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1834

Propostas do sr. ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, apresentadas á camara dos srs. deputados na legislatura passada, e de que renovou a iniciativa em 14 de julho ultimo.

Senhores. — Altos clamores se têem levantado contra a corrupção da magistratura; a tribuna e a imprensa têem, constantemente reclamado providencias para se remediar o mal; e essas reclamações não são de hoje, datam de epocha mais remota: foram já ellas as que deram origem á lei de 21 de julho de 1855, em que se basearam tantas esperanças de moralidade, mas que a experiencia demonstrou não passar de uma funesta decepção.

Essa unisonancia de vozes, que se elevam, não póde deixar de despertar a attenção dos poderes publicos; pois revela a existencia da falsa posição, em que se acham alguns magistrados que, com rasão ou sem ella, perderam o prestigio e o conceito de imparcialidade, sem o que é impossivel que as suas decisões possam ter força moral.

A balança da justiça deve estar entregue a mãos firmes, que nem a deixem vergar com o peso do oiro, nem oscillar com a influencia das considerações humanas; e a sua espada nem deve pesar sobre a innocencia, nem deixar de caír sobre o crime; quem não seguir esta trilha não deve conservar uma toga; infelizmente (nem nós somos uma excepção), em todos os tempos, em todas as nações têem havido magistrados corrompidos, nem isto é um vicio privativo da magistratura, dá-se em todas as associações, em todas as classes, até mesmo se verificou no apostolado.

Mas se esta é a regra, se se póde affirmar, sem erro, que não ha classe alguma na sociedade, que não tenha um ou outro membro que, desviando-se dos seus deveres, se não deslise da vereda da honra, é todavia inquestionavel que a corrupção na magistratura é a mais consequente, a mais prejudicial, a mais desastrosa para a sociedade, porque d'ella pendem os destinos da propriedade, da honra, e até da vida do cidadão: cumpre portanto que d'esta corporação se separe qualquer membro putrido, e direi mesmo aquelle que, não o estando, tiver o infortunio de apresentar symptomas de corrupção, para que a suspeita não fim nem levemente o prestigio das augustas funcções que a lei confere a tal corporação.

O espirito humano, cumpre não dissimula-lo, é sempre propenso para a exageração; e assim é de crer que o mal não lavre tão fundo, como a muitos se affigura; ao contrario, sinto viva emoção em dizer que muitos, a maior parte dos membros do poder judicial em Portugal, são o prototypo da honra, o typo da probidade, e, attentando para a mesquinhez com que entre nós são compensados os arduos trabalhos inherentes ao desempenho das attribuições de julgador, poderemos orgulhar-nos por possuirmos uma magistratura na maxima parte de seus membros tão respeitavel e justiceira, que nem a calumnia se atreve a suspeita-los.

Dado porém que sejam poucos na magistratura os juizes contaminados, dado mesmo que procedimentos irreflectidos, e na apparencia censuraveis, mas no fundo não criminosos, ou outras circumstancias de fatal desgraça, tenham levado a desconsideração e o desconceito a certos julgadores, é certo que o corpo da magistratura no seu todo deve ser e parecer tão puro como é a verdade, tão recto como é a justiça.

Esta questão, no ponto a que se acha elevada, não póde ficar sem solução, é uma questão de moralidade, e sem moralidade as nações podem arrastar-se no lodo do vicio até á sua completa dissolução; mas não podem prosperar: qual será porém o meio de saír da difficuldade? A accusação do crime, ou o arbitrio do poder?

Segregar da magistratura os juizes corrompidos por meio da accusação criminal seria por sem duvida o caminho legal se fosse possivel colligir as provas necessarias para a condemnação; porém as transacções da corrupção de ordinario são effectuadas por corretores n'ellas interessados, que não as reduzem a escriptos que os comprometta; e que, quando chamados a juizo como complices, negam os factos, tornando-se portanto estes crimes de difficil prova.

O exame das decisões e actos do magistrado, á vista dos processos, não póde, em regra, ministrar uma base solida para a accusação. No meio do labyrintho de interpretações varias, de leis mais ou menos explicitas; no meio da difficuldade proveniente da apreciação das provas, admittidas em direito para discernir se a sentença foi filha da convicção ou da venalidade; seria mister possuir um dom divino para descer, á consciencia do julgador; acrescendo que mesmo a sentença justa póde ter sido o effeito da convenção, e comprada a peso de oiro: a justiça do julgado não é exclusiva da venalidade.

Talvez não seja temeraria a opinião dos que acreditam que o povo tem um instincto admiravel para apreciar e aquilatar a conducta dos magistrados, e para differençar quaes são as togas onde o brilho da pureza não se acha embaciado pelas nodoas da corrupção; porém elevar esse juizo, ou a opinião publica, á categoria de prova juridica, seria arriscar a innocencia e animar a calumnia; mas, por outro lado, cruzar os braços quando essa opinião, mais ou menos justa, exautora o magistrado, e lança sobre as suas decisões a suspeita da parcialidade, seria sacrificar ao individuo os graves interesses da communidade social.

N'esta difficil conjunctura não falta quem insinue o arbitrio; mas eu entendo que o arbitrio collocaria o poder judicial á discrição do executivo, e que um ministro que respeita a constituição, nem teria a temeridade de o pedir, nem a indiscrição de o aceitar.

Dos dois remedios pois — a accusação ou o arbitrio —, bem se alcança que um quase sempre é inefficaz, o outro incompativel com a liberdade; aquelle produz senão o incremento, o estacionamento do mal; este conduz, ao despotismo, que é a consequencia da invasão dos poderes.

Seria comtudo, viciosa a organisação, social em que um poder, seja qual for a sublimidade da sua missão e a respeitabilidade das suas attribuições, se arrogasse uma independencia illimitada para todos e cada um de seus membros, e para estes uma perpetuidade de funcções sobranceira ao desconceito da opinião, publica. A carta constitucional estabelece a independencia do poder judicial, porém consistindo essa independencia na divisão dos poderes politicos, independentes são todos os poderes do estado; são sim independentes os poderes, não são os individuos em frente da lei; e seria affrontar a memoria do legislador o pensar, que elle com taes prescripções quiz estatuir um privilegio de pessoas, e não uma garantia para a sociedade.

A carta constitucional só manda acatar como constitucional o que respeita aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos, e aos direitos politicos e individuaes dos cidadãos, todas as outras disposições podem ser reguladas e modificadas por leis ordinarias; se assim não fóra, dado o principio da perpetuidade dos juizes, nenhum poderia ser aposentado contra sua vontade, nem por inhabilidade proveniente de molestia, nem por debilidade e entorpecimento das suas faculdades manifestada no exercicio das funcções judiciaes: uma tal asseveração ultrapassava a meta do absurdo, e attingia a insensatez.

As legislaturas passadas já assentaram o principio da aposentação involuntaria, ou forçada, nas leis de 9 de julho de 1849 e 21 de julho de 1855.

O meio da aposentação, a meu juizo, é pois o remedio legal de que se deve lançar mão: não desconheço que a mencionada lei de 21 de julho de 1855, fructo já das exigencias da moralidade contra a corrupção, não produziu os desejados effeitos, nem era possivel, porque em si mesma levava incarnado o germen da sua inefficacia; mas, assentada em novas bases, é minha opinião que conseguiremos o fim.

Não falta quem objecte que a aposentação involuntaria ou vae ferir o innocente, ou galardoar o criminoso; que para aquelle é um castigo, para este um premio: não deixa de ser metaphysico o raciocinio que ao mesmo procedimento attribue duas naturezas heterogeneas; o que é certo é que a aposentação não tem caracteristico algum de penalidade, e pelo contrario, que sempre na nossa legislação foi considerada como premio dado aos empregados que contam longos annos de serviço ao estado: é portanto insustentavel a primeira das asserções. Vejamos se procede a segunda.

É certo que a aposentação póde recair no criminoso, o qual merecia a demissão: se esta podesse ser fulminada, aquella seria um premio; mas na carencia de provas de criminalidade, não se verificando a aposentação, o criminoso prosegue a perceber o seu ordenado, e ao mesmo tempo os proventos da sua venalidade; portanto para elle não é premio, porque vae quebrar-lhe nas mãos o instrumento da prevaricação, e a lei torna-se generosa, porque não póde usar de severidade; e torna-se generosa, porque assim o exige o interesse publico.

Em presença de taes considerações não hesito em reconhecer a utilidade de excluir da magistratura por meio da aposentação aquelles juizes que, não podendo ser processados como prevaricadores, no conceito geral são como taes reputados, e tem perdido o credito e o prestigio, não podendo portanto dar ás suas, seu tenças a força moral isenta de todas as suspeitas.

Um jury consciencioso, sem estar adstricto ao rigor das provas juridicas, deve consultar a aposentação; e se bem que eu entenda que a lei o póde organisar a seu arbitrio, acho conveniente que, como tal, seja constituido o supremo tribunal de justiça, a quem estão commettidas todas as attribuições respeitantes a aposentações; já porque elle é o mais interessado em livrar a magistratura dos membros que podem concorrer para torna-la suspeitosa e desconsiderada, já porque os creditos de que gosa dão garantias á sociedade de que bem desempenhará esta missão, sem que possa objectar-se-lhe o nenhum resultado da lei de 1855, que é só devido, como já disse, aos seus innatos defeitos: n'esta convicção pois tenho a honra de vos apresentar a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° Os juizes, qualquer que seja a sua graduação, poderão ser aposentados não só nos casos mencionados nas leis de 9 de julho de 1849 e 21 de julho de 1855, como tambem quando hajam perdido o prestigio indispensavel para dar orça moral ás suas decisões.

Art.. 2.° Para a aposentação dos juizes, no caso mencionado no artigo antecedente, e no do n.° 2 do artigo 1.º da referida lei de 21 de julho de 1855, o supremo tribunal de justiça, delibera como jury, sem estar ligado aos principios estrictos que regulam as provas juridicas.

§ unico. A aposentação, assim concedida, como exigencia do bem publico, nunca poderá servir de argumento contra a honra dos aposentados.

Art.. 3.° O juiz que, sendo accusado criminalmente por qualquer motivo, for absolvido, mas, tiver contra si um terço, ou mais, dos votos dos juizes da ultima decisão, poderá ser aposentado.

Art.. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 9 de janeiro de 1861. = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.