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N.º 20. Sessão em 23 de Março 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 59 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

EXPEDIENTE.

Officios. — Um do Ministerio do Reino enviando diversos esclarecimentos, pedidos pelo Sr. Deputado Mendes de Carvalho. — Á commissão de Agricultura.

VOL. 3.º — MARÇO — 1849.

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O Sr. Peixoto: — Participo a V. Ex.ª e á Camara que, por incommodo de saude não tenho comparecido a algumas sessões.

O Sr. Palmeirim: — Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão Especial d'Estradas, em que conclue pedindo alguns esclarecimentos ao Governo.

O Sr. Presidente: — Como conclue por pedir esclarecimentos ao Governo, remette-se.

O Sr. J. J. de Mello: — Sr. Presidente, pedi ha dias, por parte da commissão Especial do Codigo Florestal, os esclarecimentos sobre os rendimento; e despezas das maltas nacionaes: se ainda não veio resposta a este quesito, desejava se renovasse o pedido.

Por esta occasião direi tambem o seguinte. Ha pouco requeri, que fosse remettido a esta Camara o ultimo relatorio do conselho fiscal de contas; tambem não sei, se já se satisfez a esse requerimento, e no caso de se não ler satisfeito, igualmente pedia, que se renovasse o requerimento.

O Sr. Presidente: — Eu creio, que ainda se não satisfez a nenhum dos objectos: queira o Sr. Deputado mandar a nota, para se renovarem os requerimentos.

O Sr. F. A. da Fonseca: — Sr. Presidente, mando para a mesa duas representações da camara municipal de Alemquer, uma sobre a direcção da estrada ás Caldas, e outra sobre a cultura dos vinhos: mando igualmente mais duas representações da camara municipal d'Obidos, e dos povos de Aldea gallega da Merciana, tambem sobre a cultura dos vinhos.

O St. Passos Pimentel: — Mando para a mesa a seguinte requisição: — A commissão Ecclesiastica pediu para lhe ser adjuncto, o Sr. Deputado Antunes Pinto

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. J. M. Botelho: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

(Leu-o, e delle se dará conta, quando tiver segunda leitura).

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, primeiramente peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de me inscrevei, para apresentar um projecto de lei.

Agora direi que tendo sido eu o Deputado que, em uma das sessões do anno passado, pedi a V. Ex.ª para que se adiasse o parecer da commissão de Infracções, sobre o requerimento do Sr. Doutor Lima Leitão, em consequencia de sei um objecto muito grave, e por demandar esclarecimentos, peço agora a V. Ex.ª, que tendo cessado o inconveniente que havia naquella occasião, que dê para ordem do dia aquelle parecer, quando fôr possivel.

O Sr. Presidente: — Aquelle parecer ha de entrar novamente em discussão, quando o serviço da Camara o permittir.

O Sr. Pereira de Mello: — Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão de Legislação.

(Leu-o, e delle se dará conta, quando entrar em discussão)

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão na generalidade do projecto n.º 103 — sobre estradas.

O Sr. Presidente: — Continua a ter a palavra o Sr. Assis de Carvalho, que lhe ficou reservada da sessão de quarta feira.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, quando na ultima sessão deu a hora, estava eu principiando a demonstrar, que o systema de emprezas e o systema mixto era menos economico, menos moral e menos politico, do que o systema de administração: continuarei nesta demonstração.

Perguntava eu nessa occasião, Sr. Presidente, o que eram as emprezas, ou o que era o systema mixto. As emprezas são uma associação de capitalistas que se encarregam da formação das estradas com todas ou algumas das concessões seguintes — subvenção e associação da parte do Governo, direitos de barreira, privilegio exclusivo para o movimento accelerado, terrenos baldios adjacentes aos caminhos que se abrirem, segurança de um juro nos casos de perda.

Se as condições das emprezas forem todas ou quasi todas as que ficam referidas, como já o foram, posso asseverar á Camara que não são outra cousa mais que administradoras dos fundos publicos com direito a juros enormes de capitaes ficticios que não empregaram.

Subvenção da parte do Governo concedendo por cada braça corrente dois ou tres mil réis, sem que as emprezas fiquem obrigadas ás despezas dos trabalhos technicos e das expropriações, é uma concessão que equivale a dar ás emprezas os fundos necessarios para a formação das estradas.

Associação da parte do Governo, constituindo-o capitalista, além do ser contra todos os principios da sciencia, é um modo honesto de transformar o odioso da subvenção em fórma menos inconveniente de associação, que em um paiz mal administrado e a sociedade do lobo com o cordeiro.

Se a tudo isto accrescentarmos os direitos de barreira, o exclusivo do movimento accelerado, os terrenos adjacentes e a segurança de um juro no caso de perda, economicamente quer dizer, que é deitar o dinheiro á rua; é um desperdicio, mas moralmente já se vê, que é uma immoralidade da parte do Governo e da parte da nação constituir emprezas com taes condições. Politicamente O que será, Sr. Presidente? Já se vê, que o que é immoral, e anti-economico, e anti-politico; mas considerado nas suas verdadeiras relações politicas, já eu disse na sessão passada, que é anti-politico todo aquelle systema que constitue debaixo da protecção individual os interesses geraes da sociedade, que devem estar protegidos especialmente pela auctoridade publica, representada pelo Governo, ou as emprezas sejam em grande ou em ponto pequeno, e os interesses geraes do paiz são apresentados em grande parte pela formação de um bom systema de estradas. V. Ex.ª e a Camara sabem tambem, que a base essencial do systema representativo é constituido pelo direito eleitoral, e constituindo-se emprezas com taes condições, podem influir muito consideravelmente no direito eleitoral: já se vê que por este lado tambem as emprezas são inconvenientes, politicamente fallando.

Vejâmos agora o que tão as emprêsas depois do contracto. Em Portugal nem fóra de Portugal nenhuma emprêsa se contentou com o seu contracto primitivo, sempre tiveram exigencias depois: veja-se a emprêsa do caminho de ferro de París a Orleans, a que menos podia receiar perdas, que exigiu e alcançou do governo francez o juro de 4 por cento depois de feito o contracto, e que sendo as acções originariamente, de 500 francos, subiram a 1:500

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francos, quando não podia haver perdas; e para bem se conhecer que o credito das empresas é essencialmente o credito do Governo, observar-se-ha que as suas acções estão sempre em relação com esse credito quando as empresas vão regularmente, ou não depende dellas exclusivamente um maior descredito; as mesmas acções da empresa do caminho de ferro de Paris a Orleans, que antes de 24 de fevereiro de 1848 estiveram a 1:500 francos, desceram depois da revolução a menos de 500 francos

A historia da maior parte das emprezas é antes a historia de companhias de jôgo de fundos, do que a de companhias industriaes, auxiliares do Governo.

É o que acontece a outras empresas de caminhos de ferro em França. Eu sei de algumas que não podendo levar a effeito os seus contractos, por serem mal calculados no sentido de jôgo de fundos, entregaram-nos ao Governo, ou lh'os venderam. De alguma tenho conhecimento que fez venda por menos preço, e que perdera no seu contracto. Isto que acontece em França, acontece mesmo em Inglaterra. Ainda hontem tive informações a este respeito. E em Portugal ainda não houve uma só emprêsa que depois de ter contracto feito não tivesse exigencias, e que ellas não fôssem attendidas. Já o nobre relator da commissão historiou a maior parte dellas. Mas eu farei menção da mais antiga e da mais importante que existe em Portugal, que é a do contracto do tabaco, que é essencialmente um monopolio da administração da fazenda publica. O ultimo contracto, ou melhor a emprêsa, acceitou o seu contracto, incluindo nelle o tabaco, o sabão, e a polvora. Não sei porque circumstancias a polvora deixou de pertencei ao contracto; houve logo uma exigencia rasoavel da parte da emprêsa, por não ter tomado tambem a polvora: appareceu segunda exigencia pela diminuição dos preços nos cigarros, e tabaco de rolo, que veio a importar em 340 contos, e que foi attendida. Não tardará terceira exigencia, que ha de ser presente a esta Camara; já esta nas mãos do procurador da fazenda. Esta exigencia diz a empresa que é proveniente dos prejuizos que soffreu em consequencia da revolução de maio, e natural que seja attendida. Ha sempre exigencias em todos os casos extraordinarios, de maneira que as empresas em Portugal, assim como em toda a parte, ou não ganham, e então querem subvenção ao seu contracto, ou se perdem querem ser indemnisadas. Isto é constituirem-se as emprêsas em administradoras por monopolio da fazenda publica, sem risco do perda, com prejuizo grande dos interesses da mesma fazenda; contractos com que se querem constituir em direito a juros excessivos pelos capitaes que não empregam.

Ora se considerâmos as empresas a negociar com o Governo, póde-se dizer que é a associação do lobo com o cordeiro (riso). Pois qual é o modo dissociar as empresas com o Governo? É, ou concedendo o Governo subvenções ou tomando o Governo uma parte das sua» acções, concedendo-lhes o direito de barreiras e privilegios; se o Governo tem dinheiro para a subvenção, faz por sua conta, não deixa fazer; se o Governo se associa como capitalista, e um modo honesto de transformar o odioso da subvenção. Ora eu não quero fazer do Governo negociante, é contra todos os principios da sciencia que o Governo se constitue negociante, e negociante associando-se como particular; isto é quanto a mim o modo honesto de cobrir o odioso da subvenções, não é senão uma subvenção propriamente dita.

Mas estando assim demonstrado em geral, (e eu pertendo ser muito breve) que o systema de empreza, ou por emprezas propriamente dietas, ou de associação com o Governo, é o systema menos economico, menos moral, e menos politico, que o systema de administração; vamos a ver se neste systema de administração ha os meios necessarios para se proceder á factura de estradas.

Eu considero o systema de administração como o mais conveniente, e aquelle que contém em si os mais poderosos elementos para a execução de qualquer obra. O principal argumento dos que defendem o systema mixto, ou que impugnam o systema de administração póde dividir-se em dois ponto? — ou que não ha meios para fazer as estradas, ou se ha meios para a execução, não ha meios em Portugal para administrar convenientemente. Mas eu demonstrarei que ha meios, e demonstrarei que ha esses elementos essenciaes de administração.

O systema de administração póde ser considerado em tres relações — comprehendendo a parte do pessoal technico, a parte essencial chamada propriamente administrativa, o a parte fiscal que diz respeito á receita. Pelo que diz respeito ao pessoal technico, direi em comparação com o systema mixto, ou systema de emprezas, que o systema de administração é aquelle que póde melhor apresentar um pessoal technico em relação ás circumstancias em que se acha a nação. O pessoal technico em nenhum outro systema póde ser mais conveniente, e economicamente applicado, do que no systema de administração.

Este pessoal esta reduzido em Portugal á classe de engenheiros militares, porque não temos engenheiros civis, nem aulas respectivas ao estudo de engenheria civil. Os engenheiros militares são abicados, illustrados, sustentados, e honrados pelo Governo, e nada mais conveniente, nem mais conformo á honra, e brio militar do que o concorrei com a força da sua illustração, intelligencia, e habilitações para o bom resultado de um systema de admnistração directa por conta do Governo, o que tudo seria menos conveniente por conta de emprezas particulares, além de que o militar empregado por conto, do Governo nem tem direito, nem póde exigir do Governo gratificações tão excessivas, como tem direito, e costuma exigir das emprezas particulares, o que sendo um excesso de despeza para as emprezas, será tambem um excesso de despeza para o estado, porque conta com elle nas condições do seu contracto, e portanto menos economico.

Ha ainda outra conveniencia no systema de administração no que diz respeito ao pessoal technico, que é a necessidade de formar o corpo de engenheiros civis da maior utilidade publica. O Governo ver-se-ha obrigado a aproveitar alguns elementos dispersos, que ainda ha para a formação deste corpo, instituirá as aulas, que lhe são respectivas, e conduzir-nos-ha pela formação das estradas á creação demais um estabelecimento de applicação dos estudos superiores. Se nem os engenheiros civis, nem os militares forem sufficientes, o argumento é commum em todos os systemas, porque tanto as emprezas, como o Go-

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verno estão habilitados igualmente para mandar vir engenheiros estrangeiros.

Não é possivel o systema de administração em Portugal, sem que haja um ministerio de obras publicas.» Foi outro inconveniente apresentado pelo illustre Deputado por Vizeu. Eu confesso, que tenho idéas inteiramente oppostas a esta opinião. Entendo que o pessoal administrativo em Portugal póde ser reduzido. Entendo que em logar de seis Ministros podem haver tres unicamente. Não farei demonstrações. Isto e convicção minha propria, que tenho de ha muito tempo; se se entender bem o que é um verdadeiro Ministro d'Estado. Sr. Presidente, se um Ministro d'Estado em Portugal, como disse o nobre Deputado por Vizeu, quizer exercer as funcções de inspector de obras publicas, que ande pelo reino viajando, vendo tudo com os seus olhos, e apalpando com as suas mãos, e que não tenha 200 olhos para ver, e 200 mãos para apalpar, e que seja só Ministro d'estado para andar vendo, e apalpando com os seus olhos, e com as suas mãos, desgraçado do Ministro d'Estado, porque mesmo com 100 mil olhos para ver, e 200 mil mãos para tocar, não poderá ver tudo ao mesmo tempo senão pela sua individualidade, e com esses 100 mil olhos, ou 200 mil tactos ha de ficar reduzido a individualidade. O Ministro d'Estado verdadeiro vê por muitos olhos, e apalpa por muitas mãos, que pertencem a differentes faculdades intellectuaes, e o resultado de tantas faculdades habilitam o Ministro a ter uma vista superior, que é verdadeiramente a de um Ministro d'Estado, se não quizer sei microscopico.

Já se vê pois, que não quero um Ministro distado, que ande em Portugal a viajar para ver as obras publicas com os seus olhos, e toca-las com as suas mãos. Já se vê que não concordo com os nobres Deputados em quanto querem que para o systema de administração ser bem organizado haja um Ministerio especial de obras publicas. Um Ministerio de obras publicas com um homem á sua testa, que não entenda de obras publicas, é o mesmo que um Ministerio do Reino com um individuo, que não esteja no caso de desempenhar as funcções a seu cargo. Estou convencido que se houver um Ministro distado, que tenha todas as qualidades de homem politico, de homem d'Estado, conhecimentos geraes em todos os ramos de administração, ha de dirigir a administração de obras publicas como o proprio inspector de obras publicas (apoiado) tão convenientemente, ou ainda mais convenientemente do que havendo um Ministerio de obras publicas com um homem inhabil para a sua execução (apoiado.) Já se vê pois que é necessario, indispensavel que o Ministro d'Estado comprehenda a importante missão do seu cargo (apoiado.)

Tenho fallado no que diz respeito ao pessoal technico; fallarei no que diz respeito á administração propriamente dicta, e á parte fiscal em que deve haver todos os elemento» necessarios, para fiscalisar a receita publica, cobrança, administração, applicação, etc. Se os não ha, devemos procura-los, porque em todos os systemas são necessarios estes elementos.

Os elementos administrativos e fiscaes, com que ate agora nos temos constituido socialmente depois de melhorados, aperfeiçoados e accomodados á especialidade desta lei, serão os elementos com que poderemos contar para o systema de administração.

Eu não quero que haja um systema d'administração como em França ha, para fazer estradas; havemos de nos accommodar ao nosso systema. Vamos agora a examinar se temos meios para fazer estradas pelo systema d'administração, que é o grande e poderoso argumento estabelecido contra este projecto; eu primeiramente estabelecerei as bazes para dellas deduzir a quantia necessaria, para a formação das estradas; mas antes disso eu tenho a ponderar á Camara, que não entenda, como se tem entendido, que as estradas devem ser feitas com o producto do impo lo, e que não devemos fazer estradas sómente á custa da geração presente, para as entregarmos á geração futura, sem onus algum: não é assim que eu o intendo, não é assim que o intende nenhum economista; nós não devemos applicar o producto do imposto para estradas, deixando a geração seguinte livre de pagar juro e capital

Sr. Presidente, o imposto que o projecto estabelece, não póde deixar de se confessar que é insufficiente, para levantar Os capitaes necessarios, para fazer todas as estradas; a primeira vez que eu tive occasião de falar nesta materia, (não publicamente) demonstrei logo a pouca sufficiencia deste imposto, para formar as estrada»; os 20 por cento addicionaes, sobre os impostos directos, não podem produzir no estado em que esta o lançamento da decima, mais do que 300 contos, com estes 300 contos podem aproximadamente levantar-se 4 mil contos, com o juro de 8 por cento: e attenda a Camara, que não haveria estadista tão pueril, que quizesse applicar todo, ou parte do imposto, para despezas de estradas, sem primeiramente levantar fundos sobre elle Vamos a ver em quanto importa a estrada real, a estrada directa, que é a primeira por onde devemos principiar. A estrada real tem 390 e tantas legoas, como se demonstra na tabella n.º 1, mas quero dar mesmo 400 legoas, esta calculado que uma legoa importa pelo systema abstracto em geral, e mesmo por a confissão do illustre Deputado que acabou de fallar, em 12 contos de réis, e sendo cada braça corrente 1 mil réis, incluindo as expropriações e os trabalhos technicos, e sendo certo que uma legoa portugueza tem 2 500 e tantas bricas, estas multiplicadas por 4 mil réis dão 10 contos; eu espero que a Camara dê attenção, que eu não metto em linha de conta, que o exercito e dispensado do serviço activo, para trabalhar nas estradas; o projecto de que será licenciado um certo numero de praças do exercito, que serão empregadas no serviço dos trabalhos das estradas, já se vê que sendo calculado o preço da braça em 4 mil réis, e não mettendo em linha de conta o serviço do exercito, que póde bem calcular-se em 3000 réis; isto e, uma legoa d'estrada, por este calculo, póde ficar por menos de 9 contos de réis, isto são demonstrações arithmeticas, que para não serem exactas, é necessario peccarem nos principios ou nas consequencias; os principios são deduzidos do orçamento, nem podemos ter outros, por que os factos que se allegam em contrario, são um abuso do direito que não constitue principio; mas quero mesmo conceder ao illustre Deputado, que cada legoa ficasse por 10.000;000, quero conceder ao illustre Deputado que são nullos todos os serviços do exercito, e que importa cada braça em 4 mil réis, e em 10 contos cada legoa, que por 400 legoas dão 4 mil contos, logo pela disposição do projecto temos

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meios sufficientes para levantar fundos necessarios para a estrada real, isto esta demonstrado arithmeticamente, se eu tivesse aqui uma pedra, havia de fazer esta demonstração, e ate admittiria dialogo para responder ás duvidas que se offerecessem á sua exactidão. Mas perguntar-se-ha por que modo levantarei eu 4 mil contos de réis com juro de 8 por cento sem amortisação? Responderei que isto é um jôgo financeiro, que póde ter logar por diversos modos, conforme a habilidade do Ministro respectivo, que se póde fazer por uma só vez, que se póde fazer por differentes partos, em differentes praças, hypothecario ou não titulos de divida fundada, creados sobre o imposto, hypothecando o mesmo imposto administrado com toda a segurança, para credito do emprestimo, etc, são espertezas do Ministro respectivo da Fazenda, ou do Reino: já se vê por consequencia, que temos os meios necessarios para pagar o juro de 8 por cento, para formar a estrada real; mas póde dizer-se a isto, onde se vão buscar os capitaes para pagar o juro de 8 por cento sem amortisação? E para dar mais força a esta pergunta, accrescentarei que os fundos publicos estão a 50 por cento, que representam 30 em metal, bio é, os dinheiros empregados em fundos publicos, vem a dar 12 por cento de juro, então como poderão ser convidados os capitalistas a empregar os seus fundos por conta do Governo, quando elles tiram sómente 8 por cento, e sendo empregados em fundos publicos, poderão tirar 12 por conto? Responderei.

Sr. Presidente, o credito das emprezas esta demonstrado dentro e fóra do paiz, que não é senão essencialmente o credito do Governo desse paiz, os factos que se tem passado em França, Inglaterra, e Portugal mostram que as emprezas não tem mais credito que o Governo com quem ellas contractam servantis servandis,

O credito das differentes emprezas de caminhos de ferro de Pariz seguiu todas as modificações de descredito, que acompanhou o govêrno francez depois da revolução de 24 de fevereiro de 1848. O credito maior ou menor que esta inherente a cada uma dellas, depende da maior ou menor protecção que recebem do Governo, ode circumstancias especiaes inherentes a cada uma dellas; porque os Governos tambem tem maior ou menor credito em circumstancias especiaes, e em contractos especiaes do que temos salientes provas do Governo portuguez, mas em regra geral mutatis mutandis o credito das emprezas segue o credito do Governo em todas as suas modificações.

As acções do caminho de ferro de Pariz a Orleans que é o mais productivo de França, eram originariamente do 500 bancos, o govêrno francez concedeu-lhes a segurança de um juro de 4 por cento no caso de perdas, e as acções subiram a 1:500 francos; depois da revolução de fevereiro vieram para menos de 500 francos, e tem estado a 400 e tantos francos; alguma outra empreza de caminhos de feno não tendo podido obter do mesmo governo francez as concessões que exigia, tem entregado ou vendido o seu contracto.

As emprezas de caminho de ferro em Inglaterra segundo todas as modificações que lhes são especiaes, apresentam a mesma regra, e como o credito publica em Inglaterra não é tão variavel, tambem o credito das emprezas não tem soffrido saltos tão mortaes como em França.

Em Portugal a regra é a mesma, e mais evidentemente demonstrada na empresa dos canaes da Azambuja, dos barcos a vapor, dos omnibus, etc. Estabelecidos estes principios vejâmos se em regra geral o Governo póde levantar por uma vez ou por partos em differentes periodos a quantia de 4:000 contos de réis para formar a estrada real.

Esta demonstrado que o Governo portuguez tem credito sobre os seus titulos de divida fundada interna e é externa na razão de 12 por cento de juro sem amortisação, e considere-se que esses titulos de credito nem tem a garantia de contracto, nem podem deixar de estar como taes sujeitos a todas as reducções e modificações, que a nossa desordem financeira quasi periodicamente tem legalisado, e que segue a sorte de todo o nosso desarranjo financeiro, e que assim mesmo produzem um capital que dá o juro de 12 por cento: ora se nós para fundos que não tem a natureza de contracto, que estão sujeitos a todas reducções geraes, que seguem compactamente a nossa desordem financeira, temos credito como 12, não o teremos como 8 tambem sem amortisação, porque essa deve onerar a geração futura, que já gosa das estradas, em um emprestimo que tem a natureza de contracto, que não póde estar sujeito a reducções, que não segue inherentemente o systema financeiro, que tem um imposto especial, e especialmente administrado, e que tem por garantia a propriedade portugueza? Ninguem dirá que não, particularmente se esse emprestimo não fôr dado todo de uma vez, e se os contractadores da segunda, terceira ou quarta prestação observarem que se cumpre religiosamente o contracto da primeira.

Mas supponhamos que por este systema não podemos obter os fundos necessarios para formar a estrada real, e que pelo systema de emprezas que poderão ganhar 20, 30, e 40 por cento, se póde fazer alguma cousa. Perguntarei eu, quererá esta Camara economica e moralmente obter estradas por este modo? Pois os Senhores que não querem onerar o povo com mais tributo algum, porque o julgam impossivel, entendem que haverá emprezas sem maior onus para o povo? Entendem que os grandes interesses das emprezas não procedem immediatamente do povo com todos os inconvenientes moraes o politicos, que lhes são inherentes? Será isto honestidade? Será isto politico? Ou será immoral e odioso? Porque não concorrem as emprezas emprestando, associando-se para formar um capital de grande valor, que lhes produza um juro rasoavel? Porque querem administrar, e só neste sentido reconhecem o espirito de associação, e o patriotismo de auxiliar o Governo? Já se vê que importando a despeza da estrada real em 4:000 contos, e vendo eu que pelas disposições do projecto, ha os moios necessarios para levantar esses 4:000 contos pagando-se o juro de 8 por cento, e augmentando-se o imposto de algum outro modo, podemos ter meios para pagar os juros de 10 por cento; porque em fim os juros são accommodados ás praças em que se pagam, e ao estado social das nações, com quem contracta-mos; já se vê, que temos meios, pelas disposições do projecto para levantar 4:000 contos de réis; que em tanto importam as estradas reaes, e por onde nós devemos principiar.

Mas, Sr. Presidente, eu que disse sempre em todas ás reuniões publicas, e particulares, que esta receita não era sufficiente para levantar os fundos ne-

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cessarios para se fazerem todas as estradas, lembrarei á Camara dois outros expedientes: eu não metto aqui em linha de conta a conservação da estrada real, que importa em perto de 100 contos, segundo a minha opinião; mas não metto em linha de conta esta conservação, porque o privilegio exclusivo do movimento accelerado, que deve ficar como receita do Governo, produz mais do que o necessario para a conservação das estradas; mas lembrava eu dois expedientes para havermos maior receita; um delles era estabelecermos o systema de repartição, só para este caso, isto é, que cada junta geral de districto fosse encarregada de repartir a contribuição necessaria, para as estradas do seu districto respectivo; aqui tinhamos duas conviencias, era a primeira fazer-se uma especie de ensaio, para ver quanto era conveniente o systema de repartição geral, principiando por fazer este systema affeiçoado ao povo pela sanctidade da sua applicação, e a segunda era, que cada districto pagava apenas o tributo para as estradas do seu respectivo districto; porque ha districtos, que tem de fazer maior despeza em estradas, e outros menos; ha ainda um outro conveniente, o qual é, que se acabava com este argumento, com que sequer impugnar o projecto, de que por meio de administração não é possivel haver receita para essa despeza; que segundo este methodo as juntas geraes ficavam encarregadas de distribuir a contribuição necessaria para fazer as suas estradas, e estava claro, que haviam de distribuir quanto fosse necessario para estradas no seu districto, levantando fundos; assim como se não argumentaria com as cifras, porque haveria um districto aonde são precisos 100 contos; outro que precisa de 200, e outro que precisa de 300, etc. etc., e assim cada um havia de pagar o que fosse necessario para fazer as suas estradas; e com este systema tiravam-se todos os argumentos da não sufficiencia de meios para haver estradas; systema, que me parece mais rasoavel, do que os 20 por cento sobre os impostos directos.

Lembrarei tambem um outro expediente, que me parece, que o Governo não approvará, mas sempre o quero expor como minha opinião individual. Lançando-se 5 por cento addicionaes, sobre os impostos indirectos, nos quaes não se póde compreender o contracto do tabaco; produziriam aproximadamente 400 contos de réis, que com os 20 por cento addicionaes ao imposto directo que importa em 300 contos, fariam a somma de 700 contos. Ora todo o mundo sabe que um estadista que tem 700 contos de impostos, póde levantai fundos, para ter os meios necessarios para fazer as estradas em Portugal, ou por periodos certos; ou por outro qualquer meio conforme a sciencia financeira do Sr. Ministro da Fazenda, o que é puramente uma qualidade financeira do Ministro, que não póde entrar agora para a questão; tudo se me póde negar, menos, que um estadista tendo 700 contos de impostos não póde levantar um fundo de 7:000 contos. Já se vê, Sr. Presidente que, ou se queira fazer só a estrada real, ou mais alguma cousa, digo, que lemos meios sufficientes; para as outras lembrava eu algum dos dois expedientes referidos; esta bem entendido, que para isto é necessario haver tempo; porque as estradas não se fazem como a luz do Génesis = fiat lux = e appareceu a luz; não é assim; muito felizes seremos nós, se em doze annos estiver feita a estrada real; já se vê, que querendo fazer só a estrada real, que póde fazer-se pelos meios do projecto, ou querendo fazer mais alguma cousa que temos o systema da repartição, e temos o outro systema do imposto dos 5 por cento para haver 700 contos, sobre os quaes levantaremos fundos para se fazerem todas as estradas.

Mas eu lembro á Camara, que nas circumstancias em que nós estamos, em que ha um imposto addicional de 10 por cento para a amortisação das notas, que se nós deliberarmos a que se imponham os 5 por cento; quando vem a ter effeito esse importo, é já quando faltam talvez só dois annos para acabar a amortisação das notas, de maneira que acabado o imposto, das notas, temos um imposto mais suave do que tinhamos com os 10 por cento; já se vê portanto, que os 5 por cento addicionaes não oneravam o publico senão por dois annos, ficando depois mais suave, que os 10 por cento para a amortisação das notas, e que não haverá estadista tão miope, que queira extinguir o imposto depois da amortisação das notas.

Agora passarei á questão do direito de barreiras, e do privilegio exclusivo, do movimento accelerado, em que os illustres impugnadores tem insistido, para mostrar a belleza do seu systema, e a propriedade do imposto. Sr. Presidente, os direitos de barreira são um imposto muito odioso, e desigual que pésa sobre o povo, ainda mesmo por mais selvagem, que seja; os factos o tem demonstrado dentro, e fóra cio paiz; fóra do paiz, a França viu-se livre delle desde o tempo de Napoleão, faz votos para que não volts» mais, A Inglaterra esta fazendo todas as diligencias, para se emancipar desses direitos de barreira. (O Sr. Agostinho Albano: — Nada, nada.) O Orador: — O Sr. Deputado diz que não, o eu digo, que a Inglaterra esta fazendo todas as diligencias para se livrar desse imposto, e não só a Inglaterra, mas a Alemanha tambem. Isto é da natureza das cousas; o direito de barreira é odioso, porque é desigual, e porque é imposto sobre a primeira necessidade da vida. Peço a attenção aos meus argumentos, porque em cada palavra existe um argumento; os direitos de barreira são odiados por todos, porque são impostos nas primeiras necessidades da vida; a especie humana tem uma tendencia natural contra todos os impostos sobre as primeiras das suas necessidades, e quando paga o direito de barreira, diz naturalmente — «pois eu hei de pagar pelo direito natural, que tenho de caminhar, e fazer mover a minha propriedade?» — Pergunta naturalmente a si mesmo? Hei de pagar pelo direito natural de fallar? Ainda que se lhe mostre que é para comer, vestir, e fallar melhor. Pois se houver quem queira privar ao homem de andar, ou de fazer mover a sua propriedade, porque não paga, não soffre uma resistencia ainda que se lhe mostre que paga por andar melhor, mais commoda, e velozmente? Soffre uma resistencia, resistencia pela qual se ha de tornar odioso, quem lhe disser, póde anelar até aqui; daqui para diante não tem direito de andar sem dar um tanto (Isto, que parece muito suave ao illustre Deputado, ao povo não lhe parece assim. Demais estes direitos de barreira são sempre odiosos; porque são designaes, porque são impostos na mesma quantia para todos os individuos; quando um imposto deve estar em relação com os haveres década um dos individuos. No imposto de barreira tanto paga o proprietario que tem 100 contos de réis, como o

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pobre, e o pobre pergunta naturalmente pois; o rico não tem obrigação de pagar mais do que eu, que não tenho cousa alguma, ou quasi nada? Oh Sr. Presidente, eu peço desde já a palavra para fallar depois de ouvir a resposta que se me dá sobre isto Quero ver que resposta tem estes meus argumentos. Sr. Presidente, pelo que tenho exposto, já se vê que os direitos de barreira pelos factos, e natureza da (ousa são odiosos, e que as nações que os extinguiram, fazem votos para que não voltem, e as nações aonde elles ainda existem, fazem a diligencia para os extinguir, e entre nós são de odiosa memoria pela sua desigualdade, e circumstancias que os acompanhavam.

Depois de eu demonstrar, que o systema de emprezas, ou mixto, ou não mixto, não é, nem tão economico, nem tão moral, nem tão politico, como o de administração, que o systema de administração tem em si o meios sufficientes, tanto no pessoal technico, como no de administração propriamente dito, assim como na parte fiscal; e que igualmente tem os meios de receita pelos tres modos que apresentei, não me resta senão responder aos argumentos dos illustres Deputados, que impugnaram o projecto, os quaes eu aqui tenho todos registados, e para lhes dár toda a força que os illustres auctores lhes quiseram dar, vou le-los por sua ordem, na accepção mais rigorosa, que podem ter esses argumentos (leu), e principiarei pelos argumentos do Sr. Jeronymo José de Mello. Deputado pelo Douro, diz que rejeita o projecto por não ser um codigo completo de estradas. Este argumento esta em contradicção com o outro argumento do illustre Deputado por Vizeu que disse, que rejeitava o projecto por ser muito complexo: é verdade que o relatorio da commissão diz que este projecto e um verdadeiro codigo, mas não diz completo, um codigo é uma collecção de leis ad hoc. O illustre Deputado queria ver neste projecto disposições para estradas estrategicas, para caminhos de forro, e desejaria tambem ver disposições para navegação, e ate disposições para as vias aerias (riso). Era a perfeição do codigo — já se vê que querendo um illustre Deputado por Vizeu que o projecto fosse menos complexo, entrego os dous Srs. Deputados um ao outro. O que se pode dizer é que os termos do relatorio não significam verdadeiramente a idéa de um codigo completo, mas eu que defendo o relatorio em todas as suas palavras o em toda a sua significação, responderei que o relatorio não disse que este projecto era um codigo completo de estradas, disse que era um verdadeiro codigo de estradas, um verdadeiro codigo de estradas e uma verdadeira collecção de leis para haver boas estradas. Neste sentido já se vê que o projecto não póde ser rejeitado, por não ser um codigo tão completo como o illustre Deputado queria, porque se nós não te ír os moios sufficientes para haver o que se acha na propriamente estradas, não podémos fazei um codigo tão completo e complexo, que constituisse um codigo completo de estradas.

«Porque os caminhos de districto, visinhaes e ruraes deviam ficar a cargo das municipalidades.

Este argumento apresentado pelo illustre Deputado pelo Douro, põe-no em contradicção comsigo mesmo, o illustre Deputado é um daquelles que em toda esta sessão legislativa disse que as camaras municipaes estavam sendo déspota a respeito dos tributos, que era um dos maiores vexames que o povo soffria, que era uma calamidade publica dar tanta auctoridade as camaras (não sei se trouxe um projecto de lei a este respeito) municipaes para imporem tributos, indefinidamente; quer o illustre Deputado que as camaras municipaes fiquem auctorisadas para imporem tributo, negando aliás a competencia a essas camaras para imporem tributos em outras especies!... Quer dar auctorisação as camaras para imporem tributos para as estradas (O Sr. J. J. Mello. — Na forma da lei) Na fórma da lei Se é da actual que o illustre Deputado reprova, não póde ser, se é de uma lei imaginaria, não posso saber qual ella é.

Já se vê que na theoria do illustre Deputado este argumento não póde valer, e na theoria abstracta, em these, nem mesmo assim póde valer. Nós no projecto distinguimos estradas de caminhos, os caminhos têem uma administração especial, e uma receita especial, se o illustre Deputado quer isto que esta no projecto, não quer a idéa que apresentou de se encarregar essa especie de estradas ás camaras, se não quer isto, quer aquillo que o illustre Deputado não quer que as camaras façam, e quer o que esta no projecto.

Disse o illustre Deputado que não approvava mais o projecto, por ser pesado para a agricultura, pelo imposto e falta de braços. Este argumento e commum a todos os systemas, nem eu devia responder a elle, tendo muitos outros a que responder; como se hão do fazer estradas sem algum pêso para as differentes classes da sociedade? E como é que as emprezas, não sendo as estradas feitas por este systema do projecto, hão de ter mais braços? Ou seja pelo systema mixto, ou pelo systema exclusivo de emprezas, ha a mesma falta de braços. Diz a é pezado á agricultura.?? E não e pezado á agricultura pelo systema mixto, nem pelo systema de emprezas o imposto de barreiias, e o exclusivo de transportes accelerados? Imagina o illustre Deputado que se podem fazer estradas sem haver onus, ou um pêso para as differentes classes da sociedade. E direi mais, que par falta de braços este systema e o monos pesado, porque por este projecto de lei se da uma somma de braços que se tiram do exercito os quaes braços não podem fazer falta a agricultura, porque fóra desta applicação não tem outra alguma, pelo projecto ou systema de administração por conta do Governo, diz-se que esta parte do exercito será licenciada para trabalhar nas estradas, já se vê que esta parte do exercito não e que faz falla a agricultura.

Disse o illustre Deputado que tambem não approvava o projecto por se principiarem todos os trabalhos ao mesmo tempo em toda a parte, caminhos nines, visinhaes, transversaes e do districto. É verdade que isto assim não era conveniente; mas ou não entendo que os trabalhos se principiem ao mesmo tempo em todas as especies de vias de transacção; entendo que os trabalhos se devem principiar ao mesmo tempo nas estradas da tabella n.º 1, e que depois se continuem nas estradas da tabella n.º 2, e assim por diante E se assim não fosse, o illustre Deputado tiraria do seu argumento uma conclusão menos conveniente. Pois senão se principiarem os trabalhos ao mesmo tempo nas estradas reaes, como se hão de pôr em communicação estas estradas? Senão se pozer em communicação a parte da estrada que

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se fez no Alemtejo, com a parte que se fez na Estremadura, e aparte que se fez na Estremadura com a parte que se fez na Beira, etc. senão se fizer isto ao mesmo tempo, formam-se estradas com menos conveniencia.

Já se vê que em qualquer das duas hypotheses, não póde proceder o argumento, tanto a respeito de uma tabella, como de outra. É preciso principiar os trabalhos ao mesmo tempo n'uma certa especie de estradas; e necessario formar primeiro as arterias principaes, e da natureza das cousas; na organisação da especie humana, o primeiro ponto que se fórma e o coração, o segundo que se fórma e o systema arterioso, formam-se depois as veias mais grossas, e depois é que se formam as mais delgadas; quem vê a desenvolução do embrião da especie humana, vê a desenvolução de um systema de estradas; não são os vasos capilares que se formam ao mesmo tempo que as arterias, e estas ao mesmo tempo que o coração; o que primeiro se fórma é o que se chama o punctum saliens da vida, que ha de ser o coração, depois do coração formam-se as arterias, depois as veias, etc; se quizermos aprender alguma cousa, aprendamos com a natureza, que nos não havemos de enganar.

Disse o illustre Deputado que reprova o projecto tambem pelo terror panico produzido em 1846. Este argumento e contraproducentem. O terror panico produzido em 1846 não direi se as causas delle são verdadeiras ou falsas; se são falsas, não vale o argumento; mas se são verdadeiras, o argumento do terror panico é contra quem o produziu, porque o terror panico que houve em 1846, proveio das seguintes causas, mais ou menos bem fundadas; de que havia uma dissipação dos dinheiros publicos, debaixo do titulo de consignações de estradas, de que os direitos de barreira eram vexatorios para o povo, e de não sei que mais era; realmente os terrores panicos que houve, se eram verdadeiros, andavam inherentes ao systema das emprezas, que era o que se seguia nesse tempo.

Sr. Presidente, eu poderia dizer a respeito deste argumento, que elle é commum ao systema mixto; se nós não pudermos ter uma administração conveniente, havendo abusos na administração, have-los-ha e mais inconvenientemente com o systema mixto, haverá então abusos de administração ligados com os do systema das emprezas; é o que diz propriamente o projecto no seu relatorio; se portanto o illustre Deputado não póde tirar da administração os abusos, que eu entendo que um Governo illustrado póde tirar, então o argumento não tem força, porque é commum tambem ao systema mixto.

O Sr. Ferreira Pontes diz que não approva o projecto por falta de providencias para communicações fluviaes. Sr. Presidente, o projecto alguma cousa traz a este respeito; mas tudo o que eu disse a respeito de um verdadeiro codigo de estradas, cm resposta ao illustre Deputado pelo Douro, poderei applica-lo em resposta a este argumento; a primeira necessidade de que tractamos, é dos caminhos terrestres, depois iremos aos fluviaes; alguma cousa ha no projecto a este respeito, se for necessario fazer mais alguma cousa, não estamos inhabilitados nas legislaturas seguintes para formarmos algumas providencias, mas que sejam convenientes para as communicações dos rios.

Mas ha um argumento do mesmo Sr. Deputado por Traz-os-Montes, que tem dado occasião de metter a ridiculo o projecto, não só vocalmente, mas periodicamente, e eu respondo por este projecto de lei, tanto na essencia como na fórma.

Diz o illustre Deputado que o art. 1.º é inutil, ou uma puerilidade, porque é uma definição escolar. O art. 1.º do projecto diz «são reconhecidas pela lei estradas e caminhos.» É verdade que é uma definição, mas não de palavras, define as coisas para os effeitos da lei. Que quer isto dizer no espirito das palavras 1 É que para o effeito desta lei, é necessario distinguir as vias de communicação em estradas e caminhos, porque as estradas tem uma receita, uma administração, e uma fiscalisação differente da receita, administração, e fiscalisação dos caminhos; porque para as estradas são applicados dois terços do imposto, e para os caminhos um terço; porque, note-se bem a essencia das palavras, o artigo não diz que reconhece as estradas e os caminhos, mas sim que reconhece estradas e caminhos para os effeitos desta lei. E eu que não fiz este projecto de lei, se o tivesse feito, honrava-me com a sua redacção.

É o que se costuma fazer quando se estabelece qualquer theoria ou systema scientifico.

O illustre Deputado por Vizeu diz — que não acredita no projecto — este argumento é puramente de consciencia. E eu acredito em minha consciencia. Não havendo mais razão alguma é argumento de fé; mas se as razões porque o illustre Deputado não acredita, são as seguintes, eu vou responder-lhe.

A primeira razão é, porque é muito complexo: já se vê que este argumento esta em opposição com o argumento do illustre Deputado pelo Douro, que o rejeita, por ser pouco complexo, e bastava isto para eu não precisar insistir na resposta deste argumento; mas sempre direi ao illustre Deputado, que um projecto de lei, que tem por objecto o estabelecimento de estradas em todo o reino, não podia deixar de ser complexo. Ora, não digo que não haja aqui alma parte regulamentar que não podesse ser separada do projecto, mas se o illustre Deputado se refere aos pontos cardeaes, não ha cousa alguma nelle que não seja essencial, e que não deva ser complexa, já pelo que respeita ao systema a seguir, já pelo que diz respeito á receita para as estradas, já pelo que diz respeito ás expropriações, e a outras bases, etc; não ha nada que não seja essencial, e deva ser complexo.

Outro argumento é o seguinte: porque é impossivel haver boa administração estando tantos objectos importantes reunidos num só Ministerio. Ora, Sr. Presidente, se em Portugal não póde haver boa administração publica, não podem haver estradas por nenhum systema, nem mesmo pelo systema mixto; porque mesmo no systema mixto, para que não tenha os vicios dos dois systemas, é necessario que haja boa administração; por consequencia, se o illustre Deputado intende que não podem haver estradas por este methodo, por falta de boa administração, declaro-lhe, que sendo exacta esta asserção, as não póde haver por methodo algum.

«Que é impossivel que o Sr. Ministro do Reino possa bem desempenhar todas as funcções que tem a seu cargo» eu já respondi a isto no principio do meu discurso, quando disse que na minha opinião

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Portugal podia bem governar-se com tres Ministros d'Estado sómente, se se intender bem o que deve ser um Ministro d'Estado, e se considerarmos a simplicidade das relações e funcções dos differentes Ministerios, que permittem a diversão da attenção de um verdadeiro estadista para objectos differentes, que pela sua simplicidade não exigem grandes meditações, nem tem grandes difficuldades a resolver.

O outro argumento é, que a sciencia não estava de accordo com o projecto: eu já demonstrei que o estava tanto na parto economica, como na parte politica e na parte moral. Pois os principios da sciencia estão conformes economicamente em que o que se póde fazer por cinco, se faça por dez, ou por vinte? De (eito a sciencia não approva tal, economicamente fallando. A sciencia approva que se favoreçam lucros excessivos, inconvenientes o illegaes, pelo systema de empresa, ou pelo systema mixto? Não se me dirá que sim moralmente fallando. A sciencia approva que os interesses sociaes estejam debaixo da influencia e protecção especial de individuos ou companhias, ou que estejam debaixo da protecção da auctoridade publica? De certo que approva a segunda parte, politicamente fallando.

Disse-se que a commissão esta em contradicção comsigo mesma, porque não admitte capitaes para emprêsas, e admitte-os para emprestimos; não é assim, a commissão admitte os capitaes para as duas coisas; mas a commissão não admitte os capitaes applicados administrativamente pelas emprêsas, admitti-os por emprestimo; e a differença dus palavras. A commissão intende que será tão facil haver capitaes para emprestimos, como para emprêsas; mas o que a commissão não admitte, é u administração dos capitaes por emprêsas, e quer que sejam por emprestimo.

Que a commissão quer tudo ao mesmo tempo. De certo que não quer, e por isso é que já disse que as estradas não hão de ser feitas como a luz — fiat lux. E necessario primeiramente levantar fundos periodicamente, e pelo modo que o Governo entender mais conveniente para fazer as mesmas estradas pouco a pouco, formando primeiro as arterias, e depois as outras ramificações. Ora, á vista disto ninguem poderá dizer que o projecto quer tudo ao mesmo tempo.

Que o projecto vem desacompanhado de technismo. Sr. Presidente, o technismo é sempre uma condição e consequencia do systema; o technismo tom despezas, e ou o systema seja por empreza, ou seja por administração, depois de discutido e votado o projecto, depois de convertido em lei, é que se hade tractar da parte technica, que fica inherente ao systema que se adoptar, e ninguem ainda disse que a parte technica devo preceder a adopção do systema, por consequencia este technismo não podia, nem devia ser formado senão depois de approvado o projecto, porque esse technismo póde estar a cargo do Governo, ou das emprezas, se fôr approvado o sistema mixto; se fôr approvado que as estradas sejam feitas pelo systema exclusivo das emprezas, o technismo deve ficar a cargo das emprezas; se fôr approvado o projecto como esta, isto é, se a factura das estradas ficar por conta do Governo, esta a cargo da administração toda essa despeza.

Em toda a parte os trabalhos technicos são feitos depois da lei.

O outro argumento foi, que houve precipitação na apresentação do parecer da commissão Este argumento reduz-se ao seguinte. Ao exame da commissão foi commettido este projecto de lei, e parece que houve precipitação, porque a commissão apresentou o seu parecer em 24 horas; mas não houve tal precipitação, Sr. Presidente. Eu declaro que o approvei, e assignei, porque tinha toda a confiança em todas as pessoas que formaram a commissão Externa, e porque fazendo idéa dos principaes pontos do projecto em attenção á confiança que tinha nas pessoas que o fizeram, eram sufficientes 24 horas para formar o meu juizo sobre as bases principaes do mesmo projecto.

Outro argumento foi, que não temos pessoal que satisfaça ás bases principaes do projecto. Já disse que esta falta de pessoal é commum a todos os systemas: se o houverem de mandar vir de fóra, tanto o póde mandar vir o Governo como as emprezas; se nos remediarmos com o que ha no paiz, direi que a administração tem o meio de o poder applicar melhor e mais convenientemente que as emprezas, e já disso, que na minha opinião, parece-me pouco decoroso para um official de engenheiros ir collocar-se debaixo da direcção de uma companhia, subsidiado por ella, acho isso pouco proprio do brio militar

Outro argumento é, que o projecto é deficiente, porque não tracta dos caminhos visinhaes, e das expropriações com o desenvolvimento, com que so tracta destes objectos em França. Ora o illustre Deputado que apresentou este argumento, tinha dicto primeiro que não podia approvar o projecto por ser muito complexo, e agora rejeita-o, porque não tracta dos caminhos visinhaes e expropriações com o mesmo desenvolvimento, com que na França se tractam estes objectos!... Este argumento não carece de resposta. Até aonde iria a complexidade do projecto, se tractasse destes objectos como o illustre Deputado deseja?

Não nos podemos fiar na verba do orçamento: é outro argumento. Nós devemos ter uma base para a discussão; se nos tiram a base mais principal, então nenhum Sr. Deputado póde argumentar; é preciso suppor que o orçamento é a lei da qual devemos tirar os dados necessarios para argumentar. Se se tiram estas bases principaes do systema, morreu toda a argumentação para todos os systemas Por tanto já vê o illustre Deputado que, ou o orçamento seja mais, ou monos uma realidade, é preciso toma-lo como base de toda a argumentação, aliás tomaremos bases arbitrarias, que nos conduzem a falsas consequencias, ou tomaremos factos verdadeiros, que são a favor da minha douctrina.

Pois tire a verba do orçamento, mas dar-lhe-hei outra base. A propriedade em Portugal, segundo o, differentes conhecimentos que eu tenho, onde 48 mil contos de réis; a decima de 48 mil contos, são 4:800 contos; o imposto de 20 por cento addicional sobre 4:800 contos, vem a ser perto de 1:000 contos: que me dirá o illustre Deputado a esta consequencia tirada de um facto verdadeiro?

Que o paiz não póde com a despeza do imposto é outro argumento — «pois, Sr. Presidente, se o estado social portuguez é tal, que o paiz não póde com o imposto do quinto addicional para as estradas, então nunca teremos estradas: porque menos póde com os impostos que estão annexos ao systema mixto ou ao systema de emprezas, mas 03 illustres Deputados

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dizem que este imposto e insufficiente e querem outro methodo de imposto; isto é, dizem que não podemos com o imposto do quinto, e querem que possamos Com o imposto de barreiras, com o imposto do privilegio exclusivo do movimento accelerado, com o imposto das subvenções, com o imposto das concessões de terrenos baldios, o que vem a importar em cincoenta vezes mais que o imposto do quinto; se entendem que a nação não póde com este imposto, devem entender que não póde com um importo cincoenta vezes maior.

a Outro argumento contra, é a difficuldade deformar os corpos populares.» — Sr. Presidente; não vejo essa difficuldade. Os corpos populares são formados em grandes povoações onde se deve suppôr que existem as capacidades necessarias para esses corpos; tanto isto é verdade, que o facto já provou que se podiam formar. Segundo a lei das estradas que tivemos antes da revolução do Minho, já estavam Constituidos, em quasi todos os pontos do reino, esses corpos populares encarregados da execução da lei: já se vê pois, que não estamos chegados a um estado de tanta barbaridade, que não possamos formar esses corpos populares nas glandes povoações; nem precisamos ter tutorei em vida pelo systema de emprezas: pois são só as emprezas que representam esses corpos populares, e que tem toda a sciencia e toda a riqueza?

O illustre Deputado por Tras-os Montes disse — que os principios da sciencia repellem o systema de administração — (O Sr. A. Albano proferiu algumas palavras que não se perceberam) pois então não responderei a esse argumento, mas eu tinha-o escripto. O illustre Deputado creio que disse — que os monopolios são odiosos, e que comtudo era permittido haver alguns por serem convenientes; — pois o illustre Deputado ha de conceder que lhe diga, que os monopolios são contra todos os principios economicos e politicos. (O Sr. A. Albano: — E o que dizem os economistas) Esta visto que eu não venho produzir idéas novas; todos estes argumentos tem sido escriptos por todos os publicistas e economistas; não Venho crear principios nem idéas novas, «Os abusos da empreza podem remediar-se como se tem remediado em Inglaterra, disse mais o mesmo illustre Deputado» — E comparar o nosso estado social com o de Inglaterra. Se o illustre Depurado diz, que não é possivel haver estradas porque não Só podem evitar os abusos da administração; se um outro illustre Deputado disse que era impossivel formar os corpos populares, como se podem evitar os abusos da empreza no estado da nossa administração publica? Pois se não é possivel haver estradas pelo systema de administração, em consequencia dos abusos desse systema, como póde o illustre Deputado conceber que se possam remediar os abusos de emprezas como se remedeiam em Inglaterra. Se por desgraça cairmos outra vez no systema de emprezas, desespero da organisação da fazenda publica. A Inglaterra esta n'um estado social mais adiantado para remediar esses abusos, de que nós estamos, e prova está.. (respondendo a um áparte do Sr. A. Albano que não se ouviu) Eu não mandei papel algum ao tachygrafo; o tachygrafo esta presente; elle que diga se lhe mandei algum extracto do que disse na sessão passada. E esta uma arguição, que parece que tem outras vistas n'uma discussão tão solemne!.... Quer o Sr. Deputado arguir-me demandar papeis para o tachygrafo?!... (O Sr. A Albano: — Não disse similhante cousa) O tachygrafo fez uma boa coordenação de palavras, empregou uma boa redacção, mas não apontou um só dos argumentos, que eu produzi na ultima sessão quando fallei sobre estradas; e já digo, appello para o seu testimunho; elle que diga se lhe mandei o extracto do meu discurso; nem mesmo tempo tive para isso, porque fui d'aqui cançado para casa; e se eu não tracto de cousas mais essenciaes da minha vida, como havia de tractar disso? E então n'uma questão ministeiial?!... V. Ex.ª (dirigindo-se ao Sr. A. Albano) não me conhece. (O Sr. A. Albano: — Eu não disse similhante cousa. — O Sr. Presidente: — Tracta-se da discussão na generalidade) Deixarei os argumentos do illustre Deputado.

Mas, Sr. Presidente, póde dizer-se abstratamente — porque se desprezam as emprezas? E preciso aproveitar todos os elementos de força, e um delles são as emprezas.» — Sr. Presidente, é preciso aproveitar todos os elementos de sociabilidade, é preciso aproveitar todos oã elementos de força; mas porque isto é preciso, é que não convém as emprezas: as emprezas não são um elemento de sociabilidade, são um elemento de exclusão de sociabilidade, são monopolio e como taes anti-sociaes. (O Sr. Lopes de Lima: — > Que barbaridade!) Ora pelo amor de Deos, não posso com estas interrupções: tenho sido interrompido em todas as partes do meu discurso, por notabilidades de tanto pêso, como aquelles que se sentam no terço deste banco; é realmente uma lucta para mi m desigual: com tudo seja-me permittido dizer, que por isso que é conveniente aproveitar todos os elementos sociaes, não é conveniente entregar as estradas a uma empreza monopolista: o mesmo illustre Deputado confessou, que as emprezas eram um monopolio; e por isso que é necessario aproveitar todos os elementos sociaes, é preciso não excluir toda a sociedade, para só admittir os monopolios; isto é logico, e não se diga — que barbaridade!... Cada um dos Srs. Deputados teem direito logo de fallar, e por consequencia eram desnecessarias as interrupções, (apoiados) Pois é preciso aproveitar o monopolio do contracto do tabaco, para aproveitarmos todas as forças sociaes? Oh! Senhores; e dizem que isto é uma barbaridade?!.. Ora pelo amor de Deos!... Porque não aproveitaram o monopolio do contracto das sete casas, para aproveitarem todos os elementos sociaes?

«A expectativa de maiores lucros fará apparecer as emprezas; muita gente honesta quer concorrer para o bem do seu paiz por emprezas, e não por emprestimos» — > de maneira que é a gente honesta que quer lúcios enormes e excessivos, e consiste a honestidade em querer lucros enormes e excessivos!..... E nós devemos de acceder á expectativa desta gente honesta!

A expectativa de maiores lucros fará apparecer as emprezas» — conformo-me com isso; é a expectativa de lucros enormes como aquelles que tiveram as emprezas que existiram antes do revolução do Minho, e tão enormes, que já demonstrei aqui, que não empregaram quasi fundos alguns, e que recebiam juros de capitaes ficticios: é isto que quer a gente honesta?

A commissão excluindo as emprezas exclue o

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espirito de associação)? — e alguem quer emprezas sem barreiras. Se os illustres Deputados que impugnam o projecto, e defendem as emprezas, as querem no sentido em que as considerou o illustre Deputado, eu tambem acceito essas emprezas. Se os illustres Deputados querem emprezas sem subvenções, sem direitos de barreira, sem privilegio exclusivo do movimento accelarado, sem concessão de terrenos adjacentes, voto pelas emprezas, de outro modo voto pelo projecto.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, durante o pouco tempo da minha carreira parlamentai, declaro a V. Ex.ª, e á Camara, que ainda não entrei n'uma discussão com mais acanhamento, nem com mais receio do que nesta; não é acanhamento, nem receio sómente pela grande importancia da materia, mas e porque tendo eu muita consideração por todos os illustres cavalheiros, que fizeram parte da commissão externa, e tendo amisade com muitos delles, custa-me sobremaneira vir impugnar nesta Camara um projecto apresentado por essa illustre commissão, de cuja inefficacia, e inutilidade estou comtudo absolutamente convencido.

Sr. Presidente, eu tenho, muito sentimento, que uma questão desta ordem, que uma questão talvez, na minha opinião, a mais importante que se póde trazer a esta Camara, a não ser a da lei eleitoral, tenha sido tractada na ausencia de todo o Ministerio, o que quasi sempre se tenha fallado ás paredes; ás vezes vejo presente o Sr. Ministro da Fazenda, mas e para lamentar que o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, o qual, na qualidade de Ministro do Reino, é o primeiro a exercer uma acção directa, e immediata sobre estes trabalhos, que é o chefe superior da administração das estradas, não venha dizer nesta casa qual e a sua opinião a respeito d'uma questão, que se diz ministerial; sinto que S. Ex.ª não tenha podido apparecer nesta Camara, a fim de declarar a sua opinião sobre os diversos pontos do projecto, que teem sido impugnados, e sobre aquelles que ainda o hão de ser.

Eu, Sr. Presidente, declaro a V. Ex.ª, e á Camara, que não tenho a menor intenção, ou desejo de, nem levemente, offender a susceptibilidade dos nobres cavalheiros, que tomaram parte na confecção deste projecto, e dos que teem tomado a sua defeza; todavia cumpre-me entrar em muitos detalhes nesta questão, e preciso faze-lo assim para poder levai a convicção á Camara, de que não e possivel fazerem-se as estradas indicadas com taes disposições, e que nem os nossos filhos, nem os nossos netos hão de ver feitas, em virtude do tal projecto, as vias de communicação comprehendidas nas tabellas n.ºs 1 e 2. Hei de prova-lo completamento; hei de, para isso, descer a muitas especialidades, e espero que a Camara ha de ter a benevolencia de me ouvir, a minha posição excepcional obriga-me a tomar parte nesta discussão.

Sr. Presidente, eu não tive parte na confecção deste projecto; fui nomeado relator da commissão contra minha vontade, a Camara felizmente desonerou me desse encargo, ao qual eu absolutamente não podia satisfazer, porque não estou de accôrdo nos pontos capitaes deste projecto; digo mais, não estou de accôrdo em quasi nenhuma das suas pescripções importantes, e espero confiadamente no decurso da discussão mostrai a Camara, que uma grande parte dos preceitos deste projecto são antinomicos, muito delles absurdos, o a maior parte impossiveis de executar.

Sr. Presidente, eu vou a questão. O nobre Deputado pelo Algarve entrou nesta materia com a proficiencia com que sempre costuma entrar em todas a questões; estabeleceu a fisiologia das estradas — contou-lhe as arterias, as veias, e os vasos capillares; nem eu ponho em duvída a analogia que existe entre o systema de communicações d'um paiz com os canaes em que o sangue no corpo humano leva a animação, e a vida desde o coração até ás extremidades; mas só quero fazer sentir á Camara, que o nobre Deputado, que declarou nesta casa, que tinha assignado o parecer de cru, o estudou depois tão completa, e desenvolvidamente como o demonstrou, de sorte que veiu a acertar por acaso.

Sr. Presidente, eu vou entrar na avaliação da materia; vou estabelecer todas as hypotheses possiveis com este projecto, e espero provar á Camara, que, em nenhuma dessas hypotheses, póde ser approvado. Nesta proposta distingo eu, Sr. Presidente, diversos pontos capitaes, que são — o imposto, a exclusão completa do systema de emprezas, a exclusão completa do systema de barreiras, e a simultaneidade de trabalhos em todos os districtos administrativos do remo; ha tambem outra parte, que não deixa de ser importante, e é a que diz respeito ás expropriações. Começarei pelo imposto.

Este projecto, Sr. Presidente, importa a construcção de obras, que trazem a enorme despeza de mais de trinta milhões de crusados 1 E estabelece um imposto addicional de 20 por cento sobre as decimas, e impostos annexos; é uma lei de despeza para o presente, e de receita para o futuro; e digo que é de receita para o futuro, porque com o resultado desta lei, se effectivamente tivessemos estradas, o resultado havia de ser, que facilitando-se as vias de communicação, haviam de augmentar-se os productos do paiz, e assim a fortuna, e riqueza publica. E pena porém, que com este projecto reja impossivel chegar a um fim tão util, e tão satisfactorio.

Sr. Presidente, o imposto que se propõe é de 20 por cento addicionaes sobre a decima e impostos annexos; tenho ouvido dizer aos nobre Deputados que defendem o projecto, que o producto que elle ha de subministrar, não deve calculai-se pela receita effectiva dos ultimos annos, mas sim pela verba correspondente do orçamento; e o illustre Orador que me antecedeu não contente com a receita imaginaria que vem no orçamento, quiz ainda avantajar os seus calculos referindo-se ao que devia produzir, na hypothese que estabeleceu de ser a renda liquida da propriedade em Portugal de 48 mil contos. Ignoro quaes sejam os dados estatisticos que teve o illustre Deputado para chegar a este resultado; mas o que eu posso asseverar-lhe, é que mesmo nos paizes onde a sciencia da estatistica esta muito adiantada, estes calculos não merecem inteiro credito; e que entre nós não merecem nenhum.

Ora, Sr. Presidente, todos nós sabemos perfeitamente que a receita publica effectiva de decima e impostos annexas ascende apenas a 1.000 contos, pouco mais ou menos, e se nós sabemos isto pela experiencia de tantos annos, porque a havemos de calcular em 1 500 contos?... Por ventura ignoramos nós o que aqui se passou a respeito dos 8:000 contos de

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decimas e mais imposto que estão atrasados desde 1834?... O que prova isso senão que senão recebem effectivamente esses impostos na importancia em que vem calculados annualmente? Vamos nó, agora entrar na idade d'ouro?... Oxalá que assim fosse, e ninguem póde suppor que os meus votos não sejam sinceros.

Eu vou, Sr. Presidente, buscar para base do meu calculo a verdade, e parece-me que d'um argumento que tenha por fundamento a verdade, hei de concluir necessariamente bem. Em primeiro logar parto do principio que o imposto directo rende 1:000 contos; depois estabelecerei como hypothese que rende 1:500 contos; supporei primeiro que as obras se fazem por conta do Governo, em ambos os casos de render o imposto 200 e 300 contos de réis, e supporei depois que o Governo levanta sobre o rendimento liquido desta contribuição as sommas necessarias para fazer as obras; mostrarei qual é a importancia em réis aproximadamente dessas obras, e supporei os dois unicos casos possiveis — ou de querer o Governo levantar d'uma só vez os fundos necessarios para ellas, ou de os obter por meio de emprestimos pequenos, mas successivos; e conto podér provar á Camara que, em todas essas hypotheses o que são aquellas que unicamente se podem fazer, não póde ser approvado o projecto que discutimos.

Primeiramente, Sr. Presidente, supponhamos que não passa de 1:000 contos de réis o producto liquido dos impostos directos; 20 por cento de 1.000 contos, são 200 contos que é o que o Governo terá para as estradas nesta hypothese. Destes 200 contos ti rase um terço conforme determina o projecto destinado para caminhos visinhaes e ruraes, e apenas ficam 133 contos para as estradas directas e transversaes das tabellas n.º 1 e 2; porém eu vou mostrar á Camara que não são ainda 133 contos que se podem dispender effectivamente para fazer as estradas, mas uma somma muito mais pequena.

Sr. Presidente, quando se tracta d'um systema de estradas tão amplo, é preciso, antes de tudo, fazer grandes reconhecimentos e estudos sobre o terreno, para se poder saber depois o que se ha de executar; e note o nobre Deputado, e note a Camara, que estes estudos não são objecto de pouca monta, são mais dispendiosos do que talvez se pense.

Não tenho remedio, Sr. Presidente, senão entrar um pouco no desenvolvimento do calculo de despeza precisa para taes reconhecimentos e estudos, e cumpre-me dizer primeiro que tudo, que apesar de que em Portugal já se tenha trabalhado alguma cousa em taes reconhecimentos, o que ha feito não chega, sem duvida alguma, á vigessima parte do que é necessario fazer sobre este indispensavel preparatorio. Para saber qual é a somma que em Portugal se ha de dispender com este objecto, não achei um meio facil e seguro, porque nos faltam dados para tudo; porém folheando diversos livros da especialidade encontrei n'um delles alguma cousa com relação a este ponto, que póde esclarecer a questão: fallo da obra do Deputado, e engenheiro francez Cordier, que não póde tornar-se suspeito pela sua opinião a este respeito. Este auctor pedia que, para se fazerem as estradas em França, se empregassem 500 engenheiros. Já se vê que em França havia de ser necessario um numero muito superior de engenheiros do que em Portugal; e não teremos outro meio de podermos avaliar

qual é a somma de engenheiros necessarios para este effeito, senão calculando a superficie destes dois paizes, e comparando-os entre si. Nós sabemos, segundo Balbi, que a superficie de França é de 154 mil milhas quadradas, e a superficie de Portugal de 29.150 milhas, isto é, uma relação de 1 para 5 proximamente. Ora sendo esta a relação que existe entre os dois paizes, é evidente que, segundo este calculo, entre nós são precisos 100 engenheiros em 5 annos. Isto não é improviso; é o resultado da analyse de homens competentes na materia. Calculando pois em 400$000 réis, termo medio, o vencimento dos empregados nos reconhecimentos, e estudos, vê-se que estes 100 engenheiros que são necessarios, importam em 200 contos; isto é, importam em 200 contos só os estudos indispensaveis para fazer as estradas.

Ora o nobre Deputado que me precedeu, calculou que as estradas se fizessem em 12 annos: mas eu dou-lhe de barato que façam só em 20 annos; porque rio caso actual quanto menor for o espaço de tempo, em que se fizerem as estradas, tanto maior é a somma, que, a respeito dos estudos, sobrecarrega em cada anno; e assim dividindo estes 200 contos por todos os 20 annos, são precisos 10 contos de réis cada anno, que reduzem já os 133 contos que tinhamos liquidos a 123. Mas ainda não fica aqui; o projecto no art. 14 determina que se crie em todos os districtos uma junta; e que esta junta lenha uma repartição organisada com o numero de empregados indispensaveis, aos quaes o Governo marcará os vencimentos: e ainda que diz o projecto, que o Governo procurará os empregados das repartições extinctas para este serviço, com tudo fica auctorisado para arbitrar os respectivos vencimentos. Por consequencia, Sr. Presidente, eu hei de contar com uma despeza para estas juntas; e calculando 1 conto de réis para cada uma, e hão de ser ordenados ou gratificações insignificantes, porque tres ou quatro empregados que tenha cada junta, já dão em resultado esta quantia, e outra maior, por isso suppondo ainda 1 conto de réis para cada uma desta novas repartições que se organisam, e sendo dezesete os districtos administrativos, aqui temos 17 contos, que havemos de diminuir nos 123 que já tinhamos, os quaes ficam reduzidos por esta conta a 1 06 contos! Já se vê que estes calculos vão de encontro áquelles que apresentou o nobre Deputado que me precedeu; e é notavel como estes argumentos baseados em cifras se contradizem; parece-me que as cifras não fallam verdade; mas as cifras prestam-se muito á vontade de quem as maneja.

Porém ainda ha outra despeza com a qual os nobres Deputados não contaram; e é a que se faz com os engenheiros, que devem em todos os dezesete districtos dirigir as obras. Que diz o projecto no art. 64? Diz o seguinte (leu). Ora sendo dezesete os districtos, e sendo necessario começar as obras em todos elles simultaneamente, o menor numero que se podia estabelecer é o d'um engenheiro para cada districto; este numero não é de mais, antes é de menos; porque não é possivel que n'um districto aonde ha a fazer estradas dilectas, caminhos transversaes, e caminhos visinhaes, um homem só esteja encarregado de dirigir e confeccionar estes trabalhos, e ao memo tempo estabelecer a sua contabilidade, escripturação, e correspondencia; o menos que são precisos, Sr. Presidente, são dous engenheiros. (apoiados)

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Ora em dezesete districtos nesta hypothese são necessarios 34 engenheiros; e devendo elles ser pagos, como diz o art. 64, pelo fundo do imposto; e calculando 500$000 réis para um, importa esta verba em 17 contos de réis. E deve notar-se, Sr. Presidente, que esta quantia é muito inferior á que a companhia das obras publicas dava aos engenheiros que tinha encarregado das suas obras, porque só aos sub-engenheiros ella dava 700$000 réis: e de passagem direi, que não é possivel encontrar no corpo de engenheiros os officiaes necessarios para estes trabalhos, porque os não ha em disponibilidade, ou hão de parar os trabalhos a que é necessario occorrer. Porém, como acabamos de ver, calculando em 17 contos a despeza já fazer com os engenheiros, e diminuindo esta somma dos 106 contos que ainda tinhamos, restam finalmente 89 contos de réis para fazer estradas em todo o reino, em todos os districtos ao mesmo tempo!

Vamos agora a saber quanto importa uma uma legoa de estrada; para termos conhecimento do que se póde conseguir com esta somma. Eu calculo que cada legoa de estrada ha de importar, termo medio, em 12 contos de réis; e olhe V. Ex.ª e a Camara, que este calculo é naturalmente inferior áquillo que ha de acontecer. Eu ouvi ao nobre Deputado que me precedeu, computar a despeza da construcção d'uma legoa de estrada em relação sómente ao preço da braça corrente que disse ser termo medio, 4000 réis, o illustre Deputada disse mais que a legoa tinha 2:500 e tantas braças. Eu posso dizer exactamente o numero de braças que tem uma legoa portugueza, em consequencia do resultado d'um pequeno calculo feito sobre uma formula geodesica, posso dizer á Camara que uma legoa tem 2:525 braças, e uma fracção; e que este numero de braças até já esta auctorisado legitimamente por uma portaria do Governo; porque quando se creou a companhia das obras publicas, o Ministerio do Reino exigiu que a commissão geodesica precisasse qual é o numero de braças de que é composta cada legoa; e a commissão tendo feito o simples calculo a que me referi, enviou o seu resultado ao Governo que o auctorisou legalmente.

Mas o Sr. Deputado calculando cada legoa em 2:500 braças, multiplicou estas por 4$000 réis, e achou 10 contos: porém eu pergunto ao nobre Deputado, se este calculo comprehende as obras de arte, e as expropriações? De certo que não: por isso digo, que S. Ex.ª esta enganado na conta que fez; porque não comprehendeu nella a enorme despeza a fazer com as pontes, os aterros e desaterros, e as expropriações; e sómente comprehendeu o trabalho dos homens empregados na construcção das estradas, a pedra britada, e seu carreto; e não se lembrou que este paiz é excessivamente montanhoso, e que em todas as provincias, á excepção do Alemtéjo, se precisa de immensas obras de arte para se podérem fazer as estradas. As duas Barras, Trás-os-Montes, o Algarve, e singularmente o Minho com um grande numero de rios, ribeiras, e regatos que se derramam em todas as direcções, exigem tantas pontes afazer, tantos aterros e desatterros a executar, que influem sobre maneira na despeza. E note-se, além disto, que as estradas constiuidas em terrenos arenosos são de carissimo execução; quando se houver de fazer a estrada de Aldêa Galega aos Pegões, não digo em quanto se póde calcular, mas ha de exigir, de certo, uma despeza muito superior ao teimo medio que indicou o nobre Deputado; porque em toda a parte as estradas construidas em terrenos arenosos são feitas por um preço exorbitante.

Nesta especie de terrenos é indispensavel fazer estacarias, e convem plantar arvoredos á beira das estradas que se construem, como fez Napoleão em França, e tudo isto importa em uma despeza muito superior; portanto já se vê que esse calculo dos 12 contos é muito inferior ao que ha de acontecer. Além disto finalmente ha casos excepcionaes, que exigem uma despeza enorme, como acontece, por exemplo com uma legoa que esta avaliada em 27 contos, que é a primeira que vem do Porto para Lisboa. Supponhamos, porém, que cada uma legoa d'estrada importava, termo medio, em 12 contos; com os 89 contos do imposto tinhamos pouco mais de sete legoas em cada anno; mas os districtos administrativos do reino são 17; logo suppondo que se dividiam as 7 legoas de estrada igualmente por todo o paiz, teriamos segundo o meu calculo, menos de meia legoa em cada anno por districto, o que me parece bastante desanimador; debaixo deste ponto de vista, Sr. Presidente, é necessario que eu diga a V. Ex.ª, que estou convencido que não vale a pena de onerar a propriedade com 20 por cento sobre as contribuições directas. E peço aos illustres Deputados que quizerem defender o projecto, que venham a este campo, e me demonstrem, que eu errei neste insignificante calculo, ou na apreciação dos dados, que me servem de fundamento. E falla-se no projecto em transportes accelerados! Um projecto que não chega a dar, por esta hypothese, meia legoa de caminho annualmente por districto! Ainda no fim de dez annos não teriamos mais de 5 legoas por districto; e, na verdade, havia de ser curioso um transporte accelerado d'Aldêa-Gallega para os Pegões, ou daqui a Villa-Franca! Havia de dar um interesse immenso a essa empreza! Parece impossivel, que se lembrem os illustres Deputados de defender este projecto de estradas, com o systema de transportes accelerados! Mas disse o illustre Deputado, que acabou de fallar, que as estradas quando se acabam, não precisam de fazer despezas na sua conservação; quando é pelo contrario, porque é então que ellas precisam todo o cuidado para senão damnificarem; é nessa época quando o entretenimento é mais dispendioso, e mais necessario.

Sr. Presidente, em Portugal não ha dados sufficientes para saber qual é a somma necessaria para o entretenimento das estradas, assim como tambem em França os não havia antigamente. Eu não quero ajuizar desta -despeza pelo que se gasta em Inglaterra; alli é enorme a somma que se dispende neste objecto, porque até se regam as estradas; mas vejamos o que acontece em França, que aonde este projecto parece accommodar-se mais. Eu fui examinar os annaes de pontes, e calçadas, que é onde se encontra o que ha de mais moderno no assumpto que nos occupa, e para não fatigar a Camara lendo-lhe os nomes de diversos engenheiros distinctos, que apresentam o calculo do que tem custado debaixo de sua direcção o entretenimento das estradas, tanto as principaes, como as de departamento, direi sómente que na presença destes dados, que tenho na máo, e que posso mostrar a quem o quizer, tendo em consideração o

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mesmo salario que se paga entre nós aos cantoneiros, e o menor preço porque fica cada meti o cubico de pedra britada, suppondo o cambio de 180 1 eis por franco, sae o entretenimento de cada legoa d'estrada annualmente por 404$000 réis, para ser feito como em França. Em Portugal existem apenas setenta e tantas mil braças de estrada mac-admisada, que correspondem a 28 legoas proximamente, e gasta-se com o seu entretenimento 133$000 réis por semana, ou 6:916$000 réis por anno, o que corresponde a 247$000 íeis por legoa. É de suppôr, á vista destes dados, que o entretenimento senão faz em Portugal com a perfeição com que se faz em França; porem eu, para me segurar, e para tomar a demonstração mais evidente, supponho que se gastem só 240$000 réis por legoa; ainda assim todo o imposto liquido, nesta hypothese dos 89 contos, apenas chegaria para entreter 370 legoas, que é menos de metade da extensão a que se referem as tabellas n.ºs 1 e 2, e não havia um leal para construcção!

Eu bem sei, Sr. Presidente, que se póde dizer que as estradas em França são mais largas do que serão entre nós, e que por isso sairá mais caro o entretenimento; mas posso responder a essa objecção que tambem em França as estradas são mais bem feitas, e tem declives menos rapidos; que alli são determinadas as larguras das chapas dos trilhos dos carros de sorte que não fazem regos nas estradas, alem de não poder em cai regar mais do que um certo pêso; que os cantoneiros tem já uma grande practica, e que ha finalmente outras muitas circumstancias que concorrem alli para que se façam estas cousas mais dextramente; mas assim mesmo calculando sobre esta base de 240 $000 réis por legoa de entretenimento, e 12 contos de custo primitivo, na hypothese em que temos discorrido, no fim de 50 annos já senão podiam fazer senão 4 legoas em todo o reino; no fim de 100 annos já senão faziam senão 2 legoas, e no fim de 200 annos já senão podia fazer mais do que meia legoa! E claro, portanto, que o imposto de 20 por cento sobre as contribuições directas, só por si, destinado a fazei todas as entradas do reino é um absurdo. Eu respondo por este pequeno calculo; e digo ainda que elle esta muito favorecido, porque não fiz conta com os estudos. Vê-se portanto que não é possivel nesta hypothese ter estradas com a applicação unica dos fundos do imposto que se pretende votar; mas suppondo mesmo que as contribuições dilectas ascendiam aos 1.500:000$000 íeis do orçamento, e os 20 por cento a 300:000$000 annuaes, tirando-ihes um terço para os caminhos visinhaes ficavam 200 contos de réis, donde deduzindo os 41 que já deduzimos na primeira hypothese para o? engenheiros, para as repartições das juntas, e para os estudos, apenas deixam liquido 156 contos, com que se podem fazer tres quartos de legoa em cada districto do reino por anno! Sem entrar em mais detalhes já se vê que ainda neste presupposto o systema é absurdo.

Sr. Presidente, resta-me agora sómente analisai o systema de levantar fundos sobre o producto do imposto, e proponho-me a tractar esta questão com todo o desenvolvimento. Eu creio que não ha senão dois meios de chegar a este resultado — ou levantando de uma vez todo o fundo necessario para fazer todas as estradas, ou realisando successivamente grandes parcellas com a hypotheca do mesma imposto. É verdade que eu tambem ouvi fallar na repartição de contribuição ad hoc, porem eu creio, que não ha tal systema de obter fundos necessarios para as entradas, neste projecto E de passagem seja dito que neste relatorio não ha senão a belleza de palavras; falta-lhe todo o desenvolvimento technico para desejar n'um documento desta natureza.

Todavia, quando digo isto, não se entenda que eu exigia, que o relatorio explicasse como se haviam de fazer as estradas; não era isso que eu queria vêr; eu queria que dissesse qual é a extensão das communicações que se pertendem fazer, tanto em estradas directas e transversaes, como em caminhos visinhaes; qual é a natureza dos terrenos em que as estradas tem de abrir-se; uma idéa das obras d'arte que ha a construir etc, para a Camara saber, ou podér fazer o seu juizo sobre o que vai votar; porém não trazer nada disto é que para mim é muito digno de reparo; porque nós não queremos estradas só em papel; queremo-las abertas no terreno; e note-se, que o illustre Deputado, que me precedeu, já por effeito da sua elevada razão reconheceu, que o projecto era uma lei de estradas, e nada mais, segundo nos disse aqui na sessão passada; que se acaso os Srs. Deputados que combatiam o projecto, diziam, que por elle não haveria resultado, elle o que queria era uma lei de estradas: mas eu, Sr. Presidente, reputo um grande mal estarmos a fazer leis, quando temos pelo menos uma grave duvida de que ellas produzam effeito; desvirtuamos toda a organisação futura, quando estabelecemos principios sem nos dar muito cuidado a applicação.

Eu vou successivamente a estas conclusões a que me leva o illustre Deputado, mais fortemente do que eu o levaria, e espero que se convencerá, porque sei que S. Ex.ª não é apegado ás suas opiniões por systema; o illustre Deputado cede diante da razão e dos factos; e se eu tiver a fortuna de lhe poder provai, que ainda nas duas hypotheses que se apresentam, é impossivel fazer as estradas, S. Ex.ª hade ír concedendo a pouco e pouco tudo o que eu desejo.

A respeito demais impostos, peço perdão ao illustre Deputado para lhe dizer uma cousa. Pois este recurso dos impostos é uma fonte inexgotavel? Aonde havemos de ir lançar contribuições indefinidamente? Pois não ha mais nada do que dizer que lancemos mais impostos? Eu peço licença para dizer como Montesquieu «que o imposto não se calcula sobre o que o povo póde pagar, mas sim sobre o que deve pagar.» O Sr. Presidente! Lançar mais impostos para estradas quando temos um deficit no orçamento, que nos corroe até ás entranhas! Não selei eu que contribua com o meu voto para lançar uma contribuição nova, além desta que propõe o projecto para fazer as estradas; por muito uteis que sejam, não chegam a sei tão indispensaveis como acabar com este deficit, que nos mata: esta é a verdadeira organisação da fazenda; em quanto tivermos um deficit horroroso de alguns milhares de contos, é perfeitamente uma decepção o que se pertende; eu não sei como qualifique isto de lançai impostos sobre o publico para outro effeito, que não seja cobrir esse deficit: póde-se muito bem com um melhor systema de lançamento e arrecadação, e com outros meios que estão ao alcance do Governo, póde-se, digo, chegar a um resultado mais favoravel, mas chegue-se primeiro a esse resultado, e não vamos tornar mais vexatoria ainda uma contribuição tão desigual-

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mente lançada, o a respeito da qual nos diz o Governo, que fica grande parte nas mãos dos exactores; sobre uma contribuição cujos recebedores nos diz o Governo no Parlamento, que não tem fianças. Pergunto — quem ha de emprestar o seu dinheiro com franqueza sobre e»te fundo, quando o Governo diz isto no Parlamento, e o publica pela sua imprensa periodica? É impossivel.

Sr. Presidente, desenganemo-nos; acabemos em primeiro logar com o deficit; ha de trazer isso tanta fortuna ao paiz como a lei das estradas, senão maior, porque acabar com esse deficit, não e só acabar com um cancro que nos corroe incessantemente, e que nos obriga a operações ruinosas, é acabar tambem com o cancro da agiotagem; em quanto houver agiotagem neste paiz, em quanto houver aonde se ganhar 30, 40, 50 por cento, não ha dinheiro para emprezas, para estradas, não ha nada para isto. Pensa o illustre Deputado que em quanto houver agiotagem, que tanto se assemelha ao trafico da escravatura (permitta-se-me que faça esta comparação), em quanto houver este meio de ganhar a salvo grandes sommas e tirar grandes lucros, ha de alguem emprestar ao Governo milhares de contos de réis sobre um rendimento o menos cobravel que o paiz tem, como o confessam os Srs. Ministros? Pois se e o Governo que confessa que este rendimento das decimas é o de mais difficil cobrança, que constitue alcances para os exactores, que não ha fianças, que os recebedores não prestam contas, que confiança póde haver de que haja quem queira adiantar os seus cabedaes sobre fundos tão difficeis de realisar? E uma utopia, uma perfeita utopia.

Mas vamos ainda á minha hypothese de levantar os fundos.

Eu já disse ha pouco, que todos os Srs. Deputados que tem fallado sobre o projecto, concordam em que 12 contos de réis por cada legoa de estrada, não tem nada de exaggeração, já se vê que calculando as estradas a fazer em 800 legoas, dão a 12 contos por legoa 9.600 contos, perto de 10:000 contos de réis. E o illustre Deputado que concorda em que são 800 legoas, o illustre Deputado quiz distinguir entre estradas reaes e transversaes, mis o projecto diz que para fazer as estradas das tabellas n.ºs 1 o 2, o projecto não distingue, e eu argumento com o projecto, não com o que esta na mente do illustre Deputado: mas o caso é que o illustre Deputado concorda nas 800 legoas, e não poderei deixar de concordar, porque é proximamente a verdade: eu já fallei com um engenheiro distincto, o elle disse-me que tinha calculado para perto de 900 legoas, por tanto se houver differença é para mais do 800, não para menos. Dá pois o calculo 10 000 contos. Ora, Sr. Presidente, eu primeiramente direi a V. Ex.ª e a Camara, que julgo impossivel na actualidade, absolutamente impossivel, levantar 10.000 contos no paiz. E não se diga tambem que resta um meio, que consiste em levantar este fundo fóra do reino, e attrahir a Portugal os capitaes necessarios para perfazer esta somma, porque eu pergunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Camara, se no estado actual da Europa, se no estado em que se acham os fundos nas capitaes mais ricas do mundo civiliado, é possivel contai que venham hoje a Portugal as sommas necessarias para chegar a este resultado? Já so vê que é impossivel, creio que é impossivel, levantar hoje 10.000 contos em parte nenhuma da Europa, para virem a este paiz com a hypotheca de 20 por cento sobre os impostos directos; creio que isto não passa tambem de um bom desejo. Porém eu dou de barato que se verifique a operação; supponhamos que se levantavam 10.000 contos, já se vê que se havia de pagar o juro e a amortisação; e ainda quando mesmo o juro e a amortisação fôssem cada uma das coisas 5 por cento, o que era impossivel, muito menos no estado actual das coisas, tinhamos 10 por cento, que a respeito de 10.000 contos, eram 1:000 conto de réis cada anno; isto quando, note bom a Camara, nós não tinhamos liquidos senão 133 contos, calculando as decimas em 1.000 contos de réis.; mas ainda que o producto do imposto fosse de 200 contos, não seria curioso levantar uma somma de que é preciso pagar de juro e amortisação cada anno 1:000 contos, não tendo mais de que 200 no caso mais vantajoso, para fazer face a esta despesa! Já se vê que é absurdo e completamente impossivel levantar esta somma de uma vez. E note V. Ex.ª e a Camara que esta somma de 10:000 contos é só para as estradas directas e transversaes, aqui não entram caminhos visinhaes e juraes, e mesmo por isso. é que eu calculo sómente com Os 133, ou com os 200 contos de réis.

Resta portanto a outra hypothese, que é a de se levantarem successivamente sommas de 1:000 contos, por exemplo. Eu chamo a attenção da Camara sobre o que aconteceu ultimamente a respeito da barra do Douro. Passou uma lei nesta casa o anno passado, para se auctorisar a associação commercial do Porto a melhorar a barra daquella cidade sob a administração do Governo, debaixo de certas clausulas, calculou-se em 40 contos de réis a somma necessaria para aquellas obras; estes 40 contos do réis teem por hypotheca uma parte dos rendimentos da alfandega do Porto, e a Camara sabe perfeitamente, que os rendimentos da alfandega são o rendimento mais certo, e mais cobravel, que ha no paiz Pois, Sr. Presidente, quer V. Ex.ª saber o que aconteceu a respeito deste emprestimo? Agora não sei, mas ainda ha muito pouco tempo não ce linha podido levantar aquella somma, não tinha havido quem emprestasse 40 contos para a obra daquella barra! E note V. Ex.ª, que é um emprestimo para que devia concorrer com a maior vontade todo o corpo de commercio do Porto, porque e para melhorar a barra por onde lhe entram, e sem as suas mercadorias, por onde fazem exportar os productos daquelle paiz. Consta-me que se quiz levantar o emprestimo a 8 por cento: aqui esta um illustre Deputado, que é do Douro, dizendo-me que isto é verdade, que é exactissimo. E então falla-se em levantar sommas de 1:000 contos? E apresentam-se projectos destes. Realmente admira-me; se fôssem individuos que não tivessem os conhecimentos precisos, não me admirava, era mais uma decepção, sómente filha da ignorancia; mas uma decepção filha da intelligencia, e do conhecimento provado, não admitto; era melhor que não soubessem, porque então ahi estava a desculpa. Pois sabe-se, Sr. Presidente, que se não podem levantar 40 contos no paiz a 8 por cento, e imagina-se ser possivel levantar centos, e contos de contos de réis? E supponhamos que se levantem 1:000 contos a 8 por cento; e poço a attenção do Sr. Ministro, porque sei que ha de responder a estes

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argumentos, e eu desojo que S. Ex.ª veja precisamente qual é o meti ponto de ataque. Não entremos depois com divagações; é preciso responder a isto precisamente. Digo eu, que 1:000 contos a 8 por cento exigem 80 contos de juro, com 6 por cento de amortisação, são 14 por cento, que faz 140 contos; já se vê que nem para o primeiro emprestimo de 1:000 contos de réis chegava todo o imposto; isto é, tendo em vista que ha um emprestimo, e suppondo que se arranjava a 8 por cento, com 6 por cento apenas de amortisação. Pois se não chega, como demonstro, para o primeiro emprestimo, parece-me que podia parar aqui; porque se 1:000 contos se não podem levantar, como se hão de levantar os mais? Eu concordo que se posam levantar 500 ou 600 contos, mis os 1:000 de certo que não; e digo isto, porque tenho idéa de ouvir fallar em levantar fundos aos 1:000 contos de cada vez.

Mas se para este emprestimo de 1:000 contos é impossivel haver no primeiro anno os fundos necessarios para juro, e amortisação, como é possivel que fie levante igual quantia nos mais annos? Póde haver algumas legoas de estradas, mas é impossivel fazerem-se todas. Ora com 1:000 contos de réis podem fazer-se 80 legoas de estrada; quer dizer, faltam só 720 legoas depois de levantado o primeiro emprestimo, que consome todo o capital; e note V. Ex.ª que este é o lado mais lisongeiro por onde os illustres Deputados querem encarar a questão, e assim mesmo apresenta este resultado!

Mas ainda mais, Sr. Presidente, supponhamos que ee faziam 80 legoas de estrada com os 1:000 contos levantados; estas 80 legoas divididas por todos os districtos dava 5 legoas talvez por cada districto; o que se segue daqui? É que ficavamos no fim de se consumir todo o emprestimo com 4 ou 5 legoas de estrada em cada um dos districtos. Ora pergunto eu, será possivel com estas 4 ou 5 legoas de estrada estabelecer o transporte accelerado, que é de onde o projecto ha de tirar o necessario para o entretenimento da estrada? De certo que não; 4 ou 5 legoas com transportes accelerados, é uma cousa que fica abaixo da analyse por impossivel; para se empregar esse meio, é indispensavel que exista uma estrada importante de um ponto a outro; mas com 4 ou 5 legoas não é possivel, e eu já perguntei ainda agora, se a Camara entendia que dará grande lucro o transporte accelerado de Lisboa a Villa Franca, ou de Aldêa-Gallega aos Pegões. Já se vê portanto, que é um verdadeiro sonho imaginar, que se ha de fazer a rede de estradas de que tracta este projecto com taes meios, ainda dentro de muitos annos

Ora feitas estas legoas de estrada, já se sabe que hão de ser entretidas pelo Governo a razão de 240$ réis cada legoa por anno, o que importa em perto do 20 contos de réis; e esta somma vai attenuar a segunda quota do rendimento liquido com que o Governo ha de verificar o segundo emprestimo, se o fizer; o ainda que faça o segundo, ha-de-lhe ser impossivel fazei o terceiro. Eu não me quero demorar mais neste ponto, descrevendo verba por verba o que corresponde a cada um dos annos, porque seria suppor que todos os illustres Deputados não sabem perfeitamente fazei esta conta, que é simples; por tanto, não direi mais nada sobre este ponto. E inteiramente impossivel por este systema fazer as estradas que estão estabelecidas no mappa n.º 1 e 2.

Ora, Sr. Presidente, pelo que diz respeito ao imposto, isto e, pelo que diz respeito á efficacia do imposto que se propõe, parece-me que tenho demonstrado até a saciedade, que é impossivel em todas as hypotheses que se imaginam, que é impossivel fazer as estradas, e note bem V. Ex.ª que ou não digo que é impossivel fazer 20 ou 50 legoas de estrada; mas se a Camara quer fazer pezar sobre o paiz um imposto mais de 20 por cento sobre as contribuições directas para ter 30 legoas de estrada, isso repugna completamente á minha opinião.

Realmente era bello que nós podessemos ter no nosso paiz todas as estradas constantes dos mappas n.º 1 e 2; e todos os caminhos visinhaes e ruraes; a nossa prosperidade desenvolvia-se inquestionavelmente; porém pelos meios que se indicam, não e possivel.

Ora agora devo eu dizer a V. Ex.ª que não desanimo de que o meu paiz tenha estradas, mas ha de ser quando a sua fazenda se organisar, quando o Governo tiver força bastante na opinião publica, para poder levantar tributos o credito, para poder levantar fundos, para as fazer por sua conta, ou para as adjudicar a emprêsas bem condicionadas; ha do ser quando a nossa fazenda estiver organisada, quando não houver um deficit que espanta, quando não houver uma agiotagem que nos consome todos os capitaes, que é a causa de todo o nosso mal, então é que é possivel estabelecer um imposto forte, porque então o povo tem possibilidade para o pagai, e o Governo tem tambem a força necessaria para o obrigar moralmente a isso.

Diz o illustre Deputado que por este modo de argumentar nós vamos comprometter a geração futura, e por este projecto deixa-se por ventura de comprometter a geração futura? Pois que faz o projecto? Em quantos annos quer o illustre Deputado fazer as estradas. E note-se que o projecto diz no art. 16, § 2.º — Passados dez annos, este imposto será reduzido na proporção das despezas que forem precisas para a conservação das obras, que se tiverem feito, e daquellas, que ainda faltarem. — No fim de dez annos!... Ora parece lealmente que o projecto foi elaborado debaixo de um pensamento que aqui não existe, é impossivel que isto saisse de cabeças organisadas, sem que tivessem um pensamento latente que em vão se procura aqui.

Pois é possivel que com estes meios se lembrassem os signatarios do projecto, que no fim de dez annos se diminuiria o imposto?!... Um imposto que não chega para levantar fundos para fazer a decima parte das obras, que se projectam! Parece incrivel! Pois não é isto estabelecer uma decepção visivel e palpavel? E impossivel, Sr. Presidente, e oxalá que eu me engane; oxalá que o Governo podesse fazer as estradas com este moios, e até o desejava por uma razão de conveniencia particular, porque segundo a minha profissão ando muitas vezes pelas estradas, e tenho sentido muito a sua falla, estimaria muito que se podessem fazer, creio que não ha ninguem que as não queira; a questão é de meios, e só de moios

E o illustre Deputado pelo Algarve que fallou ha pouco, defendendo o projecto, virgula por virgula, desejava que me dissesse se defendia tambem a idéa da diminuição do imposto no fim dos dez annos? Desejava que o dissesse, desejava ouvir-lh'o da sua bôca; o illustre Deputado que foi com o escalpelo tocar em todos os pontos, os mais minuciosos, os

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mais insignificantes do projecto, queria que me respondesse se entende que no fim de dez annos se póde diminuir o imposto. Parece incrivel; o illustre Deputado não compulsou o projecto (permitta-me que lhe diga) seduziu-se, e realmente o projecto é daquelles que seduzem; é preciso muito cuidado. Não ha nenhum homem verdadeiramente patriota, amante do seu paiz, que não deseje que se façam estradas; todos conhecem, por pouco que seja, as immensas vantagens que se tiram para a producção, para o commercio, para administração, para tudo finalmente, da existencia de boas vias de communicação, e então naturalmente todos se seduzem por um projecto que lhes diz, que se hão de fazer todas as estradas; isto é muito natural, e é uma prova de patriotismo e de vida no coração; mas os illustres Deputados que teem esta convicção, nascida do amor que teem ao seu paiz (permittam-me que lhes diga), cegaram-se com o projecto; não foram examinar escrupulosamente cada um dos artigos do mesmo projecto; compara-los entre si; vêr quaes são os meios que se propõem para o levar a effeito; n'uma palavra, cegaram-se; e realmente, se algumas vezes é honroso cegar-se a gente, é esta uma dellas: mas em objectos desta natureza é preciso vêr bem, porque o negocio é summamente grave. Nestes lermos eu, Sr. Presidente, antes de entrar nas outras especialidades da materia, responderei a alguns argumentos do Orador que me precedeu. O illustre Deputado sustenta (como já disse) na fórma e na essencia o projecto, e sustenta por consequencia que as entradas sejam feitas por conta do Governo. Uma das razões que produziu para provar que as estradas devem ser feitas por conta do Governo, foi — que em Portugal não havia senão engenheiros militares, e que achava indecoroso para um official engenheiro ir collocar-se debaixo da direcção de uma companhia. Ora, sopeando por um pouco o orgulho muito natural que se desperta por uma expressão lisongeira, dirigida á classe a que se pertence, permitta-me» Ilustre Deputado que lhe diga, que não lhe acho completamente razão neste ponto. Na companhia das obras publicas, havia effectivamente um grande numero de officiaes empregados, e que não julgaram menos cabada a sua dignidade militar, indo servir o seu paiz (porque um engenheiro fazendo estradas por conta do Governo, ou por conta de uma companhia, serve o seu paiz) de uma maneira muito honrosa para elles, porque era resultado do trabalho, e da intelligencia; porque o ramo de pontes e calçadas, em todos os paizes, é um daquelles para que é necessario um estudo mais apurado e mais superior: por consequencia esses officiaes não desdenharam de servir o seu paiz na companhia das obras publicas; e, perguntarei eu ao illustre Deputado — o servir uma companhia, ou um individuo particular, servindo em proveito do publico, desvirtua alguma cousa o caracter pessoal dó funccionario? (apoiados) Pois um distincto advogado -que vai ao fôro defender uma causa do seu cliente, desauctorisa-se, perde alguma cousa do seu pundonor e da sua honra? (apoiados) E não é uma companhia a quem serve; é um individuo, e um individuo muitas vezes carregado de crimes, e com tudo esse distincto advogado não perde cousa alguma do seu pundonor e da sua honra. Ainda mais, Sr. Presidente, pois o medico que entra na casa de um doente, que lhe salva a vida não servir um individuo particular? E desauctorisa-se elle por ventura? (O Sr. Assis de Carvalho: — É da sua essencia.) É da sua essencia; — tambem eu podia dizer que a essencia do engenheiro é fazer obras (apoiados.) Se e indecoroso servir um particular, então o medico só deve curar por conta do Governo, e só deve ir aos hospitaes militares, e a bordo dos navios de guerra; mas elle vai a casa de particulares, recebe dinheiro, e não se julga isso indecoroso; pelo contrario, e uma profissão nobre e honrosa em toda a parte do Mundo. Mas direi ainda mais; o illustre Deputado sabe perfeitamente, que ha neste Mundo, neste nosso planeta, uma companhia que quasi que não ha poder na terra que se compare com o della; alludo á companhia das índias inglezas, companhia que tem cento e tantos milhões de habitantes sujeitos ao seu dominio; — pergunto eu, essa companhia não tem debaixo das suas ordens militares inglezes, (apoiados) militares de uma nação briosa, que estima, e presa o seu pundonor senão acima, no menos ao par das mais pundonorosas? Com tudo essa companhia tem militares que lhe são sujeitos, e por ventura é isso alguma cousa desairosa? (Uma voz: — Até Lords.) Lords e homens de todas as cathegorias; os primeiros homens de Ingraterra; teem navios, teem exercito, teem tudo isso, e ninguem se descura de servir essa companhia; e com tudo é uma companhia particular.

Já se vê por tanto, Sr. Presidente, que por esse lado o illustre Deputado não tem razão; com quanto eu lhe agradeço sinceramente a alta consideração em que tem a nobre classe militar, entendo que os seus escrupulos nesta parte não são rasoaveis; não ha injuria nenhuma em um homem servir o seu paiz, (apoiados) e servi-lo em resultado da sua intelligencia, quer seja debaixo da direcção de uma companhia, quer seja debaixo da direcção immediata do Governo, por que no fim de tudo, a companhia, em tal caso, não é senão um delegado do Governo auctorisado pela lei.

Ora, ainda ha outras razões do illustre Deputado a que é necessario responder. O illustre Deputado tractou de combater a necessidade de um Ministerio de Obras Publicas; mas não a combateu só, não se contentou em dizer, que era inutil um Ministro de Obras Publicas, disse tambem, que eram superfinos seis Ministros, isto é, que os podiamos reduzir a tres. Eis ahi outra idéa seductora; cega-nos, imaginamos que, por esse modo, é possivel reduzir as despezas publicas, que é onde vai bater o pensamento do illustre Deputado, porque a não ser esse o motivo, nenhum outro havia plausivel; mas S. Ex.ª querendo que se reduzissem os Ministerios só a tres, parece-me que não considerou o modo como estava montada entre nós a administração publica. E não se diga que em França ou Inglaterra, ou em outros paizes, ha um grande numero de Ministerios, porque tambem ha uma grande extensão de territorio, e uma grande população: a administração publica não esta em relação nem com a população, nem com o territorio; esta em relação com a essencia e natureza das cousas, com a diversidade, das repartições que é mister dirigir, porque o mesmo homem não póde ter capacidade encyclopedica; é por isso que se entende que se devem dividir os expedientes e os serviços de maneira, que Um homem possa satisfazer ás incumbencias que se lhe fazem; e se assim não fosse, se se

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marcasse o numero de Ministerios pela extensão de territorio ou de população, quantos Ministerios não precisava ler a Russia em comparação da Belgica, por exemplo? A Belgica tem nove Ministerios e tem quatro milhões de habitantes: a Russia que tem cincoenta e tantos milhões de habitantes, pelas considerações do illustre Deputado, isto é, se o numero de Ministerios se estabelecesse em relação á extensão de população e de territorio, a Russia precisava de cento e tantos Ministerios! Cousa espantosa; era uma cidade de Ministerios!.. Já se vê que não e esta a maneira de considerar a questão: a necessidade dos Ministerios esta em relação com a natureza das cousas, com a natureza da missão que tem cada um dos Ministros, e n'um paiz onde os Ministros não tem delegados, n'um paiz onde não ha sub-secretarios d'estado, como ha em França, em Inglaterra e em outras nações; n'um paiz onde os Ministros teem que fazer tudo pela sua propria inspecção, já se vê, que é ainda muito mais necessario um maior numero de Ministerios: e não é uma despeza inutil, desengane-se a Camara disso, se por ventura se persuade que é superflua tal despeza. Esta divisão de trabalhos é uma divisão productiva, porque tende a aproveitar a capacidade dos individuos proprios para os diversos ramos de serviço; e se acaso o illustre Deputado quer partir do principio, de que para o Ministerio dos trabalhos publicos se ha de escolher um homem inteiramente estranho a esse ramo; se este é o seu receio, não o posso admittir, porque em toda a parte do Mundo, e mesmo entre nós, com excepção unicamente da repartição da Marinha, que não sei por que máo fado, quasi sempre é dirigida por homens que, por muitissimos conhecimentos que tenham, são todavia completamente estranhos áquelle serviço, entre nós mesmo, repito, é costume applicarem-se os homens segundo a sua especialidade para os diversos Ministerios: e se acaso as cousas estão fóra da sua regra normal, se acaso devemos suppor que se havia de escolher para o Ministerio de trabalhos publicos, por exemplo, um desembargador respeitavel, mas que nada entendesse desta especialidade, isto é, um homem inteiramente estranho á profissão, se havemos de partir deste principio, então, Sr. Presidente, não poderemos chegar nunca a conclusão nenhuma.

Portanto ainda não é admissivel a observação que o illustre Deputado fez a respeito do Ministerio de trabalhos publicos, creação tanto mais indispensavel quanto o projecto estabelece unicamente as obras feitas por conta do Governo: veja V. Ex.ª que desenvolvimento não carecia ter o Ministerio do Reino, com obras destas em grande escala, despendendo tão avultadas quantias, e em todos os auguros do paiz, para poder satisfazer ás indicações necessarias; é impossivel; ninguem, com a máo na consciencia, póde dizer, que uma só repartição, dirigida por um só homem, possa abranger toda esta immensa divisão de trabalhos. Sr. Presidente, se acaso o illustre Deputado estabelecesse só tres Ministerios, faria tres editores responsaveis das secretarias, porque era impraticavel, que apenas tres homens entrassem no amago de todos os negocios.

Ora o illustre Deputado quando tractou do imposto para as estradas, disse — que era possivel levantar 4:000 contos — (e chamo a attenção da Camara para este objecto) eu desejava saber -qual é o juro e amortisação que o illustre Deputado dava para esses 4:000 contos, que entende que se podiam levantar.... (O Sr. Assis de Carvalho: — A amortisação e para o futuro). Pois, Sr. Presidente, estou intimamente convencido de que é absolutamente impossivel achar hoje quem empreste sommas para estas obras ficando a amortisação do capital para a geração futura; metta o illustre Deputado a máo na sua consciencia; diga se acaso se levantasse agora um emprestimo de 4:000 contos, ficando a amortisação para a geração futura, quer dizer, para os filhos, e para os netos do illustre Deputado, se pegava nos seus capitaes, e ia compromettel-os n'este emprestimo. (Uma vo: — Podiam-se dar titulos de divida publica). Mas os titulos de divida fundada compram-se a 48 por cento em notas, e é assim que se quer contrair o emprestimo de 4:000 contos?... (Uma voz: — Assim se têm feito muitas vezes em Londres). Sr. Presidente, em Londres não se apresentava uma medida destas, se este projecto apparecesse em Londres não era admittido, não tinha segunda leitura, em Londres admittem-se emprezas e barreiras, e este projecto não admitte nada disto, em Londres não ha imposto especial para estradas, e segue-se absolutamente outro systema; o nobre Deputado esta completamente enganado dizendo que este projecto era admittido em Inglaterra, eu digo que se este projecto lá apparecesse no parlamento, era logo rejeitado em limine. Eu não quero offender o projecto, ou antes quem o confeccionou; digo só que o projecto esta em contradicção flagrante com todos os habitos, costumes, e legislação ingleza, esta em perfeita desharmonia com todos as principaes disposições da legislação daquelle paiz (O Sr. Ministro da Fazenda: — Está em harmonia com muitas). Diz S. Ex.ª que esta em harmonia com muitas; não o sei; este projecto não sei que esteja em harmonia senão com o pensamento de fazer estradas; eu tenho lido os actos do parlamento britannico do tempo de Jorge 3.º em 1789, e do tempo de Jorge 4. em 1822, e não só não achei lá nada que se pareça com isto, mas nem acho aqui cousa alguma que se pareça com o que lá esta. Insiste porém o Sr. Ministro da Fazenda em dizer que esta em harmonia com muitas disposições de legislação ingleza, pois bem; eu desde já declaro que quando S. Ex.ª fallar, hei de estar com os meus dois ouvidos prestando a maior attenção ás suas palavras, para saber em que esta em harmonia este projecto com a legislação da Grã-Bretanha: com a legislação, com que elle esta alguma cousa de accordo, e em harmonia, é com a legislação franceza, mas com a ingleza nada.

Não o diz assim o Sr. Ministro, o se eu podesse fallar depois de S. Ex.ª, pouco mais accrescentaria sobre o projecto em questão, mas como hei de fallar segunda vez, hei de por isso dizer tudo quanto me occorrer; porque o projecto é grave, e de summa importancia, e eu hei de provar completamente á Camara que é impossivel admittil-o. Se o Parlamento o approvar, eu hei de respeitar as suas decisões, porque considero que ellas são sempre sabias, mas em quanto a questão não estiver resolvida, estou no meu direito como Deputado de dizer tudo quanto entendo dever dizer a seu respeito.

Torno portanto a repetir, Sr. Presidente, se eu tivesse a palavra depois do Sr. Ministro da Fazenda, eu desde já me calaria para o ouvir, e depois fazer

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as minhas reflexões ácerca do que S. Ex.ª dissesse; mas como tenho a certeza de que me hão deixam, fallar depois, por isso continúo a minha tarefa.

Fallou pois o nobre Deputado pelo Algarve num emprestimo de 4:000 contos, com o juro de 8 por cento, que vem a importar em 320 contos annuaes. Mas eu já provei á Camara, que mesmo recebendo-se os 300 contos, o que não e acreditavel, não ficam senão 200 liquidos, isto no caso que se receba a verba exacta do orçamento pelos impostos directos: como quer pois o illustre Deputado com 200 contos pagar uma despeza de 320 de juro do emprestimo, além da amortisação, que ainda se não calcula?... Quem e que ha de concorrer para uma tal operação? Aonde e que se ha de levantar um similhante emprestimo? Só se fôr na Califórnia, porque em Portugal, cá na Europa, é impossivel, (apoiados)

Mas, Sr. Presidente, disse o nobre Deputado que os impugnadores do projecto não tinham calculado com uma circumstancia, e é com o trabalho do exercito, com a cooperação dos soldados. A isso respondo eu que o nobre Deputado não estava aqui, ou se estava, esqueceu-me completamente do que se passou nesta casa, quando se fixou a força militar de terra, o nobre Deputado de certo não ouviu dizer ao Sr. Ministro da Guerra, que mal podia fazer o serviço com a força que se lhe votava, porque lhe era preciso ter 9:000 homens em exercicio todos os dias, e que devendo a força folgar o que mandam os regulamentos, nem mesmo os 24:000 homens lhe chegavam bem. A vista disto, Sr. Presidente, é claro que elle não póde dispensar, ou licenciar gente alguma para fazer estradas. (O Sr. Ministro da Guerra: — E 3:000 grilhetas não servirão para isso?... — apoiados). O projecto diz exercito, não diz grilhetas, e eu não sabia que o exercito era grilheta. (O Sr. Ministro da Guerra: — De certo o não é). E se o é, Sr. Presidente, eu não pertenço a um tal exercito. Sr. Presidente, eu estudei o projecto como esta escripto, e não estudei o que esta no pensamento de quem o confeccionou, nem o que esta no pensamento de quem o executar; repito, o projecto não falla em grilhetas, falla em exercito, e do exercito não se póde dispensar um soldado segundo a propria confissão do Sr. Ministro da Guerra. (O Sr. Ministro da Guerra: — apoiado). Logo se se não podem dispensar os soldados, é completamente inadmissivel uma similhante disposição do projecto, e a vantagem que ella offerece, não se póde verificar. (apoiados)

Sr. Presidente, o nobre Deputado, áquem me refiro, disse que ía propôr uma outra idéa que era inteiramente sua, e era o systema de repartição para o imposto. Eu chamo a attenção da Camara sobre este ponto, e ainda que o nobre Deputado não mandou proposta alguma para a mesa, S. Ex.ª é membro da commissão, e póde ainda exigir que a Camara se occupe desta materia. — Sr. Presidente, a idéa do lançamento por contribuição de repartição é uma idéa muito importante, e que dá logar a considerações muito graves; não acho muito regular nem muito conveniente que vamos agora applicar para a construcção, das estradas o systema da contribuição de repartição, e por consequencia trazer para este debate todas as considerações, que podem apresentar-se para approvar ou reprovar aquelle systema. E objecto este muito importante para ser tractado aqui de incidente; é objecto muito serio o que precisa muito meditado; é objecto que pelo menos já deu pretexto para uma revolução no paiz. Eu não me pronuncio nem pro nem contra o systema o de contribuição de repartição; declaro sómente que não estou habilitado para de prompto entrar n'uma discussão sobre assumpto tão delicado; além disso pela maneira vaga por que o nobre Deputado apresentou a sua idéa, muito menos este objecto se póde tractar, por que é preciso attender a muitas considerações para que de repente se não esta preparado. Parece-me pois que este assumpto pela sua importancia, pela sua gravidade, e pelas relações que em si contem, não é objecto que deva enxertar-se numa discussão desta natureza, não é objecto, n'uma palavra, de que a Camara se deva occupar agora (apoiados).

Sr. Presidente, o mesmo nobre Deputado indicou outro meio, e vem a ser o lançarem-se 5 por cento addicionaes sobre os impostos indirectos; e disse o nobre Deputado que estes 5 por cento renderiam 400 contos, porquanto estes impostos rendem 8:000 contos, e 5 por cento de 8:000 contos são 400 contos. Felizes de nós se os impostos indirectos rendessem 8:000 contos! (O Sr. Assis: — E o que consta dos documentos de diversas repartições, e do orçamento) O orçamento esta sendo desmentido diariamente mesmo no banco dos Srs. Ministros (apoiados).

Sr. Presidente, tenho respondido ao nobre Deputado tanto quanto pude; tenho tractado a questão em alguns pontos, restam-me ainda porém tres partes importantes que são — emprezas, — barreiras, e simultaneidade de trabalhos. —. Coméço pelas emprezas, e declaro que não sou advogado dellas, nem das que existiram, nem das que podem vir a organizar-se; fallo sempre com a pura e intima convicção de que estou possuido; portanto, Sr. Presidente, torno a insistir, não sou advogado d'empreza alguma; sou o primeiro a reconhecer que as emprezas que têem havido em Portugal, tem sido condicionadas por tal forma, que tem produzido máo resultados, mas entendo que é uma grande falta que se tem commettido muitas vezes neste paiz, o querer evitar um êrro com outro êrro; querer evitar o abuso d'um principio com o abuso do principio opposto, (apoiados). Mas diz-se que certas emprezas foram más, o produziram maos resultados. Querem os nobres Deputados que eu concorde nisso? Pois bem; mas por que ellas foram más, ha de concluir-se em these, que sejam proscriptas as emprezas? Se essa fosse a consequencia logica, então não havia talvez em Portugal nenhuma instituição ou theoria que deixasse de ser proscripta, por que não ha nenhuma que algumas vezes não tenha sido má, quando não tenha alguma vez deixado de corresponder ao seu fim. Por tanto, Sr. Presidente, se as emprezas são más, condicionem-se bem; mas não condemnemos o principio que é sancto, e grande, e que é a poderosa alavanca que tem feito prosperar toda a Europa, (muitos apoiados). Sr. Presidente, como já deu a hora, e eu estou cançado, peço a V. Ex.ª me reserve a palavra para ámanhã.

O Sr. Xavier da Silva: — Mando para a mesa o parecer da commissão de Poderes sobre a eleição, a que ultimamente se procedeu na Provincia de Macáo. Igualmente mando para a mesa onze pareceres da commissão de Fazenda.

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O Sr. Pessanha: — Mando para a mesa o seguinte pareceria commissão de infracções (leu-o).

O Sr. Presidente: — Tanto este parecer, como os apresentados pelo Sr. Xavier da Silva, ficam reservados para entrarem em discussão em occasião opportuna. A ordem do dia para ámanha é a continuação da mesma. Está levantada a sessão. Eram 4 horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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