstancias mais favoraveis, generalisaremos esta, ou outra organisação similhante; e no projecto

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de lei sobre recrutamento, que brevemente será apresentado á Camara, alguma idéa vem a este respeito sobre uma outra especie de força subsidiaria, que é a reserva do exercito permanente.

Disse tambem outro Sr. Deputado — «os empregados publicos quando estão no batalhão, faltam ás suas repartições, e isto é um inconveniente para o serviço. — » Eu digo ao Sr. Deputado que os empregados publicos estão effectivamente licenciados; tem-se passado as mais terminantes ordens para que elles não faltem ás suas obrigações, e para que não possam ser chamados ao serviço militar senão só nos dias sanctificados.

Tambem se disse, que as milicias não estão em harmonia com as nossas instituições; talvez o nobre Deputado julgue mais em harmonia com as nossas instituições aguarda nacional! Desejaria o nobre Deputado que se tornasse a restabelecer esta instituição de ominosa memoria entre nós? Fizemos um tal tirocinio do seu estabelecimento, que creio a ninguem esta instituição deixou ficar saudosa recordação. Disse tambem o nobre Deputado que a ella se deve talvez não ter havido, nos primeiros annos, algumas tentativas para se restabelecer o despotismo — é verdade que não foi neste caminho que ella trabalhou; mas foi n'uma direcção opposta; e eu abomino tanto uma cousa como a outra (apoiados.) Eu abomino tanto o caminho que nos conduz ao despotismo, como aquelle que nos conduz á anarchia, e á destruição total da sociedade. Portanto julgo ter respondido, e dado as explicações precisas a respeito dos motivos que tem o Governo para trazer á Camara esta proposta de lei, pedindo auctorisação para conservar os batalhões nacionaes. Se a materia dos outros artigos fôr impugnada, eu então farei declarações mais amplas, tanto a respeito da despeza que fazem actualmente os batalhões, e da economia que pertendo fazer, como a respeito da organisação que lhe pertendo dar. Por agora julgo ter dado as explicações necessarias.

O Sr. Alexandre Botelho: — Peço a V. Ex.ª consulte a Camara se julga a materia discutida.

Decidiu-se affirmativamente, e poz-se á votação o Art. 1.º — foi approvado. Passou-se ao Art. 2.º

O Sr. Corrêa Leal: — Sr. Presidente, o motivo que me leva a tomar parte nesta discussão, é principalmente para responder a algumas das observações que o nobre Deputado por Vizeu fez durante o tempo que se occupou em discutir esta materia. Eu não entro na discussão desta materia como hospede; é por experiencia propria que reconheço a utilidade, e vantagem que deve resultar ao paiz da continuação que o Governo pede por este projecto á Camara, para a conservação da existencia dos batalhões. Eu creio que toda a Camara reconhece a utilidade do serviço que resulta daquelles batalhões, e que por ventura poderá resultar, se por desgraça nossa, fôr preciso empregar a sua força (apoiados.) Todos sabem que a força do exercito é diminuta, principalmente nas circumstancias em que toda a Europa se acha, para manter os direitos da Corôa na sua integridade, e manter as instituições que todos nós sustentamos; e por consequencia é de toda a evidencia que a continuação desta força auxiliar é indispensavel. O nobre Deputado a quem me dirijo,

n'uma das partes do seu discurso disse — «que quer dizer um batalhão d'empregados publicos? — » Um batalhão d'empregados publicos quer dizer muito, quando esses empregados professam douctrinas, e principios sanctos, e justos; quando esses empregados sabem com dignidade, e patriotismo sustentar o que dignamente se deve sustentar (apoiados.)

Eu não tive a honra de pertencer a esse batalhão, na occasião em que ainda ha pouco, prestou relevantes serviços não digo só á capital, mas ao paiz, Trago isto para dizer que se o Sr. Deputado, a quem respondo, estivesse no batalhão, por que eu não sei se S. S.ª fazia parte do batalhão d'empregados publicos... (O Sr. Carlos Bento: — Eu não estive em batalhão nenhum) O Orador: — Pois eu estive no batalhão dos Officiaes. Mas se o Sr. Deputado lá estivesse, havia de ver que serviço esses empregados fizeram n'essa occasião; durante esse tempo não largaram as armas da máo. Mas como S. S.ª tambem disse, que por esses empregados terem as armas na mão, se faltava ao serviço nas suas repartições, direi que a tal serviço se não faltava, por que os outros empregados que por suas molestias não podiam estar n'este activo serviço, accumulavam um trabalho demasiado, e de boa vontade se prestavam a supprir por si a falta dos outros, que com as armas na mão defendiam a capital, e sustentavam a Carta e os direitos da Corôa portugueza. Não hei de agora aqui fazer uma historia longa do relevante serviço com que este batalhão principalmente e iniciativamente salvou a capital no dia 29 de Abril, quando se evadiu do limoeiro toda a casta de facinorosos, para virem lançar a confusão e a desordem nomeio desta capital. Mas diz-se — a Camara de 1840 oppoz-se á conservação de taes batalhões. Sr. Presidente, eu presenciei isto, mas em que nos tira isso a nós o direito de termos uma opinião differente da que teve essa Camara?... S. S.ª tem em si o exemplo; pois S. S.ª não teve já dentro desta Camara opiniões differentes das que tem hoje?... Então por que não póde haver tambem uma Camara, que pense de um modo, e outra que pense differentemente? Este não é de certo o argumento. No exercito as praças de pret não votam; se algum dos soldados, ou das praças de pret, estiver pela lei habilitado a votar, de certo que o esta praça não se lhe nega esse direito, e ha de votar: mas ás praças de pret tira-se desgraçadamente o direito de votar, e ás praças dos batalhões quer-se tirar a liberdade de votar. Ora eu bem percebo por que se diz isto; mas vamos a ver como isto ha de ser, diz-se as praças de pret desgraçadamente não votam, e aos batalhões tira se-lhe a liberdade de votar, então tira-se a liberdade que desgraçadamente os outros não tem?... Então como ha de ser isto? Não se póde entender este argumento, por que elle por si proprio se contradiz. Quer pois S. S.ª que existam os batalhões assalariados por um partido, e que estes dominem o paiz? Sr. Presidente, como ha de um partido podér suppor que possa crear de si batalhões em pouco tempo? A força que tiver de crear esses batalhões que eu admitto, não é um partido, ha de ser a força nacional, ha de ser o Governo, as instituições, ha de ser a lei que os ha de crear, nunca podem ser batalhões de um partido, nem admitto, que se possa acceitar esta injuria, que se quer fazer chamando, batalhões de um partido; não é assim, os batalhões não devem ser de partido,

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isso não póde ser nunca, um partido significa fracção, e a fracção d'uma nação não cria batalhões legaes; e essa parte que d'ella se separa, creando os seus batalhões é que faz batalhões de partido, para tumultuar as terras, para as pôr em desordem, e as ordens de qualquer caudilho, ou de qualquer agitador, em quanto a força maior, a da lei, os não faz combater; esses serão de partido, mas os batalhões nacionaes ião hão de ser de partido; os dos arsenaes, não serão todos elles compostos de individuos, de cidadãos, com os seus ordenados, ferias e jornaes, sustentados pelos cofies da nação? Poderão portanto negar-se a servir a mesma nação com as armas, quando ella precisar dos seus serviços?... Não lerão por seus chefes naturaes, os dessa mesma repartição, a quem por habito e costume obedecem, recebendo ordens e cumprindo-as?... E não poderão mais facilmente ser organisados por essas mesmas classificações?... Certamente podem. Mas os batalhões, que aqui se pedem, não podem damnar o serviço publico, tômo se pensa, por que elles não são senão para os casos extraordinarios de guerra estrangeira, ou civil, e então nessa occasião vem logo a suprema lei — e preciso nessa occasião cessar tudo o mais em quanto se não salva o paiz, e nessa occasião não periga uma repartição que deixar de trabalhar oito ou mais dias, por que primeiro que isso esta o paiz; mas no caso de paz, e aqui, é em que o illustre Deputado quiz dar a maior força ao seu argumento, dizendo» pois isto não e uma contradicção?... Pois nós que estamos em paz, estão-se fazendo batalhões, e querendo conservar-se os que existem?.. «Si vis pacem, para bellum. E preciso preparar na paz para a guerra, e por consequencia bem organisados são elles agora, e agora e que se deve tractar das disposições, que se devem deixar ao Governo, para as modificar conforme com as restricções que lá vem nesse mesmo artigo.

Ora agora diz-se que fóra da guerra civil ou estrangeira, não se sabe como se póde dar o caso de ser necessario o emprego da força destes batalhões. — Podem dar-se muitos casos, em que fóra da guerra estrangeira, ou civil se dê o caso do Governo precisar de occupar um certo numero de baionetas, para supprir outras de Unha que tiverem um destino, e que façam falla naquella localidade onde isto se der. — Pois não se póde dár o caso em que seja preciso saír a força de 1.ª linha de qualquer terra para ir perseguir uma quadrilha de ladrões que seja forte, ou por qualquer outra necessidade do serviço publico, e que nesse tempo uma parte dos batalhões se empregue, para supprir a falla da força de 1.ª linha?... Daqui não vem prejuiso á fazenda, por que o projecto declara, que nunca possa exceder nesses casos o numero da força votada os 24 mil homens, por consequencia não ha tambem daqui inconveniente algum.

Sr. Presidente resumindo o que tinha a dizer concluo approvando este artigo, assim como tenciono approvar os outros.

Havendo-se a materia por discutida, e pondo-se á votação o

Art. 2.º — Foi approvado.

Passou-se ao

Art. 3.º

O Sr. Moniz: — Sr. Presidente, nós temos objectos tão importantes diante de nós, que na verdade precisamos muito de economisar o tempo; por essa razão, ainda que eu tenha de fallar movido de uma imperiosa necessidade relativa á provincia que tenho a honra de representar, serei o mais resumido que me fôr possivel; todavia não posso para expender, o que tenho a dizer relativamente ao artigo applicado as ilhas, deixar de recorrer a alguns principios geraes. Em primeiro logar declar, que considero de summa gravidade o estado de cousas, que nos apresenta este projecto relativamente á organisação militar no nosso paiz; por que é um estado que não é normal; considero que ha uma necessidade extraordinaria que nos colloca na precisão de nos conservarmos ainda n'uma especie de estado provisorio. É convicção minha, é doutrina que sigo, que um paiz qualquer desarmado, é um paiz exposto certissimamente a perder a sua independencia, e com ella a sua liberdade; intendo que o armamento de todo o paiz é indispensavel para preservar a sua independencia e a manter a sua liberdade, para o que não basta só a tropa de 1.ª linha, é necessario que toda a povoação, capaz de pegar em armas, se ponha em estado de vir, em tempo de guerra, em auxilio da tropa de linha, e esta necessidade ainda se torna mais imperiosa para um paiz pequeno ao pé de uma nação poderosa, e exposto por isso só a maiores perigos; é necessario portanto, que a sua população toda inteira faça resistencia em massa nos casos do guerras estrangeira, e esta não se faz só com a tropa de 1.ª linha: porque para isso lhe seria preciso pôr em campo um exercito regular immenso; e isso ainda quando fóra possivel, mais cedo ou mais tarde traria comsigo infallivelmente a ruina d'aquelle estado que em tal êrro caisse: esta doutrina é applicavel tanto aos Govêrnos absolutos, como aos Govêrnos representativos: estes precisam de ter a sua povoação militarmente organisada mesmo em tempo de paz; não só para estarem d'ante mão promptos para o tempo de guerra, por que um povo inteiro em tempos em que a guerra é uma arte difficil, não se prepara para ella de improviso; como tambem por que é da essencia do Governo representativo que todos os cidadãos em quem se derem as condições e garantias necessarias para defenderem a liberdade, isto é a constituição e as leis protectoras das pessoas e da propriedade e da tranquillidade e ordem legal, estejam permanentemente armados para esse fim; isto é o que constitue a força da milicia nacional, ou seja com este nome ou com o de guarda nacional; a organisação desta milicia não só differe muito entre as nações constitucionaes e as que o não são; mas mesmo entre uma e outra nação constitucional: tal nação ha á qual convem admiravelmente uma organisação, que é absolutamente inapplicavel a outra: a guarda nacional no estado de perfeição a que ella foi levada, não sem ser á custa de bem cara experiencia, em França, seria totalmente repugnante aos habitantes e absolutamente incompativel com a organisação politica da Grã Bretanha; e nem por isso ella tem deixado de ser uma monarchia eminentemente constitucional, nem as pessoas e a propriedade tem estado menos seguras n'aquelle paiz que em França. Nos Govêrnos constitucionaes, os mais zelozos patriotas, os homens publicos mais sinceramente amigos do seu paiz e do seu soberano, estão sempre alerta para que se mantenha um justo equilibrio entre a força da 1.ª

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linha, e a força nacional; e eis-ahi mais uma razão para a necessidade de uma organisação militar e geral na povoação — ajusta e prudente proporção do exercito permanente, a Standing army» foi sempre uma das divisas do partido liberal. E inegavel que o estado da organisação do nosso paiz a este respeito não esta pelo que toca á milicia nacional na conformidade destes principios; porque ella nem e geral, nem esta regulada pelas condições e garantias que pede um systema constitucional bem organisado. Eu o anno passado expendi estes mesmos principios, e manifestei os meus sinceros desejos de que o Governo apresentasse este anno um plano geral de organisação da força armada da 1. e 2.* linha em harmonia com os principios do systema constitucional; este plano não appareceu quanto á 2.ª parte; ainda que não sou militar reconheço que elle é de summa difficuldade; porque quaesquer que fôssem as vantagens da antiga organisação em relação áquelles tempos e systema de Governo, ella foi destruida; e a sua reorganisação seria impossivel de accommodar ás instituições actuaes sem grandes alterações.

O systema da guarda nacional de França, no estado de nossas discordias, e no meio do grande excitamento das paixões, tem-nos mostrado a experiencia que ou em vez de proteger, compromette a ordem publica, sem que seja purificado dos erros que o tenham viciado e tornado tão funesto, ou que sendo delles separado attrae mui pouca gente; da primeira parte da minha observação temos provas em diversas épocas do tempo que durou a guarda nacional, e da segunda esta ainda bem recente na lembrança de todos, que o Governo de maio de 1826 não póde organisar em muitos mezes corpo algum consideravel da guarda nacional. A força publica da milicia nacional, para não perder do seu verdadeiro caracter, deve ser geral em todo o paiz, provir de todos os cidadãos revestidos das garantias legaes, e ser destinada á protecção de todos. Mas quão difficil é encontrar um paiz no estado destas condições! Em França o espirito publico estava a este respeito tão bem formado, que eu vi a republicanos professos, a homens das mais extremas opiniões de opposição, quando chegada a hora do perigo á propriedade, á tranquilidade e á ordem legal correrem ás armas, e serem os primeiros a apresentarem-se em sua defeza com toda a fidelidade e denodo: em Inglaterra não ha guarda nacional, mas quando se chamam as milicias, ou quando a tropa de linha vai em soccorro da auctoridade publica, quem se lembra lá se é Whigh ou Tory! Isso seria reputado como a maior das vergonhas, ou antes como um acto de rematada loucura! (Apoiados) E será isto o que temos visto em o nosso paiz!... Apesar de um tal espirito em França, nunca o Governo póde consentir em ceder da faculdade de poder dissolver a guarda nacional, onde julgasse que ella não convinha, e de facto muitas vezes usou desse direito, e poderia o Governo dispensar aquella mesma faculdade em o nosso paiz, ainda mesmo em melhores tempos? Tem havido Governo algum de qualquer dos partidos, que tem estado no podér, que a elles renunciasse?

Se não póde, eis aí esta o systema da guarda nacional dominado dos mesmos inconvenientes que o dos batalhões temporarios! Eu tambem sou daquelles que não quero ver no nosso paiz, em vez de paz, ordem e tranquillidade, a guerra das opiniões armadas que cedo se transforma na guerra das paixões em armas, com toda a immensa caterva de males que ella acarreta comsigo; nós além das outras difficuldades para lêr-se já formado um plano geral e completo de organisação de força de 2.ª linha, não vejo como mesmo com a guarda nacional, em presença das considerações que tenho feito, poderemos escapar a esses resultados. O certo é que um tal plano nos não foi apresentado; eu por mim não estou habilitado para o apresentar; é evidente que no reino se não póde despresar o auxilio de alguma força, além da de 1.ª linha; é evidente que se encontra esta força nestes batalhões já creados, e já provados pela experiencia dos excellentes serviços que têem prestado; e então eu que não tenho outros meios que offerecer para a protecção da propriedade, das pessoas e da ordem publica, não me nego a votar pela continuação, mas clamando sempre porque quanto antes nos vamos chegando para o estado normal, para que o serviço se faça com o maior allivio possivel para os mesmos batalhões: em fim para que o serviço delles se reduza ao strictamente indispensavel em auxilio da tropa de 1.ª linha. Serviam, visto que por ora não ha outro remedio; mas este estado de cousas deve acabar. Applicando estes principios ás provincias das ilhas adjacentes, que fazem o objecto do artigo em discussão, digo que se estivessemos tractando da organisação geral da povoação em respeito á defeza externa e interna, eu quereria que aquellas provincia entrassem na lei commum. Já se vê que segundo estes principios alli se não podiam reviver as milicias e ordenanças sem grandes alterações, que as convertessem em uma organisação verdadeiramente constitucional: a resurreição da antiga organisação a ia alli destruir um dos incentivos que mais attraíram os povos ao systema representativo; eu não conheço nada que mais podesse lá alienar os espiritos contra o Governo constitucional, que os fizesse encarar este Governo, como um systema de decepção. Se um tal systema se restabelecesse, seria mais uma cousa poderosissima para augmentar a fatal despovoação que de ha annos a esta parte da Madeira para fóra esta tendo logar: a miseria geral pela já anterior estagnação do commercio dos vinhos, pela essacez da ultima novidade, e vil preço, ou antes nenhum preço dos vinhos neste anno, tornam todas as despezas, e peladas de dias de trabalhos, e mais encargos insupportaveis.

Em muitas freguezias nem ainda começam os povos a convalescer da grande calamidade de uma cheia e temporal de vento que lhes destruiu quasi completamente as vinhas e arvoredos, e muitas propriedades, e sacrificou tambem muitas vidas. Para a guarda nacional, como systema geral não acho lá por ora as indispensaveis disposições: os que bem conhecem o paiz, muito bem me comprehenderão, principalmente quanto á povoação dos campos. Eu fallo em geral da massa da povoação, porque ha nas mesmas freguezias ruraes, e ainda mais na capital, muitas excepções; mas a guarda nacional de uma provincia inteira, para ter o caracter que convém, não deve ser formada de excepções: os inconvenientes procedidos da escacez dos meios pecuniarios, nem mesmo para os qualificados pelas condições do censo, tornaria os encargos mais leves: nada poderia hoje levar os povos a sujeitarem-se de boamente a

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um movimento geral naquella ilha, senão uma invasão estrangeira: e mesmo para essa elles confiariam muito mais na defeza maritima do litoral. Para a do litoral esta lá ainda em pé a organisação aperfeiçoada, que sobre a antiga dos artilheiros auxiliadores da costa estabeleceu o Sr. Mousinho d'Albuquerque, em virtude dos podérem extraordinarios de que foi revestido quando foi nomeado prefeito, logo depois da entrega daquella ilha ao poder legitimo da Rainha e da Carta. Esta força guarnece as praças fortes, e baterias da cidade, do pôrto, e da mais costa de toda a ilha; e creio que a do Porto Santo tem um commandante geral de linha sujeito ao commandante da 9.ª divisão militar, que tem o commando superior em toda a provincia: muitos dos fortes para governadores de 1.ª linha — a mesma força, além do serviço nas salvas faz o das vigias á costa de noite; e parece-me que até fornece homens para o serviço dos telegrafos, ou uma especie de correios ou conductores da correspondencia do Governo, em roda de toda a ilha: e para este serviço tem os convenientes exercicios. Ora já se vê que com esta organisação pésa já sobre a povoação um encargo bem pesado, que não pésa, creio eu, sobre a povoação do continente do reino. Eu não quero medidas excepcionaes de favor para aquella provincia; mas parece-me que quem mais fôr carregado para um lado, tem direito a ser alliviado para o outro. O estado dos animos é tal, segundo as informações que tenho de pessoas competentes, que não permitte ainda o estabelecimento de nova força de 2.ª linha sem graves inconvenientes de em vez dessa força contribuir para manter a paz e ordem publica, podér ser causa de effeitos contrarios: ella não póde nem deve ser formada de individuos de um só partido; o formada de todos é muito para receiar que dê occasião aos resultados que venho de mencionar: um batalhão desta especie não póde ser formado senão de individuos da cidade do Funchal e das suas visinhanças; ora é tambem da mesma cidade e visinhanças que é tirada a gente que fornece as fortificações dellas de que acima fallei; e é impossivel em razão das grandes distancias recrutar essa gente de mais longe: o pêso do novo batalhão iria por tanto carregar todo sómente sobre uma parte da provincia, sobre que já carrega o maior numero dos encargos publicos, o que é uma grande desigualdade, assim a respeito da mesma provincia como do reino. As repartições publicas do Funchal não tem mais que os empregados strictamente indispensaveis para o serviço; e muitas vezes mal o podem trazer em dia, e não podiam pois fornecer individuos ao batalhão, sem grande transtôrno do serviço, e prejuizo publico; e os meios de subsistencia na pobreza geral da ilha, pelas razões que acima já apontei, estão attenuadissimos; todos terão vontade, mas ninguem tem fôrças para coisa alguma. Na Madeira esta um batalhão de linha, em boa força, e estado de disciplina, com um muito digno commandante, e excellentes officiaes; esta uma bateria de artilheria tambem em muito bom estado, e bem commandada; com esta força, e a do corpo dos artilheiro auxiliares, tem a provincia a melhor defeza que póde ter nas circumstancias actuaes, e mesmo talvez em quaesquer outras, salva a desigualdade que já notei: a vigilancia de policia contra os contrabandos, e a favor da policia sanitaria e policia geral, exerce-se, principalmente no litoral, na cidade, pôrto e visinhanças; no interior pouco ou nada ha a fazer.

E pois a creação de um novo batalhão desnecessaria, e póde vir a ser prejudicial. Estes batalhões tambem no reino senão criam em toda aparte; isto deve acontecer, porque o Governo tem tido razões attendiveis para essas excepções: pois ahi as tem desde já a respeito daquella ilha. Eu sei muito bem que o Sr. Ministro me poderá dizer, que o artigo é facultativo; mas a mim parece-me que nem dessa faculdade tem precisão o Sr. Ministro, e ella em outras mãos que menos conheçam as circumstancias daquella provincia, poderá vir a ser perigosa; em todo o caso deve essa condição ser bem expressa; e o Sr. Ministro assim o declarou nesta Camara; e não deve esta força ser já mais levantada sem ser a requisição do governador civil, e sem serem ouvidas as auctoridades militares das ilhas; nem deve esta força estar jámais sem uma força da 1.ª linha proporcionada ás necessidades das ilhas, e aos seus meios peculiares: peço aos Srs. Ministros que nunca se esqueçam de que uma força de 1.ª linha sem a possibilidade de andar bem paga, em uma terra onde não ha outra que lhe oppôr, produz necessariamente uma posição mui perigosa, e esse perigo redobra se a força que se quizer organisar em seu auxilio, não tiver os elementos necessarios para o serviço. Logo outra vez aos Srs. Ministros, que não percam jámais de vista esta consideração, da qual eu entendo que depende toda a paz e tranquillidade da minha patria. No reino se um batalhão por falla de pagamento ou por outra qualquer cousa, adquirir máo espirito, ouse chegar a insubordinar, facilmente se muda ou se lhe oppõe outra força para o conter; mas em uma ilha separada do continente, e portanto do exercito, por uma longa distancia de mares, ocaso é muito differente; e fica pois sendo da maior e mais imperiosa necessidade, que as despezas sobre a ilha por saques extraordinarios nunca de tal modo carreguem, que fique impossivel trazer em dia a tropa da 1.ª linha: fica sendo ainda de maior necessidade que aquella tropa seja da maior confiança em officiaes e praças de pret, e que se alguma força fôr creada em seu auxilio, seja essa tambem da maior confiança para lhe não ir levantar difficuldades e acarretar perigos em vez de a ir ajudar. Taes são as considerações pelas quaes eu entendo que a creação de um batalhão de 2.ª linha na ilha da Madeira é não só desnecessario, mas muito inconveniente: nenhuns motivos me induzem a esta opinião, que é tambem a dos meus collegas, Deputados pela mesma provincia, senão os do bem publico assim daquella parte da monarchia, como de todo o reino. Parece-me que as mesmas ou mui similhantes circunstancias se dão a respeito das outras provincias insulares; mas dessas fallo com menos confiança, e presentes estão os Srs. Deputados das mesmas provincias que, com muito maior conhecimento de causa, podem advogar a causa dellas.

O Sr. Corrêa Leal: — Eu pedi a palavra para pedir a V. Ex.ª, que consultasse a Camara sobre se ella convem em que esta sessão se prorogue para acabarmos a discussão do projecto; (vozes: — a hora ainda não deu) mas é que eu vou já prevenindo.

O Sr. Presidente: — Ainda falta bastante tempo para dar a hora.

O Sr. Ministro da Guerra. — Agradecendo ao

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Sr. Deputado que acabou de fallar, a delicadeza com que annunciou as duvidas que tinha ácerca do artigo, que esta em discussão, devo declarar, para socegar o animo de S. Ex.ª que o Governo pedindo esta auctorisação para tambem crear batalhões nacionaes na ilha da Madeira, e nas outras ilhas, não entende organisal-os immediatamente: o Governo quer armar-se com a auctorisação precisa da Camara para em caso de necessidade poder organisar estes corpos. Certamente o Governo não ha de proceder a essa organisação sem primeiro ouvir a opinião das auctoridades, e pessoas competentes; porque nenhum Governo é tão imprudente em cousas similhantes que obre contra a opinião das auctoridades, e pessoas habilitadas para o aconselharem (apoiados — vozes: — muito bem.) porque isso seria proceder com a maior leveza.

Ora o illustre Deputado sabe muito bem que na ilha da Madeira, por exemplo, havia n'outro tempo, além da tropa de linha, tres corpos de milicias muito grandes, e além desses, os artilheiros auxiliares, e tudo isso acabou; mandando-se agora para lá um corpo de linha, com grande despeza, e prejuizo para o serviço, porque mal se póde dispensar um corpo no continente havendo tão pequeno numero delles no exercito; e a ilha tambem soffre prejuiso, porque tem de pagai a esse corpo avultados soldos, e maiorias de vencimentos.

Ora o Governo não pertende tirar todos os corpos de linha das ilhas, principalmente da ilha da Madeira, Terceira, e S. Miguel, pois o Governo não ha de ser tão imprevidente que deixe tão importantes pontos sem força; mas póde reduzir essa força segundo as circumstancias o permittirem, e concedida esta lei ao Governo, elle fica mais livre para podér obrar, creando os corpos nacionaes de que se tracta, quando as auctoridades, e pessoas competentes disserem que é occasião opportuna para isso.

Ora o Governo foi cauteloso; teve o cuidado de pôr aqui a restricção de não podér crear mais do que um batalhão, naquellas ilhas de maior população, como são as tres Madeira, S. Miguel, e Terceira; quer dizer não podér levantar mais do que 720 praças em cada uma destas ilhas, que todas são muito populosas, por exemplo, a Madeira tem mais de

50.$000 habitantes..... (O Sr. Moniz: — Hoje tem mais de 120:000). O Orador: — Não lhe julgava tanto, e por consequencia não será muito crear alli um corpo de 720 praças; mas o Governo não o faz sem primeiro ter para isso a opinião das auctoridades, (apoiados) Cicio que tenho dado as explicações necessarias sobre este objecto, e até mesmo no art. 4.º vem mais uma restricção sobre este assumpto.

O Sr. Alexandre José Botelho; — Teço a V. Ex.ª que consulte a Camara se a materia esta discutida.

Decidindo se affirmativamente, e pondo-se á votação o

Art. 3.º — foi approvado. Passou se ao Art. 4.º

O Sr. Castro Ferreri: — Sr. Presidente, usarei da palavra como relator da commissão sómente para esclarecei o illustre Deputado por Vizeu. S. Ex.ª fez um elogio á commissão em consequencia de uma restricção que um no seu parecer; mas como a commissão não quer senão aquillo que lhe pertence, devo dizer ao illustre Deputado que foi o Sr. Ministro mesmo quem fez esta restricção, e não a commissão. Ora quero tambem dizer duas palavras sobre Outro ponto que tocou o illustre Deputado.

Disse S. S.ª que não sabia como o Governo havia de proceder para saber a força auxiliar que deve empregar nas differentes partes, especialmente nas ilhas para perfazer a falta do numero legal do exercito permanente. Eu explico ao illustre Deputado como isto se faz. Supponha S. S.ª que ha 2£:000 homens de tropa de linha; faltam 2:000 que devem sei substituidos pela tropa auxiliar; o Governo, aonde ella se torna necessaria, por exemplo, na Madeira faltam 150 praças, em S. Miguel 100, o na Terceira 50, manda na ilha da Madeira entrar de serviço 150 praças da força auxiliar; em S. Miguel 150, e na Terceira 50, etc: esta força junta perfaz 300 homens, abatendo-a dos 2:000 que faltam no exercito, já não vem a faltar senão 1:700, que pela mesma fórma ordena no continente

E esta a explicação que queria dai ao illustre Deputado. Quanto ao mais foi respondido pelo Sr. Ministro da Guerra, e por isso não digo mais nada.

Houve-se a materia por discutida, e pondo-se á votação o

Art. 4.º — foi approvado.

Passou se ao Projecto n.º 16 que é o seguinte

Relatorio. — A commissão de Instrucção Publica, áquem foi presente o projecto apresentado á Camara em sessão de 25 de abril de 1848, pelo Sr. Deputado Assis de Carvalho, para a creação de uma cadeira de francez e inglez no lyceo de Faro:

Considerando, que as necessidades locaes foram o ponto de partida para a creação dos ramos de ensino secundario nos differentes lycêos:

Attendendo a que n'uma cidade maritima, e commercial o ensino das lingoas vivas mais conhecidas no mundo civilisado, será ainda mais proveitoso do que em outras cidades,

Convencida de que será mais frequentada naquella localidade a cadeiia de francez e inglez, do que a de identicas disciplinas em outros lycêos, aonde por lei foram creadas; tem a honra de propôr o seguinte

Projecto de lei. — Art. 1.º É creada no lycêo de Faro uma cadeira de ensino de lingoas franceza e ingleza, com o ordenado annual estabelecido por lei, para a de iguaes disciplinas nos lycêos de Evora e Braga.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 2 de março de 1849. — D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, Jeronymo José de Mello, (com declaração) Francisco d'Assis de Carvalho, João de Sande Magalhães Mexia Salema, Rodrigo de Moraes Soares, D. José de Lacerda.

Dispensando-se a discussão da generalidade e passando-se ao

Art. 1.º — foi logo approvado.

Art. 2.º — approvado.

O Sr. Fonseca Castello Branco. — Sr. Presidente, estamos na ultima hora da sessão; eu tinha annunciado uma interpellação ao Sr. Ministro da Fazenda ha muito tempo, não tem havido occasião, naturalmente pelos affazeres de S. Ex.ª lho não permittirem, mas visto que esta presente, eu pedia a V. Ex.ª que consultasse a Camara se podia ter logar agora.

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O Sr. Presidente: — Não sei se o Sr. Ministro esta habilitado para responder.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Estou, sim Senhor.

O Sr. Presidente: — Então não é preciso consultar a Camara; uma vez que o Sr. Ministro declara que esta habilitado para responder, a hora para as interpellações e esta. Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Fonseca Castello Branco: — Eu linha mandado para a mesa uma nota para interpellar o Sr. Ministro da Fazenda, porque desejava saber o estado de cobrança em que se acham os rendimentos do seminario da Guarda, assim como depois de informado do estado da cobrança daquelles rendimentos, desejava tambem saber se S. Ex.ª esta resolvido a mandar restituir ao seu legitimo administrador o governador do bispado aquella administração para se poderem estabelecer alli algumas escólas que possam dar ensino ao clero.

É preciso que eu conte a historia deste caso. Em 1837 ficou aquelle districto governado por uma auctoridade administrativa, que confundiu os rendimentos do seminario com os dos bens nacionaes; declarando tudo bens nacionaes, e por parte da Fazenda se começaram a arrecadar aquelles rendimentos. Na sessão de 18 de agosto de 1842 chamei a attenção do Governo sobre este objecto; peorei o estado do negocio com esta minha diligencia, porque tendo-se até alli arrecadado os rendimentos por parte da fazenda, d'ahi por diante não me consta que a fazenda arrecadasse, mas tambem senão restituiram ao seu legitimo administrador, e por consequencia ficou o negocio em peior estado. Agora desejava saber o estado em que se achava aquella cobrança, assim como se S. Ex.ª estava resolvido a mandar restituir á auctoridade competente aquella administração, ou se haverá alguma lei que o embarace, para então fazer uma proposta neste sentido, mas creio que não ha lei alguma que ponha embaraços a isto. Depois de ouvir S. Ex.ª pedirei a palavra para dizer aquillo que julgar conveniente.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, eu não tenho aqui os papeis com os quaes podia responder melhor ao illustre Deputado, que acaba de fazer a sua interpellação; tenho vindo preparado alguns dias para responder, mas hoje, infelizmente, não trouxe esses papeis, entretanto as idéas geraes que conservo sobre o negocio consistem, em que não sendo permittido pelas ordens geraes que houve desde 1834 até ha talvez um anno, á auctoridade ecclesiastica o administrar os bens dos seminarios, o estado foi recebendo esses rendimentos; porém depois houveram ordens, em virtude das quaes se mandou entregar a administração desses seminarios á auctoridade ecclesiastica, e perguntando-se por parte dos agentes daquelle districto, se por ventura se deviam ou não restituir ou entregar esses rendimentos aos seminarios; visto, creio eu, os seminarios se não acharem funccionando, determinou o thesouro, se me não engano, que esses rendimentos ficassem em deposito, ate que houvesse uma decisão definitiva a este respeito; pelos papeis que tenho em meu poder, e dos quaes estou tirando estas idéas geraes que dou ao illustre Deputado para responder á sua interpellação, o que posso dizer e que este negocio não pertence á secretaria da fazenda senão pelo lado da administração dos bens. Ha uma lei, a qual tem provisões para a dotação dos seminarios; se o nobre Deputado se dirigir pela repartição competente, que é o Ministerio da Justiça, e de lá vier uma participação, em virtude da qual o Ministro da Fazenda deva pôr á disposição da auctoridade ecclesiastica estes rendimentos para a sustentação do seminario, o Ministro da Fazenda não terá duvida nenhuma nisso, porque o Ministro da Fazenda entendeu tanto que este rendimento devia ter uma applicação differente daquella que tinha tido, que o mandou pôr em deposito; por consequencia não é a este Ministerio que compete tomar uma decisão difinitiva a este respeito, a outro pertence isso; e isto em virtude da lei que extinguiu as collegiadas, a qual contem algumas disposições a este respeito.

Em uma palavra, este rendimento esta em deposito, e logo que haja uma disposição a este respeito, o Ministro da Fazenda não tem duvida em manda-lo entregar a quem pertence.

O Sr. Fonseca Castello Branco: — Pela explicação do Sr. Ministro entendo, que a difficuldade consiste em que, por parte da repartição da justiça, se peça a entrega desse rendimento. Eu já aqui ouvi dizer ao Sr. Ministro da Justiça, que os seminarios por toda a parte estavam abertos; que até em alguns sitios aonde não havia seminarios, se tinham aberto algumas aulas, como era em Evora. Ora segundo a informação que tenho de auctoridades daquelle districto, consta que não ha alli uma só aula; e como a ha de haver, como ha de funccionar o seminario, se lhe tiraram os rendimentos?... Não estando presente o Sr. Ministro da Justiça, não posso continuar, e reservo-me para ouvir a S. Ex.ª sobre este objecto, e depois ver se devo fizer alguma proposta. Pela parte do Sr. Ministro da Fazenda estou satisfeito.

O Sr. Cabral Mesquita: — Sr. Presidente, a interpellação que quero dirigir a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, é muito simples; reduz-se unicamente a annunciar um facto, que, pôsto não seja de uma importancia muito grande, deve merecer a attenção de S. Ex.ª

No concelho de Sancta Cruz, districto administrativo do Porto, ha um edificio, que pertenceu á extincta ordem religiosa de S. Bento, o qual tem sido conservado, com prejuizo da fazenda publica, desde 1831 até hoje, sem se ter vendido: digo que tem sido conservado com prejuizo da fazenda publica, por que se tivesse sido posto á venda, decerto leria produzido uma boa somma de dinheiro a que hoje não póde chegar por se ter damnificado com o tempo: comtudo eu sei, que ainda ha compradores a este edificio, e por consequencia perguntava a S. Ex.ª se sabe deste facto, e se teria alguma duvida em mandar, que este edificio, apezar de damnificado, como esta, fosse posto á venda?

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, o nobre Deputado sabe, que os bens nacionaes pertencem á administração do tribunal do thesouro publico; o Ministerio da Fazenda não tem inspecção sobre essa administração; é pelo dicto tribunal que corre esse negocio, por onde se conhece o estado em que se acham Os bens nacionaes, e por onde se faz a distribuição daquelles que se mandam vender: por consequencia o illustre Deputado talvez tivesse conseguido melhor o seu fim, se em logar de dirigir

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a interpellação ao Ministro da Fazenda, pedisse explicações, e esclarecimentos ao tribunal do thesouro. Eu não posso dizer o valor, que o predio tem, não poso dizer a capacidade que elle offerece para o fim, que o Sr. Deputado pertende, que seja applicado, n'uma palavra, no tribunal do thesouro e que se podem encontrar todos os esclarecimentos, que o Sr. Deputado póde exigir.

O Sr. Cabral Mesquita: — Sr. Presidente, eu dirigi esta interpellação ao Sr. Ministro da Fazenda, como Deputado, e como Deputado não tenho obrigação nenhuma de pedir, ou de receber informações do thesouro: annunciei o facto para S. Ex.ª, que é o Ministro da repartição competente, saber o estado em que se achava o negocio, e mandar pôr o edificio a venda, se por ventura nisso não houvesse duvída, como julgo que não póde haver, e parece-me que S. Ex.ª fazia nisso um serviço á fazenda publica; mas ao tribunal do thesouro não tenho que requerer informação nenhuma; como Deputado a quem me devo dirigir e ao Sr. Ministro da, Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Visto isso o Sr. Deputado faz uma recommendação ao Governo para mandar pôr em venda um predio, que pertence aos bens nacionaes; não é assim? (O Sr. Cabral Mesquita: — Não é.) Então não entendi bem...

O Sr. Cabral Mesquita: — Chamo a attenção do Sr. Ministro da Fazenda, para que dê ordem aos seus subordinados, a fim de que se ponha á venda um edificio, que entendo que se deve pôr; nada mais.

O Sr. Ministro da Fazenda: — É o que disse depois. O Ministro da Fazenda não tem subordinados em quanto aos bens nacionaes; é ao tribunal do thesouro que pertence a administração de todos elles, e além disso ha neste negocio uma especialidade a que o nobre Deputado deve attender, e vem a ser, que os bens nacionaes fazem parte da dotação do fundo especial de amortisação: por consequencia e o thesouro a quem compete conhecer deste negocio, e o Ministro da Fazenda realmente não podia fazer mais do que intervir, para que o tribunal do thesouro ponha á venda, quanto antes, esse predio.

O Sr. Presidente: — Está findo este incidente; a hora esta quasi a dar; não obstante isto não sei se a Camara quer entrar já na discussão do projecto n.º 9; (vozes: — Esta a dar a hora) elle recae sobre um projecto de lei, que veiu da outra Camara (vozes: — Ámanhã; esta a dar a hora.) Bem; como não se adianta nada, porque a hora esta a dar, vou dar a ordem do dia. Ámanhã continua a mesma ordem do dia; quer dizer, a discussão tem de versar sobre o projecto n.º 9 deste anno, e o projecto n.º 103 do anno passado. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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