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Discurso do sr. Santos e Silva, proferido na sessão de 7 de julho, e que devia ler-se a pag. 1606, col. 2.% lin. 65

O sr. Santos e Silva: — Permittam-me V. ex.ª e a camara que eu, antes de entrar propriamente no assumpto, que faz objecto d'esta discussão, dê alguns passos incertos pelo vasto campo da desamortisação. São incertos, sr. presidente, porque, em materias juridicas um leigo não póde senão vacillar. São incertos, porque sou obrigado a fazer uma digressão, para a qual não estava preparado, não me passando pela mente, que, no anno de 1868, houvesse no parlamento portuguez defensores tão fanaticos das propriedades de mão morta, ou inimigos tão implacaveis da liberdade da terra, que viessem aqui por pechas sobre o principio geral da desamortisação, applicado aos passaes, ou a outras quaesquer propriedades, em iguaes condições.

Em questões de tanta magnitude é necessario ser franco. Não valem meias convicções.

E necessario que cada um tenha bem definidas as suas. opiniões. A responsabilidade é grande; urge portanto que cada qual tenha a coragem de tomar sobre os seus hombros a parte d'ella, que lhe pertence (apoiados).

Sr. presidente, não queiramos sob o manto transparente de uma sinceridade suspeita, ou de um zêlo fictício por uma especie de propriedade, que não tem rasão de ser, acobertar aspirações a vãs popularidades, ou pretensões de uma religiosidade mais orthodoxa; porque é vão tudo que se não funda na justiça, e nos interesses bem entendidos da communidade social, e é blasphemo tudo o que mira a carear preconceitos, e a alimentar erros, que travam a roda, ou embaraçam o machinismo dos progressos moraes e materiaes (apoiados).

Appellou-se aqui para os sentimentos religiosos do paiz, e alludiu-se a interesses e direitos legitimos o respeitaveis, que este projecto vae ferir! Vejo que pretendem arrastar a questão para o campo do direito de propriedade. Pois aceito o debate n'esse terreno, e vamos collocar n'elle a discussão. Mas antes d'isso, preciso pedir desculpa á camara por me ver forçado, pelo dever do meu officio de relator d'este projecto, a entrar n'uma materia, a que sou completamente estranho. Solicito da camara toda a sua benevolencia.

Ou nas corporações e nos parochos reside o direito da propriedade dos bens que administram e usufruem, ou não. Se reside, ninguem póde tocar n'elles, porque toda a subrogação, toda a desamortisação, toda a inversão que não for filha expressamente da sua vontade, é uma violencia, é uma espoliação. Se o direito de propriedade de taes bens não reside nas corporações, ha de residir forçosamente no estado, nos poderes publicos, e n'este caso a nação póde inverte-los n'outros valores, subroga-los, desamortisados, desde que um rendimento igual é garantido, e fica segura a satisfação dos fins, a que se destinavam, emquanto similhantes fins tiverem rasão de ser.

Sr. presidente, se o direito da propriedade não residisse no estado, e sim nas corporações chamadas de máo morta, ninguem poderia inverter a fórma d'estes bens, porque não é um mero incidente que se inverte; mas é a essencia da propriedade que se sacrifica, e a essencia d'este direito consiste em cada um poder dispor da substancia da cousa propria, d'aquillo que é seu.

Se não esta no estado o direito de propriedade dos bens das corporações/ então em quem esta? Esta n'uma confraria? Esta n'uma mesa, que varia todos os annos a arbitrio dos confrades? Esta n'uma irmandade? Esta n'um provedor ou n'um reitor? Deus nos livre de tal doutrina. O direito é uma cousa séria, real, verdadeira, e não póde estar sujeito a tão perigosas interpretações, que nos levariam ao absurdo.

As corporações não são como os individuos. Existem na sociedade pela sociedade e para a sociedade, e todos os seus fins se resumem no fim geral da sociedade. Se as corporações têem direito da propriedade é necessario abolir desde já todas as nossas leis de desamortisação (apoiados). É necessario acabar com todas as iniquidades que derivam da legislação em vigor; libertar os estabelecimentos do jugo despotico dos poderes publicos; renegar todo o nosso passado; rasgar as paginas da nossa historia (apoiados); lançar um estigma sobre toda a legislação da Europa, desde as epochas mais remotas até hoje; e dizer a esse mundo