O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 145

(145)

N.º 9. Sessão em 16 de Abril 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 63 Srs. Deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

EXPEDIENTE.

Officios. — 1.º Do Sr. Deputado Albuquerque Caldeira, participando que motivos urgentes o obrigam a recolher a sua casa, em consequencia do que não lhe é possivel, durante a actual sessão legislativa comparecer mais na Camara. — Inteirada.

2.º Do Sr. Deputado Oliveira Cardoso, participando que o seu máo estado de saude o obriga a sair de Lisboa por algum tempo, e por isso pede que a Camara lhe conceda 30 dias de licença. — Foi concedida.

O Sr. Moraes Soares: — Vou lêr e mandar para a Mesa o seguinte projecto de lei:

Continuando disse: — Mando tambem para a Mesa uma representação da Camara Municipal de Provosende, relativa a esta materia do projecto que tenho a honra de apresentar. Peço a urgencia, e que seja impresso o projecto e o seu relatorio no Diario do Governo.

Foi julgado urgente, e remettido á commissão Especial de Vinhos, e igualmente se resolveu que fosse impresso no Diario do Governo.

Relatorio. — Senhores: O abatimento e extrema decadencia do commercio dos vinhos do Alto Douro é um facto tão verdadeiro como doloroso. A fome e a miseria batem com mão assustadora á porta dos lavradores, ainda ha pouco tempo fartos e ricos. Se no futuro não luzisse um raio de esperança, todos abandonariam o pesado grangeio de suas pro-

VOL. 4.º — ABRIL — 1849.

37

Página 146

(146)

priedades; e dentro em poucos annos as formosas quintas do Douro offereceriam um espectaculo de ruina e desolação, como a terra sobre que passou a ira de Deos.

É verdade que o commercio dos vinhos do Douro nem sempre correu por entre as flores da prosperidade; mas tambem é certo que nunca chegou a um estado de definhamento, como o que actualmente se observa.

O vinho é a producção quasi unica do Alto Douro, as suas aridas collinas não se prestam a outra sorte de cultura, se a vinha morrer, morre o lavrador, e este desgraçado acontecimento lança um reflexo melancolico em toda a nação; porque, na limitada superficie de doze a quatorze legoas quadradas, o nosso paiz vinhateiro produz avultadissimos valores, consome em grande escala os nossos cereaes, legumes, e outros generos, entretém milhares de braços, e contribue com mais de 400 contos de réis para as despezas do Estado.

Ha longos annos que a nossa boa estrella vai perdendo o seu glorioso brilho — perdemos a maior e melhor parte das nossas possessões do Ultramar — as nossas formosas armadas deixaram de existir — o nosso commercio esmorecido lamenta o perdimento da sua opulencia e grandeza — e se o Douro succumbir cairá da corôa portugueza a sua ultima e mais preciosa joia.

Cumpre por tanto oppôr uma barreira ao progresso de um mal tão grave, em si, e nas suas consequencias, urge auxiliar com mão firme e protectora a industria agricola do Douro, que no seu leito de lagrimas soffre as agonias do passamento.

Mas se facil e claramente se patentêa este extenso e profundo soffrimento, nem por isso se póde atinar prestes com remedio prompto e efficaz. E tambem ninguem o exigirá, porque a todos é evidente a profundeza e gravidade da ferida. Uma longa serie de causas, assim ordinarias, como extraordinarias, tem actuado em sentido adverso ao Douro — e nem se podem destruir rapidamente os resultados do mal amontoados pelo correr dos annos — nem e dado ao poder do homem desviar os acontecimentos do caminho traçado pela Providencia.

O que o Douro deseja, e tem direito a exigir, é apenas um lenitivo, uma escora, que o não deixe precipitar nos abysmos da desgraça — bonança e prosperidade, se forem possiveis, só o tempo as póde trazer.

Sem que eu tenha a louca vaidade de resolver uma questão, que envolve tantos interesses, que exige tantas combinações, e que na variedade e encontro das opiniões patentêa a sua grande difficuldade, julguei do meu dever dedicar as minhas meditações a este assumpto, e apresentar com boa fé e sinceridade um trabalho, que não terá de bom mais do que a significação do ardentissimo desejo de ser util aos meus constituintes, que me honraram com a sua confiança.

Póde fazer-se uma larga exposição das causas eficientes da decadencia do commercio dos vinhos do Douro, porque são muitas; mas em resumo todas ellas exprimem um facto = é maior a producção do que o consummo. — Diminuir a producção, augmentar o consummo, e fundar o credito agricola — são os tres pontos, que constituem o problema, cuja resolução póde trazer no presente o suspirado allivio, e no futuro importantes e vantajosos resultados.

«Diminuir a producção.» — Para estabelecer o equilibrio entre a producção e o consummo, é indispensavel cercear aquella, e dilatar este. A producção deve cercear-se por intervenção de medidas indirectas, que tendam a este fim; porque seria impotente qualquer esfôrço, seria até um attentado contra o direito de propriedade obrigar os lavradores a destruir parte das suas vinhas.

A producção demasiada em relação ao consummo origina a morte de todas as industrias, nas quaes se verifica esta circumstancia — é o excesso da vida e do sangue, que fatiga e enerva todos os elementos da acção economica.

Sendo certo que a abundancia traz o barateio, é claro que o lavrador deve levar á feira unicamente a porção de vinho, que tiver venda provavel; mas para esta operação se realisar com vantagem, cumpre que a companhia extraia o resto da novidade, por um preço, que apenas cubra a despeza do grangeio, e que não alente a cultura de um genero superfluo, que fatiga as forças do agricultor, e entulha os mercados.

Deste facto hão de manar infallivelmente duas consequencias de muito proveito: 1.º o preço baixo porque a companhia compra, habilita-a para emprezas commerciaes ainda as mais arriscadas: 2.º o preço baixo porque o lavrador vende, ha de faze-lo reflectir na inutilidade da sua demasiada colheita, e força-lo a destruir aquella porção de vinha, que produz o superfluo sobre as forças do mercado.

a Augmentar o consummo.» — O consummo, ou exportação dos vinhos do Douro, póde ter incremento pela adopção de varias medidas.

A primeira, e mais proficua, que deve tentar-se, consiste na diminuição dos direitos que os nossos vinhos pagam nos portos estrangeiros. Mas a remoção destas funestas barreiras pertence ao Governo pela negociação de tractados justos — aquelle que os ultimar, merecerá uma estatua gloriosa, que perpetue a memoria de seus nomes.

Abrir novos mercados é outro meio de augmentar o consummo; mas estas tentativas de exportação só as póde fazer uma companhia forte e poderosa, e por isso convem collocar a actual companhia em uma posição firme, dando-lhe uma lei claramente definida e inalteravel, que sirva de base solida ao seu credito, cujos abalos fariam perecer as mais lisonjeiras e fundadas esperanças, tornando inefficazes os maiores, e mais penosos sacrificios.

Esta companhia, competentemente habilitada, levará o nosso vinho aos differentes portos de todo o Mundo; porque, pondo fóra da concorrencia quaesquer competidores, tem um braço robusto para arrostar as eventualidades de varia fortuna, a que estão sujeitas todas as especulações commerciaes.

Para se tirar todo o proveito do estabelecimento da companhia, convém que ella seja inhibida de exportar para Inglaterra, e Brazil; por quanto seria grande absurdo habilitar a companhia com poderosos meios para fazer o commercio ordinario e seguro.

Conservar a pureza, e bem merecida reputação do vinho do Alto Douro, ha de necessariamente influir não só na sua procura, mas na subida, e sustentação do seu preço. A queima no Douro de 25:000 pipas de vinho de inferior qualidade, preenchendo parte desta indicação, offerece, além de muitas outras, as seguintes vantagens:

Página 147

(147)

1.º Desfaz a suspeita de que os vinhos inferiores vão aos differentes mercados de mistura com o vinho fino.

2.ª Aperfeiçoa muito a bondade dos vinhos de primeira ordem, porque a agoa-ardente do Douro e a melhor, que se conhece, e faz subir os quilates do vinho, que é com ella tractado.

3.ª E um meio indirecto de exportação; porque no pequeno volume alcoólico vão transformadas 25 000 pipas de vinho

«Fundar o credito agricola.» — O lavrador do Douro tem no seu vinho um valor morto, em quanto não realisa a venda. E como ha de elle acudir á subsistencia da familia, e ás necessidades do grangeio, que exigem uma despeza diaria, quando em prasos longos, e na maioria das vezes incertos receber o producto da sua novidade? Poucos são os lavradores, que palpam algum rendimento sobrecellente. Os outros la vão á porta do agiota antecipar, e sacrificar o melhor, ou o todo da sua receita.

Para destruir esta damnosa necessidade e preciso estabelecer uma especie de credito, e realisar uma antecipação, que, sem os inconvenientes de um emprestimo ordinario, habilite o lavrador com alguns meios no momento dos seus apuros. Se o lavrador se vir forçado a tomar a juro alguma quantia, põe em muito risco a sua propriedade, porque se o rendimento della não sustenta a despeza da cultura os emprestimos sobre o mesmo rendimento, ainda que o piro seja modico, terminam pela completa absorpção dos valores, que servem de hypotheca

Uma caixa, em que os lavradores depositem uma pequena fracção de seus rendimentos, apresenta uma base sufficiente para a fundação do credito agricola, e fecunda um principio das mais seguia, e uteis consequencias O lavrador não pede do alheio — a caixa facilita-lhe a disposição prompta dos seus proprios recursos — e quasi insensivelmente o obriga a fazer uma economia, que actua sobre o engrandecimento de sua fortuna

Finalmente a caixa assim estabelecida proporciona os meios a pai das necessidades, com o menor sacrificio — e a origem de uma possivel, e bem entendida economia — salva a lavoura da voracidade da uzura — e facilita-lhe os meios de reparar, em virtude do deposito successivo, os golpes de um revez que possa soffrer.

Mas ainda que se concertem as mais efficazes provisões, para deduzir dos principios estabelecidos as suas naturaes consequencias, faltaria o fecho da abobada, se uma providencia se não associasse a todas as outras. Refiro-me á creação de uma entidade, que representando todos os Interêsses, fiscalise e promova o cabal desempenho da lei

É sobre este pensamento que se funda a nomeação de um conselho fiscal, composto de tantos elementos, quantos sejam necessarios para garantir os varios interesses, que estão ligados ao commercio dos vinhos do Douro

O conselho fiscal collocado em uma posição elevada pela natureza da sua origem — incorruptivel pela independencia reciproca de seus membros — sollicito, e zeloso por sua propria conveniencia — activo, e expedito pela simplicidade de suas funcções — e assás respeitavel pela força e transcendencia de suas decisões — servira de intermedio nas questões de lavoura e companhia, proporcionara ao Governo, e aos corpos legislativos todos os esclarecimentos necessarios, e reprimira com mão severa os abusos de acção fiscal confiada aos empregados da alfandega.

Resta-me apontar os elementos financeiros, que devem servir para realisar as medidas indicadas, sem o que qualquer pensamento, por mais plausivel e rasoavel que fosse, ficaria sempre na região das idealidades

Conservando a companhia o subsidio actual; obrigando-se a lavoura a comprar-lhe um almude de agoa-ardente por cada pipa de vinho que ficar approvada em 1.º qualidade, obrigando mais o commercio a comprar-lhe dois almudes de agoa-ardente, por cada pipa de vinho que embarcar para Inglaterra, e um almude no que mandar para outros pórtos estrangeiros, comprando-se, termo medio, a exportação para Inglaterra em 22 000 pipas, 8 000 pipas para outros portos, e 20 000 pipas o vinho que fica approvado em 1 a qualidade, e vendendo a companhia a agoa-ardente a 80$000 réis, e comprando-a a 60$000 réis, terá esta ainda um lucro certo de 17.140$000 íeis, como e facil de conhecer pela demonstração seguinte Reduzindo 72 000 almudes d'agoa-ardente, teremos em pipas 3:428, que

Vendidas a 80$000 réis cada uma

produzem..................... 274 240$000

A compra de 25.000 pipas de vinho, ou 3.428, que aproximadamente produzem em agoa-ardente, a 60$000 réis importa.................. 205 680$000

Despezas da lambicação, carretos, quebras, etc, etc, a 15$000 réis por

pipa....................... 51:420$000

Total da despeza.............. 257 100$000

Total da receita........... 274 240$000

Lucro..................... 17:140$000

E sem se alterar a essencia da lei de 21 de abril, póde melhorar-se o contracto, sobre que ella se funda, da maneira seguinte

Comprando a companhia 6 000 pipas de vinho separado da 1 º qualidade, e 14 000 do vinho de 2.ª de 1 a 16$000 réis. e o de 2.ª a 12$000 réis, recebendo a mesma companhia 17:140$000 réis, lucro acima mencionado, ficará com uma vantagem de 13.860000 réis, como se vai evidenciar A companhia emprega: Na compra de 6 000 pipas de vinhos da 1.ª qualidade, a 16$000 réis cada uma....................... 96.000$000

Na dita de 14 000 pipas da 2.ª, a 12000.......!............. 168 000$000

Total do emprego............ 264.000$000

A companhia recebe

Subsidio actual...... 150:000$000

Lucro da 1.ª operação 17:140$000 167:140$000

Differença entre o emprego e receita................... (a) 96:140$000

Comparando o resultado desta operação com a

Página 148

(148)

da primeira, que se faz em virtude da lei de 21 de abril, a vantagem a favor da companhia é patente. A companhia emprega na compra de

20.00 pipas de vinho a 13$000

réis cada uma................. 260:000$000

Recebe.......................... 150:000$000

Differença entre o emprego e receita................... (6). 110:000$000

E por tanto evidente que entre as duas differenças (a) (6) existe uma vantagem de 13:860$000 réis a favor da companhia.

Persuado-me que deste modo fica a companhia competentemente habilitada, sem se ferir a lei de 21 de abril, que fica sendo legislação vigente na parte essencial, que não é, nem podia ser por este projecto alterada; e como consequencia de tudo o que deixo ponderado, tenho a honra de submetter á vossa illustrada consideração o seguinte

Projecto de lei.

CAPITULO I.

Dos novos encargos, e compensações da companhia.

Artigo 1.º A companhia de agricultura das vinhas do Alto Douro será obrigada a comprar aos lavradores, dentro da actual demarcação, 45:000 pipas de vinho; a saber: 25:000 da 3.ª qualidade para destilar, 6:000 do separado de 1.ª qualidade, e 14:000 da 2.ª qualidade para exportação e consummo.

Art. 2.º O preço das 25:000 pipas, que a companhia destillar, será computado pelo que produzir em agoa ardente de 10 graos de Tessa, a razão de 60$000 réis a pipa de agoa-ardente; o preço das 6:000 pipas do vinho separado de 1.ª qualidade será de 16$000 réis; e o das 14:000 da 2.ª qualidade será de 12$000 réis cada pipa.

Art. 3.º Serão obrigados a comprar á companhia a razão de 80$000 réis a pipa de agoa-ardente de boa qualidade, e da força de 10 gráos de Tessa.

Os negociantes — dois almudes de agoardente, por cada pipa de vinho, que exportarem para Inglaterra, e um almude do que exportarem para outros pórtos estrangeiros;

Os lavradores — um almude de agoardente por cada pipa de vinho, que lhes ficar approvado em 1.ª qualidade.

Art. 4 o Para todos os effeitos desta lei, na falta do vinho de 3.ª qualidade servirá o de 2.ª, ou 1.ª; e na falla do vinho de 2.ª qualidade servirá o de 1.ª mas não vice versa.

Art. 5.º As disposições do artigo 1.º são facultativas da parte dos lavradores, e as do artigo 3.º da parte da companhia.

Art. 6.º É prohibido á companhia exportar para Inglaterra, ou Brazil as 20:000 pipas de vinho, que compra aos lavradores, e será obrigada a publicar todos os annos o destino que lhes deu,

CAPITULO II.

Da fundação da caixa de credito. Art. 7.º A companhia, quando realisar o pagamento aos lavradores do Douro, far-lhes-ha rim desconto de cinco por cento da totalidade de cada um desses pagamentos: e do producto dos descontos se constituirão os fundos da caixa de credito.

Art. 8.º De cinco em cinco annos os lavradores poderão levantar as quantias, que tiverem depositado; mas senão quizerem levantar o deposito, a companhia pagar-lhes-ha annualmente cinco por cento da quantia depositada nos cinco annos antecedentes.

Art. 9.º A companhia fica obrigada a descontar nos lavradores, que o exigirem, os seus bilhetes de compra a quatro por cento ao anno; mas não poderão compellir a companhia a que lhes de conta de uma só vez a totalidade dos bilhetes, porém unicamente a parte relativa a cada um dos pagamentos,

CAPITULO III.

Da formação e attribuições do conselho fiscal.

Art. 10.º Instituir-se-ha na cidade do Porto um conselho denominado = conselho fiscal, e protector dos vinhos do Douro = o qual será composto de sete membros, que serão nomeados — um pelo Governo — outro pela Camara dos Pares — outro pela dos Deputados — outro pela direcção da associação commercial do Porto — outro pela direcção da companhia — e dois pela mesa da sociedade agricola do Douro, de accordo com os presidentes das camaras municipaes do paiz vinhateiro

§ 1.º Os dois membro do conselho, que forem eleitos pela lavoura, deverão grangear cada um delles, pelo menos, sessenta pipas de vinho, e um pertencerá ao baixo, e outro ao alto Corgo.

§ 2.º No fim de quatro annos proceder-se-ha a nova eleição dos membros do conselho, que são escolhidos pelas Camaras Legislativas, e pela lavoura, admittindo-se o principio da reeleição. Os outros tres membros poderão ser exonerados ou conservados, por quem os nomeou, antes, ou depois dos quatro annos.

§ 3.º Em quanto se não verificar a nova eleição continuarão a servir os dois membros do conselho, nomeados pelos corpos legislativos, depois de findos os quatro annos.

§ 4.º Na falta de alguns dos membros do conselho procede-se a nova eleição.

Art. 11.º Os dois membros que forem eleitos pelas Camaras Legislativas, os eleitos pela lavoura, e o nomeado pelo Governo, vencerão para cada um 600$ réis annualmente de ordenado, pagos pela companhia.

Art. 12.º O conselho proporá ao Governo uma lista de tres nomes, para delles nomear o secretario, que deve servir junto do mesmo conselho

§ 1.º O secretario não poderá ser demittido, sem que a maioria do conselho proponha ao Governo a sua exoneração, e completando vinte annos de bom serviço será jubilado com o ordenado de 600000 réis.

§ 2.º As despezas do expediente ficarão a cargo do secretario que perceberá 25 réis por cada pipa de vinho, que se exportar para pórtos estrangeiros, pagos, quando se referendar a guia; vencendo mais cinco por cento da parte, que pertencer á fazenda, nas tomadias do contrabando de vinho, ou agoa-ardente.

Página 149

(149)

Art. 13.º O conselho nomeará de entre seus membros o presidente, e vice-presidente.

Art. 14.º As attribuições do conselho são fiscaes, e consultivas.

§ 1.º Como corpo fiscal compete ao conselho:

1.º — vigiar pela fiel execução de todas as leis, e regulamentos relativos ao commercio dos vinhos do Douro, e sollicitar do Governo, e auctoridades competentes as providencias, que julgar necessarias para esse fim;

2.º — praticar os varejos, que julgar convenientes, em todos os depositos, de uma e outra margem do Douro;

3.º — fiscalisar, e. registar a entrada do» vinhos nos ditos depositos do Porto, e Villa Nova, e referendar todas as guias de exportação, fazendo os respectivos assentamentos;

4. — empregar cuidadosamente todos os meios, que couberem na esfera das suas attribuições, para descobrir, e punir os introductores do contrabando de vinho, e agoardente.

§ 2.º Para os effeitos do numero antecedente o director da alfandega do Porto porá á disposição do conselho os guardas, e empregados fiscaes, que este lhe requisitar.

§ 3.º Ao conselho, como corpo consultivo, pertence:

1.º — formular, e propôr no Governo o calculo da exportação provavel, para se fundar sobre elle o juizo do anno.

2.º — enviar annualmente ao Governo, e aos corpos legislativos um relatorio, no qual exponha o estado do commercio, e producção dos vinhos do Douro, propondo as medidas, que julgar opportunas para o seu respectivo melhoramento.

Art. 15.º Ao conselho incumbe mais collegir, e publicar a estatistica da producção, exportação, e existencia dos vinhos do Douro, mencionando os mercados, quantidades, e mais circumstancias que possam dar esclarecimento em relação ao seu consummo.

Art. 16.º O conselho terá a faculdade de exigir de todas as auctoridades, corporações, ou associações publicas — e bem assim de todos os consules, e agentes diplomaticos portuguezes os dados, e esclarecimentos, que julgar necessarios, e tiverem relação com a sua instituição.

Art. 17.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos Deputados, 16 de abril de 1849. — Rodrigo de Moraes Soares, Deputado por Tras-os-Montes.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Pedi a palavra para lêr a seguinte proposta de lei, relativamente á melhor organisação da Torre do Tombo.

Leu-a, e della se dará conta, quando entrar em discussão o parecer da respectiva commissão.

O Sr. Presidente: — Esta proposta é remettida á commissão de Administração Publica, e depois á do Orçamento.

O Sr. J. de Mello: — Pedi a palavra sobre a direcção que deve ter essa proposta, porque se ella não pertence exclusivamente á instrucção, parece-me que de certo a commissão de Instrucção Publica deve ser ouvida.

Resolveu-se que fosse tambem ouvida a commissão de Instrucção Publica.

O Sr. Mendes de Carvalho: — Mando para a Mesa uma representação da camara municipal do concelho da Chamusca, pedindo providencias a fim de ser provida a cadeira de grammatica latina, que alli existiu muitos annos; e que se acha hoje vaga em consequencia de ter fallecido o seu professor queixa-se tambem que por muitas vezes tem dirigido ao Governo de Sua Magestade representações pedindo o provimento desta cadeira, e ainda até hoje não teve resultado algum a tal respeito. Peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de a mandar á commissão competente; e desejaria bem que a commissão se apressasse a dar o seu parecer.

O Sr. Assis de Carvalho: — Mando para a Mesa uma representação de varios logistas das differentes classes da cidade de Lisboa, em que pedem ser dispensados de pagar os 4 por cento das rendas das suas lojas, das casas de commercio e escriptorios, por não serem casas de habitação.

O Sr. Gorjão Henriques: — Participo a V. Ex.ª e á Camara que foi por falta de saude que não compareci nas sessões de sexta feira e sabbado da semana passada.

O Sr. Rebello da Silva: — Começarei por chamar a attenção da illustre commissão de Fazenda, e da illustre commissão de Inquerito sobre a necessidade de um parecer ácerca do decreto de 19 de novembro de 1846. Não faço esta recommendação, porque a commissão tenha dado menos attenção a este negocio, porque conheço o zêlo e patriotismo dos varios membros das commissões; mas é a necessidade de se apresentar um parecer ácerca deste negocio, que me move a pedir-lhe este seu parecer antes que a sessão chegue a um maior ponto de adiantamento, para termos tempo de o considerar maduramente, e para que se não diga, como já alguns jornaes tem dito, que este negocio ha de ser trazido á ultima hora para se não tractar com toda a amplitude.

Chamo tambem a attenção da illustre commissão de Legislação sobre um projecto de iniciativa de um illustre Deputado pelo Minho ácerca dos tabelliães, que é um objecto importante, e desejava que a Commissão désse sobre elle o seu parecer.

O Sr. Agostinho Albano: — Acho mui louvavel o zêlo do nobre Deputado, e até lhe agradeço que me désse occasião para fallar neste assumpto. Já aqui disse ha dias por parte da commissão de Fazenda, que tinha entendido que para que a commissão de Inquerito podesse apresentar os seus trabalhos, não seria opportuno, nem mesmo haveria toda a conveniencia em apresentar á Camara a ultima reconsideração do projecto n.º 100, e por isso o tem demorado: no entanto se a Camara quer que a commissão de Fazenda apresente o seu parecer, independente da informação ou parecer da commissão de Inquerito, não terá amais pequena difficuldade: mas certamente haveria deslocação de materia. Quanto á commissão de Inquerito posso asseverar ao nobre Deputado, á Camara, ao Paiz e a todos os que escrevem nos jornaes, que ella tem trabalhado assiduamente sobre o assumpto: seus membros tem cada um da sua parte trabalhado: eu ainda hontem desde as 8 horas e meia até ás 10 da noite não estive fazendo outra cousa, salvo os poucos momentos que consummi a almoçar e a jantar: esta noute a commissão de Inquerito tirou-me algum somno e pela

Página 150

(150)

manhã desde as 7 hora até que vim para esta Casa não fiz senão tractar da commissão de Inquerito, para organisar um mappa comparativo, que eu entendo ser preciso, dos actos e dos factos que fazem o objecto especial daquella commissão; mas o illustre Deputado não poderá deixar de reconhecer, que uni objecto de tamanha consideração requer um assiduo trabalho; e que os membros da commissão estão occupados com muitas outras commissões, e que temos portanto muito pouco tempo; temos de vir á Camara senão somos aqui apontados tres vezes; e por esta occasião lembro a V. Ex.ª que observe, ou queira ter a bondade de observar, que se deixámos de Comparecer nesta Casa, mui rara será a vez, que não seja por motivo de serviço; tenho tambem outro emprego que a Camara me accumulou, que é o do Tribunal do Thesouro.

Mas tractando da questão tenho a fazer uma observação, sobre a qual chamo a attenção da Camara, e vem a ser, que a commissão de Inquerito, logo que se reuniu, para caminhar com acerto e poder formar um juizo conveniente sobre o objecto, desejou ouvir as opiniões das associações commerciaes, tanto de Lisboa como do Porto, e dirigiu-se ao Governo para que mandasse ouvir estas duas associações: este passo, creio eu, que não deixará de ser tido em muito louvor: a associação de Lisboa sei que já se reuniu, e que já se discutiu o seu parecer; já tive o gosto de vêr um impresso, e digo que é uma obra muitissimo digna daquella associação, e que lhe faz muita honra; agora da do Porto nem official nem particularmente sabemos se já enviou ao Governo o seu parecer; poderá já estar feito, discutido e nas mãos do Governo; mas a commissão de Inquerito não tem nem um, nem outro, e a commissão não ha de apresentar o seu parecer a esta Camara, sem ter examinado aquelles pareceres, e comparado o seu trabalho: muitas horas temos trabalhado no Banco, e muito pausadamente, porque a commissão deseja apresentar-se com imparcialidade, ha de fazer justiça á verdade unicamente: parece-me que com estas explicações se dará por satisfeito o nobre Deputado; na certeza de que o mesmo zêlo que o anima, anima tambem os membros da commissão de Fazenda: por tanto a commissão ha de apresentar o seu trabalho, poderá não ser muitissimo perfeito, no emtanto ha de ser uma obra, que ha de dar uma demonstração do estado do Banco, não esperem grande cousa pela minha parte porque digamos a verdade, disputou-se o meu nome para aquella commissão, e se me não tivessem nomeado, livravam-me das costas um pêso e uma responsabilidade gravissima, como Vice-Presidente do Tribunal de Contas: não desejava eu ter entrado nessa commissão, porque, não direi que foi o mesmo que caír sobre mim uma praga, mas não foi objecto que me agradasse muito, não me fizeram obsequio, mas esse mesmo não-obsequio, com que me quizeram honrar, aqui mesmo foi disputado nesta Casa, sabe Deus como (apoiado), não posso deixar de aproveitar esta occasião para me mostrar altamente sentido disso, as cousas marcham assim, e oxalá que mudem, e que mudem para melhor. Volto ao ponto da questão, e digo que a commissão de Inquerito tracta affincadamente do objecto que lhe foi commettido, espera trazer o resultado de seus trabalhos nestes quinze dias, isto é, até ao fim deste mez ha de ser resolvido o objecto em questão..

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, começo por agradecer ao nobre Deputado, a urbanidade com que tractou a commissão de Legislação: e direi a S. S.ª que o projecto a que se referiu, se acha nas mãos do seu proprio auctor; é a quem na commissão foi distribuido. É pensamento da commissão ver se em algum dos projectos apresentados pelo Governo, é possivel introduzir alguma provisão relativamente ao objecto que contém o projecto de que fallou o illustre Deputado; isto no caso de que a commissão, em discussão definitiva, entenda que é de conveniencia publica essa providencia. Por tanto já vê o nobre Deputado que a commissão não perdeu de vista este negocio, e que estando como esta nas mãos do seu proprio auctor, para o fim indicado, é isto garantia sufficiente de que não deixará de ser attendido o objecto de que se tracta.

Aproveito esta occasião para lêr e mandar para a Mesa um parecer da commissão de Legislação sobre a proposição de lei vinda da Camara dos Dignos Pares, a respeito das commissões Mixtas, o parecer é o seguinte (leu-o).

Mandou-se imprimir, e delle te dará conta, quando entrar em discussão.

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, agradeço as informações que me acabam de ser dadas pelos dous Oradores que me precederam, e por ellas estou plenamente satisfeito. Agora aproveitando a presença de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, peço-lhe que empregue os meios ao seu alcance para que as duas representações das corporações que referiu o Sr. Albano, se já existirem no Ministerio da Fazenda, sejam remettidas quanto antes á commissão de Inquerito, para ella dar o seu parecer sobre este objecto.

O Sr. Carlos Bento: — Eu não teria pedido a palavra, se acaso um nobre Deputado não tivesse tocado n'um assumpto de bastante importancia, e a respeito do qual entendo que devemos insistir. — O meu illustre collega da commissão de Inquerito, nas explicações que deu, parece-me que demonstrou sufficientemente quanto era precisa a unidade que deve existir sobre tudo que diz respeito a tornar este assumpto liquido e desembaraçado —. É preciso que se façam todas as instancias para que elle se tracte, e se tracte o mais convenientemente possivel; se eu não estivesse na commissão d'Inquerito obrava como o nobre Deputado que pediu explicações, e todos os dias insistiria neste objecto, porque a apresentação d'uma similhante instancia é muito digna, não ha nada mais louvavel, nem ha nada mais apreciavel do que esta instancia, para que se tomem providencias sobre um objecto de tanta importancia. Mas apresentou o nobre Deputado receios de que talvez pela escacez do tempo a este assumpto não fosse tractado tão largamente, como cumpria ser. A este respeito devo eu dizer á Camara qual é o meu pensamento, e parece-me que, a respeito delle, todos nos devemos unir. Eu entendo que para tractar um assumpto desta importancia não ha nem duração de tempo de sessão, nem embaraços dos Srs. Ministros, nem demoras das commissões; questões desta ordem não devem estar sujeitas a estas considerações. Vencer é muito facil, decidir bem é muito difficil; não se póde decidir bem sem esclarecimentos, e estes não se podem obter sem o tempo competente. Eu entendo que este assumpto deve ser tractado larga, profun-

Página 151

(151)

da, e maduramente, nem póde ser d'outra fórma. (apoiados) Este assumpto da questão do Banco é uma questão de fazenda (apoiados) altamente de fazenda; portanto é necessario que seja tractada com toda a madureza (apoiados).

Ora, como esta presente o Sr. Ministro da Fazenda, eu peço a S. Ex.ª que faça da sua parte quanto poder para que os esclarecimentos pedidos, por parte da commissão d'Inquerito, ás duas associações commerciaes de Lisboa e Porto, tenham a menor demora possivel, a fim de que este objecto com brevidade seja presente a esta Camara.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Fui informado, na occasião em que entrava na sala, de que se fallava nas respostas das associações commerciaes de Lisboa, e Porto a respeito dos quesitos feitos pela commissão d'Inquerito. O Governo logo que recebeu a requisição desta commissão, tractou d'exigir destas associações esses esclarecimentos, e manifestou que o Governo desejava essas respostas com urgencia; effectivamente essas respostas foram entregues ao Governo no sabbado; levei-as para minha casa para as examinar, e tenho tenção de ámanha, ou ainda hoje, fazer remessa dellas á commissão d'Inquerito. (apoiados)

O Sr. Xavier da Silva: — Mando para a Mesa quatro pareceres da commissão de Fazenda, todos elles tendentes a pedirem informações e esclarecimentos ao Governo; porem entre elles ha um que é urgente, a respeito do qual se exigem esclarecimentos com brevidade, e que diz respeito aos proprietarios da fabrica dos vidros da Praia de Santos, e a respeito deste pedia eu a V. Ex.ª que o sujeitasse já á resolução da Camara a fim de ver, se os esclarecimentos ahi pedidos vinham a tempo de ainda nesta sessão tornar-se alguma resolução definitiva a respeito deste objecto.

O Sr. Presidente. — Visto que os pareceres concluem por pedir esclarecimentos ao Governo, a Mesa segundo o regimento vai dar desde já o destino competente a estes pareceres, sem dependencia da approvação da Camara, por que a não precisam.

Agora os Senhores, que ainda tem a palavra para antes da ordem do dia, fica-lhes reservada para ámanhã, por que findou a hora destinada para este fim.

O Sr. Cunha Sotto-Maior (Sobre a ordem): — Sr. Presidente, eu estou debaixo d'uma grave censura; desejava explicar-me, e para isso pedia a V. Ex.ª que em vez de me reservar a palavra para ámanhã, ma desse hoje. Eu tomarei muito pouco tempo á Camara, direi tres ou quatro palavras. V. Ex.ª e a Camara, na sessão de sabbado, fizeram-me uma grave censura; não devo deixar passar mais 24 horas para me poder explicar a tal respeito, e mesmo não sei se poderei vir ámanhã á sessão.

O Sr. Presidente: — As explicações não podem ter logar senão nos termos do regimento; e eu cuidei que, quando o Sr. Deputado pediu a palavra sobre a ordem era para fazer alguma moção de ordem.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Pois eu requeiro que V. Ex.ª consulte a Camara se dá licença que eu me explique agora.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Na sessão de sabbado passado tive a honra de dirigir á Mesa um officio, pedindo á Camara licença para entrar mais tarde, e sair mais cedo. Talvez que a redacção do officio não expressasse bem o meu pensamento. V. Ex.ª e a Camara obsequiaram-me com uma rejeição, e manifestou-se que eu tinha pouca consideração para com esta Camara; o meu pensamento, a minha idéa, sinceramente o digo, não foi essa; ando em uso de remedios, não e possivel, por isso, estar aqui ás onze horas, item estar aqui ate ás quatro horas. Eu podia fazer como muitos fazem nesta Casa, isto é, vir tarde e sair cedo sem pedir licença á Camara, nem lhe dar satisfações, mas eu não quiz obrar assim, e por principios de educação que tenho, quiz dar uma satisfação á Camara, que unanimemente não annuiu ao meu pedido, querendo assim dar-me uma prova do apreço em que tem a minha companhia, e muito agradeço á Camara essa manifestação; mas como a Camara, apezar de tudo, não me póde dar saude, nem eu privar-me do uso de remedios, por isso declaro que terei de vir mais tarde, e saír mais cedo sem essa licença, tendo a notar que, não se tendo nunca negado estas licenças, acho estravagante que se começasse a estabelecer uma excepção unicamente quando eu pedi licença.

O Sr. Presidente: — A palavra extravagante não é parlamentar na accepção, em que o Sr. Deputado a empregou, e por isso peço-lhe que a retire.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Retiro-a, ainda que o que queria exprimir, era a idéa de extraordinario, e fóra do commum.

primeira parte da ordem do dia.

Leitura de pareceres de commissões.

Parecer n.º 38 — E — A camara de Ponte de Lima representa a necessidade de instaurar no seu concelho uma cadeira de latim, vaga desde 1837.

Funda a sua representação na população que sobe a 7249 fogos, e nos desejos de se instruirem os habitantes: declarando que se outr'ora fôra pouco frequentada, foi isso devido a falta de confiança que havia no professor.

A commissão de Instrucção Publica não vendo necessidade de medida legislativa para um objecto confiado á administração do Governo pelo decreto de 20 de Setembro de 1844, julga que o requerimento seja remettido ao Governo para deferir como fôr justo.

Sala da commissão, em 4 de abril de 1849. — D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, Jeronymo José de Mello, Francisco de Assis de Carvalho, João de Sande Magalhães Mexia Salema, Rodrigo de Moraes Soares, Luiz Augusto Rebello da Silva.

Foi approvado sem discussão.

Parecer n.º 38 — C — Á commissão de Petições foi presente um requerimento de D. Maria Emília da Fonseca Netto viuva, D. Guilhermina Adelaide de Sousa Netto, D. Emila Augusta de Sousa Netto, estas filhas do official contador do Thesouro, Antonio Joaquim de Sousa Netto, já fallecido. Allegam os serviços de seu defunto marido e pai, e bem assim os de seu irmão e tio, o bispo eleito de Aveiro D. Antonio de Sancto Illidio da Fonseca e Sousa; conclue pedindo uma pensão. A commissão em vista da disposição do artigo 75 § 11 da Carta Constitucional

Página 152

(152)

Intende, que este negocio é da attribuição do Poder Executivo; e por isso é de parecer que não compete á Camara.

Sala da commissão, 12 de abril de 1849. — A. A. de Mello, Freire Falcão, F. J P. Brandão, Silva Fevereiro, F. L. P. da Costa Bernardes.

Foi approvado sem discussão.

Parecer n.º 38 — D — A commissão de Petições foi presente um requerimento de D. Maria Innocencia da Silva Toscano, da cidade do Porto: expõe os importantes serviços feitos ao paiz, por seu defuncto marido o capitão de cavallaria Gualdino Serafim de Azevedo Vellez: e conclue pedindo uma pensão.

A commissão e de parecer que este negocio não compele á Camara, em virtude do disposto no art. 75 § 11 da Carta Constitucional.

Sala da commissão, 12 de abril de 1849. — A. A. de Mello, Freire Falcão, F. J. P. Brandão, Silva Fevereiro, F. L. P. da Costa Bernardes.

Foi approvado sem discussão.

Parecer n.º 38 — B — A commissão Ecclesiastica foi presente um requerimento assignado por 16 parochos de Lisboa, que, estando na posse de receberem alguma parte dos vencimentos das suas collegiadas, receiam ser esbulhados della pela disposição do art. 8.º n.º 1.º da cana de lei de 16 de junho de 1848, da qual pedem ou a declaração, ou a revogação, a fim de não serem privados daquelles rendimentos. A commissão, porém, sem entrar no exame dos fundamentos, que serviram de base á supplica, não estando sufficientemente habilitada sobre os obstaculos, que tenha soffrido na pratica a observancia da referida lei, e de parecer, que o requerimento seja remettido ao Governo para que este, ouvidos os prelados do reino sobre os embaraços, que tenham obstado a execução da mesma lei, informe esta Camara, propondo as medidas, que julgar necessarias.

Sala da Commissão, 12 de abril de 1849. — D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, Bispo Eleito de Castello Branco, D. José de Lacerda, Joaquim Rodrigues Ferreira Pontes, D. Guilherme Germano da Cunha Reis, João de Deos Antunes Pinto, Dr. Luiz do Pilar Pereira de Castro.

Foi approvado sem discussão.

Parecer n.º 38 — A — Tendo a commissão Ecclesiastica examinado os requerimentos do presidente da camara municipal, e moradores do concelho de Maçãs de D. Maria, pedindo providencias contra o arbitrio do seu parocho em fazer os officios dos defuntos ainda no caso de não serem mandados nem pelos testadores, nem pelos herdeiros, não obstante serem esses os usos e costumes da parochia; e tendo em consideração que estes e outros de igual natureza são mandados observar pelo decreto de 30 de julho de 1790; é de parecer que nada ha que deferir.

Sala da commissão, 12 de abril de 1849. — D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, Bispo Eleito de Castello Branco, Dr. Guilherme Germano da Cunha Reis, D. José de Lacerda, Dr. Luiz do Pilar Pereira de Castro, Joaquim Rodrigues Ferreira Pontes, João de Deos Antunes Pinto.

Foi approvado sem discussão.

Entrou novamente em discussão o parecer da commissão de Infracções sobre tres representações do Dr. Antonio José de Lima de Leitão, que já começara a ser discutido na sessão de 14 do corrente.

O Sr. Fontes Pereira de Mello — Sr. Presidente, a Camara na sessão de sabbado não me fez a honra de votar a proposta, que eu apresentei para que fosse impresso este parecer, e dado para ordem do dia. Disse eu, nessa occasião, que sendo este negocio muito grave, porque tracta de infracção de lei, e do uso d'um direito garantido ao cidadão pela Carta Constitucional, entendia, como ainda entendo hoje, que não era objecto que fosse tractado de salto, e que não se devia tractar sem que toda a Camara estivesse habilitada completamente com a impressão do parecer para poder discutir. Não e facil a qualquer Deputado ir examinar escrupulosamente na Mesa um parecer um pouco complexo, que se refere a diversas leis ou decretos com força de lei, que involve uma questão um pouco difficil, porque pelo menos para mim a questão não é muito clara, é uma questão em que um cidadão se queixa d'infracção de lei, em que se pede que se faça effectiva a responsabilidade a quem compete. Eu entendia portanto que este parecer fosse impresso, a Camara entendeu o contrario, respeito a sua decisão; porém, Sr. Presidente, eu vejo-me n'uma posição difficilima para podér entrar na apreciação do parecer, eu não o tenho diante dos olhos, sei que esta na Mesa, e que lá o podia ir examinar; mas sei tambem que esta Camara se fecha a certas horas, e que não esta aberta senão em certa hora, que não esta aberta á noute nem no domingo, que era a occasião em que eu podia vêr este negocio. Se o parecer estivesse impresso, eu o teria examinado; porém realmente é violento obrigar o Deputado a vir em horas dadas a ir examinar á Mesa rapidamente um parecer, que tracta nada menos do que dinfracçâo de lei! Nestas circumstancias é quasi impossivel podér entrar conscienciosamente nesta questão, porém forçado pela Camara a não ter outro recurso senão, ou votar silenciosamente o parecer, louvando-me absolutamente na commissão, ou discutir desta maneira, sempre direi alguma cousa.

Eu lancei os olhos sobre uma representação deste cidadão, daquellas que se distribuiram impressas por essa Camara, e deduzi dahi algumas razões, que vou apresentar; e de passagem permitta V. Ex.ª que eu diga que quando faço estas reflexões, não é porque não tenha toda a confiança na commissão de Infracções; porém creio que por muita confiança que eu tenha n'uma commissão, isso comtudo não me dispensa nunca de examinar as questões; porque aliás era mais simples que nós nos dividessimos aqui em commissões, e que os trabalhos das commissões passassem immediatamente para projectos, sem soffrerem discussão; mas é claro que a discussão da Camara não é senão para se apreciar devidamente o trabalho das commissões, o que nunca importa menos considerações pelos membros das commissões: portanto não é por esse motivo que eu pedi a palavra, não é porque não tenha toda a consideração pela commisão; mas é porque entendo que não nos devemos confiar cegamente no parecer de qualquer commissão, nem votal-o sem julgarmos que estamos devidamente habilitados, para examinar os fundamentos desse parecer.

A questão de que se tracta, Sr. Presidente, é uma questão de infracção de lei. O cidadão Lima Leitão, que não conheço, mas que é muito conhecido de nós todos pelos seus Escriptos, é um cidadão que foi já por diversas vezes até membro desta Casa, e creio

Página 153

(153)

que ate da Camara dos Senadores, que houve pela Constituição de 1838: este cidadão queixa-se de que o Governo infringiu a lei, demittindo-o de presidente do conselho de saude publica. O que é facto, Sr. Presidente, (digo que é facto, porque elle o cita) é que no Diario do Governo de 10 de agosto de 1847 se lê um indeferimento a um requerimento do interessado, em que se diz (leu) «que não podia ser reintegrado sem offensa da lei.» Parece-me, Sr. Presidente, de accordo com a opinião do requerente nesta parte que o Governo não entendeu bem o decreto de 30 de julho de 1844, porque estou convencido de que aquelle decreto o que determina, é que não se possam accumular dois ordenados, dois vencimentos, e não dois empregos, e que o individuo tem sempre direito de optar por um dos ordenados dos empregos; e tanto assim que ha effectivamente muitas accumulações nas diversas repartições publicas, com tanto que o individuo não receba os ordenados dos dois logares, porque muito bem se tem reconhecido que ha utilidade para o serviço da accumulação de dois empregos por causa das circumstancias particulares, que se dão nos individuos que accumulam, ou por motivo de circumstancias, que existem nas funcções dos logares. Portanto entendo que o Governo não entendeu aquelle decreto, e que por conseguinte o fundamento do seu despacho não esta verdadeiramente dentro dos termos precisos do decreto.

Mas accrescento tão sómente que o que me fere nesta questão, é que tractando-se de uma infracção de lei não seja ouvido o Governo, que é accusado de infringir a lei. É possivel, será mesmo possivel que o Governo effectivamente não a infringisse; não me pronuncio nem pro nem contra, porque já disse nesta Camara que negando-se a impressão do parecer, não estou devidamente habilitado para poder entrar no amago da questão, mas o que vejo e que tractando-se de uma questão desta ordem, convinha primeiro que tudo ouvir o Governo, ouvir quaes os fundamentos que teve para proceder daquella maneira. Pois o cidadão requer a esta Camara, dizendo que o Governo infringiu a lei por esse facto, e hade a Camara pronunciar a sua sentença, sem saber os motivos que o Governo teve para proceder dessa maneira. Não me parece isto muito conveniente.

Por tanto, Sr. Presidente, na ausencia das razões que eu poderia ter para discutir este parecer, se acaso o tivesse impresso diante de mim, na ausencia das razões que poderia ter, repito, neste caso restringindo-me unicamente a esta idéa que me parece importante, que me parece que a Camara não deve despresar, de que o Governo em todo o caso deve dar á Camara as informações necessarias, que a habilitem devidamente para poder pronunciar um juizo seguro em questões desta ordem, entendo e peço que se sujeite á discussão da Camara a seguinte

Proposta. — Requeiro que o requerimento do Dr. Lima Leitão, em que se queixa de uma infracção de lei a seu respeito, seja remettido ao Governo, a fim de que o devolva com urgencia a esta Camara, acompanhado de todos os esclarecimentos, com que entenda justificar o procedimento que leve com o cidadão requerente. — Fontes Pereira de Mello.

Sendo considerada como adiamento foi apoiada, e entrou, em discussão.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, eu acho muito máo systema discutir um parecer sem elle estar impresso, porque devemos confessar que não ha base para a discussão. Eu tinha uma egual proposta á do illustre Deputado para mandar para a Mesa, porque realmente não me parece que o Governo possa deixar de ser ouvido sobre a queixa de um cidadão, que vem trazer perante o Corpo Legislativo uma infracção de lei: nesta conformidade, Sr. Presidente, eu uno os meus votos aos do illustre Deputado para apoiar o adiamento.

O Sr. J. J. de Mello: — Sr. Presidente, o illustre Deputado, que inaugurou o debate sobre o parecer da commissão, apresentou como primeira reflexão, que o objecto era mui grave, que precisaria ser impresso o parecer para melhor esclarecimento da Camara, antes de entrar em discussão. Quando na sessão passada se tractou desta materia, sabe o illustre Deputado que eu o acompanhei no seu voto, e que não me oppuz á impressão; e não me oppuz por isso mesmo que tenho a honra de ser membro da commissão de Infracções, e não desejaria que se suspeitasse, nem levemente que a commissão de Infracções desejava levar isto de surpresa; por isso nem me oppuz, nem me opporia agora á impressão. Em segunda reflexão apresentou um despacho obtido pelo queixoso, que serviu de base ao parecer da commissão, mas não a este parecer, ao parecer apresentado pela commissão passada, e o illustre Deputado não discutiu o parecer que esta em discussão, mas discutiu o parecer do anno passado; a commissão actual realmente não adoptou essa base para o seu parecer, não o formulou sobre o despacho, e a este respeito farei uma unica reflexão, sobre um despacho nunca se póde fazer um parecer de commissão, porque n'um simples despacho de um Ministerio nem sempre apparecem os verdadeiros motivos: por consequencia não e sobre um simples despacho que se póde assentar um juizo seguro.

Mas objectou o illustre Deputado dizendo que devia ser remettido o negocio ao Governo, para ser ouvido o Governo sobre este ponto, e é neste sentido que mandou a sua proposta para a Mesa. Não sei, Sr. Presidente, se o negocio fosse remettido ao Governo, se alguem viria accusar a commissão, dizendo que sendo o Governo aquelle contra quem se trazia a queixa, a commissão ia perguntar-lhe os motivos, porque procedeu assim! Não sei se alguem faria esta reflexão; mas direi a V. Ex.ª que pelo que me toca, a primeira idéa que tive quando este negocio foi sujeito á minha consideração como membro da commissão, foi realmente esta; foi a idéa de mandar ouvir o Governo sobre este objecto; mas, Sr. Presidente, como membro desta Camara eu devia primeiro meditar o passo que dava, devia medi-lo antes de o dar, para isto era necessario que eu entrasse na natureza do emprego que este cidadão servia, e no que havia de ostensivo e official sobre a exoneração do queixoso; depois de eu ter meditado este objecto convenci-me de que seria inutil ouvir o Governo a este respeito, senão que até irregular.

A questão, Sr. Presidente, é simples, e só uma falta de conhecimento exacto dos factos é que apode tornar complicada e embaraçosa; por isso permitta-me a Camara que eu vá restabelecer os factos na sua simplicidade e pureza, e depois da historia apresentada a Camara verá se havia necessidade de se mandar ouvir o Governo sobre este objecto.

Página 154

(54)

Sr. Presidente, em 1837 por uma lei se deu o nome de — conselho — a uma commissão de saude publica, que então existia, e se deu uma tal ou qual organisação a essa repartição, estabelecendo-se a hierarchia administrativa da repartição. O pessoal desse conselho era então de doze membros, e neste pessoal entravam tres da faculdade medica; foi justamente para esta commissão, ou conselho, como a lei lhe chamou, que o queixoso foi nomeado presidente em 1844, por ter vagado esse logar; continuou no exercicio da presidencia ate 1845, mas appareceu depois a lei de saude publica de 18 de setembro de 1844, que deu uma nova fórma a toda esta administração, que organisou por differente fórma o pessoal do conselho, e então o requerente não podia continuar a ser presidente, por quanto a lei confiava esse logar de presidente ao Ministro dos Negocios do Reino: ficou por conseguinte o requerente no logar de vice-presidente, e assim continuou até que os successos de 1846 fizeram suspender a acção desta lei de 18 de setembro de 1844, e revalidar a lei de 3 de janeiro de 1837: foi justamente nesta occasião que o queixoso foi exonerado de presidente do conselho, e não foi elle só, foram varios membros do conselho tambem; e é notavel que seja elle só o unico a queixar-se.

Ora, Sr. Presidente, que é o que se vê nesse decreto de exoneração? Diz o Governo que teve necessidade de reduzir o quadro do conselho ao que a lei de 1837 determinava; porque o quadro do conselho de 1837 não era o quadro do conselho de 1844; no quadro do conselho de 1837 entravam doze membro», entre estes tres da classe medica; no quadro do conselho de 1844 entravam tres medicos effectivos, e tres medicos adjuntos: logo necessariamente haviam de sair alguns individuos da commissão medica, para se reduzir o quadro do conselho ao quadro da lei de 1837, era forçoso saírem alguns. Agora perguntar-se-ha: — qual foi o principio que adoptou o Governo para exonerar antes este do que outro individuo? Não sei ao certo; é possivel que fosse por exemplo, pelo principio de antiguidade, é possivel que fosse pela qualidade do serviço, é possivel que tambem fosse pela attenção particular com aquelles individuos, que não tivessem outro emprego; e se assim foi, o Governo obrou reunindo o principio da justiça com o principio da humanidade, deixando ficar aquelles individuos que não tinham outro emprego. Ouço dizer, consta-me que foi realmente este o principio adoptado, e não me custa a crer, quando me lembra que era então Ministro dessa repartição o Sr. Mousinho de Albuquerque. Mas fosse qual fosse o principio, pergunto eu, Sr. Presidente, que razão tem o requerente para se queixar da sua exoneração? Havia por ventura alguma lei que dissesse que o individuo não podia perder o seu emprego senão por sentença? Não, não havia lei nenhuma, pelo contrario nem ao menos havia determinado um processo administrativo, que se devesse instaurar antes de exonerar esse individuo; porque ainda aquelles empregos (isto que digo e o que se observa geralmente em todo o Mundo civilisado) em que se não exige uma sentença para a perda do emprego, exige-se pelo menos um processo administrativo, para se conhecer dos factos, pelos quaes o individuo e exonerado. Por lei isto não esta providenciado, e estava por consequencia tudo ao arbitrio do Governo, e mesmo pela natureza do emprego, não podia deixar de assim ser, porque a lei de 1837, que actualmente esta em vigor, diz mui expressa e determinadamente, que este corpo collectivo fica em tudo subordinado ao Ministerio do Reino, e o Ministro do Reino é responsavel por todos os seus actos administrativos. Ora sendo assim o Ministro do Reino responsavel por todos os actos administrativos, qual havia de ser o Ministro, que quizesse o conselho de um individuo em quem não confiasse?? (Isto é uma hypothese) Trago isto para mostrar que não póde deixar de considerar-se isto como um logar de mera confiança, e o Governo estava no seu direito de pode-lo fazer, porque não havia lei alguma que lhe obstasse a isso. Diz o queixoso que houve infracção de lei, mas não aponta, nem menciona a lei que se infringiu, nem é possivel aponta-la, porque a não ha; e nem ao menos aponta a pessoa que fez a infracção da lei: ora apresentando a queixa neste estado de vacuo, não era possivel formular uma accusação em termos, mas visto a natureza do emprego, visto que consta officialmente do decreto da exoneração do cidadão, entendi que realmente não se adiantava nada em se pedir esclarecimentos ao Governo, porque conheci que pela natureza do emprego, o Governo podia exonerar quem quizesse, sempre que o entendesse conveniente, e quando a Camara lhe perguntasse o motivo deste facto, elle podia responder — «procedi assim, porque era conveniente — Esta foi a razão porque a commissão desistiu deste seu primeiro proposito, porque viu que não era necessario mandar o negocio ao Governo, porque até podia reputar-se irregular.

Depois desta explicação parece-me que não póde deixar de se approvar o parecer da commissão.

O Sr. Antunes Pinto: — Sr. Presidente, quando no sabbado este negocio entrou em discussão, eu não tinha sobre elle a mais pequena idéa, e não me achava por isso sufficientemente habilitado para votar, era essa a rasão porque eu comecei por pedir o adiamento da discussão; porém declaro á Camara que hoje vim mais cedo, e fui examinar os papeis, e achei que a questão não era tão facil como parece, porque ao primeiro impulso não pude formar acêrca deste objecto um juizo seguro e claro, precisava da combinação de umas poucas de leis, que não tinha á mão para consultar e combinar.

Foi em consequencia disto que eu não pude formar um juizo exacto, e declaro que me não acho sufficientemente habilitado para saber se existe, ou não infracção de lei; o que vejo, é um cidadão respeitavel pelos seus Escriptos, e pela sua posição social, queixar-se de infracção de lei, e queixa-se já tres vezes: ora os papeis apresentam a analyse que elle faz sobre um parecer da commissão, que foi apresentado nesta Camara na sessão passada, e por essa analyse me pareceu bem combatido o parecer. Sendo este negocio de tanta consideração estou convencido que o unico meio a adoptar, é a substituição feita pelo Sr. Deputado por Cabo-Verde.

A commissão declara no seu parecer que não se achava sufficientemente habilitada, porque os requerimentos não vinham documentados, quanto era preciso, e o illustre Deputado que acaba de fallar sustentando o parecer, mostrou quaes foram as suas ambiguidades sobre os fundamentos que deram occasião ao despacho de que este cidadão se queixa, e qual seria a rasão, porque o Governo deu aquelle despa-

Página 155

(155)

cho? O illustre Deputado espraiou-se em conjecturas sobre este motivo do despacho; porem eu entendo que era mais natural consultar o Governo para dizer os motivos que teve para proferi-lo. Por ventura isto não daria em resultado um juizo mais seguro, do que vir dizer-se que não houve infracção de lei? Por tanto tendo em vista estas considerações que apresento, o melhor modo para se obter um resultado com segurança, é adoptar-se a substituição que foi apresentada pelo Sr. Deputado por Cabo Verde: não se faz offensa nenhuma em se mandar ouvir o Governo a este respeito; não foram os actuaes Ministros que deram o despacho, mas na secretaria hão de existir os papeis relativos a este negocio, e então se saberá se houve ou não offensa de lei,

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, permitta-me V. Ex.ª e a Camara, que eu comece por declarar que apenas tenho relações com o doutor Antonio José de Lima Leitão, mas tenho por elle uma decidida predilecção, porque faço justiça á sua illustração, e o reputo um dos principaes ornamentos da litteratura portugueza. Já se vê que além da natural franqueza e desinterêsse com que tracto todos os negocios, ainda mesmo aquelles que me dizem respeito, neste estou perfeitamente imparcial e livre da mais pequena susceptibilidade. Mas o que tenho observado pela discussão, é que nenhum dos Srs. Deputados ainda trouxe a discussão ao campo em que ella deve estar: o negocio é muito simples, é necessario marcar o ponto em que o doutor Lima Leitão diz que foi offendida a lei, para ver se nesse ponto ha com effeito offensa, ou infracção de lei. O illustre Deputado que primeiro fallou na questão, não se cançou de combater o parecer da commissão, e começou por dizer que era muito violento a um Deputado o ter de combater um parecer, que não estava impresso, porém o nobre Deputado tem aqui discutido e votado immensos pareceres não impressos, sem se queixar dessa violencia, que só invoca para este parecer.

Além de que não estava impresso o parecer que deu a commissão o anno passado, e este não se refere a elle? De mais a mais não esteve presente o parecer sobre a Mesa uns poucos de dias, juntamente com as representações a que elle se refere, e que no espaço de dez minutos se podiam ler com madura attenção? Não podia o nobre Deputado tirar uma cópia désse parecer em cinco minutos, se quizesse perder este bocadinho de tempo para levar a cópia do parecer para sua casa, para reflectir sobre elle maduramente? Se o nobre Deputado quizesse dar-se a este trabalho, sem obrigar a Camara a fazer uma despeza inutil, teria tirado uma cópia desse parecer, e a teria levado para casa para reflectir sobre elle, e viria hoje com uma opinião formada. Por este lado já se vê que o parecer ficou em pé e intacto, sem ser combatido.

Disse tambem o nobre Deputado que o Governo não entendia bem o artigo 2.º do decreto de 30 de julho de 18-14. Este é o ponto de offensa e queixa que apresenta o doutor Lima Leitão: ora este cidadão foi demittido do logar de vice-presidente do conselho de saude em maio de 1846, e depois do restabelecimento do Governo em outubro de 1846, requereu a sua reintegração, e o Governo por esse despacho que publicou no Diario, disse que o representante tinha sido demittido por não podér accumular dous empregos.

É nesta palavra que o nobre Deputado faz consistir a offensa da lei; este é o campo da offensa, porque a lei de julho de 1844 no art. 2.º prohibe accumular dois ordenados, mas o Governo segundo declara no seu despacho, não foi por accumular dois ordenados, que demittiu este cidadão, mas por accumular dois empregos; nisto é que se faz consistir a offensa. Agora vamos a discutir o ponto, se o Governo, tendo dado esta intelligencia errada, offendeu a lei, ou se ha infracção de lei em elle ter dado esta intelligencia, de ter tomado o ordenado por emprego Antes de tudo é necessario observar que ordenado e emprego, e emprego ou ordenado, são idéas conjunctas, a demissão podia muito bem ser um lapso de penna, mas, ainda quando o não fosse, é necessario saber por outra parte se o Governo estava no direito de poder demittir o supplicante. Em segundo logar se essa intelligencia errada que deu á lei de 44, tinha sido acintosa, porque para haver crime, ou infracção de lei, é necessario que haja proposito de offender, porque eu não conheço crime sem ser acompanhado dessa circumstancia; porque uma intelligencia errada sobre qualquer ponto nunca póde ser considerada, como offensa, ou como infracção de lei; e no caso sujeito o Governo tendo creado um logar de commissão, e de sua exclusiva nomeação, estava no direito de o poder demittir ou reintegrar, conforme quizesse. Estabelecidos estes principios, que são de direito portuguez, pergunto: aonde esta a infracção de lei feita pelo Governo ao illustre supplicante? E se a commissão pensou, e entendeu, que não havia infracção, para que havia de dar o passo de ouvir o Governo? A commissão persuadiu-se de que, mesmo naquelle ponto em que o supplicante se queixava, de facto não havia infracção; porque em vez do Governo declarar, que o tinha demittido por não poder accumular dois ordenados, o que tinha declarado era, porque tinha dois empregos; e a isto diz o supplicante, que o Governo devia manda-lo ouvir para saber por qual dos ordenados queria optar. E póde o Governo ser accusado de infracção, por não mandar saber ao supplicante por qual dos ordenados queria optar? Entendo que não. O supplicante é que devia immediatamente prevenir essa hypothese, e declarar que optava por tal ou tal ordenado; mas o Governo não tinha essa obrigação; poderia faze-lo, se quizesse, mas não tinha obrigação disso. Este é que é o verdadeiro campo, e a razão porque a commissão entendeu que não tinha necessidade de ouvir o Governo. Se houver ainda algum Sr. Deputado que apresente mais alguma reflexão, pedirei a palavra para responder, e a Camara resolverá como entender.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, o illustre Deputado pelo Douro, que acabou de fallar, provou á Camara, apesar de concluir diversamente, que a minha proposta não era completamente intempestiva; porque S. Ex.ª disse, que teve essa mesma idéa, e que a apresentou na commissão, e que, depois disso, é que a illustre commissão redigiu esse parecer, já se vê portanto, que a minha idéa não é extravagante, e que não esta no caso de ser rejeitada completamente.

O illustre Deputado, creio que relator da commissão de Infracções, que acabou de fallar, fez algumas ponderações, que eu não posso deixar passar sem resposta. Estranhou S. S.ª que eu dissesse, que era violenta a posição de ter que discutir um parecer, sem

Página 156

(156)

ser impresso, e admirou-se de que se podesse estudar os pareceres em minha casa. É uma verdade, confesso a V. Ex.ª, que só no meu gabinete e que posso estudai devidamente as questões, que se apresentam nesta Camara, e declaro que as estudo bem ou mal, conforme posso, mas estudo-as, nunca venho aqui fallar de improviso, e custa me a acreditar, que a Camara não permitta que eu, e mais alguem tenha os elementos necessarios, para poder decidir um negocio, em que um cidadão diz, que o Governo infringiu a lei, por não querer gastar alguns mil réis Ouço dizer a um illustre Deputado, que era uma despeza inutil! Oh! Sr. Presidente, pois quando se tracta d'uma das nossas primeiras prerogativas, será esta despeza inutil? Realmente, ha certas proposições que sinto muito que se apresentem. Pois o que estamos nos fazendo, senão velando pela guarda da Constituição?.. Pois não e esse o juramento que prestamos, quando entramos a primeira vez nesta Casa? Pois logo que se diz isto, não teremos obrigação restricta de examinar com o maior escrupulo, e toda a placidez um negocio desta ordem? E como poderemos nos examinar este parecer, que importa a combinação de uns poucos d'artigos de diversas leis, sem que sejam presentes esses decretos a que se allude? Poderia pedir de novo a leitura do parecer, e ver-se-ía, que se citam diversas leis, e para que? Para a commissão se auctorisar com a sua disposição sobre a opinião que emittiu no parecer. E como havemos nós saber, se a illustre commissão se auctorisou bem com esses decretos, sem sabermos quaes elles são, sem ver se são, ou não applicaveis a questão? Pois e isto um objecto, que se possa levar de salto, ou de corrida? Eu sinto deveras, que se apresentem estas douctrinas, que certamente não estão nos principios do illustre Deputado, porque eu faço completa justiça ao seu amor pelo respeito as practicas constitucionaes, para suppôr que fosse capaz de imaginar, que esta Camara havia de decidir de leve este negocio, eu não pertendo offende-lo nem levemente, mas devo, por honra do systema representativo, declarar a Camara que estou completamente em uma opinião contraria, e que sinto sobre maneira, que quando se tractam questões desta ordem, e mesmo mais inferiores, se argumente com a despeza mesquinha de alguns mil réis, para senão imprimirem os documentos que servem de esclarecer os negocios, nos que gastamos rios de ouro, em cousas inuteis, estamos regateando alguns mil íeis, quando se tracta de habilitar os Deputados a entrarem nas questões com verdadeiro conhecimento dellas

Mas o illustre Deputado diz — «já esta o parecer n.º 31 impresso» — quer por conseguinte, que se discuta este parecer, e por tanto eu vou a esse campo (leu o parecer n.º 31).

Oh Sr. Presidente, depois de se declarar que ha injustiça relativa, como posso eu suppor, que se cumpriu a lei?.. Aqui admitte-se a possibilidade de haver uma injustiça, e necessario por tanto examina-la profundamente, por que o parecer n.º 31 diz assim (leu)

O que quer dizer uma infracção indirecta? Pois as leis infringem-se só directamente. Nem eu sei o que isto e, e declaro francamente que não comprehendo isto, dezejo que a commissão me explique este pensamento, visto que me chamou para este campo (O Sr. Pereira de Mello — Eu lho ensinarei)

O Orador — Eu peço ao illustre Deputado que não me interrompa, por que eu não provoquei o illustre Deputado, tracto-o com toda a attenção, eu discuto, não provoco (apoiados) Eu tracto todos os illustres Deputados com a maior attenção, que devo a elles, a mim, e a Casa em que fallo, espero que me não diga que me quer ensinar, eu respeito muito os seus conhecimentos, mas peço lhe que tenha mais alguma consideração, não por mim, mas pelo logar em que estamos Tornando á questão direi, que o illustre Deputado chamou-me para a discussão do parecer n.º 31 da sessão passada, o qual com tudo não esta em discussão, para desta maneira justificar a não impressão do actual parecer, e admirou se de eu dizer que estava em um estado violento, tendo de discutir um parecer, que não estava impresso, e observou que eu não tinha estado nessa posição violenta, quando se tem discutido outros pareceres, que tambem não estavam impressos Responderei porem que ha muita differença entre uma questão desta ordem, e pareceres que são de mero expediente, e digo mais a V. Ex.ª que todas as vezes que se apresente um parecer qualquer sobre que se reclame a impressão, a Camara não deve nunca nega-la, por que as questões que vem a esta Casa, todas são importantes, e não se deve impedir aos cidadãos, que usando do direito que lhes da a Carta, dirigem as suas representações ao Corpo Legislativo, que sejam bem esclarecidos os assumptos, para que os Deputados possam dar um juizo seguro a seu respeito, e manter os direitos que a Carta garante a todos os cidadãos.

O illustre Deputado, que primeiro fallou nesta questão no sentido do parecer, disse que não se podia apresentar uma opinião definitiva sobre elle, por não se saber a razão que o Governo teve para demittir o requerente, por conseguinte S. Ex.ª justifica a minha proposta, que tem por fim que a Carreira ouça o Governo, para dar a razão, por que obrou da maneira allegada.

Eu não entro na essencia da questão, tracto a questão de formulas, e não e isto indifferente, por que as formulas são o fim de todo o systema representativo, e se nós formos postergando, uma a uma, essas formulas, acabâmos com os principios mais importantes da liberdade, por que ela não se firma senão sobre a observancia das formulas constitucionaes, e por conseguinte a questão de formulas e muito importante

Quando se diz, que o Governo infringiu a lei, póde a commissão pronunciar uma opinião pro ou contra, sem ouvir ambas as partes? Por ventura se a commissão entendesse que o Governo tinha infringido a lei, havia de dar o seu parecer sem ter ouvido o Governo? Certamente que não Pois por que razão entendendo a commissão que o Governo não infringiu a lei, e tendo o illustre Deputado declarado que a sua idéa primitiva era que não via pelo despacho, dado ao supplicante pelo Governo, razão sufficiente para poder firmar o seu parecer, o apresentou aqui sem ouvir o Governo? Não será conveniente que a Camara fique habilitada com a audiencia das duas partes? Por ventura póde isto depor contra a commissão? Creio que não, a Camara não quer senão informar-se e esclarecer-se, e quando pertende illustrar-se melhor, não e isto depor contra a commissão, pelo contrario prova com isto o seu amor a verdade e a justiça. Eu já disse que não conheço

Página 157

(157)

o cavalheiro de quem se tracta (nem de vista); conheço-o só pelos seus talentos e pelas obras que leiu escripto, por consequencia não tenho em vista senão esclarecer-me para poder votar com perfeito conhecimento de causa, e conforme com os principios de justiça; por isso mandei para a Mesa a minha proposta; e um adiamento em fórma; concordo; mas é uma base -para a discussão, e muito differente da da commissão. A vista pois das razões que apresentei, insisto pela minha proposta.

O Sr. Presidente — Continua a. discussão do adiamento, rigorosamente segundo o regimento não e substituição, porque se o fosse, devia trazer a resolução definitiva por differente modo, que propõe a commissão, e isto não é senão uma questão de formula pedindo mais esclarecimentos, por consequencia é rigorosamente uma proposta de adiamento.

O Sr. J. J. de Mello: — Respondendo ao illustre Deputado por Cabo Verde, direi, como já disse, que a primeira idéa que tive quando este negocio veio á commissão, foi de ouvir o Governo, mas como membro da commissão não podia seguir esta idéa sem primeiro ver se isso seria conveniente, e até Parlamentar Foram estas as minhas duvidas; agora o que eu não posso admittir, é que o illustre Deputado se firmasse sobre estas duvidas para sustentar os seus argumentos. Tive estas duvidas, digo, mas depois de examinar bem o negocio, vi, que não era só necessario não ouvir o Governo, mas que até podia haver alguma irregularidade em o ouvir; por isso não entendo como o illustre Deputado quiz formar argumento sobre estas duvidas, que primeiro prenderam a minha attenção.

Agora direi ao illustre Deputado; o razão desta queixa foi porque era de urgente necessidade reduzir o quadro existente em 1837 ao que estabelecia a lei de 1844, por que o quadro de 1837 não era o mesmo de 1844, e havia por força reduzir-se. Isto pois não aconteceu só a este individuo, aconteceu a mais alguns; por tanto o Governo não estava só no seu direito, segundo a frase usual, estava na obrigação de o fazer, mos além de estar nesta obrigação, estava tambem no direito de escolher quem quizesse.

Mas diz o illustre Deputado que não devemos proceder precipitadamente, tambem eu não quero, e principalmente em negocios desta natureza; mas a commissão disse, que sobre este objecto linha apresentado o seu parecer impresso, em cujo parecer se fazia referencia a toda essa Legislação, por onde o illustre Deputado podia estudar essa materia. Por consequencia, isto não e decidir precipitadamente.

Diz o illustre Deputado que não é inutil esta despeza; á commissão realmente lhe pareceu inutil, e ainda lhe parece; todavia eu devo dizer, isto é uma opinião da commissão, não é da Camara, se a Camara entender que o parecer deve ser impresso, e que se peçam mais esclarecimentos, não tenho a mais pequena repugnancia em votar por isso, apesar de crer que é inutil; mas eu ainda desejo mais, se a Camara entender, e decidir que seja impreco o parecer, e que se peçam esclarecimentos; eu hei-de pedir mais, hei-de pedir, que se imprima todo o processo que se achar na secretaria do Reino, a este respeito, porque quero que o publico saiba o que ha neste negocio, e como a commissão se tem havido Por consequencia não tenho duvida em que se imprima; mas o que devo dizer é que o illustre Deputado que apresentou o adiamento, tem partido de um principio que ainda não demonstrou, porque todos os seus argumentos se fundam em o principio, de que ha uma lei que garantia a permanencia do emprego a este empregado, mas o argumento pecca pela base, porque não ha lei nenhuma neste sentido, por consequencia todo o argumento do illustre Deputado caduca por falla de fundamento.

O Sr. Pereira de Mello — Sr. Presidente, a mim só me compete defender a commissão de Infracções, de que sou membro, em quanto á arguição que fez o illustre Deputado della não ter exigido que o Governo respondesse, e que por isso propoz o adiamento. A respeito da impressão do parecer, o illustre Deputado até falhou na sua argumentação, gastando tempo á Camara para demonstrar a necessidade da impressão de seis linhas. Se o illustre Deputado pedisse a impressão, não só do parecer, mas de todas as representações que fez o illustre supplicante, alguma razão podia ter, por que era o meio de estudar no seu gabinete a questão methodicamente, e combinar o fundamento da queixa com o fundamento com que a emmissão apresentava o seu parecer, e assim formar um juizo seguro, claro, definitivo, mas requerer sòmente a impressão da parece da commissão, que se limitta a seis linhas, e não requerer que se imprimissem as supplicas, queixas ou representações do supplicante, aonde vem declarada a offensa ou o crime do Governo, permitta-me que lhe diga que é falhar completamente na argumentação.

Terá o nobre Deputado no seu coração mais vontade de fazer justiça ao supplicante, ou a qualquer outro cidadão, do que a commissão, do que esta Camara? Não sabe que esse attributo não póde ser só proprio de S. Ex.ª? Será por menos amor aos seus deveres da parte dos membros da commissão, que ella entendeu que não era necessario a impressão? O nobre Deputado póde igualar á commissão no desejo de fazer justiça, mas de certo a não excede. Não era necessario que o nobre Deputado lembrasse á commissão, nem a maioria da Camara a obrigação de velar pela independencia e liberdade dos cidadãos, e muito mais, quando se tracta do cumprimento das leis, e quando um cidadão se queixa da falta do cumprimento dessa lei Todos nós sabemos qual é o dever que temos de defender os direitos dos cidadãos, que pedem justiça; não era preciso que o nobre Deputado nos lembrasse esse dever, e nos viesse dar prelecções. Sr. Presidente, a commissão não requereu a impressão do parecer, nem que fosse ouvido o Governo, porque o não julgou necessario; mas já que o illustre Deputado acha modica a despeza com a impressão, sempre lhe lembrarei, que talvez essa somma servisse para pagar um mez a uma desgraçada viuva ou pensionista do Estado, em quanto que a impressão do parecer em nada elucidava a Camara. Se a qualquer dos membros desta Camara assistisse o mesmo estado de duvida, em que esta o nobre Deputado, deixai ia elle tambem de requerer a impressão do parecer?

Sr. Presidente, a commissão não lhe importa que o parecer se imprima, porque nem sobre isso avançou a menor idéa; o que lhe importa, é defender-se da arguição que se lhe fez de não ter ouvido o Governo; e não o ouviu, porque ainda hoje esta convencida de que não era preciso, porque no ponto em

Página 158

(158)

que o supplicante entende que se lhe tinha feito offensa, entende a commissão que não houve tal offensa.

Portanto a commissão emittiu a sua opinião, como entendeu, e ainda esta convencido de que o fundamento da queixa não tem logar.

O Sr. J. L. da Luz. — Não posso deixar de dizer algumas palavras sobre este objecto, porque se tracta de um cidadão a quem conheço de muito perto, de quem fui companheiro na repartição, de que foi esbulhado, o porque é tambem meu collega na escóla Medico-Cirurgica de Lisboa, e não quizera que o illustre requerente suppozesse, que estando nesta Camara, não levantava a minha voz para fallar em seu favor, e sinto que o parecer da commissão não estivesse mais proprio para poder advogar a sua causa. A este cidadão fez-se grande injustiça; basta ler o seu requerimento. Era presidente do conselho de saude publica do reino, quando regia a lei de 3 de janeiro de 1837. O decreto de 18 de setembro alterou as disposições daquella lei, e conservou o mesmo illustre p:e-sidente do conselho de saude publica do reino. As Côrtes auctorisaram o Governo a fazer uma nova modificação no decreto de 18 de setembro, e daqui resultou ser este individuo collocado em vice-presidente, por isso que o logar de presidente passou a pertencer ao Ministro do Reino.

Vieram os acontecimentos de maio, e como a lei de saude era um dos pretextos (que depois se viu que não era) com que argumentavam os revolucionarios, o Governo, que então se achou no Poder, aboliu a lei de saude, e fez voltar as cousas ao estado em que estavam, antes da promulgação daquella lei, e por consequencia todos os empregados da commissão de saude publica foram conservados nos seus postos, e os outros separados. E porque razão não havia de ser o presidente do conselho de saude publica conservado no mesmo logar que dantes tinha? Não sei porque. O requerente que pede justiça á Camara, e que entende que o Ministerio deve ser accusado por não ter cumprido as leis, tem direito a queixar-se, mas o que é preciso, é que o Governo a este respeito diga á Camara que motivos teve para proceder com este cidadão não do mesmo modo, que procedeu a respeito de todos os outros em iguaes circumstancias? (O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Apoiado). Seria por evitar as accumulações? Não foi por certo, porque lá estão dois individuos que accumulam ainda hoje, e de mais a mais ambos os empregos são remunerados. Por conseguinte é indispensavel que o Governo se explique a este respeito, para que a Camara possa fazer um juizo cabal sobre este negocio: e para não me demorar nada mais accrescentarei, e mesmo porque me parece que não tenho estado rigorosamente na discussão. Declaro pois, que uno os meus votos aos do nobre Deputado, que fez a proposta para que o Governo seja ouvido, sem o que não posso decidir, se o Governo póde ser reputado ou não infractor das leis; quer-me parecer que o Governo estava no seu direito de demittir este empregado, quando não conviesse ao serviço publico, mas o que eu não posso saber, e porque motivo o Governo demittiu um empregado que cumpriu os seus deveres, que alcançou um titulo do seu emprego, e que foi sempre empregado zeloso no desempenho dos seus deveres, em quanto se conservou no seu logar. (apoiados) Faz me isto muito pêso, e por isso e que desejo que o Governo informe o que bem entender a este respeito.

O Sr. J. J. de Mello: — Sr. Presidente, pedi a palavra para dar mais uma explicação ao nobre Deputado que acabou de fallar, sobre os motivos que moveram a commissão a não convir em que a este respeito houvesse infracção de lei. Disse o nobre Deputado, ou terminou o seu discurso dizendo, que este cidadão era um empregado zeloso no desempenho dos seus deveres, e que não devei ia ser demittido sem se dizer o motivo que justificasse o procedimento do Governo; mas seguramente á commissão não constou o motivo que o Governo teve, nem da lei consta que o Governo deva dar esses motivos, porém ainda que elles fôssem apresentados, o nobre Deputado sabe que os empregos não são propriedade de ninguem, e que o Governo póde demittir o empregado sempre que entender que assim o exigem as conveniencias do serviço publico, e nos empregos de confiança sempre que o Governo entender que o empregado não deve continuar a merecer a sua confiança. Em toda a lei de 1837 o unico artigo aonde se acham definidos os direitos dos empregados e este (leu). Quer dizer que fica esta repartição em dependencia do Ministerio do Reino — o Ministerio é que tem a responsabilidade por todos os actos daquella repartição — por isso digo eu, qual será o Ministerio que queira aconselhar-se com um individuo em quem não deposita confiança? Qual será o Ministerio que queira tomar a responsabilidade dos actos de um individuo, em quem não confia? Por consequencia e neste sentido que a commissão entende que não se precisa pedir ao Governo os motivos que teve para demittir este empregado Esta ou não isso nas attribuições do Governo? Eu fallo a lingoagem do facto, não fallo do dever. Em que obsta a legislação á demissão desse empregado? É por isso que eu impugnei o adiamento, quasi poderia julgar-se até II regular pedir ao Governo explicações a este respeito — todavia se a Camara entender que para seu esclarecimento devem vir algumas informações do Governo, que venham, não me opponho, desejo que venham informações para decidir o mais amplamente possivel com conhecimento de causa sobre este negocio.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, julgou-se discutida a materia do parecer, e sendo posto á votação o adiamento proposto pelo Sr. Fontes Pereira de Mello, foi approvado por 47 votos contra 22.

Segunda parte da ordem do dia.

Discussão do projecto n.º 34.

É o seguinte

Relatorio. — Senhores: A commissão de Fazenda, de accôrdo com a especial do Orçamento, examinou com devida attenção a proposta de lei, em que o Governo, pelo Ministerio do Reino, pede auctorisação para dispender até á quantia de quatro contos de réis para dar principio á exploração geologica e mineralogica do Reino; e para a compra de um Herbario da Flora Portugueza, que um naturalista allemão, depois das viagens e excursões que tem feito nas provincias deste Reino, tem collegido e preparado.

Página 159

(159)

A commissão reconhece a solidez dos fundamentos em que a proposta se basea: e ao mesmo tempo avalia a situação da fazenda publica, que de algum modo parece contrariar a opportunidade da concessão da auctorisação: reflectindo, porém, na conveniencia e importancia do objecto, persuade-se que, a despeito de todos os embaraços, fôra, pelo menos, improvidente deixar fugir a singular occasião que lhe consta se offerece para conseguir com vantagem os objectos para que a auctorisação é sollicitada.

Dar impulso aos progressos das sciencias, e mui especialmente daquellas cuja util applicação influe directa e immediatamente no desenvolvimento da industria de um paiz, deve ser sempre o pensamento de um governo illustrado. Assim o entendeu a França em circumstancias talvez mais apuradas que as nossas; da execução deste pensamento viram-se prodigios, cujos resultados logo se sentiram, os quaes amplamente compensaram esforços e despezas, que foi mister fazer; todos os ramos de industria, assim agricola, como fabril e commercial, prosperaram rapidamente; e a propria administração publica se tornou mais ceita e regular: ora é só com taes meios que a prosperidade de um paiz póde promover-se.

Consta á commissão, e por modo mui authentico, que a exploração geologica, oryctognoslica e chorografica do Algarve, foi ha pouco concluida por um engenheiro civil estrangeiro, actualmente residente nesta capital; que este importantissimo trabalho fôra offerecido á Academia das Sciencias; e que esta, submettendo-o a profundo exame, o reputou digno da maior consideração, da qual todos poderão certificar-se logo que seja publicado. É notorio que illustram esta corporação scientifica membros distinctos, cuja competencia, sobre o assumpto, não póde entrar em duvida; entre elles se numeram habilissimos engenheiros, professores e officiaes de outros corpos scientificos, cujas reputações são assaz conhecidas; consta pois que todos elles deram as mais vantajosas informações dos trabalhos daquelle engenheiro civil estrangeiro; e alguns, mui especialmente, da sua dexteridade practica, e boa disposição para continuar nas outras provincias, e pelo mesmo systema, a já começada exploração, pois que de quasi todas já tem bastantes conhecimentos practicos.

É tambem de toda a evidencia, que sem o cabal conhecimento das localidades, e da extensão dos recursos naturaes de um paiz, bem como das condições precisas para os trazer ao uso commum, não é possivel que um Governo illustrado possa emprehender com esperançoso resultado a concepção mesmo, quanto mais a execução dos mais acertados projectos de administração economica, daquella administração que tende a obter a mais vantajosa producção, das quaes (cumpre confessa-lo, e sem difficuldade, porque é bem notorio) sentimos grande falta, e que em fim é absolutamente preciso entrar desde já no caminho em que ha muito deviamos ter entrado, e em que marcham todas as nações cultas; é este o caminho do fomento dos interesses materiaes, sem o que debalde podemos esperar que este abençoado paiz possa seguir, mesmo de longe, quanto mais alcançar os outros no progresso em que marcham.

É penoso dizer que, apesar de ser bem sabido que em nossa terra tem existido, e existem capacidades notaveis, a maior parte dos conhecimentos praticos que em maior escala possuimos sobre a natureza do

sólo portuguez, sobre as riquezas naturaes que elle encerra, e sobre a variedade e qualidade de suas producções, com excepção de alguns sabios nacionaes, cujos nomes recordamos com respeito, nos tem sido ministrados por sabios estrangeiros que, para os obter, tem visitado e viajado o nosso paiz; mas deverá ser ainda mais penoso continuar em tão desleixado systema; e cumpre não esquecer que é das mais apuradas circumstancias em que as nações se tem achado, que tem nascido os recursos salvadores, porque os apuros inspiram o genio, e robustecem a determinação e decisão da vontade.

A occasião pois, apesar de tudo, é a mais opportuna; convém aproveita-la; e pois que o engenheiro civil estrangeiro, a que alludimos, será aquelle a quem o Governo provavelmente encarregará a exploração, para que na sua proposta pede os precisos meios, a commissão é de parecer que se concedam, lembrando ao Governo, que na execução dos correlativos trabalhos seria de toda a utilidade fazer adquirir a precisa pratica a muitos mancebos, que nas escólas scientificas tem já dado decisivas provas de seus talentos, e com as lições de sabios e illustres professores tem adquirido abundancia de conhecimentos theoricos: quando mesmo outra utilidade não resultasse dos trabalhos que com toda a probabilidade serão commettidos á habilidade do predito engenheiro civil a que a commissão se refere, esta seria já de toda a importancia.

Quanto á acquisição do Herbario da Flora Portugueza a commissão sabe por alguns de seus membros, que já o viram e examinaram, que quando o illustre naturalista não fosse conhecido já entre os sabios pela vastidão de seus conhecimentos, aquella collecção fôra delles a mais decisiva prova, não só pela nitidez e ordem com que se acham arranjadas as plantas que nelle se acham, mas pela sua escolha; entre as quaes se observam bastantes especies, ainda não conhecidas, não só de outros viajantes que percorreram nossas provincias, e entre elles o Conde de Hofomanuseg, e o professor Link, mas do proprio doutor Brotero, que dellas não faz menção na sua Floia Lusitana, nem nos seus Fascículos Phythograficos; pelo que a acquisição deste Herbario é de toda a conveniencia.

A vista pois do que fica enunciado, a commissão é de parecer que a proposta do Governo póde converter-se em

Projecto de lei. — Artigo 1.º É o Governo auctorisado para despender até á quantia de 4 contos de réis para se dar principio á exploração geologica e mineralogica do Reino; e para a compra de um Herbario da Flora Portugueza, sendo 3 contos de réis para a exploração geologica e mineralogica, e 1 conto de réis para a compra do Hei bario.

Art. 2.º O Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Reino dará conta ao corpo legislativo do modo porque fez realisar estes dois objectos, e porque dispendeu a somma para elles applicada.

Sala da commissão, 10 de abril de 1849. — Visconde de Castellões, João Pereira Crespo, Luva Coutinho Albergaria Freire, Augusto Xavier Palmeirim, Antonio José de Avila, Jeronymo José de Mello, Eusebio Dias Poças Falcão, Bernardo Miguel de Oliveira Borges, Joaquim José Pereira de Mello, José de Mello Gouvêa, Conde de Linhares (D. Rodrigo), José Lourenço da Luz, Agostinho Alba-

Página 160

(160)

no da Silveira Pinto, Augusto Xavier da Silva, José Ignacio de Andrade Nery.

Proposta do Governo a que se refere o parecer antecedente (n.º 28 B).

Relatorio. — Senhores: — A necessidade de fomentar o processo das sciencias, e de facilitar os meios de instrucção publica, é tão geralmente reconhecida, que a França apesar dos seus apuros financeiros, tendo reduzido no seu ultimo orçamento as despezas dos Ministerios, augmentou as do Ministerio da instrucção publica. As despezas deste ramo de serviço do estado, umas são fixas e outras eventuaes, porque dependem de trabalhos temporarios, ou de occorrencias que nem sempre se verificam, e que por tanto convem aproveitai: taes são a acquisição de collecções scientificas de todas as especies, ou de objectos de qualquer raridade e valor artistico, ou litterario, que difficultosamente se encontram de venda, e em que ás vezes interessa ate a hora a nacional em não se consentir que saiam do paiz; e por isso nos orçamentos das nações que tem um regimen constitucional, como a Belgica etc, ha sempre uma somma destinada para animar as sciencias e as letras, que o Governo emprega, segundo as circumstancias, dando conta ao corpo legislativo do modo porque a dispendem Nos orçamentos portuguezes tem faltado esta verba, com grave prejuiso da instrucção publica; por que não havendo fundos destinados para as despezas eventuaes, tem deixado de fazer-se, por mais proficuas que ellas podessem ser.

Fundado nestes principios, o convencido o Governo de Sua Magestade de que uma exploração geologica e mineralogica do Reino é indispensavel, não só para o progresso da sciencia, mas tambem, e muito principalmente, a fim de colher dados statisticos, que o habilitem para com pleno conhecimento de causa, podér tractar muitos objectos de administração publica, sendo este o motivo porque a França tem gastado mais de 500 mil francos na sua Carla Geológica que não esta ainda concluida, o porque a Inglaterra, muita parte da Allemanha, e os Estados Unidos da America, tem procedido a iguaes trabalhos, com grande dispendio dos dinheiros publicos; e desejando igualmente o Governo de Sua Magestade não perder a occasião de alcançar um Herbario da Flora Portugueza, collegido por um naturalista allemão, em viagens feitas á sua custa nas diversas provincias do Reino, em que achou grande numero de plantas, que não foram descriptas pelo doutor Brotero; por todas estas razões, propõe a seguinte

Proposta de lei. — Artigo 1.º Fica auctorisado o Governo para dispender até á quantia de 4 contos de réis para dar principio á exploração geologica e mineralogica do reino, e para a compra de um Herbario da Flora Portugueza, sendo 3 contos de réis para a exploração geologica e mineralogica, e 1 conto de réis para a compra do Herbario.

Art. 2.º O Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Reino dará conta ao corpo legislativo do modo porque fez realisar estes dois objectos, e porque se dispendeu a somma para elles applicada.

Secretaria d'Estado dos Negocios do Reino, em 30 de Março de 1849. — Duque de Saldanha.

O Sr. Assis de Carvalho: — (Sobre a ordem) Sr. Presidente, não desejo interromper a discussão deste projecto, que eu julgo de grande vantagem para o paiz, mas sobre este mesmo objecto já eu disse que

me parecia, que a fórma seguida neste negocio era a menos curial. No relatorio que precede este projecto de lei, vê-se que este negocio é especialmente da competencia da commissão de Instrucção Publica, que sobre elle devia ser ouvida; entretanto a illustre commissão de Fazenda, que neste caso se converteu em commissão Academica, encarregou-se de dar exclusivamente o seu parecer, e póde dizer-se que era difficultoso haver um parecer mais conveniente em geral, e até reduzido á lingoagem mais technica, e fosse encarregado á commissão de Instrucção publica, de certo não o faria melhor nem na essencia nem na redacção, considerado o negocio abstractamente — tomarei por acaso para exemplo o 3.º periodo do relatorio que diz. (leu) Tudo isto é scientifica e lingoagem technica, que só por felicidade, ou por excepção, a commissão de Fazenda poderia produzir. É um relatorio propriamente scientifico, propriamente technico. — Segue-se outro periodo que acabo de tomar para exemplo, (leu) Todo este relatorio que é especial em todos os seus periodos, esta inteiramente alheio das funcções inherentes á illustre commissão de Fazenda, que não tractou da materia sómente no sentido economico, mas considerou-a pelo lado da sciencia, e que não podia assignar este parecer com conhecimento de causa. Parece-me que sómente na commissão respectiva se apresentaria um relatorio tão bem desenvolvido em geral. Passando do relatorio para o projecto de lei, ainda é materia especialmente scientifica, porque diz. (leu) Contém este projecto materia relativa a dois ramos especiaes de sciencias naturaes. Por todas estas razões que não desenvolverei mais, proponho que este parecer volte á commissão de Instrucção Publica para ella ser ouvida a este respeito.

Proposta. — Proponho que o projecto de lei n.º 34 vá á commissão de Instrucção Publica para o considerar. — Assis de Carvalho.

Considerada como adiamento foi apoiada, e entrou em discussão.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, o illustre Deputado que acaba demandar a sua proposta para a Mesa, pelo qual tenho a mais alta consideração, não combale o projecto pelas suas disposições, mas unicamente porque se apresentasse ferindo a susceptibilidade da illustre commissão de Instrucção Publica.

Seria para desejar que esta commissão tivesse dado tambem o seu parecer sobre o objecto que se discute, mas é de crer que a illustre commissão de Instrucção Publica, muito illustrada certamente, ainda mesmo que não tenha tido parte na confecção deste importante trabalho, venha a concordar com elle, e mesmo porque o nobre Deputado que é membro dessa commissão, já declarou, que se achava perfeitamente elaborado. Por consequencia parece-me que não sendo isto mais do que uma questão de susceptibilidade, é escusado que vá de novo este objecto á commissão, porque aqui póde a commissão de Instrucção Publica apresentar todas as considerações que julgar convenientes.

Por tanto, Sr. Presidente, não se tendo apresentado consideração alguma para combater a doutrina do projecto de que se tracta, abstenho-me por em quanto tambem de o defender, porque me parece inutil defender uma cousa que não é atacada, e não quero gastar tempo á Camara inutilmente. Se acaso

Página 161

(161)

fosse combatido, não teria duvída de juntar a minha voz á dos illustres membros signatarios do projecto, porque approvo completamente as disposições do mesmo projecto, desejando apenas que o Governo fosse mais explicito, pelo menos na discussão, em quanto a idéa de mandar alguns individuos instruidos nos ramos correspondentes a esta sciencia para se habilitarem praticamente

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Sr. Presidente, se a observações do illustre Deputado, que propoz o adiamento, tivessem por fim mostrar a incompetencia da commissão, que sobre o objecto deu o seu parecer, porque nella faltassem os conhecimentos scientificos necessarios, eu entendia perfeitamente a sua moção; mas o illustre Deputado e o proprio que fez elogios a commissão pelo seu trabalho, e portanto não vejo necessidade nenhuma de adiamento (apoiados]: por outra parte o tempo inata, o engenheiro que deve encarregar-se destes trabalhos, Mr. Bonet, esta prompto a immediatamente entrar em campanha, e toda a demora o prejudicial, porque espero que o Governo, qualquer que elle seja, já na sessão immediata podéra apresentar trabalhos a este respeito, talvez com relação a duas provincias do Reino

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, levanto-me para pedir a Camara que não approve o adiamento, apresentado pelo nobre Deputado; e acredite S. S.ª, que quando eu impugno a sua proposta não é porque deixe de ter toda a consideração pela illustre commissão de Instrucção Publica; mas parece-me que o nosso intento e o nosso dever e trazer aqui os negocios o mais bem examinados possivel, e com quanto a commissão do Orçamento, que foi aquella que examinou este objecto, não reuna tantas capacidades como aquellas que constituem a commissão de Instrucção Publica, comtudo devo confessar que tem a fortuna de ler no seu seio alguns individuos, que não pertencendo á commissão de Instrucção Publica, não tem de certo menos conhecimentos do que aquelles que a ella pertencem. A commissão do Orçamento reune no seu seio capacidades conhecidas no paiz; alludirei especialmente aos Srs. A. Albano, J. J. de Mello, e J. Lourenço da Luz, e querer o nobre Deputado que o projecto seja privativo da commissão de Instrucção Publica, e certamente fazer muita injuria a estes nobres cavalheiro», que de certo lh'a não merecem (O Sr. Assis de Carvalho: — Nada, nada); eu declaro que disto não entendo nada, mas confiei muito na sabedoria de SS. Ex.ªs, e assignei gostoso o projecto, obedecendo ao respeito que tenho pelos conhecimentos destes illustres Deputados: porem, Sr. Presidente, nesta questão não se tracta só de saber se hão de ou não fazer-se os trabalhos que no projecto se mencionam; tracta-se tambem de saber se se póde satisfazer á despeza necessaria para elles, e de onde hão de vir os meios, e eis aqui a razão porque este negocio foi commettido á commissão do Orçamento. O que me parece é que o nobre Deputado, assim como os outros que pertencem á commissão de Instrucção Publica, e cujo saber eu respeito muito, podem apresentar na Camara as suas reflexões, podem impugnar o projecto; a Camara ha de ouvi-las, e a final ha de decidir, mas, Sr. Presidente, confesso que depois do Sr. Deputado ter feito elogios a commissão do Orçamento, admirou-me a sua proposta; porque depois do Sr. Deputado reconhecer que este trabalho estava bem elaborado, com quanto entendesse que a commissão do Orçamento não ora a competente para tractar delle, o que eu esperava era que o illustre Deputado concluisse — desculpemos a commissão do Orçamento por lei entrado neste negocio, que era seara nossa

Tem-se clamado aqui differentes vezes que é um mal, que é uma desgraça, que as commissões sejam compostas de individuos que pertencem a certas e determinadas classes; entretanto tracta-se de uma questão militar, clama-se logo — é a commissão de Guerra que a deve examinar, porque é composta de militares, e são elles os competentes para o objecto, — tracta-se de um negocio de instrucção publica, clama-se no mesmo sentido, e assim estabelecem os Srs. Deputados competencias, julgando se cada um só o competente para tractar de certos objectos, mas a final quem decide as questões é a Camara, e no caso actual os Sr. Deputados que são membros da commissão de Instrucção Publica, podem fazer as observações que entenderem, podem impugnar o parecer, e tractar de esclarecer a Camara para ella a final resolver do modo mais conveniente: por tanto respeitando muito as luzes do illustre Deputado, voto contra o adiamento

O Sr Assis de Carvalho — Sr. Presidente, eu, para dar uma prova da minha docilidade, retiro a minha proposta de adiamento; mas antes de a retirar quero dar a demonstração da sua conveniencia. Eu retiro a minha proposta, porque não quero pôr impedimentos ao andamento deste negocio, que me parece de grande utilidade publica; mas perguntaria eu á commissão de Fazenda, se, por felicidade sua neste caso, não tivesse no seu seio pessoas competentes para julgar deste negocio, se ella sabia o que era um Herbario, e quanto devia valer? O mesmo redactor do relatorio julga da importancia do Herbario pela sua nitidez, ordem, e escolha das plantas! E será assim que se julga um Herbario? Sabia por ventura se o Herbario valia 1 conto de réis, se valia 600, se 400 mil réis? Saberia a commissão quantas especies novas conteria o Herbario, quantas descreveu Brotero, Link, e Hofomanuseg. Pois se a commissão de Fazenda não tivesse no seu seio, por felicidade sua neste caso, individuos competentes para julgar deste negocio, podia saber o que era exploração mineralogica, e geologica do Reino? Saberia a commissão de Fazenda que valor poderiam ter os calculos barometricos na medida das alturas? Podia saber se para dar principio a estes trabalhos era sufficiente ou insufficiente a quantia de contos de réis? Estava por ventura a commissão de Fazenda habilitada para dizer alguma cousa a este respeito? E não seria conveniente, que, para se tomar conhecimento do valor desse Herbario, que para quem não é da sciencia, é uma palavra hebraica (riso), fosse consultada a commissão de Instrucção Publica 7 Não é pela nitidez, nem pela encadernação, nem pela extensão ou dimensão que se julga do valor de um Herbario, e pela sua essencia propriamente scientifica; e não seria a commissão d'instrucção Publica a competente para tractar desse assumpto Ainda por outro motivo: quem ha na sociedade, zeloso da sua propria dignidade, que não queria ver desaffrontado o logar que occupa? Pois então a commissão de Instrucção Publica não ha de sei consultada nos nego-

Página 162

(162)

cios extraordinarios, e graves da sciencia, e ha de ser consultada em cousas de pequena consideração? Já se vê, Sr. Presidente, que a minha proposta vinha muito para o caso, e havia ainda outra consideração para não ser tão admiravel, como pareceu ao illustre Deputado pela Estremadura, a minha proposta; isto é, diz-se-nos — que o Governo o auctorisado para comprar um Herbario —; mas não se nos diz para que fim, nem a que estabelecimento ha de ser entregue, e isso é objecto de muita consideração. Consta que o Herbario vai para a Academia Real das Sciencias... (O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Apoiado.) É muito bem depositado, mas torna-se inutil, porque a Academia Real das Sciencias não dá applicação alguma scientifica a esse Herbario; vai ser sujeito ás aranhas, e aos ratos (riso); não tem applicação alguma scientifica, vai para um local onde não torna a ser visto muitos annos depois, havendo aliás estabelecimentos scientificos em Lisboa que lhe podem dar muito bom uso, e applicação: e então não era conveniente que tudo isto fosse presente á commissão de Instrucção Publica? Ora, pelo amor de Deos!.. E diz-se que eu quero injuriar a commissão de Fazenda!.. Pois eu quero injuriar alguem? Eu principiei fazendo elogios ao relatorio, e ao projecto, elogios que ainda confirmo; quero eu pois injuriar a commissão?!.. Mas o Herbario podia valer mais ou menos; podia mesmo entrar em linha de conta, se o engenheiro que vai explorar, compra instrumentos á sua custa; se faz despezas ordinarias ou extraordinarias á sua custa; todas estas considerações poderiam entrar em linha de conta para se poder bem calcular, se a quantia de 3 contos de réis era sufficiente para principiar a exploração geologica, e mineralogica, direi mais, e oryctognostica: a commissão de Fazenda, se fosse sómente de Fazenda, sabia o que isto era? Pelo amor de Deos!.. Sr. Presidente, retiro a minha proposta declarando, que não foi minha intenção fazer injuria a commissão de Fazenda, quando disse, que, por fortuna sua neste caso, tinha-se saido magnificamente.

Consultada a Camara sobre se consentia que o Sr. Deputado retirasse a sua proposta de adiamento, decidiu affirmativamente.

O Sr. Presidente: — Continua portanto a discussão na generalidade do projecto, tem a palavra o Sr. Silvestre Ribeiro.

O Sr. Silvestre Ribeiro — Requeiro a V. Ex.ª que consulte a Camara sobre se dispensa a discussão na -generalidade, passando-se á especialidade (apoiados).

Foi dispensada a discussão na generalidade para se propôr já a especialidade. O Sr. Presidente — Está em discussão o art. 1.º O Sr. Agostinho Albano: — Sr. Presidente, este parecer, que devia ser elaborado na commissão de Instrucção Publica, caiu nas mãos da commissão d'Orçamento, na qual, por fortuna, havia membros, e bastantes, que entendiam da materia; e se os não houvesse, a commissão certamente teria pedido á Camara, que o projecto fosse remettido á commissão de Instrucção Publica, que não creio que seja privativa da instrucção publica, porque na Camara, e em todas as commissões, ha membros de profissões scientificas, e proprios para decidirem objectos de instrucção publica: aqui estou eu, que tenho sido constantemente membro da commissão de Instrucção Publica, desde que me assento nesta Casa; só este anno deixei de pertencer a ella; e por esse facto, na opinião do illustre Deputado, ficaria desauctorado de tal ou qual conceito, que como homem litterario possa pertencei-me. (O Sr. Assis de Carvalho — Peço a palavra)

Sr. Presidente, a instrucção reside em todos nós, reside na commissão de Instrucção Publica, mas não é exclusiva della, reside em todas as commissões, e na commissão de Fazenda, que é hoje composta de nada menos que de 18 individuos, ha membros nella que tambem o são da commissão de Instrucção Publica, e que nos tem ajudado muito, e feito grande serviço. O objecto é de fazenda, e é de instrucção, e a commissão de Fazenda tem em si individuos pertencentes ás faculdades naturaes, e individuos financeiros, e o projecto tanto pelo lado de instrucção, como pelo lado economico esta sufficientemente desenvolvido (apoiados). Mas este ponto esta tractado, e entendo que é melhor não mexer mais nisto, do que muito pouco ou nenhum producto se tiraria; o objecto da competencia se acaso tivesse vindo na occasião da distribuição deste projecto, teria algum logar, mas agora depois de ter sido distribuido á commissão de Fazenda, ouvida a de Orçamento, e ella ter apresentado o seu parecer, a respeito do qual disse o proprio Sr. Deputado, que se achava elaborado perfeitamente, e proficientemente, e até com os termos technicos, não me parece muito proprio e regular que se apresentasse uma tal questão de competencia (apoiados). Não direi mais sobre este assumpto, e bom foi a proposta não continuasse em discussão.

Sr. Presidente, a questão é de fazenda, e como tal foi tractada no relatorio, porque se refere á opportunidade da despeza, e á conveniencia della, aí se diz que a concessão, pelo lado da opportunidade, parece ser contrariada em attenção ás circumstancias em que nos achamos, porém attendendo a que se não deve perder a occasião de obter um trabalho tão importante e conveniente, opta pela despeza, e fez bem; porque eu entendo que ha despezas que se devem fazer em todo o tempo, sejam quaes forem as circumstancias, em que se achem os paizes, que tem de as fazer (apoiados) as despezas com este objecto são indispensaveis que se façam (apoiados) convém que se façam porque são despezas productivas (apoiados) logo isto é objecto da commissão de Fazenda, por este lado o resultado destes trabalhos é um objecto productivo, a despeza que se faz é muito productiva (apoiados) é uma questão perfeitamente de melhoramentos materiaes do paiz, e nem se podem promover os interesses materiaes do paiz sem se conhecer as producções, que elle contém em si (apoiados).

Sr. Presidente, houve um tempo em que se esperava pelo maná do Ceo, se esperarmos por elle, esperamos muito mal (apoiados) é necessario seguir outro caminho, e é este o do fomento dos interesses materiaes do paiz, sem o que debalde podemos esperar alguma cousa util (apoiados). Nós não precisamos ir á Califórnia (riso) nós lemos dentro do nosso paiz uma Califórnia, nós temos no nosso paiz recursos bastantes (apoiados) não precisamos ír buscal-os fóra, muitos recursos tem o nosso sólo, o caso esta em sabel-os aproveitar (apoiados) mas para aproveital-os é necessario que se saiba aonde existem, e como se hão de tirar (apoiados) mas isto é objecto de despe-

Página 163

(163)

za, porém essa despeza é muito productiva, e a despeza que se tracta neste projecto, é insignificantissima em comparação á grandeza do objecto (apoiados).

Agora em quanto ao Herbario, direi que na com missão de Fazenda ha muita gente que entende-o que é um Herbario, e que entende da sua applicação (apoiados) O logar para onde esse Herbario deve ir, o Governo o dirá, ainda entendo ser util ir para a Academia das Sciencias, alli aonde esta um bom Museu, tambem póde estar um Herbario, alli estão estabelecidas as cadeiras de zoologia, mineralogia, e botanica, e ainda bem que lá estão; para estudar a zoologia, e mineralogia lá tem todo o necessario, mas não acontece assim quanto á parte da botanica, portanto muito bem vai para alli um Herbario, que muito hade ser examinado; é portanto necessario tomal-a depositaria d'um objecto de tanta importancia, os Museus têem sempre em si objectos que representam as sciencias; e é preciso que se saiba que a Academia das Sciencias é um estabelecimento que faz honra á nação, que tem feito conhecer Portugal pelo lado das sciencias, pelas suas producções scientificas, e um estabelecimento destes não será digno de ser depositario desse Herbario?... Entendo que o é (apoiados). Sr. Presidente, não mexo mais nesta materia, e vou propriamente ao objecto de que trata a proposta, que esta em discussão.

Sr. Presidente, para se conhecer a bondade e utilidade destes trabalhos basta ver a exploração do Algarve (apoiados) a exploração geologica, oryctognostica, e chorografica do Algarve, é um objecto que mais honra faz ao seu auctor (apoiados). A Academia das Sciencias, que, como já disse, é composta de homens competentes, de homens cuja illustração é digna de respeito, nesta corporação ha estrangeiros distinctos que examinaram esse trabalho, e avaliaram-no como aquillo que elle é.

Sr. Presidente, o trabalho da exploração do Algarve é a cousa mais importante que ha muito tempo se tem feito em Portugal, tenho muita pena que esses trabalhos não fôssem feitos pelos nossos Naturaes, porque entre nós temos individuos de muita sciencia, mas a parte pratica é que falta, o essa bom é que a vamos aprendendo de alguem que esteja no caso de nol-a poder ministrar, é do estrangeiro que nos ha de vir a parte practica, porque nós certamente não estamos tão adiantados, como se acham outras nações. Digo que um dos nossos insignes engenheiros, que tem muitissimos conhecimentos, e cujo nome é digno de respeito, fallo do Sr. F. Folque, homem competentissimo nesta materia (apoiados) o mais competente sobre o assumpto, viu esses trabalhos particularmente, e o mesmo digo do Sr. Fransini, que é outro membro da Academia das Sciencias, e que tem feito a este respeito trabalhos importantes, um e outro ficaram admirados não só dos trabalhos, mas da facilidade com que foram executados, e declaram que elles fazem a maior honra ao estrangeiro que os fez. A parte theorica destes, trabalhos já existe na nossa Academia, falta aparte pratica, por este lado entendo que disso deve ser encarregado este estrangeiro, creio que o Governo o encarregará deste trabalho (apoiados). Creio que é da mente do Governo que este engenheiro na execução, de seus trabalhos deve ser acompanhado de alguns dos alumnos da sciencia, que tenham adquirido conhecimentos theoricos, e ha na verdade nas nossas escólas o sufficiente para a parte theorica, e no corpo de engenheiros ha individuos muitissimo habilitados nestes ramos, e nesta occasião rendo-lhe publica homenagem, mas o que falla a muitos são os conhecimentos praticos, particularmente nas operações barometricas, applicadas á medição das alturas, assim o diz seu proprio chefe.

Sr. Presidente, eu entendo que esta exploração faz a maior honra a qualquer Governo, que buscar dar um impulso em objectos de tal ordem; sejam quaesquer que forem os sacrificios para se conseguir este objecto, são sacrificios productivos, convenientes, e seria uma vergonha se não se fizessem, quando a occasião é tão opportuna; acho até muito limitada a quantia, é o defeito que lhe vejo, mas a commissão não havia de offerecer mais que aquillo que se podia: estou certo que com esta modica quantia se podem começar e adiantar muitos trabalhos, o tempo dirá o que mais fôr necessario; tanto mais quanto esta commissão tenho a certeza que não iia de ser daquellas que não teem fim, é das que o ha de ter, porque tem tudo prompto para trabalhar, e em 3 ou 1. annos terá concluido os trabalhos, e quando tivermos trabalhos similhantes áquelle que temos já a respeito do Algarve, digo que o paiz fez uma conquista sobre a natureza.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. Presidente, eu sou talvez a pessoa menos competente nesta Camara para tractar de uma questão, que involve considerações scientificas; no entretanto, desejo ardentemente que Portugal não esteja fóra da communhão scientifica da Europa, como desgraçadamente poderá vir a succeder, se o Governo e as Cortes não attenderem desde já, e com o maior desvélo a tão graves negocios. Ainda ha pouco tempo, nesta Camara, tomei a liberdade de chamar a attenção do Governo sobre alguns assumptos scientificos, por exemplo: sobre o seguimento que tinha lido o convite feito pela Academia Real das Sciencias de Londres á nossa Academia das Sciencias, relativamente a observações magnéticas (Apoiados) na superficie do globo. Este objecto é realmente de muita consideração, e eu não sei se alguma quebra de dignidade poderá haver para o Governo Portuguez, e em geral para Portugal, se a tão ponderosos negocios não dermos bastante attenção. A nossa Academia representou nessa occasião que não tinha meios para annuir ao convite, e isso não teve seguimento. Chamei tambem a attenção do Governo a respeito dos jardins botanicos, a respeito das galerias de pinturas, a respeito de bibliothecas, e de tudo quando tem relação com as sciencias, letras, e artes. Parece-me pois que não devo deixar passar esta occasião sem tambem unir os meus votos aos do Governo, para que nós alarguemos a esfera dos nossos conhecimentos, para que nos colloquemos a par do desenvolvimento intellectual da Europa culta, no assumpto de que se tracta. Eu sei quaes são as circumstancias apuradas do nosso Thesouro, e que nesta situação é mister olhar com muita seriedade para tudo quanto é despeza; mas parece-me que não haverá um só membro desta Camara, que não queira decididamente approvar o pensamento do Governo, visto que se tracta de trabalhos scientificos, e de uma acquisição de summo proveito para o nosso paiz, que em verdade esta muito atrazado neste particular.

Por consequencia voto com todas as minhas for-

Página 164

(164)

ças pelo projecto, desejando muito que daqui se sigam as vantagens que o Governo tem em vista, e que me parece que se hão de seguir. Apenas desejaria que a este artigo se addicionasse o pensamento que vem no relatorio, isto é, que aos trabalhos de que se tracta n'este artigo, sejam associados os alumnos das escólas scientificas, que tiverem dado provas de talento, e houverem obtido os sufficientes conhecimentos theoricos.

Eu não duvido de que o Governo associe a estes trabalhos os alumnos, que estiverem nestas circumstancias, mas desejava que isto fosse uma obrigação dispositiva da lei, por modo que o Governo não podesse deixar de assim o fazer. No meu entender não basta só que se façam os trabalhos scientificos; precisamos tambem, e muito vantajoso será que esses trabalhos sejam a occasião e um meio de tyrocinio, e aprendisagem para os mancebo?, que se consagram a taes estudos.

Neste sentido mando para a Mesa o seguinte

Additamento: — Serão associados a estes trabalhos os alumnos das escólas scientificas, que tiverem dado provas de grande talento, e houverem adquirido os competentes conhecimentos theoricos. — Silvestre Ribeiro

Foi admittido á discussão.

O Sr. J. J. Mello: — Sr. Presidente, levanto-me para render o meu culto de homenagem a este projecto, e para aproveitar a occasião de fazer algumas reflexões perante o Sr. Ministro do Reino, reflexões que eu teria feito, se este projecto fosse á commissão de Instrucção Publica. Devo dizer a este respeito que eu estou assignado neste projecto, não tive duvida alguma em o assignar, porque apesar de eu entender que para regularidade dos trabalhos devia ir á commissão de Instrucção Publica, bastou-me lançar os olhos sobre o seu relatorio para ver que scientificamente se tinha entendido e desenvolvido cabalmente todo o objecto de que se tractava. Mas, Sr. Presidente, este projecto e summamente importante, e a pena que eu tenho, e que as nossas circumstancias de fazenda sejam taes que não permittam pedir ou dispor mais de 4 contos de réis para um objecto tão vasto e tão fecundo como este. Tracta-se de um projecto que exprime progresso scientifico e progresso industrial; o projecto, Sr. Presidente, não precisa defensão decerto, porque quando a precisasse, achava-se toda no luminoso relatorio que o acompanha. Ha aqui dous objectos, um é a acquisição do Herbario, e o outro as explorações mineralogicas. Pelo que pertence á acquisição do Herbario, acho que é muitissimo importante, porque força é dize-lo, nós hoje possuimos muito pouco neste genero. Segundo as informações que eu tenho, e a commissão diz — este Herbario acha-se mui rico, muito bem co-ordenado, e naturalmente traia muito mais especies do que aquellas que eram conhecidas no tempo do nosso distincto botanico o Sr. Felix de Avellar Broteio; — é provavel que traga até todas essas especies novas introduzidas por Springel: parece-me uma acquisição muitissimo importante. Agora quanto ao local aonde este instrumento filosófico deverá ser depositado, entendo que o Governo decidirá convenientemente; mas eu quizera lembrar a S. Ex.ª que um objecto desta naturesa, visto que nós não possuimos muitos outros do mesmo genero, não devia ser só um objecto apparatoso, mas que devia ser um objecto para ensino; e então não o julgando eu de certo mal collocado na Academia de Sciencias, porque é um corpo scientifico muito respeitavel, parece-me que o publico tiraria mais instrucção delle, se fosse collocado em um corpo de ensino, por exemplo na Universidade; porque na verdade nós temos precisão deste objecto para ensino; se tivessemos mais, diria esta muito bem depositado na Academia, mas visto que é um objecto tão util, tão novo, traz especies novas, eu no logar de S. Ex.ª depositaria este objecto em um corpo de ensino para servir de instrucção.

Agora pelo que pertence ás explorações mineralogicas, é objecto de que nós carecemos inteiramente no nosso paiz, e custa-me dize-lo; mas, Sr. Presidente, visto que ha um habil naturalista estrangeiro, que segundo diz aqui a commissão tem apresentado já trabalhos importantes neste genero sobre a provincia do Algarve, trabalhos que foram offerecidos á Academia das Sciencias, e que eu regulando-me pelo que diz a commissão devo apreciar devidamente, por que aquella corporação litteraria é a mais competente para decidir da importancia e vantagem do objecto, vamos nós, Sr. Presidente, aproveitar a occasião para não tirar d'ahi só os interesses industriaes, vamos tirar os interesses scientificos que se podem tirar da continuação dos trabalhos deste habil naturalista. A este respeito, Sr. Presidente, devo dizer, e devo dizer com franqueza: nós temos uma faculdade filosófica incorporada nas outras faculdades da Universidade, composta de mui habeis professores; mas, Sr. Presidente, a nossa Universidade esta instituida como foram instituidas todas as Universidades, no ponto de vista scientifico. No tempo da reforma deste estabelecimento, o illustre Marquez de Pombal aproveitando alguns professores estrangeiros que vieram ensinar e introduziram o gósto das sciencias de applicação, de maneira que fizeram uma combinação conveniente do ponto de vista scientifico em que se deve ensinar nas Universidades com alguns ramos de applicação; quero dizer, o illustre Marquez de Pombal neste ponto antecipou as épocas futuras, bem como em outros muitos: não alcancei eu já estes tempos de applicação, mas presente esta um illustre Deputado que decerto havia de acompanhar nas suas excursões botanicas um dos maiores botanicos da Europa, o Sr. Felix de Avellar Brotero. Desde então, Sr. Presidente, tem-se conservado este estabelecimento no ponto de vista scientifico; mas é necessario que eu diga a V. Ex.ª e á Camara: hoje as Universidades tem mudado, hoje tem-se todas reformado no sentido mixto de applicação, porque a parte util das sciencias é a applicação das mesmas sciencias. Sr. Presidente, eu visitei em 1836, 1837, e 1838, Universidades estrangeiras, vi o estado em que se achavam as sciencias, e achei instituidos ramos de applicação ás artes; é nisto que se insiste particularmente, e é este gosto que eu queria que se introduzisse por meio de uma reforma na nossa Universidade. Esta é uma das occasiões que se póde aproveitar para começar a dar este desenvolvimento: este sabio naturalista, que naturalmente ha de ser encarregado de continuar as suas explorações, devia ler companheiros nos seus trabalhos, homens já competentemente habilitados com todos os conhecimentos scientificos, que é preciso para a applicação practica. Por este motivo não approvarei eu tal qual esta a emenda offerecida por um illustre Deputado, em quanto queira pertender que

Página 165

(165)

vão alumnos acompanhando-o, eu quero que vão já doutores formados, já habilitados com todos os estudos scientificos, porque assim é que se aproveita, assim é que se faz em todas as outras Universidades: quero que estes homens (peço a S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino que tome na devida consideração estas reflexões) vão formar uma escóla practica com esse sabio naturalista, que estabeleçam um nucleo do futuro desenvolvimento de sciencias industriaes, que deve haver no nosso paiz, e a estes individuos tirados principalmente da classe dos doutores addidos á Universidade quizera eu que selhès contasse este serviço como habilitação principal para o magisterio, porque realmente eu entendo que o paiz tira muito mais interesses destas habilitações para o magisterio, do que póde tirar das que se estão fazendo actualmente.

Sr. Presidente, fallemos com franqueza, eu em theoria não achei cousa nova nas nações estrangeiras; mas no ramo de applicação foi para mim novo muitas das cousas que vi; e já então ía com carácter de professor, quando saí deste paiz: mas o que é verdade, e que nós precisamos destes ramos de applicação (apoiados).

Diz o relatorio da commissão o seguinte (leu). É uma verdade o que se profere aqui; é uma vergonha para o paiz; é tempo de nos elevarmos á altura em que se acham as sciencias (apoiados): a sciencia tem a sua parte util, que é a practica; e preciso que não nos limitemos só á parte theorica, é preciso que tenhamos ramos de applicação. Eu peço a S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino que aproveite a occasião deste sabio naturalista, para se foi mar uma associação dos doutores adjunctos da Universidade, e mesmo para que tirem d'alli a sua principal habilitação para o magisterio; para que estes individuos habilitados com os conhecimentos theoricos e practicos possam em dous annos formar uma escóla practica, util ao paiz, e da qual se ha de tirar muito bom resultado. Vou portanto mandar para a Mesa um additamento, neste sentido, a essa emenda que já foi offerecida pelo Sr. Deputado José Silvestre Ribeiro.

Additamento: — Com preferencia os doutores addidos á Universidade, contando-se primeiramente este serviço como habilitações no magisterio. — J. J. de Mello.

O Sr. Presidente: — Por ora não esta em discussão o additamento do Sr. Silvestre Ribeiro, que ha de entrar em discussão só depois de votado o artigo.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, parece-me conveniente á causa publica ceder da palavra depois do que acaba de dizer o nobre Deputado pelo Douro. O nobre Deputado quiz trazer para a discussão a Academia Real das Sciencias de Lisboa, e a conveniencia ou não conveniencia da especialidade das commissões: não e minha intenção discutir a Academia das Sciencias nem o devia fazer, conheço o seu valor, sou lente de zoologia na Academia desde 1836, e por este motivo não devo responder ao que o nobre Deputado disse. E tambem me parece que não devo discutir a conveniencia ou inconveniencia tia especialidade das commissões, porque pela doutrina do illustre Deputado todos nós somos omniscientes, e as commissões deveriam ser tiradas á sorte; por tanto cedo da palavra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu tambem tenho a honra de ser ainda que o mais insignificante, um dos membros da Academia Real das Sciencias de Lisboa; e por isso fallarei unicamente neste objecto pari dizer, que tendo igualmente a honra de ser membro de outras academias estrangeiras, de França, da Alemanha e do Brazil, posso apresentar um testimunho da muita consideração que tem nos paizes estrangeiros a nossa Academia Real das Sciencias. Isto tem sido reconhecido por todos os Srs. Deputados, e por consequencia não ha necessidade de dizer mais nada sobre este objecto. (apoiados) Em quanto á questão o que eu tenho visto, é que se tem admirado da pequena quantidade de dinheiro que o Governo pede para principiar estes trabalhos; a respeito disso direi duas cousas unicamente: a pessoa destinada a esses trabalhos está prevenida com todos os instrumentos necessarios para este fim, o que já torna a despeza menor; e além disso a sua actividade no modo de trabalhar e tal, que só a igualam os seus conhecimentos praticos e scientificos, (apoiados) A rapidez com que este individuo levantou a carta do Algarve, que foi apresentada á Academia Real das Sciencias, s sobre a qual ella deu o seu parecer, que lhe faz a maior honra, a sua carta geografica, e as observações barometricas que tem feito, por que tem tornado as alturas ao nivel do mar em mais de 200 pontos, tudo isto dá as mais bem fundadas esperanças de que elle ha de continuar com a mesma actividade, fundada nos conhecimentos theoricos e praticos que possue; e pelo que acabo de dizer, talvez antes da actual sessão legislativa, nós tenhamos já a carta do Alemtejo e a da Estremadura.

Agora relativamente ao additamento do Sr. Deputado José Silvestre Ribeiro espero que o seu auctor o retirára, por este motivo, por que elle esta concebido em termos d'uma generalidade tal que daria direito a um grande numero de individuos a serem empregados nestes trabalhos; e então em logar de 3 contos, 300 não seriam bastantes para este trabalho. O Governo deseja associar a esta sciencia Natural homens que tenham já os conhecimentos necessarios para poderem adquirir com este illustre naturalista a pratíca necessaria, para depois ensinarem os alumnos nas differentes Universidades. O dinheiro e realmente muito pouco; mas na nossa situação julga o Governo que é sufficiente: parece-me que havemos de ter a satisfação de mostrarmos na proxima sessão o bom emprego que delle se fizer; e por isso estou persuadido que havemos de poder apresentar á Camara o resultado definitivo deste negocio: não ha vemos de fazer aquillo que acontece quasi sempre em Portugal; realmente temos grandeza entre nós; desde logo que concebemos um plano, queremos logo executal-o em grande, mas se em logar de 3 contos, se pedisse uma maior quantia, talvez que se allegassem as nossas circunstancias, para não se conceder. Por consequencia vamos fazendo aquillo que é possivel, na certeza de que havemos de fazer um grande serviço ao paiz, e o pessoa encarregada da carta ha de dar bom cumprimento de si.

O Sr. Silvestre Ribeiro (Sobre a ordem): — O Sr. Ministro do Reino pede que eu retire o meu additamento, e eu, á vista da promessa que S. Ex.ª acaba de fazer, convenho em retira-lo; na certeza de que S. Ex.ª associará a estes trabalhos aquellas pessoas que tiverem conhecimentos theoricos sobre a materia, e estiverem nas circunstancias de poderem tirar um conveniente resultado, a fim de se formar uma

Página 166

(166)

escóla pratica de homens competentemente habilitados, (apoiados)

A Camara conveio em que o Sr. Deputado retirasse o seu additamento.

O Sr. J. J. Mello: — Depois das explicações que acaba de dar o nobre Ministro do Reino, peço tambem licença para retirar o additamento que offereci ao do nobre Deputado; confio em que S. Ex.ª ha de ter na verdadeira consideração o progresso das sciencias, continuando assim as vistas dosou illustre avô.

O Sr. Presidente — Como ainda não tinha sido admittido, não é necessario consultar a Camara; está retirado.

Não havendo quem mais pedisse a palavra julgou-se a materia discutida, e foi approvado o 1.º art. e seguidamente foi approvado o art. 2.º sem discussão.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, como esta proxima a hora do encerramento da sessão: e hoje esta presente o Sr. Ministro da Marinha e dos Negocios Estrangeiros, eu pedia a V. Ex.ª que, no caso do Sr. Ministro estar disposto a responder á interpellação que noutro dia lhe dirigi, a respeito d'um acontecimento que teve logar no Rio de Janeiro, me quizesse dar a palavra para fazer hoje a interpellação ao Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: — A Camara decidiu que as interpellações só tivessem logar na hora de prorogação; e a hora de prorogação de hoje é destinada para as interpellações dirigidas ao Sr. Ministro do Reino, e Ministro das Justiças, e que ainda estão pendentes segundo a declaração dos Srs. Deputados interpellantes: por isso antes de tudo devem ter logar essas interpellações. Porém como a hora da sessão esta adiantada, podem já começar estas interpellações, e se houver tempo então terá logar a interpellação do Sr. Deputado (apoiados).

Por consequencia se a Camara concede, passo já a dar a palavra para as interpellações (apoiados): e vou dar conta dellas pela ordem da sua antiguidade. A 1.ª é do Sr. Assis de Carvalho, sobre a exportação do figo do Algarve.

O Sr. Assis de Carvalho: — Eu já desisti della.

O Sr. Presidente: — A 2.ª é do Sr. Antonio Pereira dos Reis. Não esta presente. A 3.ª é do Sr. José Silvestre Ribeiro, e tem a palavra.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. Presidente, eu tinha annunciado esta interpellação no mez de janeiro, não me recordo bem o dia; e até pelo grande intervallo, quasi que este negocio me tinha escapado da memoria: felizmente esta elle terminado, e d'uma maneira que faz honra ao Governo. Digo isto com toda a sinceridade, sem o menor intento de adulação; aqui sou Deputado, e como tal hei de dizer o que sinto; e como sinto isto, por isso o digo com muito gosto (apoiado). Eu tinha pertendido interpellar o Sr. Ministro do Reino sobre um objecto de alguma ponderação, e vinha a ser: o Governo tinha mandado estabelecer sociedades agricolas nos differentes districtos do Reino; mas em Ponta Delgada havia já uma, com a denominação de sociedade promotora da agricultura michaelense, a qual foi fundada espontaneamente. Esta sociedade, lendo prestado relevantes serviços a agricultura da ilha de S. Miguel, entendeu que não havia necessidade de estabelecer-se uma nova. Assim m'o fez ver, na qualidade de seu socio honorario; e nesse sentido me dava por obrigado a pedir a S. Ex.ª Sr. Ministro do Reino que não creasse uma nova entidade naquelle districto, por que a existente satisfaria aos desejos do Governo, e além disso era digna de alguma consideração, por que se tinha formado espontaneamente (apoiados), pois que antes do Governo crear as novas sociedades agricolas, já ella estava estabelecida. Ora eu recebi esta representação em 30 de dezembro, e annunciei a interpellação não sei em que dia de janeiro d'este anno, e agora hei de ler uma carta, que acabo de receber da mesma sociedade, datada de 22 de março, pela qual verá a Camara que este negocio esta resolvido, e eu satisfeito completamente, por que tambem a sociedade o esta. Eis a carta, «Posto não tivessemos conhecimento directo «do progresso do negocio com que importunáramos «a V. em data de 30 de dezembro do anno proximo passado, cumpre-nos agradecer o impulso «que V. lhe deu pedindo na Camara dos Srs. Deputados alguma consideração para a sociedade Promotora da Agricultura Michaelense. É do nosso dever tambem communicar a V. que pouco tempo depois de havermos recorrido á protecção de V. entrando em exercicio (o actual Governador Civil,) «nos foi transmittida auctorisação para directamente «nos correspondermos com o Governo, em virtude «de uma portaria, que para tanto fóra expedida da «Secretaria d'Estado dos Negocios do Reino em «data de 4 de outubro, e cujo effeito fôra sustado «por lhe não darem execução os precedentes Governadores Civis. Por este lado ficam coroados os «nossos desejos: esperando que o mesmo succeda «pelo que diz respeito á nossa pretenção de ensaiarmos a cultura do tabaco n'esta ilha.»

Por consequencia dou por completa a minha interpellação sobre este objecto, e devo louvar, se me é permittido, o Governo pela deferencia que teve para com uma sociedade tão recommendavel.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, o illustre Deputado dirigiu-me a sua interpellação em janeiro, mas quando o Governo em 4 de outubro estabeleceu as associações agricolas em todos os districtos, desde logo exceptuou o districto de Ponta Delgada, porque leve conhecimento de que aquella sociedade havia feito muito bons serviços; o que fez foi exigir esclarecimentos sobre o estado da ilha, auctorisando-a a corresponder-se com o Governo directamente. Eu quiz tocar neste ponto, para mostrar, que o Governo já tinha ido adiante dos desejos do illustre Deputado, porque a tinha prevenido em 4 de outubro, quando tractou do estabelecimento destas sociedades.

O Sr. Mendes de Carvalho: — Sr. Presidente, é desnecessario declarar o muito respeito que consagro a S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho de Ministros; mas devo dizer que tenho sido um pouco infeliz nas minhas interpellações dirigidas a S. Ex.ª O anno passado dirigi duas a S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, e S. Ex.ª nunca me deu a honra de as ouvir; uma dellas era sobre o terreiro publico de Lisboa. Este anno em 19 de março tambem por motivos que me fizeram muito pezo, eu tive a honra de convidar a S. Ex.ª para uma interpellação, mas vendo que S. Ex.ª se demorava sobre a attenção della, e que o assumpto era gravissimo, eu pedi a V. Ex.ª renovasse o meu requerimento a este respeito, e é

Página 167

(167)

agora que essa interpellação tem logar, mas os motivos della felizmente têem desapparecido; entretanto sempre direi alguma cousa sobre o referido assumpto.

Sr. Presidente, a Divina Providencia tinha-nos castigado com uma secca que era realmente aterradora, e os hespanhoes, conforme as informações que eu tive de pessoas muito capazes, tinham pela raia secca levado uma grande parte de cereaes da provincia do Alemtejo, a ponto que estando o trigo pelo preço de 220 a 240 réis, em poucos dias subiu a 600 réis. Mas os hespanhoes foram mais providentes do que nós; no seu sólo tambem havia a mesma falta de chuva, que lhe apresentava um estado de muito susto, e então vieram prevenir-se ao nosso paiz, levando para Hespanha uma grande parte dos cereaes que havia no Alemtejo. Ora na provincia da Estremadura as cearas apresentavam um aspecto muito assustador, o que fez com que o pão arratelado tivesse tambem subido, porque é em proporção do trigo vendido ao alqueire. Ora isto que apresentava um quadro medonho, obrigou-me a chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, sobre este objecto; entretanto esses motivos desappareceram, porque a Divina Providencia deixou de nos castigar, e os nossos campos acham-se todos ferteis, não sendo de receiar que a presente colheita seja escaça; é preciso notar, que a escacez que se apresentava, não era assustadora só com referencia ao anno de 1849, era até junho de 1850; por consequencia cessando os motivos porque era dirigida a minha interpellação, escusado é ter já alguma resposta sobre isto; mas aproveito a occasião para lançar na Camara uma idéa. Se infelizmente a secca continuasse em o nosso paiz, e que houvessemos de ter a falta de pão até junho de 1850; eu quereria vêr como o Governo havia de providenciar sobre este assumpto, pelo modo porque se acha montado o chamado — terreiro publico; que eu não sei o que aquillo é? É uma cousa assim chamada; mas eu queria vêr como o Governo se havia de achar, e trago para exemplo o que aconteceu em 1846, que no momento em que havia uma falta de pão nesta capital, em que se vendeu, o pão a 60 réis o arratel, e em que a classe pobre chegou a comer farellos cosidos, por falta de pão; nessa mesma occasião, quando o Governo quiz dar providencias, foi informado pelo administrador do terreiro de Lisboa, que havia o pão sufficiente para o consummo da capital; mas aquelle administrador esteve longe de informar a verdade, porque não a sabia, nem era possivel sabe-la, e no mesmo espaço o Governo deu licença para a saída de 6 mil moios de milho, que veio obrigar a admittir o estrangeiro. E porque se deu esta licença? Porque o Governo não póde saber estas cousas, do modo porque o terreiro esta montado.

Ambiciono muito a discussão do projecto n.º 8, porque muitas verdades hão de apparecer nesta Casa, e muito importantes, quando se tractar desta questão. Em uma palavra, sobre isto não devo dizer agora mais nada; em tempo competente eu chamarei os antagonistas do exclusivo do terreiro publico de Lisboa a campo, que ha de ser quando essa materia se discutir; e já sei que aí hão de vir as theorias e os principios. Mas eu declaro, que já estou farto de ouvir pregar theorias, principios de sciencia, e luzes do seculo 19, e as cousas cada vez peior.

Sr. Presidente, eu não devo cançar por muito tempo a Camara; o ponto principal da minha interpellação caducou felizmente, e avancei unicamente a idéa do terreiro, porque é uma idéa que me punge; o que existe hoje, não presta para nada!... É uma alfandega aonde vai o pão pagar direitos, o que póde muito bem ir ás sete casas, porque onde vai a carne, póde ir o pão. Sobre isto não digo mais nada.

O Sr. Presidente: — Eu devo declarar ao Sr. Deputado que o projecto n 0 8 já esteve em discussão; por muitas vezes tem sido dado para ordem do dia, e mesmo a requerimento do Sr. Deputado foi retirado da discussão, o que fez em nome da commissão de Agricultura, accrescentando que não o deveria dar para a discussão sem ser pedido pela mesma commissão (apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, começo por agradecer ao illustre Deputado a deferencia com que me dirigiu a sua interpellação, e asseguro á Camara que tenho pelo illustre Deputado toda a consideração, não só como membro desta casa, mas como um magistrado muito respeitavel; entre tanto permitta-me que não acceite a accusação que me fez a respeito da pouca deferencia que tive pela sua interpellação, porque a Mesa sabe que eu estava ha muito prompto para lhe responder. A ultima interpellação, que me foi annunciada, foi a do Sr. Cunha, e eu na sessão immediata declarei á Mesa que estava prompto para responder. Espero agora que o Sr. Deputado Pereira dos Reis não venha dizer tambem, que eu tive pouca deferencia para com elle, porque eu estava prompto para responder á sua interpellação; entretanto S. S.ª não esta presente.

Sr. Presidente, a respeito dos cereaes direi ao Sr. Deputado, que é um commercio livre, e que o Governo não se julga auctorisado a prohibir a sua exportação, senão quando a necessidade dos povos o exigir; mas em quanto ao objecto da interpellação direi, que o Governo só teve conhecimento por uma communicação do governador civil de Béja, que algum trigo se exportara, mas que não era coisa que désse cuidado. — Sôbre o terreiro direi, que talvez o illustre Deputado não quizesse emittir uma idéa, entretanto disse, que o terreiro não era nada, porque era uma alfandega; as alfandegas rendem como se sabe, e são as que nos fazem viver em sociedade; mas eu devo accrescentar, que por deferencia á Camara é que não tenho feito publicar uma serie de medidas regulamentares a respeito do terreiro, em consequencia de se achar dado para a discussão o projecto n.º 8, e que faltaria á delicadesa que o Governo deve ter para com a Camara, se nestas circumstancias apresentasse algumas medidas, em quanto senão deliberar a respeito do projecto n.º 8 (apoiados).

O Sr. Mendes de Carvalho: — Sr. Presidente, quando V. Ex.ª ia a dar para ordem do dia o projecto n.º 8, foi então que eu pedi a palavra para dizer, que não se achava auctorisado para o dar para a discussão, e V. Ex.ª atalhou-me dizendo, que quando o projecto viesse a discussão, eu poderia fallar sobre elle.

Ora o anno passado resolveu a Camara, que fosse o projecto á commissão, e que não entrasse em discussão até que ella o pedisse; mas como V. Ex.ª tinha dado esse projecto sem a commissão o ter pedido, por isso é que eu requeri que se retirasse da discussão; mesmo porque a commissão de agricul-

Página 168

(168)

tura na sua maioria era composta de dignos Deputados, que pela primeira vez faziam parte della, e por isso não estavam ao facto dos differente:, documentos que havia a julgar; por consequencia a commissão não estava habilitada a entrar na discussão. Foi esta a razão porque eu disse, que V. Ex.ª não o podia dar para a discussão. A commissão esta revendo esses documentos; logo que esteja habilitada, ella pedíra a sua discussão; porque é uma questão, que é necessario ou approvar-se ou rejeitar-se.

O Sr. Presidente: — Quando a Mesa deu o projecto n.º 8 para a discussão, não havia outro objecto, e a Mesa devia suppôr que a commissão se achava habilitada para entrar na sua discussão. Agora o Sr. Deputado declarou, que sentia que não se tivesse entrado nesta discussão, e parece-me que concluiu dizendo que a commissão ainda não acabou os seus trabalhos. Seria para desejar que se achasse prompta para este debate, a fim do projecto entrar em discussão, na falta d'outros objectos mais graves.

Segue-se a interpellação do Sr. Cunha sobre o contracto do fornecimento das agoas nas casas particulares, sobre esta interpellação devo dizer, que o Sr. Presidente do Conselho de Ministros logo disse que se achava prompto para responder, e por não estar presente o Sr. Deputado é que não teve logar. Isto mesmo já foi annunciado pela Mesa.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, eu vejo tão depreciadas as attribuições parlamentares, e tão falsificada a nossa auctoridade, que direi francamente, que é com bastante repugnancia que tômo a palavra para esta interpellação; mas já que a tenho, limitar-me-hei a perguntar ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros, se effectivamente concedeu o contracto do fornecimento das agoas ás casas de Lisboa a uma companhia, e se esse contracto deve ou não vir á approvação deste Parlamento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, o Governo ouviu a camara municipal, e uma commissão de engenheiros sobre as cinco propostas que lhe foram remettidas para o fornecimento da agoa; entendeu porém que as circumstancias não eram opportunas para levar a effeito um contracto a este respeito, para tirar delle todas as vantagens que eram necessarias em um objecto que deve influir tão directamente no bem estar dos habitantes desta capital. Logo que as circumstancias sejam mais propicias, o Governo ha de tractar deste negocio, como lhe compete, e a Camara póde ter a certeza de que o Governo não ha de sair das suas attribuições. O poder executivo tem attribuições que lhe são concedidas pela Carta Constitucional, mas quando o contracto de que se tracta exceder essas attribuições, o Governo ha de cumprir o seu dever, trazendo ao corpo legislativo esse contracto; mas por ora não ha nada.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu sei que o poder executivo tem attribuições especiaes, estabelecidas pela Carta Constitucional; mas creio que não entra nessas attribuições especiaes a de contractar o fornecimento das agoas pelas casas particulares, e isto é que eu quero que fique bem expresso. Eu explico melhor o meu pensamento. O Sr. Presidente do Conselho declarou que o Governo tem attribuições privativas que lhe dá a Carta Constitucional, independentes do Parlamento; desejo que S. Ex.ª declare á Camara se entende que o contracto das agoas pelas casas particulares entra nessas attribuições privativas do Governo; isto é, se entende que póde fazer esse contracto sem o trazer ao corpo legislativo? Por ora é isto o que pertendo saber de S. Ex.ª

O Sr. Xavier da Silva: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara se me deixa tomar parte nesta interpellação.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, eu não queria entrar nesta questão, mas a gravidade, e a ligação que ella tem com um negocio identico que me obrigou a abandonar os votos dos habitantes desta capital, que me tinham elevado á presidencia do seu municipio, do que muito me honro, porque é o maior brazão que tenho na minha vida publica, é que me leva a tomar parte na questão.

A resposta que deu o Sr. Ministro do Reino deixou-me possuido de certos receios nesta materia. S. Ex.ª na resposta diplomatica que deu, dizendo que o Governo fazia o que estivesse nas suas attribuições; que não excederia os seus deveres etc. póde ser uma resposta muito cabida para satisfazer os animos daquelles que não estiverem, como eu, prevenidos neste negocio; mas depois que se passou na capital um negocio identico, e pelo modo porque tenho visto correi em as cousas muitas vezes, não posso fica» silencioso. Sr. Presidente, todos nós sabemos que o poder executivo tem attribuições suas proprias; todos nós sabemos que o Governo, como poder executivo, tem obrigação de fazer executar as leis; mas todos nós sabemos tambem que o Governo que tem obrigação de fazer executar as leis, não póde revogar essas mesmas leis (apoiados) As camaras municipaes deste Reino tem attribuições suas proprias; essas attribuições estão definidas no codigo administrativo; a camara municipal de Lisboa não é menos que as outras camaras municipaes do Reino; é uma desgraça que a camara municipal de Lisboa esteja tão perto do Governo, porque senão estivesse tão perto, não acontecia o que aconteceu ha pouco na questão do gaz, em que o Governo se entrometteu na parte mais importante da sua administração, e para que isto não acontecesse outra vez, é que eu, que não dei o meu assenso a similhante deliberação, fiz um protesto solemne na municipalidade. Ora para que senão pense que eu dou agora o meu apoio, depois das palavras diplomaticas de S. Ex.ª, peço a S. Ex.ª que se explique francamente sobre esta questão.

A administração das agoas livres não era uma attribuição da camara municipal de Lisboa; por muito tempo este negocio esteve entregue á chamada fabrica das sedas; mas quando acabaram essas corporações antigas, e que entrâmos no systema constitucional, foi necessario restituir ás corporações respectivas as attribuições, que deveram ser sempre suas. A intendencia da policia desappareceu, e por isso tambem as calçadas voltaram para a camara municipal; a illuminação, e a limpeza, a administração das agoas livres, voltou tudo para a camara municipal; mas isto data dos decretos da dictadura de 1833, que se julgaram depois leis deste Reino; mas eu já vi o Governo derogar algumas destas leis, tomando para si attribuições, que lhe não pertencem; e para que não aconteçam mais destes casos é que peço a S. Ex.ª que se explique sobre o negocio, para ou me dar por satisfeito, ou em occasião competente usar da minha iniciativa como Deputado. Eu não hei de consentir que a uma empreza particular se vá entregar a ad-

Página 169

(169)

ministração de uma parte tão importante da saude publica, como é a administração das agoas (apoiados.) Seria para admirar que na administração de que é Presidente do Conselho o Duque de Saldanha tal facto acontecesse! A camara municipal de Lisboa não poderá administrar bem, mas ha de faze-lo melhor do que essas companhias, que se apresentam unicamente com a séde do ganho, e não com o interesse de administrar melhor (apoiados.) Se a camara municipal de Lisboa não fôr boa, o Governo use do direito, que a lei lhe confere, dissolva-a, e os povos tractem de escolher melhor, e então terão a certeza de ser melhor administrados; mas uma companhia particular não póde ser encarregada de similhante objecto. Pela minha parte hei de vir aqui, não só interpellar, mas accusar o Governo, se assim o fizer. Por consequencia peço a V. Ex.ª que convide o Sr. Presidente do Conselho a explicar-se mais francamente sobre este objecto; se S. Ex.ª esta disposto no caso de levar este negocio a effeito, de o trazer primeiro ao Parlamento.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Vou mandar para a Mesa um requerimento, e espero que o Sr. Presidente do Conselho não terá duvida em o approvar. É o seguinte

Requerimento. — Requeiro que se lance na acta a declaração do Sr. Presidente do Conselho de que o fornecimento das agoas pelas casas de Lisboa, não será adjudicado a nenhuma companhia de individuos sem decisão do Corpo Legislativo. — Cunha Sotto-Maior.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Se o illustre Deputado que me precedeu, me tivesse deixado fallar, de certo teria evitado cansar-se tomar tempo á Camara, e talvez dizer alguma cousa desagradavel ao Governo.

O maior cancro da sociedade moderna são os agiotas; e a maior desgraça que nos esmaga é o agiotismo, o ou hei de acabar com elle, ou hei de succumbir (apoiados).

Sr. Presidente, se o Governo tivesse intenção de dar o contracto das agoas livres a uma sociedade, ha muito que o teria feito; o Governo não quer renovação de companhias, como aquellas que hoje existem, que para continuarem estão a cada passo vindo pedir ao Governo, e ás Camaras medidas extraordinarias, (apoiados) Em quanto tiver a honra de ser Ministro, a Camara ha de ver que qualquer contracto que se fizer, ha de ser feito de maneira, que todas as obrigações que se imposerem por esse contracto ás companhias, hão de ser fielmente cumpridas; não ha de ser necessario pedir moratorias para poderem ser levados a effeito esses contractos, porque o Governo ha de exigir dos contradores as garantias.

Ora no caso em que estamos, será possivel fazer grandes cousas? Quem é que não sabe a quanto se acha o dinheiro na praça de Lisboa? E se olharmos para os paizes estrangeiros, no caso em que se acha a Europa, permitte que lá se vão buscar capitaes para esse fim? Por isso é que eu disse que o momento não era propicio; entretanto, o Governo ha muito tomou a resolução, de quando se tractar desse negocio, e agora podia eu fazer uma allusão, perguntando qual é o resultado da navegação a vapôr? Mas quando chegar esse momento, o Governo ha de fazel-o na praça publica, e não terá duvida nenhuma em consultar as Camaras em um negocio tão grave, mas não é pelo que diz o Governo, ou o illustre Deputado que se modificam as attribuições do podér executivo; e tanto direito tem os Srs. Deputados como o Ministerio em sustentar cada um as suas prerogativas; uns e outros tem obrigação de o fazer, (apoiados)

O Sr. Presidente: — Existe as Mesa um requerimento do Sr. Cunha Sotto-Maior para se lançar na acta, que S. Ex.ª não levará a effeito o contracto das agoas, sem o trazer ao Corpo Legislativo. Não sei se S. Ex.ª consente em que se faça esta declaração na acta.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sim, Senhor; não tenho a menor duvida.

A Camara approvou o requerimento do Sr. Cunha Sotto-Maior.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Lopes de Lima para dirigir a sua interpellação ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e da Marinha.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, foi-me confiada uma carta do Rio de Janeiro datada de 10 de fevereiro, na qual se diz que foi preso um official da guarnição da corveta tres, pelas auctoridades do Rio de Janeiro, e posto em custodia em uma prisão indecente. Eu não conheço a pessoa que escreveu esta carta; não posso por tanto affiançar a exactidão do facto; não traz mesmo particularidade alguma sobre o motivo da prisão, e é por isso que provoquei a minha interpellação como uma simples pergunta; porque como Deputado da Nação Portugueza não podia deixar de zelar o decoro dos nossos compatriotas, e muito mais vestindo aquelle a mesma farda, que eu visto, e de que me honro muito.

Peço portanto ao Sr. Ministro queira dizer se acaso tem noticia deste facto, e talvez que a resposta de S. Ex.ª me satisfaça completamente; a carta que vi, não traz particularidade alguma; entretanto relata uma occorrencia desagradavel, e por isso desejo ouvir o Governo a este respeito.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, houve no Rio de Janeiro um acontecimento bastante desagradavel, do qual resultou a prisão de um segundo tenente, por nome, Leitão. O negocio procedeu, creio eu, de que aquelle official teve o infortunio de se alliar não com muito boas companhias, sendo aliás um official de merito e de uma conducta muito regular: foi preso para o quartel de artilheria, e depois foi mudado para o quartel dos permanentes, que correspondem á guarda municipal; isto é, para o quartel general dos permanentes. Eu creio que não será pronunciado, porque tem-se trabalhado quanto é possivel para mostrar, que as accusações que se lhe fizeram, não eram fundadas: eis-aqui o que diz o commandante da corveta, (leu) O negocio já se vê que se apresentou com uma gravidade summa, principalmente no estado actual de effervescencia dos partidos no Rio de Janeiro; entretanto diz o mesmo commandante, (leu)

Torno a dizer; tenho esperanças de que este official não será pronunciado; se o fôr, ha de ir ao jury; porém não ha nada que possa comprometter o nome portuguez, nem a honra portugueza; se o houvesse, a nossa legação, o nosso consulado, e o commandante da corveta, certamente teriam avisado: eis-aqui o que tenho a dizer, accrescentando que é exaggerado o estar o official numa prisão indecente, porque foi em primeiro logar, como já disse, para o

Página 170

(170)

quartel de artilheria, e depois foi passado para o quartel general dos permanente ou guarda municipal.

O Sr. Lopes de Lima: — Eu disse logo desde o principio, que não conhecendo o signatario da carta, porque não era dirigida a mim, não podia affiançar a exactidão de todas as circunstancias que acompanharam o facto; entretanto o que eu vejo é, que mesmo do modo porque o Sr. Ministro o narrou, elle tem bastante de desagradavel: póde ser mesmo, que essa prisão indecente em que o prezo esteve em custodia, fosse esse primeiro quartel, porque talvez não seria uma prisão propria para um official: mas o que admira nisto é uma cousa; é que n'um caso de tanta importancia (e eu dou-lhe muita importancia pelo lado do decóro e honra portugueza), sendo communicado pelo commandante da corveta, que certamente fez o seu dever, e mostra-se ter olhado o caso debaixo do seu verdadeiro ponto de vista, S. Ex.ª o Sr. Ministro não nos informe da existencia de participação alguma da nossa legação, que me parece que devia já ter informado a respeito de um acontecimento desta natureza; com tudo como S. Ex.ª diz, que não ha receio de que seja compromettido o nome e a honra da Nação Portugueza, devo por ora contentar-me com essa segurança até ver o resultado: entretanto receio muito porque eu sei qual é hoje o estado de effervescencia dos animos no Rio de Janeiro, e receio que esse estado de effervescencia cresça com a chegada da náo que para lá foi mandada. Eu conheço a população portugueza no Rio de Janeiro; infelizmente compõe-se de muita gente, que sendo muito honrada, vê pouco, e é facil de electrisar com qualquer cousa; receio pois, que no estado de agitação em que se acham os espiritos, a chegada da náo vá produzir uma maior effervescencia: mas isto são receios; permitta o Ceo que não se realisem. Em quanto á interpellação vejo que não foi inteiramente destituida de fundamento, por que existiu o facto e facto muito desagradavel; tudo quanto se tem passado é bastante penoso para quem tem coração portuguez; mas devo contentar-me com a segurança que S. Ex.ª nos dá, de que a cousa se ha de dirigir de modo, que não fique no fim compromettido o decoro nacional. Agora, visto estar a hora tão adiantada e a Camara vazia, pedirei a S. Ex.ª que tenha a bondade de dizer, quando quererá responder á outra minha interpellação relativamente á questão do padroado da India.

O Sr. Ministro do Negocios Estrangeiros: — Antes de fallar sobre o padroado da India direi, que não partilho os receios do illustre Deputado; se esses receios realmente fossem fundados, nunca deveriamos mandar embarcação alguma para o Rio de Janeiro; estava aquelle porto sequestrado para a nossa marinha. Algumas das nossas forças maritimas estiveram setenta dias em Pernambuco, o foco da revolução, e portaram-se admiravelmente; as suas instrucções são as mais precisas para se conservarem na mais perfeita neutralidade; os commandos teem sido entregues a officiaes da primeira capacidade, e mesmo pelo que acabou de dizer o illustre Deputado, entendo que a estada das nossas embarcações no Rio de Janeiro é de grande proveito para os portuguezes ali residentes; por que, se elles tem as qualidades que S. Ex.ª lhes attribue, com que não concordo perfeitamente, é necessario que ali estejam as nossas embarcações de guerra para lhes fazer saber qual é a conducta que devem ter n'um paiz estrangeiro, porque e necessario que se entenda, que o Brazil é uma nação tão estrangeira para nós, como e qualquer outra, (apoiados) Laços de muita amisade, laços de parentesco, laços de sangue, tudo isto existe ali, e existe felizmente; mas em quanto á independencia nacional é tão estrangeira como a Inglaterra, ou qualquer outra nação (apoiados) por tanto longe de partilhar os receios do illustre Deputado, entendo que á conducta das nossas tripulações hão-de servir de norma os proprios portuguezes residentes ali para modelarem as suas acções, quando tivessem intenção de se portarem de outra maneira.

O Sr. Lopes de Lima: — Peço a palavra para uma explicação...

O Sr. Presidente: — Neste caso não póde haver palavra para explicações....

O Sr. Lopes de Lima: — Mas eu preciso explicar uma cousa que S. Ex.ª entendeu mal....

O Sr. Presidente: — O regimento não permitte explicações neste caso, e eu não me julgo auctorisado para conceder a palavra ao Sr. Deputado.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Perdôe V. Ex.ª; esqueceu-me dizer, que responderei á outra interpellação do illustre Deputado, o mais depressa que possa vir á Camara; não direi que seja ámanhã, mas será o mais depressa que possa.

O Sr. Presidente: — Ainda se acham pendentes algumas interpellações: uma ao Sr. Presidente do Conselho, que ha pouco se annunciou: outra ao Sr. Ministro da Justiça, annunciada em 7 demarco pelo Sr. Faria Barboza, e duas ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, uma do Sr. Pereira dos Reis, annunciada em 9 demarco, sobre a materia do quarto documento appenso ao relatorio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, e outra do Sr. Lopes de Lima, annunciada em 19 de março, sobre o padroado da India, as quaes, se SS. Ex.ªs estiverem habilitados para responder, hão-de ter logar ámanhã em hora de prorogação, porque as interpellações não podem ter logar senão em hora de prorogação, isto é, depois das quatro horas.

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu queria dizer, que me acho habilitado para responder á interpellação que diz respeito á minha repartição, quando a Camara quizer.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia de ámanhã é a continuação do projecto n.º 13, e depois as propostas n.ºs 33, 36, e 20: o n.º 33 é sobre uma proposta do Governo para podér restituir ao serviço militares que ultimamente foram demittidos; o 2.º 36 é sobre pezos e medidas; e o n.º 20 é sobre recompensas militares. E necessario dar mais de um objecto para ordem do dia, porque muitas vezes os Srs. Ministros teem de estar na outra Camara, e não tendo a Camara outros objectos de que se occupar senão aquelles que dependam da presença de SS. Ex.ªs, não tem que fazer, como já succede II em algumas sessões: por consequencia, torno a dizer, a ordem do dia é a continuação do projecto n.º 13, os projectos n.ºs 33, 36 e 20, e na hora da prorogação, as interpellações que estão pendentes. Está levantada a sessão. — Eram quasi cinco horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×