to, achámos que o melhor sitio e o mais apropriado para este fim era o campo das Vendas Novas* Ali se adquiriu pois uma porção de terreno, de que sê paga á eaunara municipal de Montemór um fj5ro mmto módico f tem^se feito algumas obras, como baterias para morteiros, baterias para peças ordinárias, accomutodaçSes para uma porção de soldados e officiaes de artilharia, e já ae fizeram dífferentes experiências, a que se tem applicado esta somma tirada da destinada para despezas eventuaea, mas como ha outras ap-plicaçSes que se não poderiam fazer deduzindo-se essa quantia da que tem este destino, é por isso que se propôs á camará dos senhores deputados que se votasse esta somrna, que é extremamente módica. As despegas, como já disse, estão feitas, e se esta auctorísação não passar, o que haverá a fazer é deixar de effectuar outras despezas eventuaes que se deveriam fazer em utilidade do serviço, e que se não tem feito por se ter preferido esta, como mais urgente e de muita necessidade.
O sr. Visconde de Balsemfto:— Sr. presidente, não ha duvida que a instrucção do exercito é uma necessidade, e que pelo regulamento do ministério da guerra o ministro está auctorisado a fazer as despezas eventuaes que elle julgar mais necessárias para o exercito, portanto eu, para obviar a isto, inverteria a disposiçSo d'este projecto, e diria: é o governo relevado de ter gasto sem auctorisação das cortes a somma de 6:000$000 réis tirada das despezas eventuaes. Concebida n'estes termos a disposição do projecto eu votaria por elle, porque pedir uma auctorisação para uma despeza que já está feita, e um anno que está também a acabar, não pôde ser. Eu diria portanto: é o gorerno relevado de ter gasto, sem aeetorisação das côrtea, a importância alludida, entrando no cofre competente a respectiva importância. Parece-me que assim se preenche o mesmo fim, e ficam aalvos os princípios constitucionaes.
O sr. Ministro da G-iterra: — Isto está proposto ha mais de um anno. Tem ficado de uma sessão para outra, e não é culpa do governo que o negocio esteja n'estas circumstau-cias.
O sr. Visconde de Balsemfto: — Da maneira que eu proponho está preenchido o fim do sr. ministro da guerra; por consequência proponho esta emenda ao projecto.
O sr. Presidente:—A camará está em tão exíguo numero, que o melhor é deixar essa proposta para a sessão seguinte, que será na terça-feira, e a ordem do dia a continuação d'esta discussão e dos mais pareceres que estão distribuídos.
Está levantada a sessão,
Passava das quatro horas da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 10 de maio de 1862
Os srs.: Visconde de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, das Minas; Condes, do Bomfim, de Mello, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, do Sobral, de Thomar; Viscondes, de Balsemão, de Fonte Arcada, de Fornos de Álgodres, de Sá da Bandeira, da Praia; BarSes, de Pernes, da Vargem da Ordem, de Foscoa; Ávila, Sequeira Pínto, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Soure, Braam-camp, Pínto Basto, Reis e Vasconcellos, Vellez Caldeira, Brito do Rio e Sebastião José de Carvalho.!
CAIARA DOS SENHORIS DEPUTADOS
Discurso do sr. deputado Cláudio José Nunes, pronunciado na sessão de 14 do corrente, e que devia ter logar no Diário de Lisboa a pag. 1:297, col. 3."
O sr. Cláudio José Nunes: — Sr. presidente, é difficil a minha posição. Compete-me fallar em seguida a um orador tão profundo philosopho como hábil político, qual o illustre deputado que me precedeu na tribuna. Felizmente s. ex,a, respeitador como é das boas praticas da caridade, veiu em meu auxilio, refutando na véspera muitas das suas opiniões do dia seguinte, e contradizendo, em ambas as notáveis ora-ç5es que pronunciou, os motivos em que se funda o parecer da commissãoí
Sr. presidente, o illustre deputado que hontem conquistou a attenção da camará, e que sinto não ver hoje presente, começou o seu notável discurso por uma invocação fervorosa á liberdade e ás tradicçSes históricas do partido a que me honro de pertencer. Permitia v, ex.a que eu me recorde de que em uma das quadras mais afflictivas da revolução fran-ceza proferiu uma mulher celebre as seguintes palavras, caminhando para o cadafalso: «Oh! liberdade, que de crimes se commettem em teu nome!» Hoje parece-me também chegada a occasião de podermos exclamar: «Oh! liberdade, que de intuitos partidários se acobertam com o teu manto para depois o rasgarem, tira por tira, e tecerem com elle oa atí-lipg de pastas futuras e as redes de poderosas influencias!» (Apoiados.) Quantos pretendem assoprar o teu lume santo, não para, o robustecer, mas para o apagar! (Muitos apoiado»,)
Assistimos na verdade a um espectaculoso sacrificio. O altar é a tribuna, as viotimas todos nós os adversários da commisslo, a deusa sacrilegamente invocada é ainda a liberdade. Em torno estanceia uma turba de sacerdotes mais ou menos adventícios (apoiados). Um traz ainda no peito as insígnias do culto pessoal de algum imperador nefasto da Roma antiga; outro aperta ainda na testa as fitas sagradas de Júpiter Stator, o íypo conservador do paganismo; este veiu do templo de Jano bifronte; aquelle do de Saturno, o devorador de seus próprios filhos (apoiados). Todos elles espalham sobre a multidão promessas de immensas felicidades, se ella se resolver a seguir o novo rito; mas o povo que sabe que dois augures não podem olhar um para o outro sem que um do outro se riam, passa adiante rindo-se também de tanta generosidade (muitos apoiados).
E bem notável é a generosidade da illustre commissfo! Estendeu a mão direita e disse: «Ahi tendes a liberdade de ensino»; abriu a esquerda e exclamou: «Ahi tendes a liberdade da beneficência». E como se tantas nrovas não bastaram para attestar a sua magnificência, vasculhou de novo os cofres de seus ricos thesouros, e acrescentou: «Dou-vos a liberdade da contradicção. Aoeitae, aceitae & esmola d'estes três raios dispersos, que vos faço em nome de mr Gruizot, de mr. de Montalembert, de mr. Billault e,», dos je suitas de Friburgp; em nome de toda essa flor da democracia europea; aceitas-os, e formae com elles o facão de luz que ha de Illuminar as trevas em que tendes vivido desde que sobre as muralhas do Porto tremulou a bandeira de uma transformação política B. Pela minha parte agradeço, mas não aceito (numerosos apoiados). Não aceito a vossa Uberdade de ensino, porque quero que se criem forças para o trabalho social e não cadáveres para a obediência absoluta (apoiados), Não aceito a vossa liberdade de beneficência, porque não admitto como concessão aquillo que esta boa terra portugueza está costumada a praticar como dever (muitos apoiados), Agradeço finalmente, mas não aceito a vossa liberdade de inooherencia, porque não cheguei ainda a essa idade em que nos ensinam ser licito o dizer á consciência—-calla te! E o expulsar do espírito com mão desdenhosa todos os conselhos íntimos da rasão e do sentimento. Oh! sr. presidente, que de lufadas de ambição, que de cerraçSes de vaidade, que de caricias de uma oíigarchia poderosa devem passar sobre a cabeça de ura homem para o obrigarem a voltar as costas aos princípios que elle uma vez disse ter defendido com fé e com enthusiasmo! (Apoiados.—-Vozes: — Muito bem.)
Sr. presidente, o nobre deputado que hontem occupou a tribuna, fez aos seus adversários uma d'essas offensas que deviam repugnar á sua reconhecida lealdade, quando os apresentou entre as nevoas de uma phrase obscui%, como novos Julianos apóstatas.
Em nome da nossa historia, em nome do povo liberal portuguez, protesto contra essas msdnuaçSes com que con-tinuadamente somos asseteados, nós, os adversários das influencias clericaes na política, de que as nossas opiniões tendam, remotamente sequer, a hostiliaar os dogmas da igreja cathoiioa (repetidos apoiados). Peio contrario, protesto em nome do catholicismo contra essa exploração das consciências para fins mundanos» (apoiados); protesto contra a impiedade de fazer da cruz, throno de amor, um patíbulo de desleaes convícios (apoiados); protesto contra estas palavras com que na tribuna, na imprensa, em toda a parte, nos apontam ao mundo como os apóstolos de um novo rito (apoiados); protesto contra o empenho em tornar o catholicismo solidário com certas opiniSes, erro fatal que já custou a perda á igreja catholica de metade da Europa christã; protesto contra essas batalhas eleitoraes feridas á sombra de tm pendão que teve por thema: «Viva a santa religião!» (Repetidos apoiados). Grito nobre, grito santo, grito immínentemente nacional (novos e repetidos apoiados); mas que, proferido em taes circumstancías, é altamente affron-toso nas suas intençSes, e inquisitoríal nas suas tendências (muitos apoiados). Sr. presidente, quando homens, não digo homens, quando partidos lançam mão assim d'estas armas, não sei o que acontece maia, se estremecer a ira nos nervos, se borbulhar nos olhos a compaixão. (Apoiados — Vozes:— Muito bem.)
Sr. presidente, a primeira contradicção, a contradicção mãe, a que-domina as opiniSes da commissão, com relação aos dois membros que já têem tomado parte n'esíe debate, é o ter o illustre deputado por Coimbra negado por varias vezes que esta questão seja política, ao passo que o relatório diz expressamente que o é. Não necessito repetir o texfco, porque toda a camará sabe prefeitamente que no trabalho do illastre relator da commissão se dá a este debate essa exclusiva significação. (Houve um aparte que se não ouviu.) A difierença está talvez em que entendemos a política de um modo distincto. Para uns a política consiste em salvaguardar as instituíçSes do paiz; para outros poderá consistir na influencia transitória d'e8ta ou d'aquella parcialidade, ou em fazer substituir uns homens por outros homens (apoiados).
A questão é única e exclusivamente política, e é única e exclusivamente política não só entre nós, mas em toda a Europa, aonde ella se acha dominando todas as lutas.
Para que se conheça bem a questão n'este século, e qual a idéa d'onde ella brota, lembremo nos de como começou, de como tem progredido e da altura em que hoje se encontra. Depois da restauração da família dos Botlrbons em França, o partido ultra-coniervador, cujas velhas theorias de absolutismo haviam caído em geral disoredito pela infiltração das idéas de liberdade e de progresso nas mais abundantes camadas da sociedade, lembrou«se de procurar a base política que lhe faltava, o affecío do povo, no elemento clerical, e, por elle e com elle, nas classes privilegiadas. Aproveitou-se para esse fim uma sociedade que já existia organisada desde os últimos annos do império, e pretendeu-se dar lhe o desenvolvimento necessário, a fim de que servisse de alavanca para multiplicar as forças do partido reaccionário, que voltara da emigração sem ser olvidado e sem ter aprendido. Com a subida ao throno de Carlos X, um de seus mais fervorosos adeptos, aquella espécie de maçonaria fradesca predominou na governação do estado, até que o anno de 1830, date, que talvez já não seja gloriosa para alguém d'esta casa, viu quebrar-se contra as barricadas de julho a soberba da reacção política, cuja ultima ousadia foram as celebres ordenanças que toda a camará conhece. Durante o reinado de Luiz Philippe seguiu a reacção clerical com varia fortuna, mas quando depois o actual imperador dos francezes quíz passar da cadeira áa presidência para o throno do império, acompanhado de insti-
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tuiçSes novas na letra e no espirito, achou-a logo ás ordens de sua vontade, e prompta a queimar inccnsos diante do que hoje é Herodes III, só porque se tem lembrado de ajudar a dar uma pátria a quem só antes tinha uma expressão geographica,
Desde aquelje tempo a reacção organisou-se em toda a parte, e para vermos o que é essa reacção chamada religiosa, inas a que eu chamo e chamarei unicamente clerical, e protesto novamente contra o emprego do adjectivo religiosa, em assumptos d'esta ordem.{apoiados}, basta lançar olhos desassombrados e desprevenidos sobre o que BC está passando em toda a Europa.
Se olharmos para a Bélgica vemos & rtafíçlo clerical posta ao serviço da reacção política, em todas as mas lutas contra a liberdade, qualquer quê seja a ínaniíWtaySo d'esta. Ainda ha poucos mezes na questão da Bappre^eEo doa octroisj o partido clerical votou contra, tal vê» porque a uh asse perigoso adoptar uma lei que, até certo ponto, derivava de algumas applicaçSes do princípio qua aquella detecta. Vemo-la maldizendo da imprensa; vemo Ia, asdm como tinha monopolisado o ensino, tentar monopolisar a beneficência, triumpho que não pôde obter, porque a indignação popular a fez recuar nas praças publicas. Cedeu então, porquê a obrigaram a ceder, mas cada dia se deita á brecha com maior animo e mais desafogada valentia.
Se olharmos para a França, vemos a reacção clerical ao serviço da reacção política, dando-se o eloquente espectáculo de verrnoa nas ultimas geasSea do nenado franeez, mus. de ia Rochejacquelin e de Segur de Aguesseau, accusar de brando 08y,stemaseguido em França a respeito da imprensa, syâíema que supperirae os jornaoa administrativamente, e pedir ainda meios mais repressivos da Uberdade de manifestação de pensamento. Este exemplo basta; não é necessário apresentar mais outros documentos,
Se olharmos para a Heapanha, vemos a reacção clerical igualmente posta ao serviço da reacção política, consentindo ambas que o dragão da censura previa salteie a imprensa de dentro da cela de uma freira tristemente celebre. Se olharmos para a Alleraanha, vemos na Attstria o código do absolutismo theocratico, escripto nas paginas da concordata pela mão dos velhos apóstolos da política de resistência; vemos na Prussia, por occasiSo das ultimas eleições, o partido clerical das províncias rhenanas, per6lar ao lado do feudalismo da Pomerania e da Siíesia, e quando as universidades protestavam contra uma circular ministerial, a camará sabe quaes foram os únicos professores que não se associaram ao pensamento liberal de seus collegas» Se olharmos para um ponto da Itália central, vemos... o que todos sabem melhor do que eu,
Já se vê que as duas reacçSes andam sempre unidas (apoiados). A reacção clerical pretende eníbroni^ar-so no nosso paiz, legalisando o estado de cousas que ahi existe com relação ao ensino das corporaçSes religiosas, isto é, tornando direito o quo hoje ó facto apenas, e se conseguir fazer passar para as opiniSes do parlamento o que anda nas opiniOes da illustre commissão, os illustres deputado» que assignaram este parecer, hão de vir necessariamente, mais tarde ou mais cedo, queiram ou não queiram, pela lógica inevitável dos factos, a tornar-se os caudílhos ou sócios de certas idéas políticas. Se querem um exemplo frizante, olhetía para a Hespanha e vejam o que está acontecendo aos homens que constituem o partido chamado da união liberal. Este partido é composto de alguns antigos ex-carlístas, maioria do partido moderado, e de uma porção notável de antigos progressistas. Estes progressistas na imprensa defendem todas as theorias do partido que dizem te£J e accumu-Iam, uns sobre outros, juramentos do dedicação a todas as liberdades; mas no conselho, no gabinete, no parlamento, quando se trata de fazer governo pratico, acham absolvição para todas as arbitrariedades. O garrote de Loja é absolvido em nome da justiça; os autos de fé de Barcelona e Ma-laga em nome da jurisdieçSo ecclesíastica; os processos ín-quisitoriaes de Granada em nome... eu sei... da liberdade de consciência; e a perseguição á imprensa em nome da moralidade. Outro tanto virá a acontecer entre nós, se não está já acontecendo. Liberaes! Sempre liberaes! E comtudo, quando chegam a actos effectivos, adeus crenças e adeus liberdade.
O sr. Casal Ribeiro:—Apoiado.
O Orador:—O illustre deputado apoiou-me ironicamente; mas permitta-me s. ex.a que lhe diga, com ô sentimento na alma, que o primeiro passo n'aquèlle deplorável caminho já foi dado por s. ex.* Pois s. ex.* não sabe que uma das grandes manifestações da reacção politíco-clerical é a sua hostilidade á unidade da Itália? D'esga Itália que por tantos annos gemeu esmagada entre os dentes da tenaz de ferro, chamada a influencia âu&tríaea? D'essa Itália onde se não pôde pizar um palmo de terra sem pizar cinzas de heroes e de martyres? Da qual Virgílio prophetisou que, nas eras futuras o lavrador, rasgando o solo com o ferro do seu arado, pararia absorto em admiração ao contemplar as ossadas gigantes que sairiam dos sepulchros arrombados? NSo vimos nós aqui a opposição votar em corpo uma moção em que se pedia á camará que saudasse a acelamaçSo parlamentar do reino de Itália? E que vemos boje? (Apoiados.)