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N.º 18. Sessão em 21 de Março 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 60 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

Expediente.

Officios. — 1.º De Francisco Antonio da Silva Oeirense, remettendo uns impressos, e pedindo serem distribuidos pelos Srs. Deputados. — Mandaram-se distribuir.

2.º Do Ministerio da Fazenda, devolvendo os processos das pertenções, que promoveram pelo dito Ministerio, o Conde de Farrobo, e Jeronymo Ferreira Pinto Basto, a fim de se lhes conceder licença para a lavra da mina de carvão de pedra, situada em S. Pedro da Cova. — Á commissão de Administração Publica.

Representações. — 1.ª Da camara municipal da villa de Calheta, no districto do Funchal, apresentada pela presidencia, em que pede a alteração da lei de 2 de agosto de 1839, na parte em que manda distribuir a quarta parte do imposto dos cereaes pelas nove camaras do districto, e dar á do Funchal as outras quartas partes do imposto; e que este seja dividido metade para a dita camara do Funchal, e a outra metade para as referidas nove do districto; e pede finalmente que a distribuição das quotas se faça e pague na alfandega, onde se arrecada todo o imposto, e não pela camara do Funchal. — Á commissão de Administração Publica, ouvida a de Fazenda, se for necessario.

2.ª Da camara municipal da ilha de Porto Santo, districto do Funchal, apresentada pelo Sr. Moniz, pedindo lhe seja restabelecida em toda a sua plenitude, a posse do ilheo denominado do Baixo, que com outros menores, lhe fôra conferido por alvará com força de lei de 13 de outubro de 1770, para pastos communs. — Ás mesmas commissões.

3.ª Dos escrivães e mais empregados subalternos de justiça, na ilha da Madeira, apresentada pelo mesmo Sr. Deputado, reclamando contra a reforma da tabella dos emolumentos judiciaes de 26 de dezembro ultimo, em razão das circumstancias especiaes em que se acham, relativas ás localidades em que exercem seus empregos; e pedem que uma nova tabella seja feita para aquelle districto, ouvidas as auctoridades administrativas e judiciaes do mesmo districto. — Á commissão especial das Tabellas dos emolumentos e salarios judiciaes.

4.ª De 36 proprietarios do concelho d'Obidos, apresentada pelo Sr. Francisco Antonio da Fonseca, pedindo providencias a beneficio da agricultura do vinho. — Á commissão de Agricultura.

5.ª Da camara municipal do concelho de S. Martinho do Porto, apresentada pelo mesmo Sr. Deputado, pedindo que seja conservada a estrada do Carregado para Alemquer, Obidos, Caldas, e Alcobaça, até se encorporar na geral de Lisboa e Porto. — Á commissão especial d Estradas.

6.ª Da camara municipal do concelho de Borba, apresentada pelo Sr. Albergaria Freire, pedindo a revogação ou modificação da lei, que permitte ás camaras municipaes lançarem tributos a seu arbitrio; refere-se a outra representação, que sobre o mesmo

VOL. 3.º — MARÇO — 1849.

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objecto enviou a esta camara em 22 de abril ultimo, na qual igualmente expõe os males que resultam á agricultura da existencia da referida lei. — A commissão de Administração Publica, ouvida a de Fazenda, sendo preciso.

7.ª Dos medicos, cirurgiões, e farmacêuticos da monarchia, e bem assim dos alumnos da faculdade de medicina da Universidade, e das escólas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, apresentada pelo Sr. J. L. da Luz, pedindo uma lei, que confira aos alumnos preteritos, presentes, e futuros das ditas escólas, o gráo de bacharel formado em medicina ou cirurgia, cujos graos sejam iguaes em tudo aos que se conferem na Universidade, e com algumas clausulas, que expoem. — A commissão de Instrucção Publica.

8 De 52 alumnos da escóla medico-cirurgica de Lisboa, apresentada pelo mesmo Sr. Deputado, reclamando contra algumas disposições dos decretos de 18 e 20 de setembro de 1844, com as quaes se julgam offendidos em seus direitos e garantias, em relação aos alumnos da escóla medica de Coimbra. Expõem a maioria de estudos que teem a frequentar, e concluem pedindo se lhes outhorgue o gráo academico de bacharel formado em medicina e cirurgia, e outras concessões. — Á mesma commissão.

O Sr. Presidente — Chamo a attenção da Camara sobre o seguinte. Na sessão de 27 de janeiro apresentou o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e interino da Marinha e Ultramar, os relatorios das duas secretarias d'estado, a que preside; mas como a apresentação foi feita no fim da sessão, ou quando não havia numero legal para se tomar resolução, S. Ex.ª encarregou se de os mandar imprimir, o que se verificou quanto ao primeiro relatorio sob n.º 3, e quanto ao segundo sob n.º 4. Vinha este acompanhado de varias propostas. Mas como ainda não se deu destino nem aos relatorios, nem ás propostas, que acompanham o segundo delles, convém dar-se-lhes agora. Por isso proponho que, o primeiro relatorio va á commissão Diplomatica, e o segundo relatorio vá á commissão de Marinha, e Ultramar, porque pertence a ambas.

Assim se resolveu; e as propostas foram ás respectivas commissões pela ordem seguinte.

N.º A — Sôbre a força de mar. — A commissão de Marinha.

N. B — Sobro a reforma da cordoaria. — Á mesma commissão.

N. C — Sôbre darem-se macas ás praças das guarnições dos navios de guerra, que não tiverem alojamento lixo. — A mesma commissão

N.º D — Sobre as graduações, que devem ter alguns officiaes, que servirem nas praças de Damão e Diu. — A commissão do Ultramar

N.º E — Para que as sentenças de pena capital proferidas em Macáo, Solôr e Timor, fiquem dependentes dos recursos para a relação do estado, e para o poder moderador. — A commissão do Ultramar, ouvida a de Legislação, sendo necessario.

N.º F — Sobre a fórma, porque hão de sei pagos os vencimentos pessoaes na provincia de Cabo Verde. — A commissão do Ultramar, ouvida a de Fazenda, sendo necessario.

N.º G — Sobre o commercio da urzella. — A commissão do Ultramar, ouvida a do Commercio e Artes, se fôr necessario.

N.º H — Estabelecendo novas alfandegas nas ilhas de Cabo Verde. — As mesmas commissões, que as antecedentes.

N.º K — Regulando o direito da agoa-ardente de Portugal nas provincias ultramarinas. — Ás mesmas commissões.

N.º L — Para ser o Governo auctorisado a reformar a administração publica nas provincias ultramarinas. — A commissão do Ultramar, ouvidas, sendo necessario, as de Administração Publica, Legislação e Guerra.

N.º M — Sôbre os seminarios do Ultramar. — A commissão do Ultramar, ouvida a Ecclesiastica.

N.º N — Regulando os direitos ecclesiasticos nas igrejas de Macáo. — Ás mesmas commissões.

N.º O — Regulando os direitos ecclesiasticos nos Estados da India. — Ás mesmas commissões.

O Sr. Presidente: — Dado assim o destino ás differentes propostas, fica recommendado ás respectivas commissões a urgencia da apresentação do seu parecer.

O Sr. Pessanha: — Mando para a mesa um requerimento do João Baptista d'Araujo, de villa Real, que pede ser indemnisado de um officio que lhe fôra dado pelo Senhor D. João VI.

O Sr. Presidente. — E um requerimento particular, e por isso devia ser lançado na caixa, para onde vai ser remettido.

O Sr. Ferreira Pontes: — Mando para a mesa o seguinte

Requerimento. — Requeiro que, com urgencia, se peça ao Governo pela repartição dos negocios ecclesiasticos e de justiça uma cópia do decreto, por onde se estabeleceu um conto de réis para a fabrica da sé de Braga. — Ferreira Pontes.

Foi declarado urgente, e approvado sem discussão.

O Sr. Freire Falcão: — Mando para a mesa tres pareceres da commissão de Petições sobre negocios particulares.

Ficaram reservados sabre a mesa, para serem tomados em consideração em occasião opportuna.

O Sr. Moniz: — Mando para a mesa differentes representações de camaras municipaes do districto do Funchal, tendentes todas ao mesmo fim, a que foi dirigida outra, que veio hontem por via da presidencia; pedem ellas a melhor distribuição do imposto dos cereaes, estabelecido pela carta de lei de 2 de agosto de 1839.

O Sr. Pereira dos Reis: — Pedi a palavra para avivar a lembrança da illustre commissão do Commercio e Artes a respeito de um projecto de lei, que eu offereci na sessão pasmada para a livre importação do chá. Quero que esse projecto seja esmagado com razoes, mas não quero que seja rejeitado unicamente com um silencio, que não posso explicar.

O Sr. Assis de Carvalho. — Tambem eu tenho mostrado empenho, em que appareça o parecer da commissão de Commercio e Artes sobre este objecto; o como o illustre Deputado, que se senta ao meu lado, me mostrou já o parecer escripto, não sei, se foi para a mesa, e é por essa razão, que eu não tenho instado pela materia.

O Sr. Presidente: — Por ora ainda não veio para a mesa parecer nenhum sobre esse objecto.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento, de que peço a urgencia.

Requerimento. — Requeiro que pelo Ministerio

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competente seja remettido a esta Camara uma informação sobre os seguintes objectos:

1.º Qual seguimento teve o convite que a Sociedade Real de Londres endereçou á nossa Academia Real das Sciencias, para concorrer com o mundo scientifico a observar e medir as manifestações do magnetismo terrestre na superficie do nosso globo?

2.º Quaes melhoramentos tem tido a todos os respeitos as nossas bibliothecas publicas, galerias de quadros, gabinetes de medalhas, museus e jardins botanicos desde 1834 até hoje. — José Silvestre Ribeiro.

Foi julgado urgente, e approvado sem discussão.

O Sr. Moniz: — Esqueceu-me depois de pedir a V. Ex.ª, que tivesse a bondade de me inscrever para apresentar um projecto de lei.

O Sr. Presidente: — Fica inscripto.

O Sr. Xavier da Silva: — O Sr. Deputado Antonio José dos Reis encarregou-me de participar a V. Ex.ª e á Camara, que não tem podido vir ás sessões, em consequencia de se achar de nojo, pela morte de sua espoza. Por esta occasião lembrava a V. Ex.ª, que sendo costume mandarem-se desanojar os Srs. Deputados, se cumprisse esta attenção com o Sr. Reis.

O Sr. Presidente: — A mesa não tinha recebido noticia alguma a este respeito, porque do contrario havia de nomear-se uma deputação para assistir aos officios funebres; mas não sendo isso já possivel, na fórma do regimento ficam os Srs. secretarios encarregados de II em desanojar o Sr. Deputado.

O Sr. Secretario Corrêa Caldeira. — Aproveito a occasião para participar á Camara, que em virtude do regimento, eu e o Sr. Lacerda (Antonio) fomos desanojar o Sr. Deputado D. Guilherme Germano da Cunha Reis, o qual se mostrou summamente penhorado; e nos certificou que logo que lhe seja possivel, virá tomar parte nos trabalhos da Camara.

O Sr. Darão da Torre: — Mando para a mesa um parecer da commissão d'Agricultura.

Ficou reservado para ser discutido em occasião opportuna.

Ordem do dia.

Discussão do projecto n.º 9 — sobre conselhos disciplinares.

É o seguinte:

Relatorio. — Senhores: A commissão de Legislação examinou a proposição de lei, que foi remettida a esta Camara pela dos dignos Pares do Reino, que tem por objecto a creação de conselhos disciplinares para a magistratura judicial, e a fórma de proceder no exercicio da jurisdicção disciplinar; e convencida de que das suas disposições, senão toda quanta se pretende suppôr, alguma utilidade poderá vir á boa administração da justiça; é de parecer que, com algumas alterações que a commissão vos propõe, seja adoptada a mesma proposta de lei nos seguintes ler, mos:

Artigo 1.º A jurisdicção disciplinar ou de censura tem por fim advertir e corrigir as faltas dos juizes, commettidas dentro ou fóra do exercicio de sisas funcções, que, não lendo a qualificação de crimes ou erros de officio, mostram com tudo esquecimento, e abandono da dignidade do magisterio, e do zeloso cumprimento de seus deveres.

§ unico. Esta jurisdicção não prejudica o direito de correcção e censura para com os juizes inferiores, que se acha estabelecido pela legislação actual.

Art. 2.º Para tomar conhecimento das faltas, de que tracta o artigo antecedente, haverá no supremo tribunal de justiça, nas relações, e no tribunal superior de commercio, conselhos disciplinares.

§ unico. Os conselhos disciplinares serão compostos dos presidentes dos tribunaes em que são creados, e de quatro dos seus membros, tirados á sorte, observando-se, quanto a suspeições, as disposições de direito: e servirá de escrivão o secretario ou guarda-mór do respectivo tribunal.

Art. 3.º Ao conselho disciplinar do supremo tribunal de justiça compete o conhecimento das fallas, especificadas no artigo 1.º, commettidas pelos membros do mesmo tribunal, e pelos de todos os tribunaes de segunda instancia; ao das relações, o das commettidas, tanto pelos juizes de direito de primeira instancia, qualquer que seja, ou venha a ser a sua denominação, como pelos juizes ordinarios do seu respectivo districto judicial; e ao do tribunal superior de commercio, o das que commetterem os juizes presidentes dos tribunaes commerciaes de primeira instancia.

Art. 4.º Os conselhos disciplinares sómente poderão ser convocados pelo seu presidente, a requerimento do agente do ministerio publico, junto ao respectivo tribunal, feito em virtude de ordens do Governo, e acompanhado de todos os papeis, que este lhe tiver remettido para melhor conhecimento da falta ou faltas arguidas.

Art. 5.º O conselho, reunido em conferencia particular, mandará que o juiz arguido responda por escripto, assignando-lhe para o fazer um prazo rasoavel em attenção á distancia da localidade da sua residencia, e á facilidade das communicações.

§ unico. A ordem para o juiz responder ser-lhe-ha transmittida officialmente pelo presidente do conselho, com todos os papeis comprovativos da arguição.,...

Art. 6.º Se o juiz arguido, ou o agente do ministerio publico requererem ser admittidos a produzir prova testemunhal, o conselho o admittirá, oral, perante elle, se as testemunhas residirem na sua séde, e no caso contrario, por escripto, perante o juiz de direito mais proximo da comarca do arguido, expedindo-se-lhe ordem para proceder ao inquerito dentro do prazo que fôr assignado.

§ unico. As testemunhas serão sempre inqueridas na comarca aonde residirem. Nas ilhas em que houver uma só comarca, a ordem para o inquerito será expedida ao juiz substituto da mesma comarca do juiz arguido.

Art. 7.º Findo este processo preparatorio, o conselho, depois de ouvir por escripto o agente do ministerio publico, deliberará, em conferencia particular, ou sobre a sua competencia, ou sobre a applicação da pena disciplinar.

§ unico. A decisão será tomada á pluralidade de votos, e sempre fundamentada: o ultimo juiz, na ordem da precedencia, tirará o accordão.

Art. 8.º Quando o juiz arguido, em sua resposta, allegar a incompetencia do conselho, ou por ser a falla que faz objecto da arguição qualificada por direito, crime — ou erro de officio — requerendo que se instaure o meio ordinario da querela; ou porque

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a mesma não esteja, por sua natureza e qualidade, sujeita á jurisdicção disciplinar; o mesmo conselho, sobre estando na decisão final, proporá o processo em mesa grande, ou conferencia particular de todos os membros do tribunal, e alli se decidirá unicamente o ponto da competencia.

§ 1.º Se o tribunal decidir, que o caso não é da competencia da jurisdicção disciplinar, pelo ser de querela, assim o pronunciará por accordão, mandando que todos os papeis se devolvam no agente do ministerio publico, para usar dos meios competentes: se, porém, tomar por fundamento o segundo dos motivos do protesto, declarados neste artigo, ordenára que mais se não prosiga pelo feito. No primeiro destes casos se fará sempre no accordão expressa menção da lei, que qualificar de — crime — onde — êrro de officio — a falta arguida.

§ 2.º Quando o tribunal julgar competente a jurisdicção disciplinar, assim o pronunciará tambem por accordão; e o conselho se reunirá depois em conferencia particular para proferir a sua decisão final.

Art. 9.º Ainda mesmo que o juiz arguido não tenha protestado contra a competencia da jurisdicção do conselho disciplinar, se este entender, que a falta, ou faltas, de que se tracta, tem a qualificação de — crime — ou de — êrro de officio — proporá o feito em mesa grande para, em conferencia particular de todos os membros do tribunal, se decidir a questão da competencia, observando-se tambem neste caso as disposições do artigo antecedente.

Art. 10.º A censura simples, imposta aos juizes de segunda instancia, e aos membros do supremo tribunal de justiça, é intimada aos mesmos pelo presidente do tribunal, a que pertencem perante o seu respectivo conselho disciplinar, reunido em conferencia particular. A censura severa é dada tambem pelo mesmo presidente em tribunal pleno.

§ 1.º Para se levar a effeito o disposto neste artigo, quando os juizes, a quem a censura é imposta, forem de segunda instancia, o conselho disciplinar do supremo tribunal de justiça expedirá a competente ordem ao presidente do respectivo tribunal.

Art. 11.º A censura simples, imposta aos juizes de primeira instancia, ser-lhes-ha intimada de ordem do presidente da respectiva relação, ou tribunal superior de commercio, por um juiz de igual graduação, da mesma comarca, se nella os houver, ou, não o havendo ahi, pelo juiz de direito da mais proxima; e, quando impostas aos juizes ordinarios, sê-lo-ha pelos da sua mesma comarca.

Art. 12.º A censura severa, imposta aos juizes de primeira instancia, será intimada pessoalmente pelo juiz de direito da comarca mais proxima, designada pelo accordão, na séde da sua residencia, e na presença de dois dos seus substitutos, e do agente do ministerio publico, devendo para isso comparecer perante elles o juiz accusado no dia que aquelle lhe designar.

§ 1.º Nas comarcas de Lisboa e Porto será feita a intimação perante os juizes de direito de cada uma das mesmas comarcas, na presença do agente do ministerio publico da vara, a que a intimação da censura severa fôr commettida.

§ 2.º A mesma censura, quando imposta a juizes ordinarios, ser-lhes ha intimada pelo juiz de direito da respectiva comarca; porém, pessoalmente,

e na presença tambem de dois dos seus substitutos, e do agente do ministerio publico.

§ 3.º Nas ilhas adjacentes, em que não houver mais de uma comarca, a censura severa, imposta aos juizes, será levada a effeito, ou pela fórma prescripta neste artigo, ou pelo modo que ao conselho parecer mais conveniente, segundo no accordão se declarar.

Art. 13.º Todas as decisões definitivas dos conselhos disciplinares, serão communicadas pelo presidente á secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça; e contendo censura severa, serão publicadas no Diario do Governo.

Art. 14.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 13 de fevereiro de 1849. — Bento Cardoso de Gouvêa Pereira Côrte Real, Luiz d'Almeida Menezes e Vasconcellos, Antonio de Mello Borges e Castro, José Maria Pereira Forjaz, Eusebio Dias Pouças Falcão, João Elias da Costa Faria e Silva, João de Sande Magalhães Mexia Salema, Antonio do Rego de Faria Barboza Joaquim José Pereira de Mello.

O Sr. Vaz Preto: — Peço a V. Ex.ª que haja de consultar a Camara, se dispensa a discussão da generalidade deste projecto para desde logo passarmos á especialidade.

Assim se resolveu.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, é para declarar á Camara, que este projecto contem alguns êrros graves de typografia, e para que elles não façam objecto d'algnma proposta de algum Sr. Deputado, eu passo a notar quaes são. No art. 1.º em jogar de juizes superiores, — deve lêr-se juizes inferiores: no art. 8.º — em logar de se dizer — allegar a competencia do conselho — deve lêr-se — incompetencia — no art. 13.º falta-lhe o adjectivo severa, por que deve dizer-se — censura severa. São tres êrros gravissimos; assim como tambem no art. 12.º ha de mais a palavra parecer, não sei para que: portanto, salvos estes erros, o projecto, como se acha, é uma proposta que veio da Camara dos dignos Pares do Reino; contem apenas algumas alterações de redacção, um pequeno additamento ao art. 1.º, e uma melhor collocação de materia em tudo o mais é o projecto que veio da Camara dos dignos Pares.

O Sr. Presidente: — A mesa toma nota dessas rectificações. Está em discussão o art. 1.º

O Sr. Antunes Pinto: — Sr. Presidente, quando se votou a dispensa da generalidade da discussão deste parecer, fiquei sentado porque não vejo as utilidades do projecto; no entretanto respeitando a decisão da Camara para não entrar nessa discussão, cumpre-me dizer as duvidas, que se me offerecem não só contra o art. 1.º, mas contra os outros, que se forem seguindo.

O art. 1.º, Sr. Presidente, estabelece os conselhos disciplinares, a fim de serem corregidas as faltas dos juizes, que não sejam erros de officio ou crimes qualificados pela lei como taes. Eu impugno o 1.º artigo, porque me parece desnecessario, bem como todos os que tem referencia sobre este objecto. De toda a parte se fazem queixas contra a administração da justiça: queixam-se de que são demoradas as decisões, queixam-se de que são longas as formulas do processo; mas ainda não ouvi queixumes, que dessem

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occasião a mostrar a necessidade de estabelecer os concelhos disciplinares A Reforma Judiciaria, que é o nosso codigo de processo, tem estabelecido as formulas para serem processados os juizes, que commettem crimes de peculato, peita, suborno, ou concussão, estabelece as formulas para todos os processos, que digam respeito a erros de officio. Ha na Reforma Judicial muitos capitulos consagrados especialmente a este objecto Não escapou ao legislador nenhuma das formulas, que fôssem indispensaveis para fazer o processo tanto aos juizes ordinarios, como juizes de direito, juizes da relação, e juizes do supremo tribunal de justiça Esta portanto providenciado tudo quanto e necessario para tudo aquillo que podesse de alguma sorte impedir a boa administração de justiça Então a que vem hoje os conselho», disciplinares? Sr. Presidente, na nossa legislação antiga nunca houve esta especie de judicatura. Na nossa legislação antiga não tinhamos a maneira de julgar os erros de officio, os cumes commettidos pelos juizes ou no exercicio das suas funcções, ou nos diversos exercicios, e com tudo no nosso codigo de processo a que se chama Reforma Judicial, estabelecem-se as regras para se fazerem esses processos A fonte respectiva dessa legislação foram buscai a a uma lei franceza do tempo de Napoleão de 20 de abril de 1310, mas não trouxeram para a Reforma o que dizia respeito aos conselhos disciplinares Foi lá que encontrei uma legislação igual a que se pertende estabelecei hoje neste projecto conselhos disciplinares para punir asfaltas dos juizes com censura «simples, ou censura grave, ou suspensão, mas não se estabelecem os casos, em que deve ter logar esse processo, e aqui estabelecem-se conselhos disciplinares para punir uma cousa que se não sabe o que é Diz-se — os casos em que o juiz commetter fallas, que, não tendo a qualificação de crimes ou erros de officio, mostram com tudo esquecimento, e abandono da dignidade do magisterio e do zeloso cumprimento de seus deveres. — Isto e tão vago, e tão abstracto, que eu não me attrevo a approvar o parecer nesta parte, porque são muito vagas estas expressões, e porque não se estabelecem os casos precisos, em que devem ter logar os conselhos disciplinares.

Este artigo pelo vago em que se acha concebido deixa uma larga margem ao arbitrio, que o legislador deve sempre acautelar, porque em objecto de leis penaes não deve deixai-se tanto arbitrio aos juizes para que não possam abusar applicando indevidamente as penas.

Na mesma Reforma Judicial se acham estabelecidas as regras pelo que respeita aos juizes inferiores talvez que houvesse mais necessidade de conselhos disciplinares para os juizes ordinarios, mas na reforma Judicial ha quanto e bastante a esse respeito. É o art. 14.º § 3.º que da as relações do districto a faculdade de censurar por accordãos de conferem ía os juizes inferiores, e bem assim multal-os e condemnados nas custas Eis-aqui pois estabelecido, e providenciado quanto era bastante em relação aos juizes ordinarios, que eram aquelles dia quem haveria talvez mais necessidade de censura Mas querer hoje estabelecer esta censura tanto pari os juizes de direitos, juizes das relações, e do supremo tribunal de justiça, e tribunal menor de commercio, quando ha tantas maneiras de os censurar se se affastarem das regras de seus deveres, se commetterem crimes ou erros de officio, e até para acções de perdas e damnos. Não temos a liberdade de imprensa, para quando commetterem fallas das que menciona o projecto? Não ha outros meios para fazer conhecei ao publico os seus crimes sem haver necessidade de censura grave nem leve?.. Eis-aqui, Sr. Presidente, porque eu voto contra o art. 1.º por conhecer que não ha necessidade de estabelecer os conselhos disciplinares, e porque quando necessidade ou utilidade houvesse, e tão vago o artigo, que deixaria larga margem ao arbitrio, que se deve acautelar

O Sr. Cabral Mesquita — Sinto ter de discordai da opinião do illustre Deputado, que agora acabou de fallar. Reconheço que os conselhos disciplinares estabelecidos neste projecto são realmente muito importantes Poder-se-ía fazer um elogio pomposo para mostrar a necessidade de conveniencia desses concelhos disciplinares Já li uma obra em que se tracta désse objecto, e em que se mostra com razoes as mais plausiveis e mais fortes a necessidade de estabelece-los na magistratura judicial, porem não cançarei a Camara com esta demonstração, porque realmente já não vem muito a proposito, mesmo porque não tractamos agora da discussão deste projecto na generalidade, porque foi dispensada pela Camara, tracta-se unicamente de discutir o art. 1 º de que vou occupar-me

O illustre Deputado que me precedeu, entende que não póde ser objecto da sua approvação o art. 1.º do projecto, pelo julgai desnecessario, porque o juiz não podendo commetter outros crimes senão os de peculato, peita, suborno, e concussão, esses já estavam providenciados pelas leis, especialmente na Novissima Reforma Judicial, e então diz o nobre Deputado que não são necessarios os conselhos disciplinares Não sou desta opinião, porque se ha lei a respeito dos crimes de peculato, peita, suborno, e concussão, ha muitas outras fallas que podem commetter os juizes, faltas que não são cumes, e que não podem considerar-se como taes, mas que são com tudo faltas que degradam o juiz no exercicio das suas funcções (apoiados) e eu na lei não vejo que ao juiz que com menos dignidade, e decoro do magisterio que exerce, commette faltas graves, não vejo qual e o crime em que incorre, e qual a pena que deve applicar-se-lhe. O nobre Deputado disse mais quanto ao art. 1 º, que não podia approva-lo pelo achar muito vago Realmente o artigo esta muito vago, porque estabelece aí unicamente o principio desta legislação, mas se o nobre Deputado lêsse os artigos seguintes em que se mostra como e que deve recusar-se esse principio estabelecido no art. 1 º, vem que não podia rejeitar este artigo sem rejeitar todos os artigos seguintes, teria logo de rejeitar o art. 2.º que é um corollario do que estabelece o 1.º artigo, e assim por diante.

Portanto, Sr. Presidente, entendo que ha muitas faltas da parte dos juizes que não estão providenciadas nas leis, por exemplo a menos decencia com que se póde apresentar um juiz no tribunal. Eu quero saber se em qualquer lei se qualifica esta falta, na minha opinião muito grave, e se se applica alguma pena amenos decencia com que se póde apresentar um juiz no tribunal Ha outras muitas faltas que eu não qualifico de crimes, com tudo são faltas que devem conseguir-se, e isto conseguir-se-ha por máo dos conselhos disciplinares. Por todas estas razões entendo

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eu que deve votar-se o art. 1.º, e que assim como este se deve approvar, tambem se deve approva! o art. 2.º por ser um corollario do principio estabelecido no mesmo art. 1.º

O Sr. Pereira de Mello — Sr. Presidente, qualquer que seja a convicção particular, que eu ha muito tempo tenha formado sobre a materia deste projecto, convicção que eu já demonstrei em 1843, quando elle estava na commissão de Legislação, e quando foi tambem discutido nesta casa em 1844, todavia ligado á commissão de Legislação, eu devi a minha convicção a algumas razões de conveniencia, que se apresentaram. Conseguintemente, quando tive a honra de ser nomeado relator da commissão, colloquei-me na dura necessidade de sustentar a douctrina do projecto.

Sr. Presidente, a Camara não andou de leve quando dispensou a discussão na generalidade deste projecto, e não andou de leve, porque a materia delle e muito conhecida da maxima parte dos illustres Deputados, que hoje se sentam nesta casa, por isso que o mesmo projecto teve uma larga discussão em 1844, até que, sendo approvado, foi remettido á Camara dos Dignos Pares: portanto já se vê, que a Camara, com razão, não se quiz occupar da generalidade do projecto, generalidade que se reduziu ao fundamento, ou ao principio, de haver ou não ha ver conselhos disciplinares — esta especie de policia judicial para o poder judicial.

O nobre Deputado combateu o art. 1.º, a meu ver, com os seguintes fundamentos: primo — que não era necessaria esta providencia, assim como tambem a não havia na legislação antiga: secundo — porque dava margem, e grande margem ao arbitrio: tertiò — por deficiente, por isso que não via no artigo especificados os casos, ou as hypotheses em que devesse ter logar a installação dos conselhos disciplinares. Pelo que respeita ao primeiro fundamento em que o meu nobre collega e amigo se referiu a legislação antiga, ninguem melhor de que elle devia saber a desnecessidade, que então havia de uma similhante providencia, por isso que, tanto o regedor da casa da supplicação, como o governador de justiça da casa do Porto, tinham um amplissimo arbitrio de poder não só censurar, mas punir, e castigar as faltas leves commettidas pelos juizes de qualquer daquellas casas; e então, no systema désse Governo, não havia necessidade de reduzir a regulamento, ou regimento, os principios de policia judicial para os magistrados. Ninguem melhor tambem do que o meu collega deve saber os innumeros casos em que os juizes, sem commetterem crime pelo qual devam ser processados, podem comtudo commetter faltas, que muito offendam o decóro, e dignidade do logar que occupam na sociedade, porque, sem duvída, eu não conheço abaixo do sacerdocio do altar, outro sacerdocio mais eminente na sociedade, que o da magistratura: ninguem melhor do que o meu collega, digo, póde saber (por isso que tem longa, e larga experiencia do fôro), que muitas vezes os juizes, sem commetterem crime, nem delicto, commettem comtudo faltas, pelas quaes mereciam, ou deviam ser censurado. Não só na legislação antiga, mas tambem na moderna, na Novissima Reforma Judiciaria, alguma cousa ha de policia judiciaria, e o meu nobre amigo se bem reparasse, ou lêsse com attenção os art. 21.º e 47. da Novissima Reforma

Judiciaria, onde se tracta das attribuições do presidente do supremo tribunal de justiça, e dos presidentes das relações, havia de ver ahi conferidas aos presidentes desses tribunaes, algumas attribuições de policia judicial; mas porque se entendeu, que não eram sufficientes, nem estavam reduzidas a regulamento, um Ministro da Corôa, que tractou de organisar o poder judicial, entre as diversas propostas que apresentou, foi esta uma dellas, como a que muito convinha para sustentar a dignidade, o decoro, e a decencia em todos aquelles que teem de exercer tão elevadas funcções, como e o sacerdocio da magistratura. E lembro-me, Sr. Presidente, de que nossa larga discussão, que teve logar nesta casa em 1844, por occasião do projecto que hoje se discute, nem um só dos membros desta casa atacou o projecto pela sua inutilidade: grandes capacidades então (mesmo com referencia a sciencia de jurisprudencia) se sentavam nesta casa, e comtudo nem uma só voz se ergueu para combater a conveniencia do projecto.

O segundo fundamento porque o meu nobre amigo combateu o art. 1 º, foi porque a sua disposição, creando conselhos disciplinares no supremo tribunal de justiça, e nas relações, daria uma larga margem ao arbitrio. Procedida de formulas, Como vai neste projecto, a installação de conselhos disciplinares, que hão de conhecei das faltas dos juizes tanto de primeira, como de segunda instancia, e dando-se a garantia que se dá no projecto, de que o conhecimento dessas faltas pertence não a um só juiz, mas a dois juizes, precedidos pelo presidente do tribunal, eu não sei como o meu digno collega e artigo possa conceber a idéa do arbitrio em tres magistrados, que, pelo logar em que estão collocados, teem a seu favor a presumpção não só da sciencia, mas tambem a da prudencia, por isso que, quando chegam aos logares eminentes do supremo tribunal de justiça, ou de qualquer das relações, onde os conselhos disciplinares são creados, não é possivel que esses magistrados não deixem já de ter ganho nome, e credito entre os seus concidadãos: por isso não sei como o meu digno collega e amigo possa conceber, que em um corpo tal, que tem de conhecer destas faltas, possa ainda caber a idéa do arbitrio.

Pelo que toca á outra parte, a commissão abraçou o projecto como elle veiu da Camara dos Dignos Pares, e abraçou-o porque? Porque viu no art. 1.º estabelecido o principio debaixo do qual tem por força de se sujeitar todos aquelles casos, todas aquellas hypotheses, que não podendo ser qualificadas nem crimes, nem êrros do officio, teem necessariamente de ficar sujeitas á inspecção dos conselhos disciplinares. A enumeração destas hypotheses póde ser quasi indefinida, e parece-me que o nobre Deputado nem poderia, nem quereria exigir, (e muito menos a Camara) que a commissão se propozesse a fazer um catalogo (que havia de ser immensissimo) de todos aquelles casos em que podem ter logar os conselhos disciplinares, por isso que, estabelecido o principio, lá fica esse principio para reger todas as hypotheses, que se possam apresentar. Portanto parece-me, que sem embargo da impugnação, que fez o meu nobre amigo ao art. 1.º, elle deve passar tal e qual esta redigido, porque tem em si quanto basta para não dar logar, nem margem a esse arbitrio, unico receio que o meu digno collega e amigo teve para não votar pela materia do mesmo artigo.

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O Sr. Antunes Pinto: — Sr. Presidente, quando fallei pela primeira vez sobre o artigo, ignorava (como Deputado novo que sou) os passos, que o projecto tinha dado, e que já tivesse sido discutido nesta casa, porque via apenas, da comparação dos dois pareceres, um que tinha vindo da Camara dos dignos Pares, e outro que era elaborado pela commissão desta casa, e encontrava entre elles mui pequenas alterações: achava entre um e outro duas emendas de collocação duas emendas de redacção, e uma sobre a competencia dos juizes nos conselhos disciplinares; mas não sabia que o projecto tinha sido discutido, e resolvido nesta casa; por isso peço á Camara me desculpe a impugnação que fiz em quanto á douctrina emittida. Eu respeito as decisões desta casa; desde o momento em que se tem adoptado um projecto, não quero argumentar contra a sua conveniencia. Haverá comtudo no que acabei de dizer ha pouco contra a generalidade do artigo, havia, digo, uma conveniencia para que o publico seja esclarecido relativamente ás razões de utilidade, ou conveniencia publica, que dera logar a fazer-se este projecto de lei. Não serão portanto as minhas palavras perdidas em attenção á resposta que lhe foi dada pelo meu nobre amigo, e collega o Sr. relator da commissão. Deixando pois de parte a impugnação dos motivos, que levaram esta casa a approvar o projecto, restringir-me-hei a sustentar a opposição, que fiz ao artigo primeiro em attenção ao vago, e generalidade em que se acha concebido. Não se póde negar que o artigo nas palavras = esquecimento, e abandonada dignidade do magisterio, e do zeloso cumprimento de seus deveres — não se póde negar, digo, que estas palavras são generalissimas, e no mais vago possivel. Tanto isto se reconheceu, que se disse ser impossivel formar um catalogo dos casos, que se podiam levar á decisão do conselho disciplinar, reconhecendo-se que esse catalogo seria infinito, e immenso. Então vejo, por esta maneira, muito mais sustentavel a douctrina que estabeleci contra o artigo primeiro. Que quer dizer esquecimento da dignidade do magisterio?.. Todos sabem que o magistrado exerce uma especie de sacerdocio respeitabilissima; que lhe convém ter uma certa dignidade, um certo decoro, e para assim dizer que seja collocado acima da esfera dos outros; mas que quer dizer esquecimento dessa dignidade?... A respeitabilidade, ou dignidade do magistrado tambem é relativa ás circumstancias; antigamente fazia se constar essa dignidade externa do magistrado em andar, ou usar de certos vestidos, que hoje se apparecessem, dariam occasião ao ridiculo. Sendo pois tão vagas estas expressões, sendo o decoro limitado, e restituido ás circumstancias, aos tempos, e logares, como podemos nós administrar taes expressões servindo de principio, ou base de penalidade?.. Esquecimento, e abandono da dignidade do magisterio?!.. Que é abandonar a dignidade do magisterio?.. Será isto relativo ao rigoroso cumprimento de seus deveres?.. Todos sabem quaes são os deveres do magistrado, que elles devem ser rigorosos em cumprir os seus deveres, mas esses deveres são muito variados, e todas as vezes que o magistrado deixar de cumprir qualquer delles, esta por Ventura sujeito ao conselho disciplinar?.. Este vago é que eu peço á Camara que attenda, e se houvesse expressões para o definirem, poderia ser sustentado o artigo, de outra maneira não. Se ao menos se adoptasse um principios uma base qualquer, a douctrina seria admissivel. Na lei franceza de 20 de abril de 1810, quando se estabeleceram os conselhos disciplinares, marcaram-se regras definitivas, e os casos em que essas regras deviam ser applicadas: quando pois alguma base se adoptasse no mesmo sentido, então a minha opinião se modificaria a respeito desta disposição do art. 1.º Na lei franceza estabeleciam-se tres especies de penas, censura simples, censura grave, e suspensão temporaria; neste projecto deixa-se de parte a suspensão temporal ia, admitte-se a censura simples, e a censura grave; na lei franceza diz-se quando um juiz estiver ausente um mez do logar aonde exerce jurisdicção, sem ter obtido licença competentemente, será punido com a censura simples; sé estiver seis mezes ausente será, além disto, castigado com a perda do ordenado durante esse tempo, e assim por diante; eu tambem se visse nesta lei estabelecidas algumas regras neste sentido, não duvidava dar-lhe o meu apoio, não tanto por ter reconhecido a demasiada conveniencia, que haja deste projecto, mas por prestar respeito, e consideração devida á decisão desta Camara. Insisto pois na opinião de rejeitar o art. 1.º em razão de serem muito vagas as expressões que lhe servem de fundamento.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, ha muito tempo que ando soffrendo na minhe saude de tal fórma, que influe no meu espirito, por isso rogo á Camara tenha indulgencia comigo, porque póde ser que hoje as minhas idéas não sejam bem ajustadas. Eu julguei que o meu amigo e collega, ficaria satisfeito com a resposta que lhe dei; porém não aconteceu assim, e insiste em dizer que no projecto se incluem palavras vaãs, e banalidades. Perdôe-me o meu nobre amigo; não póde sustentar que isto seja um principio vacuo, nem eu sei o que é um principio vacuo. Qual será melhor, a lei casuista, ou a lei que estabelece principios? Qual das duas é mais perfeita é aquella que estabelecesse um vago em casos, em supposições, ou aquella que estabelece principios a que ficam subordinados todos os casos?... Julgo que nenhum dos nobres Deputados deixará d'optar pela segunda, (apoiados) No artigo estabelece-se o principio, debaixo do qual estão subordinados todos Os actos e factos que o magistrado praticar, que não se possam considerar crimes ou êrros d'officio, que importem esquecimento da dignidade do magisterio, que exerce; e isto no exercicio e fóra do exercicio do magisterio, lia factos praticados pelos magistrados, pelos quaes se esquecem da dignidade do seu logar. Não lemos nós visto magistrados com vicios taes, que involvem esquecimento e abandono da dignidade do magisterio?... Pelo amor de Deus não me chamem a este campo, por que a elle não queria eu vir, porque respeito mais que ninguem a classe da magistratura que é o sacerdocio mais elevado e mais eminente que tem a sociedade, e por que consiste em dar e tirar a cada um o que é seu, em pôr e dispor da vida do cidadão; porém a verdade é que ha muitos casos, desgraçadamente, em que se esquece a dignidade do sacerdocio da magistratura, (apoiados) Ha faltas no cumprimento de seus deveres, sem com tudo tomarem o logar de crimes, ou êrro de officio; por que para erros d'officio e para crimes lá esta já na lei vigente marcado o processo; mas para estas faltas de que tracta o projecto, sendo o podér judicial organisado como esta, isto é um poder do

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estado independente, é indispensavel alguma regra para policia judiciaria. Argumenta-se com a lei franceza; mas por ventura especifica ella todos os casos? A lei franceza apenas estabelece tres ou quatro regras, ás quaes subordina todos os outros casos, que podiam acontecer na vida humana.

Por ultimo direi, que nesta lei em discussão, no seu art. 1.º não ha vacuo ou vago algum; aqui estabelece-se um principio, que necessariamente ha de regular todos os factos que occorrerem, uma vez que não possam ser qualificados nem de crimes commettido, contra a sociedade no exercicio ou não do seu magisterio, nem êrros de officio; para isso lá esta o processo já estabelecido na lei vigente.

Parece-me pois que as explicações que tenho dado, são bastantes, para que a Camara se possa convencer da necessidade de passar o art. 1.º como esta. (apoiados)

O Sr. Cabral Mesquita: — Se eu fosse entrar n'esta materia, não faria mais que repetir o que disse o nobre relator da commissão e meu amigo o Sr. Pereira de Mello, e na realidade tanto este como o illustre impugnador do artigo, na segunda vez que fallaram, não fizeram mais que repetir o que já haviam dicto; eu farei, ao nobre Deputado que impugnou o artigo, uma simples pergunta — haverão ou não juizes que no exercicio, e fóra do seu emprego possam commetter faltas, ainda que não possam qualificar-se de crimes de peculato, concussão, êrro d'officio, etc.? Pergunto ha ou não ha juizes n'este caso?... (O Sr. Antunes Pinto — Ha) Então se ha, é exactamente para estas faltas que nós queremos os conselhos disciplinares, (apoiados) O illustre Deputado impugnador do projecto, quer que o juiz que commette estas faltas, seja castigado pelo ridiculo a que se expõe na opinião publica; opponho-me completamente a esta idéa; similhante ridiculo a que se expõe um magistrado, é um castigo que redunda em prejuizo da propria classe, pelo descredito e nenhuma consideração de qualquer dos seus membros.

Por tanto entendo que, á vista destas razões, e das que muito bem expoz o Sr. Pereira de Mello, deve ser approvado o artigo.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, julgou-se a materia discutida, e foi approvado o art. 1.º — Igualmente foram approvados sem discussão o § unico do mesmo art. 1.º, e o art. 2.º — Sobre o § unico deste artigo disse:

O Sr. Pereira de Mello: — Pedi a palavra para declarar á Camara a differença que ha neste paragrafo com o paragrafo do projecto, que veio da Camara dos Dignos Pares. A differença consiste unicamente em dizer-se aqui — tirado a sorte — e lá dizia-se — por turno. — E tem tambem mais um additamento que se estabeleceu, por isso que podem haver suspeições em qualquer dos juizes, que compõe o conselho disciplinai, quando possam ser suspeitos ao juiz accusado, ou arguido. A commissão intendeu que não devia de maneira nenhuma impôr o direito ao juiz accusado para poder pôr suspeições. Por consequencia a alteração consiste em uma emenda e um pequeno additamento.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi approvado o § unico do art. 2.º Tambem foi approvado sem discussão o art. 3.º, e sobre o art. 4.º disse:

O Sr. Ferreira Ponte. — Sr. Presidente, ainda que me persuado pouco ou nenhum melhoramento víra deste projecto á boa administração da justiça, uma vez que se estabelece este meio de punir asfaltas leves que os juizes commetterem no exercicio ou fóra das suas funcções, é preciso que se não restrinja demasiadamente o meio de se lhes imporem as penas correccionaes, que aqui se estabelecem. Eu não pertendo se deixe ou se estabeleça a acção popular para a imposição dellas, mas é necessario que o ministerio publico fique livre para poder intentar estas acções, isto é, para requerer a convocação dos conselhos disciplinares, quando o julgar conveniente, sem dependencia de ordem do Governo, e não ficar dependente dessa ordem, como estabelece o artigo; os juizes estão longe, a maior parte, das vistas do Governo, muitas vezes muito tarde ou nunca chegam ao seu conhecimento os crimes graves, e muito menos virá a conhecer os erros ou faltas leves, para ordenar se promova a convocação deste juizo correccional; bem se vê pois que a ficar dependente dessa ordem a installação do processo, muito poucos se installação, e assim ficarão inutilisadas todas as provisões da lei; intendo por estes motivos ser conveniente tirar do artigo a restricção que elle contêm, e deixar toda a liberdade ao ministerio publico para promover estes conselhos, quando o julgar conveniente, e ahi mando uma proposta neste sentido.

Proposta. — Proponho a eliminação das palavras»em virtude de ordem do Governo» até ao fim do artigo. — Ferreira Pontes.

Não foi admittida á discussão.

O Sr. Cabral de Mesquita: — Sr. Presidente, eu não posso concordar com a opinião que acaba de apresentar o nobre Deputado, porque ella não e conforme ao bom senso. Aqui não se restringe de fórma nenhuma a acção popular, porque quando o juiz não cumpre com os seus deveres, qualquer do povo póde fazer uma queixa ao Governo, e o Governo manda ao ministerio publico que installe o processo na fórma da lei, porém um homem qualquer do povo não póde fazer esta accusação, é necessario que se sigam os meios regulares apontados pelas leis. O nobre Deputado quer que o ministerio publico, só de per si, possa fazer esta accusação; com isto é que eu não posso concordar, porque até me não parece regular que o ministerio publico julgue a qualquer juiz, ou siga o processo, uma vez que não tenha esta ordem regular, que deve dimanar do Governo, por consequencia intendo que o modo de se combinar tudo isto e adoptar a disposição do art. 4.º

O Sr. Pereira de Mello: — Antes de eu dizer alguma cousa, desejaria que o nobre Deputado me explicasse o que entende por acção popular? Acção popular tem na frazeologia juridica uma significação propria, que é a acção que tem qualquer pessoa do povo para accusar este, ou aquelle cidadão, por ter commettido uni crime. A isto é que se chama acção popular, mas eu entendo que o nobre Depurado no que quiz fallar, foi no direito de petição, o direito da parte do requerente; a acção popular não era possivel achar-se neste caso, e isto só póde competir aos prejudicados pelas faltas, que commetter contra elles qualquer destes magistrados. Eis aqui está neste artigo um correctivo a esse grande arbitrio, que poderá haver. Em attenção ás elevadas at-

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tribuições que exerce na sociedade um magistrado, a commissão quiz, approvando o artigo, tal qual veiu da Camara dos Dignos Pares, que nem os magistrados ficassem livremente a disposição das partes, para todos os dias não estarem mettidos em conselhos disciplinares, mas quiz tambem deixar ás partes um meio seguro de podérem obter a sanação destas faltas, facilitando-lhes o meio de poderem requerer ao Governo, ou ao presidente do tribunal, e por consequencia não se tira a acção popular, de que o nobre Deputado fallou, porque eu faço-lhe a justiça de que fallou neste sentido, e quanto ao direito de petição elle la esta. e a parte tem o direito de se queixar de qualquer magistrado, que commetter uma falta, ao presidente do tribunal, que dá parte ao Governo, e o Governo manda installar o processo. De outra fórma iamos pôr os juizes á disposição das partes intrigantes, e todos os dias estavam respondendo aos conselhos disciplinares

Ora eis aqui esta a razão, porque a commissão entendeu deixai ir neste artigo este correctivo, para que pela sua disposição não prohibisse isto a que o nobre Deputado impropriamente chama acção popular. O nobre Deputado não póde deixar de querer outra cousa senão, que a parte tenha direito de se queixar, e por certo que sem a parte se queixar, não póde ter logar este conselho disciplinar. Parece-me que estes motivos são bastantes para responder ao nobre Deputado, e mostrai-lhe que não tem fundamento a sua proposta, que mandou para a mesa.

O Sr. Ferreira Fontes: — Sr. Presidente, os illustres Deputados que acabam de fallar, parece não terem entendido as razões em que fundamentei a emenda que offereci a este artigo, seria sem duvída por eu me não ter explicado bem, é forçoso por isso que dê mais algumas explicações. Não me farei cargo de definir o que é acção popular, nem de expor as razões porque se concede em alguns casos, porque eu não pertendi se estabelecesse para ocaso que nos occupa, e porque o descer a essas miudezas, é mais proprio das escólas; disse simplesmente que desta concessão e que poderiam provir alguns inconvenientes, mas que de se conceder ao ministerio publico a faculdade de requerer estes conselhos independente da ordem do Governo nenhum podia resultar, e ainda o confirmo; e pelo contrario se esperar pela ordem do Governo deixar-se-hão de convocar em muitas occasiões. Não se traga para argumento a licença que se precisa do Governo para intentar qualquer acção criminal contra qualquer auctoridade, pelo abuso que practicar no exercicio das suas funcções, que nós estamos em um caso excepcional, para assim dizer, só se tem em vista o advertir os juizes de qualquer falta menos grave, e a haver de se tirar algum resultado desta lei, é preciso que o ministerio publico fique livre para podér promover a sua acção. Eu não pertendo excluir o Governo, nem tirar-lhe a faculdade, que se lhe concede no artigo, quando por queixas de particulares, ou por participação dos seus agente-, conhecer que é necessaria a installação deste processo; mas não quero dependa só delle; eu já disse que nada esperava deste projecto; mas uma vez que seja convertido em lei, é preciso que haja quem, conhecendo as faltas que se pertendem evitai, possa promover a installação do processo; dadas estas explicações penso ter justificado as minhas duvidas, e a eliminação da parte do artigo que propuz.

O Sr. Cabral de Mesquita: — Sr. Presidente, o nobre Deputado parece-me que não entendeu a differença que ha entre o crime publico, practicado por qualquer individuo da sociedade, e o crime practicado por uma auctoridade. Quando se commette um crime qualquer, não é necessario ordem do Governo para que a auctoridade publica persiga este crime; mas quando ha um crime da parte da auctoridade, ou mesmo uma falta, é necessario que haja esta garantia para a auctoridade, e se assim não fosse, as auctoridades não podiam cumprir o seu devei; por exemplo, até um regedor de parochia não póde ser citado sem licença do Governo, e a razão é muito simples, e o nobre Deputado sabe qual é. Se o regedor de parochia não tivesse este privilegio, nunca podia cumprir com o seu dever, porque muitas vezes uma auctoridade administrativa vê-se na necessidade, em virtude do seu officio, a prender um homem importante de uma terra, e este homem para se vingar desta auctoridade, será capaz muitas vezes de arriscar a sua fortuna, só para se vingar della, e é por esta razão que concede esse privilegio ao regedor de parochia, a fim de se evitar este inconveniente.

Ora se o nobre Deputado concede este privilegio ao regedor de parochia, muito melhor ha de concordar que este privilegio seja concedido a um juiz de direito, ou a uma auctoridade superior de justiça: eis-aqui esta a razão da differença da garantia que se dá entre um crime practicado por qualquer cidadão, e um crime practicado por qualquer auctoridade. Se a auctoridade não tiver esta garantia, não póde cumprir com o seu dever, e é este o motivo porque se dá a garantia neste artigo.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, a uma impugnação tal, como aquella que faz o nobre Deputado, não é possivel deixar de repetir algumas idéas O nobre Deputado esta muito longe, pelo modo de argumentai, das razões que presidiram á redacção e espirito deste artigo. Primeiramente o nobre Deputado diz que o artigo restringe, e eu já mostrei que não restringe, porque toda a parte queixosa tem o direito livre de peticionar, ou perante o tribunal, ou perante o Governo. Em segundo logar o nobre Deputado chama para a arêna os outros crimes, e disse que em qualquer crime o povo tem acção; e não se lembra que estas faltas não podem ser classificadas, nem como crimes, nem como delictos. O nobre Deputado chama principios ao que quer, para tirar delles as consequencias que lhe parecem. O nobre Deputado veria com satisfação uma sociedade bem organisada, e em que os membros do poder judicial estivessem á disposição do livre arbitrio de qualquer do povo? Onde viu o nobre Deputado isto, mesmo segundo o systema antigo? O nobre Deputado não sabe que nenhum membro do poder judicial, nem juiz podia ser citado sem previa licença regia, obtida pelo desembargo do paço? Por consequencia entendo, que não é possivel, como já disse, que em uma sociedade bem organisada, segundo os principios de direito constitucional, sendo independente o poder judicial, que de maneira nenhuma os seus membros ficassem á livre disposição das partes litigantes, para todos os dias estarem respondendo aos conselhos disciplinares.

Já expliquei o sentido da disposição do artigo, e que isto era um correctivo ao livre arbitrio, que por ventura se possa dar a respeito destas faltas, e pare-

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ce-me que com isto tenho eu respondido cabalmente ás idéas que apresentou o nobre Deputado.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, julgou se a materia discutida, e foi approvado o art. 4.º — Igualmente foram approvados sem discussão o art. 5.º e § unico, e o art. 6., e sobre o § unico deste artigo disse

O Sr. Pereira de Mello — Este § unico do art. 6.º contem um additamento ao projecto que veio da Camara dos dignos Pares, porque a commissão attendeu a que não sendo as testimunhas moradoras no julgado, aonde residisse o juiz arguido, ellas soffre nem grande incommodo, e então apresentou esta provisão, para evitar esse inconveniente.

Foi approvado o § unico do art. 6.º, e igualmente foram approvados bem discussão o art. 7.º e § unico. Sobre o art. 8.º disse

O Sr. Antunes Pinto: — Sr. Presidente, todos nós devemos empregai o nosso cuidado, para que os projectos, que sáem desta casa, sejam concebidos na melhor redacção possivel. — Este artigo que esta em discussão sendo redigido pela maneira, porque foi apresentado pela commissão, não póde satisfazer ás considerações que vou apresentar deduzidas da comparação dos antecedentes e consequentes. — O art. 8.º do Projecto que veio da Camara dos dignos Pares diz o seguinte: «Quando o juiz arguido em sua resposta contra a competencia do conselho, ou por ser a falta, etc «

Aqui inquestionavelmente falta uma palavra, que é a palavra — protestar, — e digo que falla esta palavra, porque tanto o parecer que veio da Camara dos dignos Pares, como naquelle que se approvou na commissão, diz-se no § 1 º do art. 8.º o seguinte (leu) Se porem tomar por fundamento o segundo dos motivos do protesto, declarados neste artigo.» E no art. 9 o no principio lê-se o seguinte, (leu): «Ainda mesmo que o juiz arguido não tenha protestado.» Destas palavras subsequentes do § 1.º do art. 8.º, concluo eu, que naquelle parecer, que veio da Camara dos dignos Pares falta a palavra — protestar — porque a redacção e a mesma em ambos os pareceres, menos no principio deste art. 8.º. Ora se esta palavra não fôr incluida neste logar, por certo não o póde ser em outro

Para não mudar a redacção do resto do art. 8.º e principio do art. 9.º, que se refere a uma palavra que falta, e que eu entendo que a palavra protestar deve ser consignada no principio do art. 8.º É verdade que produz o mesmo effeito o que se diz no parecer em discussão: tanto importa dizer protestar, como allegar a incompetencia, em quanto ao acto e a mesma cousa, mas para harmonisar a redacção, entendo eu, que se devem aqui collocar as palavras — protestar contra a competencia — em logar de allegar a incompetencia. E repare a Camara que a jurisdicção do conselho disciplinar se applica em definir os pontos sobre que devem ser impostas as penas, e esses ponto são definidos segundo a allegação do juiz arguido, e quando elle allegue que é êrro de officio, por consequencia, caso crime, ou então quando elle sem declarar o caso como crime, disser, que desconhece absolutamente a jurisdicção do tribunal disciplinai, são estas as duas hypotheses, a que se referem o principio do art. 8.º, e o § 1.º, bem como o principio do art. 9.º E quando falla dos protestos no § 1.º, sem que haja d'antes nenhuma palavra que Indique esses protestos, ha uma grande lacuna, que devamos suppir.

Parece-me por tanto, que devemos, ou mudai a redacção do § 1.º do art. 8.º, ou o principio estabelecido neste artigo.

Sr. Presidente, á vista das ponderações, que acabo de fazer, e para pôr em harmonia o projecto, isto e as disposições do art. 8.º e seu § 1.º, bem como o principio do art. 9.º ou para que tenham uma verdadeira intelligencia, mando para a mesa uma emenda para ir em logar do art. 8 e é a seguinte

Emenda. — Quando o juiz arguido em sua resposta protestar contra a competencia etc.»

Quando porem se queira conservar como esta o principio do art. 8.º, é necessario mudar a redacção do § 1.º, substituindo os protestos de que ahi se falla, pela palavra — allegações, ou fundamentos da allegação do juiz arguido — Antunes Pinto.

Por esta maneira fica salvo o pensamento da commisão, porque tanto importa protestar o juiz contra a jurisdição do conselho, como allegar a sua incompetencia; assim fica tudo em harmonia, e a lei mais clara.

Depois de lida na mesa a emenda do Sr. Antunes Pinto, foi admittida á discussão.

O Sr. Cabral de Mesquita: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para declarar, que voto contra o art. 8.º, e contra a substituição a elle offerecida pelo illustre Deputado que acaba de fallar; e dou a razão porque assim o faço. Eu acho que este artigo, ou a sua sentença, não só é inutil, mas ate um contrasenso. O artigo diz o seguinte (leu).

Parece-me, Sr. Presidente, que quando qualquer juiz fôr chamado para responder a um processo, que lhe imponha uma pena disciplinar, que não será tão destituido de senso commum, que diga, que o caso presente é de crime, e não de pena disciplinar. Isto não e possivel, e declaro francamente, que sendo eu juiz, e sendo chamado perante o conselho disciplinar, para sei castigado com a pena que corresponde applicar a esta jurisdicção; não havia de ser tão nescio, que dissesse, que o meu êrro não era da competencia do conselho disciplinar; mas que era erro de officio, ou que era peculato, ou concussão; não havia de ser eu que o dissesse. Não tenho nada mais que dizei sobre isto; sómente chamo a attenção á illustre commissão, e especialmente o seu relator, para que veja se neste artigo, ou pela sua má redacção, ou porque houvesse algum descuido, se estabelece esta douctrina! O certo e, que senão deve estabelecer, porque e ate uma irrisão. Requeiro por tanto, que se elimine, e neste sentido mando para a mesa a seguinte

Proposta. — Proponho a eliminação do art. 8.º — Cabral Mesquita. Não foi admittida.

O Sr. Pereira de Mello. — Não dêmos as honras da discussão, ao que o não merece Na realidade o meu nobre amigo o Sr. Antunes Pinto declarou, que protestar e allegar significa em direito o mesmo, mas S. S.ª sabe, que quando se fazem excepções, não se protesta contra ellas, allega-se a incompetencia, foi por isso, que a commissão adoptou esta fraseologia no art. 8.º em logar de usar da palavra protestai. Agora no que o meu amigo tem razão, é quanto ao § 1.º do art. 9.º o qual deve ser redigido em harmonia, e em conformidade com estas mesmas pa-

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lavras, e então a commissão adopta a emenda, porque é de mera redacção, e compromette-se a redigir o art. 1.º como se deseja.

O Sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto.

O Sr. Antunes Pinto: — Peço licença a V. Ex.ª e á Camara para retirar a minha emenda, vista a declaração do illustre relator da commissão.

A Camara consentiu, em que fosse retirada, e seguidamente approvou-se o art. 8.º, bem como foram approvados sem discussão todos os outros artigos do projecto.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, depois de approvado este projecto, na ultima conferencia que houve na commissão, houve a idéa de que nelle existia alguma deficiencia, por isso que não providenciava ácerca dos casos de reincidencia, que qualquer dos magistrados podesse commetter; e então a commissão reuniu-se, e com pleno accordo de todos os seus membros, vou mandar para a meza o seguinte additamento, para formar um novo artigo a este projecto.

Additamento: — A pena de reincidencia nos casos em que fôr applicada a censura simples, será a publicação desta no Diario do Governo, e nos casos em que fôr applicada a censura severa, será a da suspensão de um a dois mezes sem o vencimento de ordenado, mas imposta em conferencia de todo o tribunal. — Pereira de Mello.

Foi admittido, e approvado sem discussão salva a redação.

O Sr. Costa Lobo: — Vou mandar para a meza um parecer da commissão de Commercio e Artes, ácerca do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado pelo Minho, Pereira dos Reis, sobre a importação do chá. (leu-o)

Ficou reservado para entrar em discussão em occasião opportuna.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM do DIA.

Continuação da discussão do projecto n.º 103, sobre estradas.

O Sr. Presidente: — A Camara sabe que este projecto esteve em discussão nos dias 6 e 7 de janeiro, que foi adiado a requerimento do Sr. Passos Pimentel nesta segunda sessão por 15 dias, e que depois continuou a sua discussão na generalidade nas sessões de 24 e 26 de fevereiro, 3, 9, e 10 do corrente mez: ainda se esta na discussão da generalidade, e continua com a palavra o Sr. Lopes de Lima.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, ainda mal que depois de uma tão larga interrupção a palavra retardada me toca em um dia que o meu estado de saude me não permittirá talvez desenvolver as minhas idéas, e tractar de assumpto como elle merece ser tractado; nunca talvez eu teria forças para isso; mas muito menos no estado de doença em que me acho, estado em virtude do qual hontem não vim á Camara, e fiz hoje um grande esforço para comparecer.

Sr. Presidente, na ultima sessão, e já no fim della, no meio do sussurro que rodeava o banco dos Srs. Ministros, que (direi de passagem) até agora não têem mostrado dar muito grande attenção a um objecto tão importante, eu me occupei de tractar de responder a alguns argumentos do illustre relator da commissão, pelos quaes veio, não sustentar o parecer, mas explicar muito satisfactoriamente as boas intenções da illustre commissão collaboradora, e isto era talvez ocioso, porque mais justiça do que eu fiz ás intenções dos illustres membros da commissão, não é possivel fazer-se; pois que da primeira vez que fallei sobre o projecto, logo disse que essa illustre commissão tinha estado debaixo do pezo de preconceitos provencionaes, de um desfavor panico, e que esse tinha talvez sido o motivo de não ter sido mais liberal na adopção do systema. Nessa mesma occasião tambem eu reclamei da parte de V. Ex.ª, que a proposta que eu mandara para a meza, fosse considerada como emenda, por isso que quero que se consigne muito bem, que eu não rejeito nenhum systema para fazer estradas, quero-os todos, abraço aquelle que esta no projecto, mas julgo-o inefficaz, offereço como auxiliares o systema mixto, e mesmo o systema de emprezas só por si, se em algumas partes elle puder ser praticado.

Sr. Presidente, entrarei agora no fio do meu discurso. Quando deu a hora estava eu fallando sobre a questão de barreiras, ponto fundamental, porque eu entendo que não póde haver estradas sem barreiras, e se para aquelles pontos onde não houver emprezas, abraço o systema de administração dilecta pelo Governo, entendo comtudo que para esses é tambem necessario que haja um imposto de barreiras, porque ainda quando o Governo possa ter meios para fazer uma, ou outra estrada, não tem meios para a costear, para a conservar, senão tiver um imposto que lh'os forneça.

Sr. Presidente, a respeito do imposto de barreiras, e do seu vexame, já em outro dia eu tinha começado a dizer que segundo as opiniões de muitos publicistas, o imposto de barreiras não é um tributo, é sim um alluguer, é a paga de um beneficio que se recebe, é a paga de um augmento de riqueza que se adquire. Não indo buscar agora auctoridades fóra do nosso paiz, mas referindo-me a uma auctoridade muito competente portugueza, eu passo a ler á Camara a opinião do Sr. Mousinho de Albuquerque na sessão de 13 de março de 1843 (leu.) Este imposto (dizia elle)...

(Cid. Diario da Camara dos Deputados de março de 1843.;

Na parte das pontes a commissão adopta o principio; mas perdôe-me, é contradictoria quando o exclue para as estradas, não sei que seja mais suave pagar para passar uma ponte, do que pagar para transitar por umas poucas de legoas de boa estrada.

Continua o Orador (leu.)

Foi tanto já vê o illustre relator da commissão que um homem tão competente, e que não dizia de leve estas cousas, dizia que com o tempo o direito de barreiras havia ainda de dar não só para a sustentação das estradas, mas para a feitura, Ainda mais diz (leu.)

Na sessão de 14 elle repetiu estas mesmas idéas, fundamentando-se em que o direito de barreiras não era um imposto que recaisse sobre a riqueza existente, mas sim sobre uma riqueza nova, que se ia crear.

Agora para provar a indispensabilidade do direito de barreiras, mesmo para as estradas que forem do Governo, eu citarei tambem a opinião, na mesma sessão de 14 de março, do nobre Ministro dos Ne-

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gocios Estrangeiros de então, que o e tambem hoje: aqui esta o que disse S. Ex.ª (leu.) (Veja-se o mesmo Diario.)

Esta era a opinião do nobre Ministro dos Negocios Estrangeiros em 1843, não sei se ainda é hoje a mesma. (Havia sussurro nasala) Eu já em outro dia vi que isto desagradava, e que por conseguinte se queria que houvesse bastante sussurro na sala, para que a minha voz não fosse ouvida; pouco importa, porque se ella não fôr ouvida aqui. será ouvida lá fóra, e os illustres Deputados que julgam que o que aqui se decidir, ha de ser sempre bem acceito, talvez que se illudam; dêem, ou não dêem attenção, eu faço o meu dever, vou continuando. A materia é importante, mas aqui nem sempre as materias importantes são attendidas.

Sr. Presidente, acabo de citar uma opinião, opinião de um homem muito competente; e acabo de citar a opinião de um membro do Ministerio actual, que creio que não terá mudado de 43 para cá, poderia citar tambem as opiniões de muitos publicistas, poderia citar Parnell, poderia citar outros; mas não gósto de fazer citações, pelas quaes me accusem de ir buscar fóra do nosso paiz auctoridades para convencer sobre cousas do mesmo paiz; todavia algumas vezes cito-as, quando isso é preciso.

Hoje mesmo, Sr. Presidente, o que se esta fazendo em Inglaterra?... Está-se fazendo agora uma reforma sobre a administração das estradas, mas conserva-se o direito de barreiras. Pois parece que se acaso elle tivesse caído em odio, em desprezo, aquelle paiz é bastante illustrado para saber emendar e reformar as suas instituições nest ponto, particularmente quando esta tractando de uma reforma sobre o objecto.

Sr. Presidente, fez-se uma grande injustiça ao bom senso do povo portuguez, quando se veio aqui dizer que a opinião geral era contra as barreiras... Aonde estão os factos que provem essa opinião geral? Aonde estão as representações dos povos contra as barreiras? Pelo contrario, posso dizer, Sr. Presidente, que a noticia deste projecto fez muito má impressão na opinião publica, nas provincias do norte, sobretudo. Já outro dia citei o facto da representação do proprietario do Minho, offerecendo-se para fazer uma estrada com barreiras, e lerei só um paragrafo dessa representação, para se vêr que vai de accôrdo com as minhas idéas das pequenas empresas (leu).

Continua ainda, e desenvolve isto muito bem.

Sr. Presidente, é preciso suppôr mui destituido de senso o lavrador portuguez, o proprietario, o carreteiro mesmo, para julgar que elle não saiba intender o seu interesse, quando o apalpa. O povo portuguez em algumas provincias, póde talvez não saber muito bem discutir questões sociaes, e questões politicas; mas questões do seu interesse material sabe-as discutir perfeitamente, porque esta conhecendo o resultado.

Sr. Presidente, eu apurei factos: tenho noticias de que nos hoje já temos com que poder argumentar, porque existe uma estrada destas, que já nos serve de modêlo, já nos serve de exemplo; nessa estrada, que é do Porto a Braga, antigamente um carro não podia conduzir mais do que 8 quintaes, e desde que se fez a nova estrada leva regularmente 14 quintaes: fazia a jornada ordinariamente em 8 dias, hoje sae do Porto de madrugada, e chega a Braga de noite, no mesmo dia.

Já se vê por tanto que fazendo em um dia o trabalho que faziam em tres, e ganhando mais de um terço do que ganhavam antes, lá vão de muito boa vontade, e conhecem que é muito vantajoso pagar 20 ou 25 réis pôr cada legoa, que importa isso em 200 réis; e dizem elles — que importa que paguemos 200 réis, se ganhamos 4$300? E eu tenho fallado com muitos illustres Deputados do Minho, e todos me tem dicto, que os povos do Minho querem pagar direitos de barreira com tanto que tenham boas estradas (apoiados).

E os povos não estão costumados a pagar direitos de barreiras? A mesma proposta admitte os direitos de barreira nas pontes; e quem lhe disse que isto não são direitos de barreira? Quem lhe disse que os povos querem pagar direitos de barreira para atravessar uma ponte de dez braças, e não querem pagar direitos de barreira para andar por uma boa estrada de tres legoas? Além disso já alguem aqui disse que ha uma camara municipal que manda receber dos individuos que passam pela estrada de Cintra, um certo direito de portagem. Isso prova a docilidade de um povo, que até paga o que não deve pagar.

Mas o povo paga e quer pagar barreiras se lhe derem boas estradas, e então não nos venham metter medo com essa aversão dos povos contra os direitos de barreira, porque tal aversão não existe; não digo que em uma ou outra parte não possa acontecer uma desordem com as barreiras, mas isso entra na ordem natural das coisas; tambem nas feiras ha muitas desordens, e nem por isso se prohibem as feiras.

Sr. Presidente, outro argumento que se apresentou, foi o de que o transito no nosso paiz era muito pequeno, e que por isso as barreiras haviam de render muito pouco. Eu creio que o illustre Deputado calculou o movimento das estradas, pelo movimento dos caminhos de cabras que, se póde dizer que hoje temos, e por onde ninguem gosta de transitar; porque, a respeito, por exemplo, da estrada de Lisboa ao Porto, póde muito bem applicar-se-lhe aquelle verso do nosso Tolentino.

Antes andar por mar, e mar com mouros.»

Pois não vemos nós esses barcos de vapôr que andam daqui para o Porto, e do Porto para aqui, carregados de passageiros todas as viagens, e de gente que odeia o már, mas que quer antes vir pelo mar, do que sujeitar-se a quebrar a cabeça? Pois se tivessemos uma boa estrada, e houvesse uma diligencia que podesse transportar estes passageiros do Porto a Lisboa ou de Lisboa ao Porto, pela modica quantia, talvez, de 6000 réis sem o incommodo do enjoo, e sem o perigo de passar por banas perigozissimas, sujeitar-se-hia apagar 12$000 réis para vir no barco de vapôr? De certo que não. E já temos provas de que o transito ha de augmentar a proporção que formos tendo bons caminhos; já o anno passado isso se demonstrou muito bem em Braga, que chegou a ter falta de casas particulares para allugar em consequencia da muita gente que para lá foi do Porto, gente que nunca lá tinha ido, mas que lá foi de proposito para vêr Braga, o Sr. do Monte etc. etc.

A nossa nação tem habitos sedentarios; porque não tem outro remedio senão te-los; por que cada um esta encarcerado na sua terra.

Por tanto, estejam descançados os illustres Deputados que logo que haja boas estradas, por onde se

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transite com commodidade, lia de haver minto quem as aproveite, e não hade ser só gente que vá commerciar, ha de ser tambem muita gente que vá de proposito ver uma e outra terra.

Ora agora vou apresentar uma nota estatistica que tomei

Sr. Presidente, em Inglaterra sobre uma area de 58 mil milhas quadradas, (fallo só da Inglaterra propriamente tal com o principado de Galles) area que não chega a ser o dobro da de Portugal que é de 36 in 11 e quinhentas milhas, tem, anda, por umas 100 mil milhas de estradas, entrando neste numero as estradas do condado que são caminhos de concelho, e tambem as estradas de ferro, (que são hoje aquellas por onde transita quasi exclusivamente a grande industria ingleza) mas estradas macadamizadas, estradas geraes que é o de que se tracta — high roads, com barreiras para o movimento ordinario tem 22 mil milhas. Fallando só destas, ha esta proporção

Tendo a Inglaterra 7300 legoas de estrada, Portugal pela sua area devia ter 4500, e nós contentemo-nos com ter 800.

Ora agora; procuremos outra proporção, talvez mais exacta; a da população, porque é segundo a densidade da população que se deve calcular o movimento das estradas. A Inglaterra propriamente dieta tem 12 milhões de habitantes, quasi quatro vezes a nossa população; por esta proporção mesmo, nós em attenção á nossa população deveriamos ter 1800 legoas, e só queremos ter 800, e Deos permitta que as cheguemos a ter, porque estou convencido que nem 600 teremos; e por este projecto nem 100 em longos annos. Já se vê pois que não ha motivo nenhum para suppôr que o movimento seja menos em uma logra das nossas estradas que em uma legoa das estradas inglezas, porque alli acontece que para ír de um ponto a outro ha tres o quatro estradas differentes, e aqui ha de haver una só, e por consequencia o transito de um ponto a outro ha de ser sempre pela mesma estrada, o toda a população e todo o commercio interno ha de affluir a ella — e muito mais não tendo nós estradas de ferro. Ora o rendimento das barreiras dessas 22 mil milhas na Inglaterra anda por um milhão e 600 mil libras esterlinas, vindo a render cada milha, umas por outras, — libras 72» 15 que a par de 4:000 res são da nossa moeda 291$000 réis para cada milha, ou 873$000 réis para cada legoa. Já se vê pois que o rendimento do 873 mil réis para uma legoa é já de muita vantagem; mas eu não quero que em Portugal chegue nunca a isto; reduzo a menos de dois terços — a 600 mil réis-Custando cada legoa de estrada 12 contos do réis, 600 mil réis vem a ser 5 por cento do capital; é verdade que tem a deduzir-se o costeamento e reparos, que vem a ser no primeiro anno talvez 400$000 réis, e nos seguintes 200$000 réis. Temos porem a addicionar a este rendimento o do transporte accelerado, logo que o haja, o qual mesmo no seu coméço eu não duvido calcular em um cifra igual —.outros 600$000 réis. Por consequencia temo. que uma companhia recebendo o imposto das barreiras, e o producto do transporte accelerado póde tirar um lucro de 10 por cento sobre o capital empregado, e que deduzindo a despeza do entretimento da estrada, ainda assim póde ler uni dividendo talvez do seis por cento ao anno; dividendo que ha de vir a augmentar muito passados talvez os primeiros 6, 7, ou 8, annos. Já se vê pois, que não ha motivo para desconfiar de que as barreiras rendam tão pouco e o transporte accelerado, como se julga, e de facto já ha propostas, e até me consta que ha quem queira arrendar o producto das barreiras, se ellas se estabelecerem.

Ora consideremos agora a incidencia deste imposto das barreiras sobre u nossa população. Supponhamos que conseguimos chegar a ler as 800 legoas de estrada; lerá de pagar Portugal nas barreiras umas por outras segundo o calculo que acabo de apresentar 480 contos de réis; que divididos por 854:000 fogos, vem a caber a cada fogo 562 réis cada anno. Oh Sr. Presidente, quanto paga a França só para ter caminhos departamentaes? Paga cada anno em alguns departamentos para mais de 10 francos cada fogo.

E portanto a minha opinião, Sr. Presidente, que as estradas se façam pelo systema mixto de emprezas com o Governo, isto é, que se vão fazendo todas aquellas estradas para as quaes se forem offerecendo emprezas, porque não entendo que hão de começar todas ao mesmo tempo, e no mesmo anno, e para isso eu calculo sobre os dados que existem; 800 legoas de estrada é o que nós precisamos, como consta das tabellas; 800 legoas a 12 contos são 9.600 contos, addicionando 2:400 contos de expropriações, o outras despezas, eu calculo a despeza das 800 legoas de estrada em 12:000 contos; 12.000 contos divididos por 10 annos, que eu dou para a feitura das estradas (e seremos muito felizes se as tivermos dentro desse tempo; mas pelo projecto em discussão nem em 60 annos) dão 1:200 contos cada anno; associando-se o Governo com um sexto, que são 200 contos, vem a recair sobre as emprezas um capital do 1:000 coutos cada anno: ninguem dirá, Sr. Presidente, que n'um paiz que paga 1:500 contos de impostos directos, e 4.000 contos de impostos indirectos, seja difficil achar capitaes para applicar 1.000 contos cada anno para trabalhos productivos, o lucrativos; isto não contando com os capitaes de fóra, porque eu desejo que se abra a porta a todos; mas e necessario sabor chamar os capitaes cá de dentro aos trabalhos productivos; e para isso o. que eu proponho o systema das pequenas emprezas, porque desse modo muitos capitaes, hoje perdidos para a producção, se haviam de aproveitar.

Sr. Presidente, o nosso patriotismo (devido este vicio á falta de communicações) é de localidades; cada um se interessa exclusivamente pelo bem do seu concelho. O proprietario, quando se tractar de fazer uma estrada, que lhe passe pela poria, ha de de boa vontade pegar em algumas moedas que tem reservadas, e improductivas, sem applicação nenhuma na sua gaveta, e ha de associar-se á pequena companhia da sua terra, o que não póde acontecer nas companhias monstros, em cuja direcção elle não tem parte, e do cujos effeitos com muita razão desconfia; é por isso que eu apresentei a minha emenda, que me servirá agora de thema. Proponho primeiro, que façam parte desta lei as disposições dos art.ºs 6.º, 7. e 8.º da lei de 26 de julho de 1843, sómente na parte relativa a estradas directas, e transversaes. Os art.ºs 6.º e 7.º são os que dizem respeito ás barreiras; e tenho dicto bastante para mostrar, que sem ellas não póde haver estradas, nem mesmo estradas feitas directamente pelo Governo. A respeito

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do art. 8.º, que é aquelle que faculta ao Governo o poder admittir as emprezas, apresento-lhe as seguintes restricções; e veja-se bem por isto, que eu não sou advogado, nem campeão das antigas companhias, nem quero companhias com os mesmos defeitos que ellas tiveram, defeitos provenientes ainda da nossa pouca practica. Primeiro (leu.) Aqui esta o systema das pequenas emprezas. Segundo (leu.) Aqui esta a concorrencia; aqui esta a exclusão do monopolio. Terceiro (leu.) Eu entendo que deve haver um systema unico, um pensamento unico, e uma direcção unica a respeito das estradas; por isso entendo, que é ao Governo a quem compete mandar fazer os trabalhos graficos, dirigi-los, e depois a inspecção sobre a perfeição das estradas. Eu, Sr. Presidente, já aqui condemnei o systema das empreitadas por conta do Governo, por uma razão bem simples; porque as empreitadas fazem obra de empreitada; por esse systema o que se quer é fazer a obra ornais depressa possivel, e o que fica mettido debaixo da terra não se vê; ao mesmo tempo que as emprezas, tendo de aproveitar-se das estradas durante um longo praso que se lhes concede por sua indemnisação, tendo de aproveitar-se dellas tambem para o exclusivo dos transportes accelerados, e do seu interesse faze-las com tal solidez, que não estejam todos os annos a refaze-las de novo. Quarto (leu.) Aqui vai a grande cautela. Eu não quero que os trabalhos das emprezas fiquem parados, porque o Governo não póde fazer as expropriações, (como aconteceu com a companhia Lombré) nem quero tambem, que depois se venham pedir ao Governo largas indemnisações: quero que as companhias tomem sobre si todas as despezas, e tambem todas as eventualidades. Quinto (leu.) Sabemos perfeitamente, que em algumas partes do nosso paiz ha vastissimos, e pingues terrenos abandonados, e improductivos, que não são hoje riqueza, mas que podem ser uma riqueza immensa, sobretudo no Alemtejo: não acontece o mesmo no Minho, porque não ha baldios; mas ahi tem a companhia em compensação um maior transito; porém no Alemtéjo, onde o transito ha de ser menor, ahi ha muito que dar, e o Governo não perde nada naquillo que dá, porque dá uma cousa que não tem valor, mas de que a companhia, de futuro, póde tirar grandes valores. Sexto (leu.) Aqui esta o systema mixto. Septimo (leu.) Isto prova que eu entendo, que as estradas não hão de ser logo todas feitas de uma vez, nem todas arrematadas de uma vez; e já disse, que para as estradas que não se poderem fazer por este modo, (e algumas ha de haver para as quaes não haja companhias) se adopte o meio proposto pelo projecto, para que o Governo possa manda-las fazer directamente, mas com barreiras, aliás não tem com que as costear depois.

Quanto a caminhos visinhaes, (visinhaes é palavra franceza; — caminhos de concelho — >) esses entendo que devem ser inteiramente excluidos deste systema (apoiados); todas as nações que hoje podem servir de modelo a este respeito, consideram este objecto inteiramente differente: os caminhos de concelho fazem muita differença das estradas; nem exigem os mesmos estudos, nem a mesma direcção, nem a mesma despeza, nem a mesma largura, e tambem não fornecem as mesmas vantagens: nos caminhos de concelho não quero eu barreiras; esses caminhos devem ser de administração local, e para isso ainda não esta de todo em desuso, entre nós, o antigo systema do trabalho commum. Eu, quando governei Coimbra, ainda mandei fazer bastantes caminhos por esse systema, e todos os povos se prestaram da melhor vontade; não seriam muito perfeitos, mas remediavam: e temos exemplos mais recentes; a camara de Valongo, foi tal o seu zêlo, que, vendo que se estava a perder um lanço de estrada publica, mas que ia dar ao seu concelho, convocou os povos do mesmo, que apresentaram logo não sei se trinta mil carradas de pedra á borda da estrada, e fez-se um trabalho commum, com a cotisação dos lavradores mais ricos. Acamara de Villa Nova de Gaya, tambem tem feito obras consideraveis no seu concelho, por este systema, e estimaria eu que o Governo as fizesse tão boas. A de Bouças, consta-me que tambem tem feito algumas obras importantes deste genero, e a de Oeiras ainda o anno passado aqui vim pedir uma auctorisação para esse fim; e posso dizer mais a V. Ex.ª, que a abertura das estradas geraes, ha de produzir uma excitação (como já acontece na provincia do Minho) sobre todos os povos visinhos ás mesmas estradas, e hão de cuidar, com o maior interesse, de fazer os caminhos concelhos que hão de ir desembocar ás mesmas estradas: no Minho vê-se hoje estarem os povos espontaneamente a arranjar caminhos, e até a quererem imitar o systema de mac-adam, e o systema de mac-adam aperfeiçoado. Portanto parece-me, que os principios da sciencia por uma parte, por outra parte as circumstancias peculariares do nosso paiz, a disposição dos povos (atrevo-me a dize-lo), nos aconselham a que demos mais latitude a esse projecto, que me parece poder chamar-lhe mesquinho, porque realmente é muito exclusivo o limitar só a um meio a confecção das estradas, quando todos reconhecem que esse meio é insufficiente (apoiados.)

Não fallarei agora das expropriações; deixarei isso para a especialidade; mas realmente entendo, que o que a esse respeito esta lançado no projecto, é inconstitucional, e impraticavel (apoiado): inconstitucional, porque é contra a Carta, e na especialidade o mostraremos; impraticavel, porque dá em resultado a suspensão dos trabalhos das estradas; por isso que, por exemplo, para se poder tirar um pouco de barro ou de terra de alguma parte, é necessario fazer uma intimação ao proprietario, ir requerer ajunta do concelho, da junta do concelho á junta de districto, da junta de districto á junta central em Lisboa; e no entanto esteja a obra parada. Isto não tem geito. E no fim de tudo isto dão-se letras aos expropriados. Os nossos lavradores não entendem muito de letras, e ainda menos de letras de expropriação.

Tenho pois (quanto me permitte o meu estado de saude) creio que demonstrado, que o systema mixto, de accordo com o systema de administração do Governo, onde não fôr possivel de outro modo, nos poderá dar meios de lermos estradas, e que por aquelle que esta no projecto, não havemos deter estradas senão daqui a um anno. Não nos fascinemos com essas idéas de centralisação; mesmo esse systema que se propõe, não é o systema de centralisação; para haver systema de centralisação era necessario haver um Ministro de obras publicas rodeado do pessoal competente; era por ahi que se devia começar; e esse systema de centralisação esta hoje condemnado na mesma França: Odilon Barrot, na tribuna france-

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la, censurou o govêrno de Luiz Filippe por querer ser l'attelier de la nation: nem vem para o caso, nem podem colher os argumentos tirados da historia das companhias; eu poderia recambiar esses argumentos; eu poderia tambem fazer a historia das obras feitas por administração no nosso paiz, começando na bana do Porto, vir ao Vouga, ao encanamento do Mondego, e até á estrada de Cintra; por quanto esta a estrada de Cintra ao Governo? (O Sr. Ministro da Fazenda: — E a barra da Figueira?) O que tem a barra da Figueira? O que se segue, é que foi uma empreza mal organisada; e já aqui se disse, que mesmo em Inglaterra ha umas emprezas más, e outras boas; essa empreza teve os mesmos defeitos na sua organisação que tiveram outras companhias; então não se venha argumentar com aquillo que foi mal organisado no seu principio, quando se tracta de organisar bem; já digo, poderia argumentar com os capitaes que se teem sumido nas areas do Mondego, no Vouga, e no Douro; e poderia perguntar ao Governo por quanto lhe esta a estrada de Cintra; mas não quero; com abusos não se argumenta; é um modo de argumentar que eu excluo; mas tambem não quero que me venham nem com as companhias monstros, nem com a barra da Figueira: aquillo que foi mal organisado, serve sómente de lição para se organisar agora melhor.

Sr. Presidente, concluo com o que disse já da primeira vez que fallei; ou o Governo póde, ou não póde fazer as estradas. Se as póde fazer, faça-as, mas se as não póde fazer, então deixe fazer, e ajude a fazer: todo o mundo sabe, e reconhece hoje que o Governo não as póde fazer, porque elle nem póde pagar aos seus famintos empregados, e pensionistas que estão morrendo de fome, e se o Governo não póde cobrar impostos necessarios para a despeza ordinaria, como ha de poder cobrar um imposto extraordinario, e imposto que aliás cobrado na sua totalidade, a sua cifra não é sufficiente senão para fazer uma legoa de estrada por anno em cada districto?... E isto para que serve?... Para nada. Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de considerar como emenda a proposta que eu mandei para a meza, e que na ordem da votação seja tida como tal, porque eu desde já declaro, que approvada ella, hei de approvar o projecto para que junto com ella forme uma lei completa de estradas; mas se acaso ella fôr rejeitada, então eu não posso approvar este projecto fantástico; porque eu não quero ir gravar o povo portuguez com um tributo inutil.

O Sr. Presidente: — Ainda se esta na discussão da generalidade, e não é durante as discussões na generalidade que se fazem emendas ao objecto em discussão; porque o regimento só falla de qualquer proposta apresentada durante a discussão de qualquer artigo, determinando que não seja classificada pela meza, nem soffra discussão ácerca da sua classificação, ou como emenda, ou como substituição, ou como additamento, em quanto não fôr admittida á discussão. Ora quando o Sr. Deputado apresentou a sua proposta, logo eu disse que não era occasião de a apresentar; (apoiados) porque não se estava na discussão da especialidade, mas visto que se apresentava, a meza a declarava como substituição, (apoiados) e como substituição aos differentes artigos em que ella tivesse cabimento, e nem outra cousa podia fazer, nem posso fazer por ora. (apoiados) O Sr. Deputado tem direito de quando se tractar da especialidade, apresentar a sua proposta a cada um dos artigos a que disser respeito, seja como additamento, seja como emenda, ou seja como fôr; actualmente não se póde classificar d'outra modo, senão como substituição, para ser discutida em logar competente. (apoiados)

O Sr. Lopes de Lima: — A minha proposta conclue que o projecto volte com ella á commissão, porque ella contem em si um systema mais amplo; se guardar essa proposta, como diz a meza, para a especialidade, não é possivel, approvando-se o projecto na generalidade com o systema que tem, entrecalar outro systema na especialidade, já se vê pois que ha necessidade absoluta da proposta ser attendida como emenda na generalidade.

O Sr. Presidente: — Nova razão para a proposta ser considerada substituição, porque, como diz o Sr. Deputado, a proposta altera inteiramente o pensamento do projecto, e as emendas não alteiam nunca o pensamento de qualquer projecto, (apoiados) Mas apesar do Sr. Deputado reconhecer que a sua proposta altera inteiramente o pensamento do projecto em discussão, quer que a sua proposta seja classificada como emenda; a meza classificou a proposta como substituição, nem podia deixar de assim o fazer; (apoiados) e sobre isto não póde haver discussão» (apoiados) Quando a meza lhe deu essa classificação, é que era occasião do Sr. Deputado reclamar e exigir resolução da Camara; não a exigiu, deixou correr a classificação que a meza deu á sua proposta; essa classificação está dada, e agora não se póde retrogradar, (apoiados)

Continua a discussão do projecto n.º 103, mas antes de dar a palavra ao Sr. Deputado, que se segue a fallar, vai dar-se conta á Camara da ultima redacção dos projectos n.ºs 12, e 16 que hontem foram approvados, a fim de passarem á outra Camara.

Foram lidas na meza as ultimas redacções dos projectos n.º 12 e 16, que foram approvadas sem discussão.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Assis de Carvalho sobre o projecto n.º 103.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, esta discussão tem perdido muito do seu interesse pelas longas interrupções que tem havido. O espirito humano nestas luctas de intelligencia folga da resistencia, e a resistencia é tanto menor quanto maior é a sua distancia, e diuturnidade, e por esta razão já não poderão ter muito valor os argumentos que se produzirem em resposta aos contrarios; assim mesmo direi poucas palavras não só para defender positivamente o projecto; mas para directamente responder aos argumentos que se produziram em contrario: porém, antes disso, é preciso eu ponderar á Camara que o parecer da commissão conclue dizendo, que a commissão é de parecer que a proposta é conveniente e util, abrindo-se ácerca della uma só discussão na generalidade, que aprecie o projecto no seu pensamento sem perder um tempo precioso em debates microscópicos, que muitas vezes mutilam a lei, tornando-a antinomica; eu insisto, como membro da commissão, por este parecer, isto é, para que esta lei tenha uma só discussão na generalidade sobre os seus pontos mais cardeaes, porque esta lei tem muitas partes que se podem reputar regulamentares, e seria fastidiosa e até impertinente uma discussão sobre ellas.

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Sr. Presidente, se me perguntarem, se por termos uma lei d'estradas é consequencia necessaria que lenhamos estradas?... Responderei, que em todos os systemas não e consequencia necessaria, e isto por uma razão muito simples, ou muito obvia, e por que em Portugal não se segue que por que temos uma lei para uma determinada cousa, se leve essa cousa a effeito: mas se se me perguntar, se para termos estradas precisamos uma lei? Direi que sim, porque não podémos ter estradas sem uma lei organica a esse respeito, e é por estes motivos que é necessario discutir um projecto de lei sobre estradas, e a commissão entendeu que o melhor era o que apresentou. Sr. Presidente, qualquer projecto de lei que se apresente para as estradas, qualquer que seja o systema que se siga, ou seja o de administração, ou o systema mixto, ou o de emprezas exclusivas, póde ser impugnado com violentas e fortes razões, em qualquer sentido que elle seja considerado, ou no sentido economico, ou no sentido moral, ou no sentido politico; mas nenhum d'elles póde ser menos impugnado, em todas estas tres relações, que o systema de administração, os outros dois, que comprehendem o systema misto, e o systema exclusivo d'emprezas, podem, na sua essencia e na sua fórma, ser violentamente impugnados, ou no sentido economico, ou no sentido moral, ou no sentido politico; e ha mais a considerar n este respeito, que o systema d'administração, que representa os interesses geraes da nação, não póde ler nem individual nem collectivamente defensores apaixonados, por que ha poucos defensores apaixonados pelos interesses geraes do paiz, e que o projecto de lei que contiver ou defender o systema mixto, ou o systema exclusivo das emprezas, ha de achar individual e collectivamente defensores apaixonados em todos os sentidos, impugnando o systema d'administração que não diz respeito a interesses alguns individuaes.

Sr. Presidente, um projecto de lei sobre estradas deve ser considerado em todos os tres sentidos ou relações de que fallei ha pouco, no sentido economico, no sentido moral, e no sentido politico, em todos estes tres sentidos; o projecto de lei que comprehender o systema myxto, e o systema d'emprezas, não só pelos factos já passados entre nós, mas pelos factos que se passam nas nações estrangeiras, pelas consequencias que se podem deduzir d'esses factos, e pelos principios da sciencia, das luzes do seculo, e pela opinião publica, com que tanto se tem argumentado contra este projecto, não póde ser defendido com razão e com justiça, nem com argumentos tirados das fontes que ficam referidas.

Sr. Presidente, estes logares communs, estas expressões — principios da sciencia, luzes do seculo, e a opinião publica — que são palavras fatidicas orthodoxas, não direi sesquipedaes, porque são harmónicas, sonoras, accessiveis até a uma facil dicção, (riso) estas palavras são as mais das vezes, o mais poderoso argumento contra aquelles que as pronunciam.

Sr. Presidente, em these, e hoje contra os principios da sciencia, é hoje contra as luzes do seculo, é hoje anti-economico, é hoje anti-moral, e anti-politico estabelecer estradas pelo systema myxto, ou pelo systema d'emprezas exclusivas. Eu passo a demonstra-lo, e logo demonstrarei que, pelo contrario, em todas estas relações o systema de administração por

conta do estado, é conveniente, e que o principal argumento que se produz, para se não admittir o systema de administração, não tem logar por que eu demonstrarei a possibilidade de levar á execução este systema.

Sr. Presidente, os principios da sciencia!.. Pois os principios da sciencia auctorisam o monopolio?.. E o que é o monopolio considerado sómente em relação á significação das duas palavras gregas — de que se compõe? O que é finalmente a empreza vem todas as relações que ella póde ser considerada? Pois os principios da sciencia auctorisam a empreza? Pois os principios da sciencia aconselham economicamente que se dispendam sommas excessivamente maiores por um systema, do que se poderiam dispender por outro em obras da maxima utilidade publica, e que esse modo de dispender seja mais vexatorio? Pois os principios da sciencia ordenam politicamente que se ponham os principaes interesses da sociedade em monopolio debaixo da protecção exclusiva de individuos ou companhias com exclusão da auctoridade publica. Os principios da sciencia ordenam o contrario; ordenam que os interesses geraes da sociedade sejam protegidos pelos principios desta mesma sociedade; cuja execução e inspecção esta entregue á auctoridade publica; ordenam que aquillo que se póde fazer por 5, senão faça por 10; ordenam finalmente que em todas estas cousas haja moralidade publica. Já se vê que os principios da sciencia, em these, não podem ter logar, nem em relação ao systema de emprezas, nem ao systema mixto; mas agora em hypothese, o caso é mais grave, em hypothese não póde ter logar em Portugal, nem o systema de emprezas, nem o systema mixto, porque o systema de emprezas em Portugal além das causas que o tornaram odioso e immoral, esta hoje ligado com o fundo especial de amortisação. No art. 27, § 5.º do decreto de 19 de novembro de 1846, se diz, que o fundo especial de amortisação pagará as dividas que legalmente forem liquidadas pelas companhias das obras publicas. Ora se o systema de emprezas ou o mixto se estabelecer, em hypothese, que emprezas apparecem em Portugal? Apparecem os mesmos homens, as mesmas companhias, e as mesmas exigencias. E o que se segue de apparecerem os mesmos homens, e as mesmas companhias? A consequencia era que estes mesmos homens, estas mesmas companhias podiam incluir nas condições da sua empreza, que os pagamentos que estão a cargo do fundo especial de amortisação, fôssem feitos por conta do estado; a consequencia era que o estado se via obrigado a pagar ás novas emprezas aquillo que já esta obrigado a pagar pelo fundo especial de amortisação por um modo menos oneroso, e que o mesmo fundo ficaria exonerado de uma grande divida a favor do banco de Portugal. Já se vê pois que além de não ser admissivel o projecto de estradas pelo systema de emprezas, em these, para nós tinha este grande inconveniente em hypothese.

Vejamos agora quaes são os outros inconvenientes que se seguem do systema de emprezas ou mixto; e já ponho fóra da questão o systema de emprezas exclusivas, porque ninguem as pertende defender. Como consideram os nobres Deputados as emprezas no systema mixto? Ou as hão de considerar auxiliadas pelo estado no sentido da subvenção ou associação; ou as hão de considerar com os direitos de barreira, ou com o privilegio exclusivo do movimento accele-

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rado ás novas estradas que se fizerem, ou com a concessão dos terrenos baldios adjacentes; em quaesquer destes sentidos hão de considerar o systema das emprezas. Considera-las-hemos no sentido da subvenção, pergunto, o que são as emprezas pelo que se tem passado? A Camara verá, que as emprezas passadas encarregadas das obras publicas em Portugal, pediram ao Governo a subvenção de um terço do valor de cada braça corrente, calculando a braça corrente pelo preço de 6$000 réis; estando hoje demonstrado que uma braça corrente se póde fazer por 4$000 réis; incluindo as despezas dos trabalhos technicos, e das expropriações, quando os 6$000 réis das emprezas antigas excluam as despezas para os trabalhos technicos, e a despeza das expropriações... (Uma voz: — Deu a hora). Sr. Presidente, como já deu a hora, peço a V. Ex.ª me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: — Fica-lhe reservada a palavra ao Sr. Deputado. A ordem do dia para ámanhã são trabalhos de commissões depois do expediente. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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