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1815

Discurso do sr. Mártens Ferrão, proferido na sessão de 11 de julho, publicada no Diario n.° 155, que deveria ter-se lido a pag. 1667, col. 2.ª, lin. 59.

O sr. Mártens Ferrão: — Tendo pedido a palavra sobre a ordem, começarei por ler a minha moção de ordem:

«Proponho que se declare se as palavras =por conta do estado = que se encontram no artigo 1.°, significam a revogação do direito de propriedade nos corpos locaes, a que se refere o projecto de lei em discussão, contra a disposição do artigo 382.° do codigo civil.»

O artigo que se acha em discussão, assim como o artigo 2.° são a chave e a base d'este projecto, assim como o projecto é, na expressão do governo, a base do seu systema financeiro. Eu estou de accordo com o que hontem aqui disse o nobre presidente do conselho; este projecto é essencialmente financeiro: assim o considero e assim vou aprecia-lo.

Para mim, como para o governo, segundo as suas declarações, a questão da desamortisação esta passada e julgada. As nossas leis de desamortisação podem considerar-se como modelo no respeito pelos direitos e pelos justos interesses das corporações e dos corpos locaes; direitos e justos interesses que n'ellas são tratados com maximo escrupulo. Em nenhum paiz dos que têem seguido o caminho da desamortisação, -se encontram leis nem mais justas nem mais liberaes n'este assumpto.

Temos a lei pela qual se desamortisaram os bens das corporações religiosas, lei de 4 de abril de 1861; temos que tornou obrigatoria a desamortisação das propriedades dos municipios e dos outros corpos locaes, dos fóros pertencentes aos passaes, como dotação parochial, e tornou facultativa a desamortisação dos passaes; a lei de 22 de junho de 1866.

Tivemos a que desamortisava os baldios, a lei de administração civil, hoje destruida; e hoje temos a proposta do governo igualmente para a desamortisação dos baldios.

A questão pois de desamortisação está passada e julgada quasi na sua totalidade e eu não venho por isso sobre este ponto sustentar novamente as vantagens que para os corpos locaes e para as finanças do paiz resultam da desamortisação. Tenho a minha opinião já registada a este respeito na discussão da lei de 22 de junho de 1866, que depois tive da honra de referendar. Então, disse como julgava que a desamortisação era um dos progressos da nossa epocha; não volto portanto sobre este ponto.

Considero o projecto do governo como medida financeira, disse eu, discutirei por isso de preferencia a operação financeira em que elle se resume. Este modo de o apreciar leva-me a considera-lo em todo o seu complexo como operação de fazenda, e no seu alcance com relação ás necessidades financeiras e economicas do paiz, e as circumstancias do thesouro.

N'este systema de apreciação é-me forçoso fazer algumas considerações fóra do artigo 1.º Este artigo é a base do projecto, ligado com o artigo 2.° comprehende o systema completo do governo; é mister por isso aprecia-los conjunctamente.

Se no decurso d'esta discussão tiver de me referir, ao projecto inicial, não é porque deixe de reconhecer que hoje o projecto do governo é o que está em discussão. Se me referir pois ao projecto primitivo, é para calcular a differença em relação ao systema geral do governo, que resulta de um a outro, e por isso o deficit de recursos que d'este resulta em relação áquelle.

Hoje o projecto do governo não é outro senão o que saíu do seio das commissões. O governo é livro para concordar com as commissões, e estas não são simples chancella dos governos. Não censuro por isso que o gabinete de accordo com as commissões modificasse tão profundamente o seu projecto primitivo; estava completamente no seu direito e nas praticas parlamentares.

O projecto para mim é um emprestimo sobre os bens, de facto ainda não desamortisados, pertencentes aos corpos locaes e aos estabelecimentos religiosos, o cujo encargo principal vae pesar na sua maxima parte, e por maneira desigual sobre esses mesmos corpos locaes. E sobre estes dois pontos precisamente que assenta a base do systema de governo, e é por isso que eu o não posso acompanhar.

Sr..presidente, n'esta questão considerada debaixo do ponto de vista em que eu a estou encarando, como questão financeira, já tem sido expendidas reflexões por parte dos illustres deputados que me têem precedido e pelo governo; a questão da fazenda tem sido começada a tratar a proposito d'esta discussão, e assim era de presumir. É quasi certo, pelo menos para mim, que nós não discutiremos o orçamento geral do estado; póde ser que se discuta, mas as minhas apprehensões são de que não chega a ser discutido, não podia pois reservar eu para ahi a apreciação da questão de fazenda. Por outra parte nós estamos discutindo um projecto de fazenda, é este por isso exactamente o logar proprio para apreciar, ainda que a largos traços, o estado financeiro do thesouro, e o valor do systema do governo.

A questão de fazenda, digo-o sem nenhuma idéa de censura, nunca foi discutida n'esta casa como menor somma de esclarecimentos do que actualmente (apoiados). Faltam esclarecimentos para se conhecer o estado da fazenda publica; faltam esclarecimentos para se conhecer o alcance das propostas do governo, e sobretudo para se avaliar os elementos que ellas tiveram por base e o valor e importancia d'elles.

Faltam elementos para se conhecer o estado da fazenda publica, digo eu, porque procurei debalde o desenvolvimento da divida fluctuante e do deficit, e não o encontrei em nenhum acto ou documento official, contra o que era uso e costume das administrações anteriores.

Eu conheço o relatorio de 31 de dezembro de 1867, sobre o estado da fazenda publica, tem todos os documentos emanados da secretaria em relação ás operações de fazenda feitas até áquella epocha. Este relatorio é da administração passada. Posteriormente conheço o relatorio do sr. ministro da fazenda, de 17 de abril, em que se dá conta resumida dos resultados do emprestimo de 16 de dezembro, documento que completa o relatorio de 31 de dezembro, mas esse relatorio de 17 de abril vem desacompanhado de documentos e refere-se unicamente áquella operação; depois até á actualidade, ou ao menos até uma epocha approximada do começo da discussão das medidas financeiras, propriamente ditas, não ha nenhum relatorio, como era costume, acompanhado do desenvolvimento do estado da divida e das operações do thesouro.

Foi hontem publicada uma nota da divida fluctuante até 31 de dezembro de 1867, mas nota insufficiente, por falta de desenvolvimento. Procurei o desenvolvimento d'esse mappa e daquelle a que se referira o governo na discussão de ha poucos dias, e apenas encontrei no discurso que o sr. ministro da fazenda pronunciou n'esta casa um sucinto resumo, que não adianta mais para o meu intento do que o que já se encontrava no relatorio que precede as medidas de fazenda e no da commissão de fazenda.

Fallo n'este assumpto porque tinha pedido ao governo que, publicasse o estado da divida e da fazenda publica, com todos os documentos que esclarecessem estes pontos, porque era esta a pratica dos governos anteriores, e porque a gravidade da questão de fazenda assim o exigia; quem ha que desconheça que para. apreciar a divida fluctuante não basta saber a sua cifra? Eu não posso de fórma alguma duvidar das asserções do governo, supponho sempre, que ias asserções dos, governos são exactas, mas as suas vagas indicações na actualidade não me dão a conhecer o estado e o desenvolvimento da divida, e a discussão de fazenda mal póde encetar-se sem isso. Não se sabe como a divida fluctuante está representada, não se sabe se nas sommas vagamente indicadas, estão comprehendidas dividas, que não sendo divida fundada, tem comtudo, um caracter intermedio, quaes são as dividas com amortisação a prasos mais ou menos largos. No anno passado foi decretada a consolidação de dividas importantes do estado; não sei se todas essas foram effectivamente consolidadas, creio que não. Não ha sobre este ponto importante, porque é de execução de lei, outro esclarecimento publicado, senão a nota preliminar do orçamento, mas que é ainda do orçamento da situação passada, em epocha em que nem todas essas operações podiam estar realisadas. N'essa nota vem indicada uma parte das dividas já consolidadas, e as que o deveriam ser. Foram-n'o effectivamente? Não se sabe, e era necessario saber-se para as apreciações a que me tenho referido. Creio que algumas não chegaram a se-lo, como por exemplo o emprestimo Chabrol, mas nenhuma conta foi presente ainda ao parlamento.

Não se conhece pois quaes são as sommas consolidadas, os I cargos das differentes operações, os seus prasos, as condições com que estão contratadas, e como são representadas, se com penhor, se sem elle, finalmente qual é a somma por que n'aquelle total entram as operações com amortisação. Na ausencia de esclarecimentos d'esta ordem que nunca foram negados ao parlamento, é mister aceitar sem desenvolvimento a vaga indicação do governo e da commissão.

Por outro lado em relação ao deficit, vejo-o calculado no relatorio que precede o orçamento em 6.100:000$000 réis, mas diz-se ahi que naquelle deficit, ha importantes attenuações a fazer que serão indicadas no relatorio do estado da fazenda publica, e no relatorio que precede as propostas do governo similhantes attenuações não são calculadas. Eu sei que o calculo do deficit é sempre mais ou menos incerto, porque assenta sobre os calculos da receita e da despeza que é mais ou menos oscillante, e essas differenças dão-se sempre ainda nos paizes em que ha orçamentos muito mais aperfeiçoados pela rectificação. Sei que na tribuna franceza está sendo considerada a questão do orçamento de outro modo, mas salvo o respeito aos illustres homens d'estado que têem combatido o systema rectificativo e a divisão dos orçamentos em ordinarios e extraordinarios, a minha opinião é pela conveniencia assim do orçamento rectificativo, como dos orçamentos ordinarios e extraordinarios, no sentido economico que lhes corresponde. Os inconvenientes que ali tem sido apontados, deduzidos da difficuldade do jogo dos orçamentos, são bem compensados pela importancia economica que essa divisão traz ou deve trazer.

Procurei de balde, dizia eu, as attenuações a que o governo se referiu, e não as encontrei no relatorio geral do estado da fazenda publica, onde havia promettido que seriam indicadas, quero dizer, no relatorio, que precede as propostas do governo, porque outro não ha apresentado.

N'esse relatorio o governo fixa o deficit em 6.000:000$000 réis; mas não nos diz quaes são as attenuações a que se referira no orçamento e emquanto as orça. Eu noto este vago tanto mais quanto n'este ultimo relatorio se calcula a receita e a despeza em termos tão genericos, que nos daria uma grande differença de deficits segundo tomassemos um ou outro extremo. Diz-se, que a receita orça entre 16.000:000$000 e 17:000:000$000 réis, e a despeza entre 22.000:000$000 e 23:000:000$000 réis. Se tomarmos os extremos, teremos um deficit ou de 5.000:000$000 ou 7.000:000$000 réis; infelizmente as minhas apprehensões são de que se ha de approximar mais do segundo termo. Mas nunca a appreciação da receita e da despeza, e por isso o seu deficit, foi exposta por maneira tão vaga e incerta. D'aqui provém a minha estranheza. Resulta do que digo, que o estado da fazenda publica não está exposto como convinha para poder ser apreciado minuciosamente como as circunstancias exigem, e como tantas vezes fôra promettido.

Se d'este ponto passo a apreciar o systema financeiro do governo, tambem encontro embaraços para poder calcular o alcance das medidas propostas; a incerteza não é menor. Notarei por exemplo o projecto que se discute agora, e que é a base do systema do governo; assenta todo esse projecto sobre a somma mais ou menos importante de bens para desamortisar. O governo calculou esses bens em 15.000:000$000 réis, que a praça os faria ascender ácerca de 20.000:000$000 réis. Não o contesto. E claro que a venda poderá faze-los ascender a uma somma importante, se não houver grande concorrencia de propriedades no mercado, que produza depreciação. Mas, com relação aos 15.000:000$000 réis das avaliações, vejo-me obrigado a jurar nas palavras do governo. Diz o governo que = pelos documentos officiaes e esclarecimentos que obteve, o valor das propriedades a desamortisar será de 15.000:000$000 réis =.

Por um requerimento pedi que fossem remettidos á camara esses esclarecimentos, não houve nota que satisfizesse este meu pedido, e na falta d'ella tive de recorrer a documentos dispersos, que a minha memoria me sugeriu, a elles fui buscar algumas luzes.

Procurei os mappas publicados em 1863, procurei o relatorio do projecto da desamortisação de 1866, recorri ao discurso pronunciado n'essa epocha pelo actual sr. ministro da fazenda, então relator d'aquelle projecto; mas em primeiro logar esses documentos eram de uma epocha muito remota, e em segundo não abrangiam senão os bens a que especialmente aquella lei se referia, não podiam por isso satisfazer.

Encontrei no relatorio da commissão financeira, publicado em maio ultimo, uma declaração a que liguei bastante importancia.

Diz-se ahi que a ultima nota dos inventarios realisados com relação á desamortisação dava em bens para desamortisar cerca de 5.000:000$000 réis. Havia todavia ainda uma somma importante de propriedades para inventariar. Ignoro se essa nota comprehendia toda a especie de bens sujeitos á desamortisação, é de presumir que sim, e sendo assim, os fóros dos passaes devem ali estar comprehendidos, porque estão sujeitos á desamortisação obrigatoria pela lei-de 1866. Aquella somma addicionei o valor presumivel dos passaes em cerca de 3.000:000$000 réis, comprehendendo n'esta apreciação os fóros, que ignoro todavia so já se achavam em parte comprehendidos na nota a que me referi.