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APPENDICE Á SESSÃO DE 15 DE JULHO DE 1890 1278-A

O sr. Francisco Machado: - Pedi a palavra para rogar a v. exa. a fineza de fazer constar ao sr. ministro da marinha, que eu desejava que s. exa. viesse a esta camara n'uma das proximas sessões antes da ordem do dia, para eu poder tratar, na presença de s. exa., da questão das armações de pesca em Peniche.

Eu hei de tratar essa questão com toda a placidez e circumspecção, instando com o sr. ministro da marinha para que tenha dó dos pobres e desgraçados pescadores que ali estão luctando com a miseria. O meu fim não é pedir, que se consinta o lançamento de novas redes de pesca, mas apenas que se consinta o restabelecimento d'aquellas que estavam concedidas á entrada d'este governo, e que foram mandadas levantar por motivos eleitoraes.

As eleições acabaram ha muito e não é justo, que o governo continue a victimar aquelles que me deram os votos. Já só vê, pois, que o meu pedido não póde ser mais justo. D'ahi resultará não só um grande beneficio para aquelles infelizes pescadores, mas até um augmento de receita para o estado, que tem sido muito prejudicado pela teimosia como tem procedido n'esta questão, que joga com muitos interesses e com o sustento de muitas familias pobres.

Eu tenho aqui uma estatistica que mostra que este anno o imposto do pescado já rendeu em Peniche menos réis 620$000 do que no anno passado, ficando o thesouro prejudicado, a camara municipal e os desgraçados pescadores, que merecem a compaixão de toda a gente, menos d'este governo.

Eu tinha tenção de tratar d'este assumpto com toda a largueza na discussão dos addicionaes dos 6 por cento, se porventura estivesse presente o sr. ministro da marinha, mas a camara sabe que, por motivos estranhos á minha vontade, eu fui obrigado a restringir consideravelmente as observações que desejava fazer sobre este assumpto. (Riso.)

Os meus collegas riem-se?

Pois creiam que me ficou muita cousa por dizer.

A largueza de uma discussão deve ser consoante a importancia do assumpto que se discute, e o imposto de mais 6 por cento que se vae lançar sobre todos os impostos merecia que se esmiuçasse se o governo tinha ou não motivos para assim proceder.

Lançar 6 por cento sobre todos os impostos, quando o governo tem, por um lado, esbanjado dinheiro doidamente, e por outro lado perdido receitas por mero capricho, como no caso presente, reputo um verdadeiro crime. Por isso tendo quanto se diga é pouco para combater este imposto.

V. exas. levam tudo de risota; pois creio que não farão lá muito bem, porque o dia do ajuste de contas póde não vir longe e os que agora nem podem depois chorar.

Mas, como disse, o governo pela sua teimosia em se vingar nos que não quizeram dar-lhe o voto em Peniche, perde este anno mais de 600$000 réis no imposto do pescado, comparado com o do anno anterior.

Posso dizer a v. exa., que este anno não tem sido ali menos abundante o producto da pesca do que foi o anno ultimo; a diminuição é pois devida a ter-se mandado levantar as armações, que estavam no mar com toda a legalidade não prejudicando ninguem, e antes beneficiando o estado, os proprietarios, a terra e os maritimos.

Ao menos não consinta o governo privilegios nem excepções para pessoa alguma. O sr. ministro da marinha, que consinta aquelles que são seus amigos lançarem quantas armações quizerem, mas consinta tambem aos outros que são meus amigos, e que já tinham as armações no mar e que foram mandadas levantar, porque não quizeram dar os votos ao governo. Note bem a camara, que eu não venho pedir para se fazer mal a ninguem, antes pelo contrario, venho pedir, que se faça bem a todos sem excepção, porque se faz bem ao estado, que recebe o imposto correspondente, e a todos que trabalham na industria da pesca e ás industrias que com ella estão ligadas.

O anno passado lançou-se, sem reclamação de ninguem, pela primeira vez, uma armação do systema valenciano nos mares de Peniche que deu magnificos interesses a todos, tendo tambem o estado a sua parte. Este anno foram ali dois navios de guerra obrigar os donos das armações a levantar as redes que estavam no mar.

E cousa verdadeiramente notavel! Para que v. exa. veja a injustiça com que se procedeu, basta dizer que tendo o governo ordenado ao capitão d'aquelle porto maritimo que intimasse os donos das armações para as levantarem, e se elles não obedecessem fallasse a homens da terra para proceder ao levantamento. Posso dizer a v. exa. e á camara com o maior orgulho, que em janeiro, quando os maritimos luctavam com uma crise de fome bastante grande, porque é a epocha em que ha quasi sempre fome na classe piscatoria, nem um só se prestou a desempenhar aquelle serviço. O capitão do porto de Peniche offereceu, por ordem do governo, duas libras por dia a cada pessoa e não encontrou um só maritimo, que fosse destruir aquellas redes!

Não conheço procedimento mais nobre nem mais digno, e eu folgo de poder, á face do parlamento portuguez, glorificar aquelles homens honrados, como os não ha mais em parte nenhuma.

Honro-me, sr. presidente, em ser o representante d'aquelle nobre povo, e orgulho-me immenso em ser o representante em côrtes para lhe defender os seus interesses. Se não houvesse outros factos para attestar a honradez e a probidade d'aquella gente, bastava este, que não tem talvez outro igual. Pois a fome e a virtude abrigaram-se nas mesmas casas. Aquelles honrados maritimos antes queriam morrer de fome do que destruirem uma propriedade, que dava grande beneficio á terra, embora não d'esse directamente aquelles que eram convidados a deatruil-a.

Bastava este facto para qualquer governo, que não fosso este, hesitar, perante a resolução que tão levianamente tinha tomado. Vieram dizer-lhe, os que reputa seus amigos, que a unica maneira de obter votos em Peniche era mandar levantar as armações, que prejudicavam os interesses da terra e da classe maritima.

Ainda comprehendo que ministros com cabeças tão levianas como estes têem, e com a doidice em que estavam de vencer, fosse como fosse aquella eleição, dessem tão absurda ordem para destruir propriedades particulares legitimamente possuidas.
Porém o que não comprehendo é como, depois de uma demonstração tão evidente, houvesse governo que persistisse na execução de tão inaudita prepotencia.

A attitude dos maritimos devia mostrar logo ao governo que o tinham enganado; mas elle na sua cegueira levou por diante o. seu desastrado proposito e manda a Peniche, primeiro um navio de guerra, e como este não bastasse, manda segundo e destruiu barbaramente as armações, no meio de gritos e choros de uma povoação inteira de mais de 3:000 pessoas, com excepção de meia duzia de cannibaes, se tanto, que se regosijavam com tão brutal attentado! O resultado de tudo isto foi o que se devia esperar.

O governo teve n'aquella assembléa apenas 23 votos! Eu tive n'aquelle concelho 1:110 votos de maioria! Se eu quizesse dar a este assumpto o largo desenvolvimento que elle merece, levaria umas poucas de sessões, mas limito-me simplesmente a fazer um esboço rapidissimo, pedindo a v. exa. a fineza de avisar o sr. ministro da marinha para vir a esta casa numa das sessões proximas a fim de eu poder tratar com s. exa. esta questão. Mas para isso preciso ainda pedir a v. exa. outro obsequio.

Na sessão de 22 de abril requeri, pelo ministerio da marinha e pelas capitanias dos portos de Lisboa e delegação maritima de Peniche, que me fossem enviados todos os documentos relativos á questão das armações de Peniche. Desde 22 de abril até hoje ainda não vieram esses documentos.

Comprehende v. exa. a necessidade que tenho de que

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