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1994

Propostas do sr ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, apresentadas á camara dos senhores deputados na legislatura passada, e de que renovou a iniciativa em 14 de julho ultimo.

Senhores. — O estado das prisões em Portugal, não obstante alguns melhoramentos n'ellas introduzidos, é tal que reclama imperiosamente a attenção dos poderes publicos. Quem conhece que nas nossas cadeias se encontram promíscua e confusamente misturados adolescentes e adultos, detidos e indiciados, accusados e sentenciados a diversas penas e por differentes crimes; quem entra n'aquelles recintos, onde uma atmosphera infecta definha e enerva as forças do corpo, e onde uma escola constante de immoralidade transvia a innocencia, extingue os vestigios da honra e pundonor, nivela a irreflexão com a preversidade, e aniquila toda a esperança de emenda futura, não deve adiar para mais tarde a solução de uma questão em que são empenhados o bem-ser social, a humanidade e a moral. Todavia a reforma das prisões depende de resolver preliminarmente qual o systema penitenciario que deveremos adoptar.

A prisão, em outros tempos simples providencia de precaução e segurança, passou a ser considerada como pena: na America do norte surgiram então dois systemas rivaes: a philosophia, a jurisprudencia, a moral, a humanidade, a economia, todas prestaram meditados estudos e valiosos argumentos para avaliar aquelles systemas, e as radicaes modificações que posteriormente se lhes têem feito; e depois de profundas locubrações, de renhidas lides scientificas, de dados estatisticos colhidos por detidos exames e aturadas experiencias; depois da luz lançada sobre a materia pelos illustrados congressos de Bruxellas e Francfort; depois dos escriptos de sabios, alguns dos quaes, ao começo obstinados, mais tarde sacrificavam as suas opiniões theoricas ás verdades por elles apalpadas; podemos considerar como assentadas duas asserções: 1.ª, a condemnação do systema de prisão collectiva, ainda mesmo modificada pela classificação ou pelo silencio; 2.ª, a preferencia dada ao systema de prisão cellular com completo isolamento de preso para preso.

Todos os argumentos humanitarios justamente levantados contra a prisão cellular com completo isolamento, que, longe de emendar e moralisar, embrutecia e matava, caem por terra quando esse isolamento for só de preso para preso, e não para com outras pessoas, facilitada a communicação por meio de judiciosos regulamentos.

O homem, por natureza social, ama a convivencia, mas afasta-lo do trato com os criminosos, e pô-lo em contacto com pessoas honestas, não é sequestra-lo á sociedade, é sim trancar-lhe o caminho do crime, e tornar-lhe accessivel a estrada da virtude, é facilitar-lhe a rehabilitação moral, sem que periguem nem o bem-estar physico, nem as faculdades mentaes.

O systema de prisão cellular com completo isolamento de dia e de noite, mas só de preso para preso, onde, alem de uma paternal e vigilante administração, haja a instrucção intellectual, professional, moral e religiosa, e onde o trabalho se proporcione ás diversas condições, tem a excellencia de ser applicavel a todas as categorias de detidos, presos e condemnados, a homens e a mulheres, a mancebos e a adultos; molda-se a todas as gradações da penalidade; e é o meio mais efficaz de moralisar e produzir a emenda, resultando d'ahi a diminuição das reincidencias, e a desnecessidade da pena do prisão perpetua, que materialisa o individuo, tolhe a reforma moral e a rehabilitação, e lança sobre a sociedade um encargo permanente, sem esperança de indemnisação.

Não carecemos, senhores, de reproduzir aqui os argumentos com que os mais habeis escriptores estrangeiros têem dado a preeminencia ao systema penitenciario; da prisão cellular, modificada pela fórma referida; mas não deixaremos de dizer que com elles vão de accordo os illustres escriptores patrios que habilmente têem tratado a materia, e que este mesmo systema é o adoptado na primeira parte da divisão do codigo penal, onde se dá desenvolvimento ao systema penitenciario que nos ha de reger.

Sendo pois nosso intuito dar começo á reforma das cadeias, e devendo estas ser edificadas de uma fórma adaptada ao systema a seguir, é indispensavel que preliminarmente este seja definido e decretado pelo poder legislativo.

Não dissimulamos que uma ponderosa objecção se póde oppor, a saber: que grandes sommas é mister despender para se conseguir o fim; porém se não é possivel que permaneçamos no opprobrioso estado em que nos achámos, respeito a cadeias; se temos de encetar a sua reforma; gastemos o dinheiro utilmente: se o sacrificio é penoso seja graduado segundo as circumstancias: os grandes melhoramentos sociaes não são obra de um dia; havendo vontade e perseverança tudo se alcança, e a dignidade não consente que ao calculo das cifras se vão immolar as reclamações da moral.

Emquanto esta obra da civilisação não chegar ao seu complemento, seremos forçados pela lei da necessidade a fazer uso das prisões actuaes, e por isso consideramos indispensavel que sejam melhoradas as suas condições hygienicas, e que sejam adaptadas, quanto possivel for, para fazer cessar a promiscuidade de idades e de crime, e estabelecer a classificação com preferencia aquella, e a separação individual com preferencia a esta.

Se não estivera, como está, tão adiantada a revisão do codigo penal, trabalho que breve será apresentado á vossa consideração, nós não omittiriamos o propôr providencias respeitantes a dois grandes auxiliares do systema penitenciario; fallamos das liberdades provisorias, e das detenções supplementares: mas esta materia tem lá designado assento, e não tardará, segundo cremos, que esses melhoramentos sejam decretados pelo poder legislativo, para logo serem levados á pratica.

Attentas taes ponderações, temos a honra de vos apresentar a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° As prisões em Portugal serão feitas segundo o systema cellular, havendo separação de preso para preso, tanto de dia como de noite, até mesmo no trabalho.

§ unico. Será permittida a communicação com outras pessoas, e bem assim de preso para preso, sendo parentes, ou quando tiverem dado provas exuberantes de bom procedimento. Os casos, em que esta communicação poderá ter cabimento, serão determinados nos respectivos regulamentos.

Art.. 2.° Fica consignada a quantia de 25:000$000 réis annuaes para o governo adquirir o terreno apropriado, e fazer edificar uma prisão cellular onde julgar ser mais conveniente; podendo a mesma consignação servir para garantir o juro e amortisação de um emprestimo, afim de que mais promptamente se leve a effeito aquella edificação.

§ 1.° O governo fica auctorisado a crear as inscripções necessarias que sirvam de garantia ao emprestimo, quando este tenha de se realisar, devendo dotar ajuntado credito publico com os meios necessarios para fazer face a este encargo.

§ 2.° O juro do emprestimo não poderá exceder a 7 por cento.

Art.. 3.º Alem das prisões cellulares que se fizerem por conta do estado, haverá uma prisão pelo mesmo systema em cada districto, em que o governo julgar conveniente.

Art.. 4.º As juntas geraes de districto providenciarão aos meios necessarios para a edificação das prisões cellulares districtaes, podendo para esse fim levantar emprestimos sobre as quantias procedentes de imposições lançadas na fórma das leis existentes.

§ unico. Para os emprestimos deverá preceder auctorisação do governo sobre consulta affirmativa do conselho distado.

Art.. 5.° O governo mandará levantar as plantas, e organisar os orçamentos das prisões districtaes, e fornecerá os engenheiros para regular e fiscalisar os trabalhos da sua edificação.

Art.. 6.° Nenhuma prisão, ainda que não seja districtal, se poderá de futuro edificar, que não seja sujeita ao systema cellular, e com precedente auctorisação do governo.

Art.. 7.° Ás prisões actualmente existentes serão mandadas examinar pelo governo, para se melhorarem as suas condições hygienicas, e fazerem-se-lhes quaesquer divisões ou alterações que forem necessarias, devendo alem da indispensavel separação de sexos, ter attenção, tanto quanto for possivel, e pela ordem da sua enumeração, aos seguintes principios.

1.º Separação de individuo para individuo.

2.º Separação de adolescentes e adultos.

3.º Separação de detidos, indiciados e condemnados.

4.º Classificação de crimes.

§ unico. Sem auctorisação do governo não se farão alterações ou acrescentamentos nas cadeias existentes.

Art.. 8.° Ás camaras municipaes incumbe a despeza que tenha de se fazer com as cadeias comarcas e concelhias, e bem assim o seu custeio e pagamento a carcereiros.

§ unico. Se as despezas a fazer por qualquer camara para os fins mencionados no artigo antecedente forem taes que vão onerar sobremaneira o municipio, o governo poderá conceder-lhe um subsidio, que não excederá a 50 por cento do quantia orçada.

Art.. 9.° Para sustento dos presos são applicadas:

1.° Quaesquer quantias que em virtude de disposições testamentárias ou inter vivos estejam destinadas para esse fim;

2.° Dez por cento (se tanto for necessario) dos rendimentos das misericordias, irmandades e confrarias, provenientes de bens proprios ou juros de capitães, comtanto que se não offendam nem outras disposições de doações de quaesquer bemfeitores, nem as disposições terminantes dos compromissos.

§ unico. Nos orçamentos respectivos dos mencionados estabelecimentos esta despeza será considerada como obrigatoria.

Art.. 10.° Toda a mais despeza com os alimentos dos presos, que não estiverem definitivamente condemnados, será feita metade pelas respectivas camaras, e metade pelo governo; a despeza feita com os presos definitivamente condemnados fixa exclusivamente a cargo do governo.

§ unico. A camara, que fizer despeza com presos que não forem do seu municipio, tem direito a have-la d'aquellas camaras a cujos municipios os presos respeitarem.

Art.. 11.º Apenas se tenha providenciado ao sustento dos presos na fórma dos artigos antecedentes, será inteiramente vedada toda a communicação livre e externa, e apenas permittida a communicação interna com funccionarios, parentes e amigos, na fórma que for prescripta nos respectivos regulamentos.

Art.. 12.° Quando de futuro a cadeia districtal dispense a da comarca onde aquella estiver situada, a camara respectiva concorrerá em cada anno para as despezas da cadeia districtal com uma quantia igual á que resultar do termo medio da despeza feita pelas camaras de todas as outras cadeias do districto no anno anterior.

Art.. 13.° Em cada districto, comarca ou concelho em que haja uma ou mais prisões, fica creada uma commissão administrativa composta da maneira seguinte:

NAS CABEÇAS DE DISTRICTO

1.° Do governador civil, que será o presidente.

2.° Do juiz de direito.

3.º Do presidente da camara municipal.

4.° Do parocho da freguezia onde estiver situada a cadeia principal.

5.° De um cidadão nomeado pela camara municipal dentre os quarenta maiores contribuintes.

NAS COMARCAS

1.° Do juiz de direito, que será o presidente.

2.° Do administrador do concelho.

3.º Do presidente da camara municipal.

4.º Do parocho da freguezia onde estiver situada a cadeia.

5.° De um cidadão nomeado pela camara municipal d'entre os quarenta maiores contribuintes.

NOS CONCELHOS

1.° Do administrador do concelho, que será o presidente.

2.º Do presidente da camara municipal.

3.º Do parocho.

4.° e 5.º De dois cidadãos nomeados pela camara municipal d'entre os quarenta maiores contribuintes.

§ unico. Nas cabeças de districto, em que houver mais de um juiz de direito criminal, será membro da commissão aquelle em cujo districto estiver situada a prisão principal. O mesmo se entenderá a respeito do administrador, quando haja mais de um.

Art.. 14.º A estas commissões administrativas incumbe:

1.° Promover o estabelecimento de novas cadeias.

2.º Promover o melhoramento das actuaes conforme as prescripções d'esta lei.

3.º Fiscalisar a administração interna.

4.° Examinar se os regulamentos são cumpridos, e faze-los observar.

5.º Promover a instituição de associações de protecção aos presos que forem soltos, e que d'ella careçam.

6.º Propor ao governo as reformas e providencias que julgar convenientes.

7.º Desempenhar todas as mais obrigações que no respectivo regulamento lhes forem incumbidas.

Art.. 15.° Os agentes do ministerio publico examinarão todos os mezes as cadeias; requererão perante as commissões administrativas o que julgarem conveniente; e por intermedio de seus superiores darão conta ao governo, quando as suas requisições não sejam attendidas.

Art.. 16.º O governo fará os regulamentos que forem necessarios para a execução d'esta lei.