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Discurso do sr. deputado Barros e Sá que devia ler-se no Diario n.° 146 de 3 de julho a pag. 1549, col 2.ª, lin. 90

O sr. Barros e Sá: — Sr. presidente, sem preambulos nem rodeios, e em cumprimento das disposições do nosso regimento, vou ler a proposta que desejo submetter á deliberação da camara como questão previa.

É a seguinte:

«Considerando que o homem gosa pela lei natural da faculdade de se apropriar de tudo aquillo que for conducente á conservação e melhoramento da propria condição, e de se associar, pondo em commum os esforços e meios individuaes para qualquer fim que não prejudique os direitos de outros ou da sociedade;

«Considerando que similhantes direitos são originarios e inalienaveis;

«Considerando que o municipio, a parochia, a igreja e estabelecimentos de instrucção, de caridade e de beneficencia são verdadeiras associações reconhecidas pela lei, que* constituem pessoas moraes e gosam de entidade juridica;

«Considerando que taes associações ou corporações têem capacidade para exercer todos os direitos civis, relativos aos seus institutos;

«Considerando que entre esses direitos se comprehende o de adquirir bens immobiliarios, nos termos, fórma e condições prescriptas no artigo 35.° do codigo civil, o que constitue o direito de propriedade;

«Considerando que o direito de propriedade e sagrado e inviolavel, esta garantido, em toda a sua plenitude, pelo artigo 145.° § 21.° da carta constitucional, com a unica excepção da expropriação por utilidade publica, legalmente verificada, e indemnisação previa do seu valor, mas não unicamente do seu rendimento;

«Considerando que o principio constitucional da inviolabilidade comprehende e abrange toda a especie de propriedade — a individual e a commum, — a perfeita e a imperfeita, nos termos dos artigos 2:176.° e 2:188.° do codigo civil;

«Considerando que o projecto em discussão estabelecendo como regra e principio que = o governo venderá por conta do estado os bens e direitos dominicaes cujo dominio e posse pertence á igreja, aos municipios, ás parochias e aos estabelecimentos de caridade, beneficencia e instrucção, prescreve a usurpação e confisco da propriedade de taes corporações, o contraria o preceito do § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional;

«Considerando que a subrogação dos bens das indicadas corporações por titulos de divida fundada, ao preço arbitrariamente fixado, sem audiencia dos interessados e legitimos senhores, de 50 por cento não satisfaz á indemnisação completa do valor dos mesmos bens, mas importa a espoliação de quasi a quarta parte do seu valor real;

«Considerando que a inviolabilidade do direito de propriedade constitue garantia constitucional dos direitos civis e politicos dos cidadãos portuguezes;

«Considerando, assim, que o artigo 145.° § 21.º da carta constitucional involve disposição constitucional, nos termos do artigo 144.°; proponho como questões previas que a camara resolva:

«1.° Se o presente projecto de lei carece de seguir os tramites indicados no artigo 140.° da carta constitucional.

«2.° Se a presente camara terá poder e auctoridade para dispensar,. alterar ou revogar o § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional da monarchia.»

A moção que acabo de ler, envolve realmente uma questão que é de natureza prévia, ou preliminar. É uma questão de competencia, e taes questões são sempre prévias. N'esta conformidade passo a fundamenta-la. Permitta-me porém V. ex.ª e a camara, que, antes de tudo, recorde as memoraveis palavras proferidas pelo celebre conde de Mirabeau, na assembléa constituinte de França, ao principiar o seu, notavel discurso ácerca dos bens ecclesiasticos:

«Quando, dizia elle, em uma grande assembléa se examina uma grande questão que interessa a grande parte dos seus membros, a uma classe da sociedade inteira, infinitamente respeitavel; quando esta questão diz respeito ás regras inviolaveis da propriedade, ao culto publico, á ordem politica, e aos primeiros fundamentos da ordem social, importa trata-la com religiosa attenção, discuti-la com vagar e sabedoria, para desviar até as suspeitas do erro nas suas mais remotas relações.»

Aquelle notavel orador que, com justa rasão, foi sempre considerado o primeiro das assembléas parlamentares; que com a sua eloquencia dominava as assembléas, e que, só com a sua voz, continha o Ímpeto arrebatador das turbas populares infurecidas, julgou que a materia e assumpto era de tal gravidade, que devia chamar sobre elle toda a attenção da assembléa constituinte; e (agora, sr. presidente, que se trata não unicamente dos bens ecclesiasticos, mas tão bem dos das corporações e associações de caridade e beneficencia, dos das misericordias e hospitaes, dos estabelecimentos de instrucção e dos municipios e parochias, não será para estranhar que eu chame e requeira a mais reflectida attenção do parlamento; que solicite para mim a benevola attenção da camara, perante quem tenho a honra de fallar. Eu serei tão breve, quanto o comporta a gravidade e a extensão do assumpto.

A este projecto tem-se-lhe dado o nome de desamortisação, mas impropriamente. De desamortisação?! Pois ha algum palmo de terra portugueza que esteja amortisada? — A desamortisação pressupõe a amortisação, e esta consiste no vinculo legal que impede, embaraça e prohibe a transmissivilidade, a circulação da propriedade. Á idéa de amortisação corresponde a de inalienavilidade.

Mas quaes são os predios comprehendidos nas provisões d'este projecto, que sendo, hoje inalienaveis ficam sendo alienaveis? Quaes são os bens que estando fóra do commercio até aqui, ficam na giro commercial d'aqui por diante?! Qual é o vinculo legal que impedindo o commercio da propriedade, fica quebrado pelas disposições d'este projecto, quando convertido em lei?! Desejaria que alguem, por informação benevola, indicasse quaes os bens rusticos ou urbanos, quaes os direitos prediaes que entram no commercio por virtude d'este projecto?! Serão os das freiras?! Não; porque esses foram desamortisados pela dei de 4 de 1861. Os dos cabidos, collegiadas, seminarios, igualmente foram desamortisados por aquella lei, e estão já quasi vendidos. Os dos estabelecimentos de caridade, os das confrarias e irmandades, os das misericordias e hospitaes, os das Camaras municipaes e parochias, estão desamortisados pela lei de 22 de julho de 1866. Serão os bens dos parochos) os passaes ecclesiasticos? Estes tambem não, porque a mesma lei de 1866 facultou a sua desamortisação, permitiu a venda, a troca, a inversão. A respeito d'estas tám-